Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/17.9FDCBR-Y.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PERDA CLÁSSICA DE BENS
PERDA ALARGADA DE BENS
CONGRUÊNCIA ENTRE O PATRIMÓNIO DO ARGUIDO E OS SEUS RENDIMENTOS LÍCITOS
PERDA DE PATRIMÓNIO
ARRESTO DE BENS DO ARGUIDO
BENS NA TITULARIDADE DO ARGUIDO
BENS DE ORIGEM LÍCITA
IMÓVEL COMUM
CONCEITO DE “TITULAR”
Data do Acordão: 12/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 109.º E 110.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 7.º, N.º 1, 9.º E 10.º DA LEI N.º 5/2002, DE 11 DE JANEIRO
Sumário: I - Com a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, ao lado do regime da perda clássica, dos artigos 109.º e 110.º do Código Penal, o legislador criou o regime de perda alargada, onde o que está em causa é a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos, presumindo a lei, na falta de prova em contrário, que a diferença entre o valor do património e o que seja incongruente com os rendimentos lícitos constitui vantagem de actividade criminosa.

II - Para aplicação do regime da perda alargada é necessário que haja condenação por um dos crimes de catálogo e que exista uma diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.

III - No regime da perda alargada o que se declara perdido é o valor do património incongruente e não bens concretos

IV - Em complemento deste regime substantivo o legislador estabeleceu a possibilidade do arresto de bens do arguido, no valor correspondente ao valor apurado como constituindo vantagem da actividade criminosa, sendo-lhe aplicável, em tudo o que não contrariar o disposto na Lei, o regime do arresto preventivo previsto no C.P.P.

V - Este arresto incide sobre bens que estejam na titularidade do arguido, mesmo com origem comprovadamente lícita e que possam não integrar o conceito de património relevante para efeitos de cálculo do património incongruente.

VI - Na medida em que esteja na titularidade do arguido e que este tenha sobre o mesmo o domínio e benefício, um imóvel comum integra o conceito de património para efeitos do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.

VII - A expressão “titular” compreende o direito de propriedade e outras formas jurídicas.

Decisão Texto Integral: Relator: cândida Martinho
Adjuntos: Maria José Santos Matos
Ana Paula Grandvaux


Acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.Relatório

1.

…,  na sequência de requerimento apresentado pelo Ministério Público, com referência à Liquidação de Perda Ampliada de Bens a favor do Estado, deduzida nos autos principais contra vários arguidos, entre os quais o ora arguido … Silva, foi requerido o Arresto de Bens em conformidade com o disposto nos artigos 10º e 11º da Lei 5/2002 de 11 de janeiro, vindo na sequência do mesmo a ser proferida a decisão recorrida, com data de 15/11/2024.

…, veio a ser julgada procedente a providência requerida, constando do seu dispositivo, na parte que ora interessa ao recorrente, o seguinte.

“Pelo exposto, de acordo com os artigos 7.º, n.º 1, 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2202, julga-se procedente a providência requerida, e, nessa sequência, decreta-se o arresto como constituindo vantagem da atividade criminosa:

(…)

XI – Relativamente ao arguido … Silva pelo valor que previsivelmente seja declarado perdido a favor do Estado no valor de 130.984,09€.

(…)

Nos termos do disposto no artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro,  decreta-se o arresto de bens, até ao limite dos valores que se pretende acautelar e supra referidos :

(…)

XI – Relativamente ao arguido … Silva:

a. Saldos das contas bancárias de depósitos à ordem tituladas ou co-tituladas pelo arguido, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras que estejam associadas àquelas, e que não constituam garantia de contratos de mútuo, nomeadamente as anteriormente indicadas e sem prejuízo de outras que venham a ser identificadas.

b. Bens imóveis: Prédio urbano …

c. Viaturas anteriormente indicadas.

(…)”.

2.

Não se conformando com o decidido, veio o arguido …, interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O objeto primordial do presente recurso é a impugnação interposto do douto despacho que decretou a providência cautelar de arresto sobre a totalidade do prédio urbano …

3. O Arguido apenas é proprietário da quota-parte de ½ do prédio urbano arrestado, dado que a remanescente quota-parte de ½ é da sua esposa;

4. Sendo que, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do desse cônjuge, nos termos do artigo 1696 do Código Civil;

5. Apenas e só, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns do casal;

6. Neste sentido, tendo sido arrestado um bem comum do casal, a cônjuge do Arguido não foi citada para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de o arresto prosseguir sobre os bens comuns;

7. Assim, dúvidas não restam que o despacho proferido quanto a este ponto específico deve ser alterado, por excessiva, na abrangência patrimonial excessiva da quota-parte arrestada da cônjuge do Arguido;

3.

O Ministério Público junto da primeira instância veio responder …

           

4.

            O Exmo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer …

            5.

Cumprido o artigo 417º, nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.

     

6.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.

II. Fundamentação

Com vista a sustentar a ilegalidade do arresto sobre a totalidade do imóvel, alega o recorrente o facto de pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges apenas responderem os bens próprios desse cônjuge, nos termos do artigo 1696 do Código Civil e só, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns do casal, pelo que,  tendo sido arrestado um bem comum do casal, a sua cônjuge deveria ter sido citada para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de o arresto prosseguir sobre os bens comuns.

Adiantando já a nossa conclusão, cremos que a alegação do recorrente carece de qualquer fundamento.

Vejamos.

Tal como consta da decisão recorrida, e não vem questionado no presente recurso, o arresto em causa foi decretado ao abrigo do regime estabelecido no artigo 10° da Lei n.º 5/2002, de 11/1.

Este diploma, que veio estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, consagra, conforme decorre do seu artigo 1º, um regime especial em matéria de recolha de prova, quebra de sigilo profissional e perda de bens a favor do Estado relativamente a um “catálogo” de crimes que se caracterizam pelo grau de sofisticação e organização com que são praticados, e pela sua capacidade de gerar avultados proventos para os seus agentes.

Estão em causa medidas que se inserem num movimento generalizado ao nível do direito internacional e europeu que visam, no essencial, demonstrar, quer ao condenado, quer à comunidade em geral, que “o crime não compensa”, pretendendo-se através daquelas impedir que aquele que for condenado pela prática de crime que lhe permitiu obter elevados proventos, possa conservar no seu património as vantagens que assim obteve; pretende evitar-se, dessa forma, que quem pratica tais crimes e pelos mesmos é condenado, não fique com o sentimento de que o crime “valeu a pena”.

Como referiu Cruz Bucho, in a “A Transposição da Diretiva 2014/42/UE. Notas à Lei n.º 30/2017 de 30 de Maio (aspetos processuais penais)”, “ O Novo regime de Recuperação de Ativos à Luz da Diretiva 2014/42/EU e da Lei que a transpôs, 1ª Edição 2018, página 185 e seguintes) considera que uma das principais motivações da atividade criminosa é o lucro, “eliminar os lucros e garantir que o “crime não compensa” constitui, assim, um mecanismo bastante eficaz na luta contra a criminalidade. (…) O confisco, enquanto instrumento de recuperação de bens de origem criminosa, passou, assim, a ser considerado uma prioridade, estratégica enquanto meio eficaz para combater o crime organizado e outras formas graves de criminalidade”.

Neste contexto, o legislador português veio criar, ao lado do regime geral da perda de instrumentos e produtos do crime (artigos 109º do Código Penal) e da perda de vantagens (artigo 110º), a denominada perda clássica, um regime de perda ampliada (artigo 7º da referida Lei n.º 5/2002) que abrange bens que não se conseguem relacionar com um qualquer crime concreto.

Assim, enquanto que na denominada perda clássica, a perda dos instrumentos, produtos e vantagens pressupõe que os mesmos foram obtidos como resultado da prática de um concreto facto ilícito, exigindo a prova, no processo, da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e o correspondente proveito patrimonial obtido, na perda alargada de bens não se exige esta demonstração.

No regime da perda alargada já não estão em causa apenas as vantagens “diretamente resultantes da prática do crime”, mas a existência de um património incongruente com os rendimentos lícitos e que o arguido não consegue de forma licita justificar”, a perda alarga-se, por isso, a tudo aquilo “que não é congruente com os seus rendimentos lícitos e que, por isso, se presume “constituir vantagem de atividade económica” (João Conde Correia, Anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2014, O arresto preventivo dos instrumentos e dos produtos do crime, na Revista Julgar on line – 2014).

Com este regime, e em caso de condenação por um dos crimes integrantes do catálogo previsto no seu artigo 1º, analisa-se a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos, sendo declarado perdido a favor do Estado o valor do património do arguido que seja excessivo em relação aos seus rendimentos lícitos, se o arguido não ilidir a presunção de que esse património excessivo resultou da atividade criminosa ( Acórdãos da Relação de Guimarães de 12/07/2016 ( relator Cruz Bucho) e de  20/03/2017, relator Fernando Chaves e de 19/06/2017) disponíveis em www.dgsi.pt).

Assim, o artigo 7º da referida Lei 5/2002 dispõe que para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja incongruente com o seu rendimento licito (n.º 1) entendendo-se, para efeitos desta lei, por “património do arguido” (n.º 2) o conjunto dos bens: a) que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, c) recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.

Existindo património, este há-de ser apurado “em termos suficientemente amplos para que se minimize a possibilidade de ocorrência de fraude, ou ocultação do seu verdadeiro titular”.

Para aplicação deste regime da perda alargada é, pois, necessário que haja condenação por um dos crimes de catálogo (os previstos no artigo 1º da referida Lei n.º 5/2002) e que exista uma diferença entre o valor do património do arguido (integrado pelos bens enumerados nas referidas alíneas a) a c), do n.º 2 do artigo 7º) e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.

Existindo essa incongruência de valores, a lei presume que tal diferença constitui vantagem de uma atividade criminosa, podendo o arguido oferecer prova no sentido de demonstrar a origem lícita dos bens por qualquer meio de prova válido em processo penal (artigo 9º n.º 1 e 2 da Lei n.º 5/2002), ilidindo a presunção estabelecida no n.º 1 o referido artigo 7º.

Trata-se de uma presunção iuris tantum, que cabe ao arguido ilidir e que é ilidida (n.º 3 do artigo 9º) se se provar que os bens resultam de rendimentos de atividade licita, estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da sua constituição como arguido ou que foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no referido período.

Em complemento deste regime substantivo de confisco alargado, o legislador estabeleceu ainda a possibilidade do arresto de bens do arguido, no valor correspondente ao apurado, como constituindo vantagem da atividade criminosa.

É o que decorre do disposto no artigo 10º da Lei n.º 5/2002 que prescreve que para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7º é decretado o arresto de bens do arguido (n.º 1), o qual pode ser requerido a todo o tempo pelo Ministério Público (n.º 2), logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, sendo decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime (n.º 3).

Ao arresto, e em tudo o que não contrariar o disposto na Lei n.º 5/2002, é aplicável o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal (n.º 4 do referido artigo 10º).

Volvendo-nos no caso vertente, como decorre da decisão recorrida, concluiu-se pela verificação dos requisitos para o decretamento do arresto, o que, aliás, o recorrente não discute no presente recurso, mas apenas que tal arresto, no que se refere ao bem imóvel, possa incidir sobre a totalidade do referido bem imóvel.

Aqui chegados, temos que o referido bem imóvel foi arrestado ao abrigo do artigo do artigo 10º da Lei 5/2002, pelo que, não restam dúvidas, como já adiantamos, de que se lhe aplica o regime da perda alargada de bens previsto nos artigos 7º a 12º da Lei 5/2002, valendo as considerações que fomos expondo.

E, assim sendo, não assiste razão ao recorrente quanto à invocada ilegalidade do arresto no que se refere à totalidade do bem imóvel, desde logo, quando sustenta que não sendo o imóvel em causa um bem próprio não poderá responder pela dívida que o arresto pretende assegurar.

Sem razão.

Com efeito, o arresto a que se reporta o citado artigo 10º não opera por referência ao património contaminado, ou melhor, por referência ao património incongruente, tal como definido no artigo 7º da mesma Lei.

Neste arresto, não é necessária a prova da conexão entre um determinado bem e a prática do crime, antes valendo a presunção operada pelo legislador (no referido artigo 7º) que aponta no sentido de considerar como vantagem “de” atividade criminosa o valor da incongruência patrimonial, ou seja, da diferença entre a totalidade do património e os rendimentos lícitos do arguido durante determinado período.

Por isso, na identificação do património não intervém qualquer juízo quanto à proveniência lícita ou ilícita dos bens, mas sim a identificação do valor da incongruência, que opera por referência à totalidade do património, por um lado, e ao rendimento lícito, por outro.

O que está em causa é uma situação patrimonial inexplicável, presumivelmente proveniente de atividade criminosa, que, todavia, o Ministério Público não consegue imputar a um qualquer concreto crime.

Atente-se que no regime da perda alargada consagrado na Lei n.º 5/2002 o que se declara perdido é esse valor do património incongruente e não os bens concretos.

E é para garantia do pagamento do valor da incongruência patrimonial (determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7º) que é decretado o arresto de bens do arguido, podendo, dessa forma, ser arrestados quaisquer bens que estejam na titularidade do arguido, ainda que tenham origem comprovadamente lícita e ainda que possam não integrar o conceito de património relevante para efeitos de cálculo do património incongruente.

Assim, se o facto de os bens arrestados terem sido licitamente adquiridos, deve obstar a que possam ser considerados no cômputo do valor do património incongruente, já não obsta a que possam ser arrestados nos termos previstos no artigo 10º da referida lei.

A consequência, por exemplo, da constatação que determinados bens foram sempre pagos com o produto do trabalho dos cônjuges e que os saldos bancários têm também essa origem, é apenas a impossibilidade de serem considerados no cômputo do valor da incongruência, do património incongruente, podendo, porém, ser arrestados.

No caso dos autos, ainda que o imóvel não seja próprio, mas apenas comum, a verdade é que, por essa via, está na sua titularidade, desse modo tendo o seu domínio e o benefício, razão pela qual integra o conceito de património consagrado na Lei n.º 5/2002.

É a própria lei que remete expressamente para tal conceito ao prever a possibilidade de decretar o arresto nos bens do arguido nos termos do seu artigo 10º.

Segundo Hélio Rigor Rodrigues e Carlos A. Reis Rodrigues (in “Recuperação de ativos na criminalidade económico financeira”, Revista do Ministério Público 2013, pagina 92 e seguintes) “No âmbito da criminalidade económico-financeira a decisão de perda abrange o património do arguido tal como identificado no artigo 7.º n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e não apenas os bens cuja propriedade pertença ao arguido, ou seja, os bens de que este é titular. Esta constatação é apenas o reconhecimento que “a tutela penal pode, pois, distanciar-se das categorias estritas do direito civil, assumindo um «significado próprio e autónomo de património para efeitos criminais»”(Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2011, publicado em DR 1.ª série - n.º 105 - 31 de Maio de 2011)”.

Por conseguinte, o arresto, neste domínio, não irá incidir, sobre os bens que integram o tradicional direito de propriedade, mas sim sobre os bens que compõe o património do arguido tal como definido no artigo 7º n.º 2 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, aqui se incluindo todos os bens de que o arguido tenha o domínio e o benefício, ou tenham sido por este transferidos para terceiro a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores à sua constituição.

Tais bens devem ser considerados quer para efeitos de perda quer para efeitos de arresto, como “bens do arguido”.

A expressão “titular” é idónea a compreender não apenas o direito de propriedade mas também outras formas jurídicas.

Efetivamente, todos os bens de que o arguido tenha o domínio e o benefício, ou tenham sido por este transferidos para terceiro a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido continuam, quer para efeitos de perda quer para efeitos de arresto, a ser “bens do arguido”.

A este propósito, refere João Conde Correia, ob. Citada, que “com esta formulação ampla, escolhida no intuito de alargar o conceito de património confiscável e de evitar obstáculos jurídicos à sua perda alargada, o legislador português consagrou uma noção meramente económica. Para este efeito, o património não é constituído apenas pelo conjunto dos direitos e obrigações civis com caráter pecuniário de um determinado sujeito, abrangendo todas as posições ou situações economicamente valiosas tituladas pelo condenado, mesmo que desprotegidas, não tuteladas ou até contrárias ao direito civil: inclui tudo aquilo que materialmente ainda possa ser imputado ao condenado, mesmo que, do ponto de vista formal, não lhe pertença".

Como se decidiu também no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 17/09/2014, proc. 1653/12.2JAPRT.P1, “A noção ampla de património ali prevista abrange tudo o que estiver ao dispor do condenado ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros em especial com quem coabite ou viva em economia comum ainda que na titularidade destas, e abrange as vantagens que auferiu no período em que vigora a presunção independentemente do destino que tenham tido”.

Em suma, ainda que uma dívida que dê origem ao Arresto decretado seja da exclusiva responsabilidade do arguido e que entre os bens arrestados estejam bens comuns do casal, tal não significa, de modo algum, que não possam vir a responder pela dívida em causa e que o arresto seja ilegal, sob pena de os bens de arguidos casados num regime de comunhão de bens nunca poderem responder por dívidas pessoais, estando assim encontrado o caminho para fraudes que a Lei nº 5/2002 pretende precisamente impedir”.

O objetivo da Lei nº 5/2002 foi precisamente minimizar a possibilidade de ocorrência de fraude, e daí a amplitude com que nela se define o património do arguido para este efeito.

Se assim não fosse, e se se admitisse o entendimento do recorrente de que os bens dos arguidos casados não poderiam ser objeto de arresto, por fazerem parte do património comum do casal, estaria descoberta a forma para evitar um qualquer arresto sobre esses bens, assim se defraudando as finalidades visadas pela Lei n.º 5/2002 com a consagração do regime da perda alargada e a possibilidade do arresto de bens do arguido para garantir a efetiva perda do valor do património incongruente.

Nada obsta a que seja arrestado um imóvel como garantia da perda alargada ou das vantagens do crime de que um dos cônjuges foi acusado, mesmo que seja bem comum do casal (Ac. da Relação do Porto de 9/10/2019, proc. 450/15.8IDPRT-G).

 …

III. Dispositivo

           

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ªsecção penal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º, nº1 do C.P.P. e 8º, nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)

                                     Coimbra, 10 de dezembro de 2025