Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
242/11.3TXCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS
RECURSOS
Data do Acordão: 09/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 154º, DO C.E.P.M.P.L. (CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE)
Sumário: Do disposto no art.º 154º, do C.E.P.M.P.L. (Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) resulta que à tramitação do incidente de declaração de contumácia (cfr. art.º 138º, n.º 1, al. x), do mesmo Código) é aplicável o Código de Processo Penal, devendo entender-se serem aplicáveis as disposições deste diploma legal também relativas aos recursos.
Decisão Texto Integral:

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5ª Secção (Criminal)
Proc. 242/11.3TXCBR-C.C1
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I. Relatório
No âmbito do processo de revogação da liberdade condicional nº 242/11.3TXCBR do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra proferiu a Mmª Juiz decisão de revogação da liberdade condicional que fora concedida ao arguido A....
O arguido havia saído em liberdade condicional em 2.2.2002 pelo período decorrente até 2.2.2007.
Sendo desconhecido o paradeiro do arguido, o Ministério Público requereu em 7.1.2008 que o mesmo fosse declarado contumaz.
Depois de publicados éditos e de solicitada informação aos processos das condenações sobre se o arguido aí teria sido declarado contumaz, a Mmª Juiz proferiu o seguinte despacho em 13.5.2009:
"A contumácia, como causa de suspensão da prescrição e/ou interrupção da mesma (prescrição do procedimento criminal) só foi introduzida pelo DL 48/95 de 15/3 que entrou em vigor em 11/10/1995 (seu artº 3º).
Por outro lado a jurisprudência dos acórdãos do Tribunal Constitucional e S.T.J. recentemente publicado – nº 183/2008 – DR, 1ª Série, nº 79 de 22/4/8 – e 5/2008 – no DR 1ª Série, nº 92 de 13/5/8 vai no sentido de "No domínio de vigência do CP de 1982 e CPP 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão do procedimento criminal."
Assim impõe a aplicação de tal jurisprudência também à matéria de suspensão da prescrição da pena – Vd. Ac. Relação de Guimarães no Proc. nº 652/08, 2ª secção, registo nº 4051/08 de 12/5/8.
Pelo exposto e não interrompendo a contumácia a prescrição da pena não vemos qualquer justificação legal que permita a sua declaração, nem qualquer efeito útil da mesma, pelo que nos dispensamos de a declarar."
Em 15 de Novembro de 2010 o Ministério Público novamente veio requerer que o arguido fosse declarado contumaz.
Tal requerimento não foi atendido pela Mmª Juiz que sobre ele proferiu o seguinte despacho em 5.1.2010:
" Já nos pronunciámos a respeito em 15.9.09, por decisão notificada ao Ministério Público em 21.5.09 (vd. Fls. 82 e 85, da qual não recorreu.
Assim não logramos entender o pretendido, pelo nada mais se nos oferece dizer."
Em 29.7.2010 o Ministério Público voltou a requerer que o arguido fosse declarado contumaz o que mereceu o seguinte despacho em 28.2.2011:
"Voltamos a referir que acerca da eventual justificação/fundamentação legal da declaração de contumácia, já nos pronunciámos a folhas 82, não tendo o MP interposto qualquer recurso.
Daquele despacho não resulta, contrariamente ao que afirma a Ilustre magistrada que eu tenha alguma dúvida, acerca da competência do TEP para, sendo caso disso, declarar a contumácia.
O que do mesmo resulta, nos termos ali melhor constantes e aqui dados por reproduzidos, é que, não resultando qualquer efeito útil, da promovida declaração de contumácia, não se podendo suspender, por via dela, a prescrição da pena, não logramos entender a justificação legal da sua declaração.
Assim e nessa matéria, mantemos o já constante do despacho supra aludido."

Deste último despacho interpôs recurso o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1- Em cada um dos despachos antes referenciados, a M.ma Juiz omitiu declarar a contumácia do arguido e, com isso, não observou a tramitação legal do processo, imposta pelo n.º 3, do artigo 335° [este aplicável por força do estabelecido no artigo 476°, 01. b)], do CPP, sem que qualquer deles formasse caso julgado.
2- Por isso, cada um desses despachos e, designadamente, aquele que foi proferido em último lugar e ora se impugna, é recorrível.
3- De resto e de outro modo, não poderia ignorar-se que o despacho objecto deste recurso, é o primeiro a surgir num novo contexto legal (Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro). E, muito embora no despacho em causa a M.ma Juiz afirme que já antes não tinha dúvidas sobre a sua competência para a declaração da contumácia, certo é que, em despacho anterior (cfr. ponto 2.6), ordenou que fosse solicitada informação, aos Tribunais que tinham proferido as condenações, se aí houvera lugar a tal declaração. Ora, com o CEPMPL, o Tribunal de Execução de Penas passou não só a ter competência nessa matéria, como a ser o único materialmente competente para declarar a contumácia na fase de execução da pena de prisão (cfr. artigo 138°, n.º 4, al. v), deste novo diploma legal].
4- A situação colocada nestes autos não se insere no âmbito de aplicação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2008, do STJ.
5- Porém, ainda que eventualmente se admitisse a aplicação da aludida jurisprudência uniformizadora, com as necessárias adaptações, às situações de execução de pena, sempre haveria que atender-se, no caso presente, ao momento das duas referidas sentenças (de concessão e de revogação da liberdade condicional) e do seu respectivo trânsito em julgado, para se concluir que, afinal, ocorrendo estas vários anos após o início de vigência do DL n.º 48/95, de 15 de Março, fica arredada tal aplicação.
6- A declaração de contumácia constitui causa interruptiva e suspensiva da prescrição da pena; no entanto, dela resultando diversas outras consequências que, traduzindo-se em adequada e proporcionada limitação do direito à capacidade civil, visam, precisamente, compelir o arguido a apresentar-se em juízo, razão pela qual se não mostra justificado ou razoável fundamentar-se o despacho recorrido com a inexistência de efeito útil da declaração de contumácia.
7- A decisão recorrida não fez correcta interpretação do disposto nos artigos 2°, 335°, n.º 3, 337° e 476°, todos do Código de Processo Penal, 138°, n.º 4, al. v), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, e 125°, n.º 1, al. b), e 126°, n.º1, al. b) do Código Penal, bem como do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2008, do Supremo Tribunal de Justiça.
Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, a substituir por uma outro que declare a contumácia do condenado e fixe os seus efeitos, nos termos aqui peticionados, far-se-á Justiça.

A Mmª Juiz a quo admitiu o recurso interposto e sustentou a decisão recorrida pelas razões e fundamentos dela constantes.
Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo havido resposta.
Efectuado exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Apreciação do Recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, a questão que cabe apreciar cinge-se a saber se a declaração de contumácia do arguido não tem qualquer efeito útil não devendo por isso ser decretada.
Mas previamente importa equacionar se a decisão recorrida é susceptível de recurso, questão que não só o recorrente, como também a Mmª Juiz a quo, suscitam.

Interpôs o Ministério Público recurso de despacho que indeferiu requerimento seu no sentido de o arguido ser declarado contumaz.
A Mª Juiz a quo apesar de ter admitido o recurso, questiona a recorribilidade do despacho dele objecto à luz do disposto no artigo 235º, nº 1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).
Preceitua esse normativo que das decisões do tribunal de execução de penas cabe recurso para a relação nos casos expressamente previstos na lei. Mas parece-nos evidente que esse normativo apenas se pode referir aos procedimentos regulados nesse diploma em relação aos quais se prevê expressamente as decisões que são recorríveis, já não relativamente a procedimentos que venham regulados noutros diplomas, embora, na fase de execução da pena, da competência do tribunal de execução de penas.
Ora, o regime de contumácia, embora expressamente previsto no artigo 138º, nº 1, alínea x) do CEPMPL como sendo da competência do Tribunal de Execução de Penas e como sendo aplicável a condenado que dolosamente se tiver eximido total ou parcialmente à execução da pena de prisão ou de medida de internamento, não encontra a respectiva tramitação nesse diploma legal.
Do disposto no artigo 154º do CEPMPL resulta que à tramitação do incidente de declaração de contumácia é aplicável o Código de Processo Penal, devendo entender-se serem aplicáveis as disposições deste diploma legal também aos recursos.
Com efeito, haverá que atentar que o CEPMPL contém disposições específicas sobre recursos em relação a cada um dos procedimentos que nele vêm regulados e apenas em relação a esses adquire pleno sentido e justificação o disposto no citado artigo 235º, nº 1. Nem se compreenderia a existência do direito ao recurso condicionado à contingência de a contumácia ser processada e declarada antes ou depois da fase de execução da pena.
No Código de Processo Penal vigora a regra da recorribilidade de todas as decisões (artigo 399º estipulando que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei) não existindo limitação do direito ao recurso no que se refere aos despachos relativos à tramitação da declaração de contumácia.
Questão igualmente pertinente que se pode suscitar vem enunciada pelo recorrente. Consiste em saber se se formou caso julgado em relação à matéria suscitada em recurso por ter sido objecto de anterior despacho de que não foi interposto recurso.
Estamos no domínio estrito da tramitação processual e o despacho ora impugnado, como o proferido em primeiro lugar, apenas nega a aplicação do regime de contumácia, de uma determinada tramitação que parece ser exigida legalmente, a pretexto de que não terá qualquer utilidade e não porque se não verifiquem os respectivos requisitos legais, sobre os quais o mesmo não se pronuncia.
Ora despacho desta natureza extravasa a noção de caso julgado que vem definida nos artigos 671º e 497º e 498º do Código de Processo Civil. Nos termos desse preceito a formação de caso julgado pressuporia que a decisão tivesse negado a declaração de contumácia por não se verificarem os respectivos pressupostos legais enunciados no artigo 138º, nº 1, alínea x) do CEPMPL, o que não ocorre. E enquanto não fosse proferido despacho que conhecesse directamente dos pressupostos legais da declaração de contumácia podia o Ministério Público suscitar a questão. Ou seja, o despacho recorrido negou a declaração de contumácia sem apreciar o respectivo mérito legal, sobre ele não se podendo formar caso julgado.

Como já decorre do antes exposto a questão proposta cinge-se a afirmar que se impõe ao Tribunal a quo em face do requerido pelo Ministério Público depois de cumprida a tramitação processual legalmente exigida (publicações legais já realizadas) conhecer dos pressupostos da declaração de contumácia contidos no citado preceito e, uma vez reconhecida a sua verificação, declará-la.
Dos pressupostos em causa não constam os efeitos interruptivos ou suspensivos que a declaração de contumácia possa ou não conter, sendo certo que não se pode afirmar a sua inutilidade, como o faz a Mmª Juiz a quo, porque outros efeitos lhe estão associados como os previstos nos artigo 337º do Código de Processo Penal, para além do arresto de bens expressamente previsto no CEPMPL.
Manifesto é, pois, que o recurso interposto deve ser provido, não merecendo a questão proposta maiores considerações, embora não incumba a este Tribunal determinar que a contumácia seja declarada (sob pena de inutilizar a possibilidade de recurso por se substituir ao Tribunal da 1ª Instância) mas tão só ordenar que seja proferido despacho que aprecie os fundamentos legais da declaração de contumácia e decida em conformidade.

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III. Decisão
Nestes termos decide-se conceder provimento ao recurso interposto devendo o despacho recorrido ser substituído por outro nos termos acima expostos.
Não há lugar a tributação.
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Coimbra, 14 de Setembro de 2011
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)


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(Maria Pilar Pereira de Oliveira)
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(José Eduardo Fernandes Martins)