Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
183/07.9GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 56º Nº 1 B) CP
Sumário: 1.- Ao arguido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução não pode ser revogada a suspensão, caso no decurso do prazo da suspensão venha a cometer crime pelo qual venha a ser condenado, nada obriga a que, antes da decisão, o condenado preste declarações perante o tribunal: apenas tem que lhe ser dada oportunidade de se defender.

2.- Para além disso antes de decidir da revogação da suspensão da execução da pena, o tribunal deve proceder a diligências com vista a averiguar das razões ou motivos que conduziram o condenado a delinquir novamente, o que o mesmo é dizer se se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo acima identificado e pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 292º, nº 1, do Código Penal, foi o arguido FD... condenado por sentença transitada em 17 de Janeiro de 2008 “na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, ficando sujeito a um programa de desintoxicação no Hospital do Lorvão, nos termos do disposto dos artºs 50º, 52º, nº 1, al. b) e nº 3, devendo fazer prova nos autos da frequência de tal programa no prazo de 60 dias.”

Por despacho de 7 de Dezembro de 2010 decidiu o tribunal revogar a suspensão da execução da pena.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“a) Para aferir sobre o juízo de prognóse quanto ao futuro comportamento favorável do arguido, para efeitos de revogação ou não da suspensão de pena de prisão, será necessária e obrigatória recolha de prova nesse sentido, considerada necessária nos termos do nº 2 do art. 495º do C.P.P.
b) O Tribunal recorrido não cuidou tomar declarações ao arguido como devia, nos termos do art. 495º nº 2 do C.P.P., na presença do técnico de reinserção social que o apoiou, não querendo saber os motivos que estiveram na base da sua conduta durante aquele período da sua vida, sem qualquer consideração pelo comportamento posterior do arguido ao cometimento do novo crime, não efectuando assim qualquer juizo de prognóse sobre o futuro comportamento do recorrente, existindo clara insuficiência de fundamentação individualizada do despacho de que se recorre.
c) o despacho que revoga a suspensão de uma pena de prisão com preterição da prova exigido no art. 495.° nº 2 do C.P.P., constitui uma irregularidade processual -inobservância da lei processual não integrada no elenco das nulidades [artigos 118.°, nº 1, 119.°, 120.°, do Código de Processo Penal] - que afecta o valor do acto praticado e, como tal, pode ser conhecida oficiosamente em sede de recurso [artigo 123.°, nº 2, do Código de Processo Penal].
d) Consequentemente, deve ser declarado irregular o despacho que revogou a suspensão da execução da pena, determinando-se, que o tribunal recorrido proceda a nova recolha de prova tendente a averiguar se as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
e) Antes de ser proferida decisão sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena, previamente deveria ter sido ser colhida junto do Instituto de Reinserção Social ou de outra entidade oficial vocacionada para o efeito, informação sobre as condições sócio/familiares, comportamento e inserção social, laboral e familiar do recorrente.
f) A a condenação sofrida pelo recorrente (ainda que posterior à pena aplicada no processo de que se recorre) não é por por si só suficiente para se ter por seguro a frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena, tanto mais que também naquela nova condenação se fez um iuízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido.
g) A suspensão da pena de prisão insere-se numa filosofia jurídico-penal assente num princípio de subsidiariedade da pena privativa de liberdade e que pressupõe que, no momento da decisão, um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, pelo que o juiz deverá verificar se o cometimento do novo crime infirmou definitivamente o iuízo de prognose que justificou a suspensão da execução da pena.
h) Tendo o condenado por crime de condução em estado de embriaguez, ainda que em momento posterior, ter sido condenado por novo crime em nova pena suspensa, tendo já sido declarada extinta tal pena e todas as regras de conduta a ela inerentes e tendo o arguido cumprido com sucesso o tratamento de desintoxicação a que foi sujeito, o juizo de prognóse quanto ao futuro comportamento favorável do arguido, para efeitos de revogação ou não da suspensão de pena de prisão só poderá ser, em caso de dúvida, de que o arguido não voltará a cometer crimes de idêntica natureza no futuro.
i) O despacho recorrido viola os artigos 55.° do C.P. e 495.° nº 2 do C.P.P. violando igualmente os mais elementares direitos e garantias constitucionais, desde logo o art. 1.°, 9.°, 27.° e 29.° e 30.° da Constituição, na vertente da preterição de formalidades probatórias essenciais na defesa, para além da violação do principio da legalidade previsto no art. 1 e art. 40.° do Código Penal.
Termos em que deve o douto despacho de que se recorre ser revogado e em consequência, ser igualmente revogada a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao recorrente.”

Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.


O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.


Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.


No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, o arguido manteve a posição assumida no recurso.


Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.


Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questões a decidir:
- Não audição presencial do arguido nos casos do artº 56º, nº 1, alínea b., do Código Penal
- Fundamento da revogação da suspensão da pena

O despacho sob recurso tem o seguinte teor (transcrição):

“Por sentença proferida nestes autos em 05.12.2007, foi o arguido FD... condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano, a contar do trânsito em julgado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Chegou entretanto ao conhecimento dos autos que o arguido veio a praticar, durante o período de suspensão (designadamente em 14.07.2008), crime de idêntica natureza (vd. certidão de tis. 119), pelo qual foi condenado, tendo tal decisão transitado em julgado.
Pela Digna Magistrada do Ministério Público foi promovida a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Conferido ao arguido a oportunidade de se pronunciar sobre o teor de uma tal promoção, o mesmo opôs-se à revogação, conforme consta de tis. 135-136.
Cumpre apreciar.
Estatui o artigo 56º do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Assim sendo, temos que o cometimento de um crime durante o período de suspensão não constitui motivo para que automaticamente seja determinada a revogação da suspensão.
Para tanto importa ainda que se conclua que as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas.
Ora, estamos em crer que na situação de que cuidamos monstram-se verificados ambos os pressupostos de que o legislador fez depender a revogação da suspensão.
Com efeito, e por um lado, é manifesto que o arguido cometeu durante o período de suspensão um novo crime.
Por outro lado, há que realçar que um dos novos crimes cometido pelo arguido possui justamente a mesma natureza do anterior (é um crime de condução de veículo em estado de embriguez), o que ilustra o grau de insensibilidade desta à ameaça de prisão que é própria da pena de substituição de que beneficiava.
Tão grave o é no abstracto, como no concreto, se notarmos que por ele foi o arguido condenado numa pena de prisão, ainda que suspensa.
Em suma, face aos dados de que dispomos, afigura-se-nos claro que o arguido não soube aproveitar a oportunidade de que dispôs de se ressocializar em liberdade, deste modo frustrando o essencial das finalidades que conduziram à suspensão da execução da prisão.
Em face do que antecede, como promovido, decidimos revogar a suspensão da execução da pena de prisão imposta nos vertentes autos.”


******

O despacho sob recurso foi proferido sem que o tribunal tivesse convocado o arguido para prestar declarações no âmbito da revogação da suspensão da pena em que fora condenado.
Com base nessa não tomada de declarações, entende o recorrente que foi violado o disposto no artº 495º, nº 2 do Código de Processo Penal[ Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem ].
Não tem razão.

Explicando:

Determina o artº 56º, nº 1 do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Resulta daqui que estão em causa duas situações distintas: uma primeira relativa ao incumprimento de deveres ou regras de conduta impostos como condição da suspensão e uma segunda relativa à prática de novo crime durante o período da suspensão.
Esta distinção conduz a caminhos processuais diferentes pois que, se no primeiro caso se exige que o tribunal avalie se houve incumprimento dos deveres ou das regras de conduta e se o mesmo foi grosseiro e/ou repetido, no segundo, porque é dado adquirido que o arguido praticou factos criminosos pelos quais foi condenado, apenas se exige que o tribunal verifique se o comportamento criminoso descrito na sentença sustenta a conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Temos assim que, no primeiro caso, o tribunal que aplicou a pena suspensa tem que efectuar uma espécie de novo julgamento (há que fazer prova sobre o incumprimento, bem como sobre a razão e amplitude do mesmo) e, no segundo caso, estão desde logo provados os factos constantes da sentença que condenou por crime cometido durante o período de suspensão.
Por isso, uma outra diferença se perspectiva: no primeiro caso, o contraditório, atentas as potenciais consequências gravosas da decisão, impõe que o arguido seja ouvido presencialmente pelo juiz (oportunidade de que ainda não dispusera) e, no segundo caso, o contraditório esgotou-se no julgamento quanto aos factos dados como provados.
Daí que o nº 2, do artº 495º imponha que o condenado seja ouvido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão: há que fazer prova da violação das condições e da sua amplitude.
Se tal já resultava do artº 495º antes da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto( Neste sentido, vg, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-04-2005 (www.pgdlisboa.pt)
I - Com vista a apurar se com a posterior condenação de um arguido se frustraram as finalidade que levaram à suspensão da primitiva condenação deve proceder-se à audição, designadamente, do arguido.
II - Não é obrigatória uma audição directa e presencial do arguido, embora se possa ponderar, caso a caso, essa necessidade, o que no caso concreto se verificava.
(…)
Proc. 1510/05 3ª Secção, Desembargadores: Clemente Lima - Isabel Duarte - António Simões ), muito mais claramente resulta da actual redacção do referido nº 2.
Com efeito, sendo certo que o arguido deve ser sempre ouvido, não é menos certo que se o legislador entendesse que sempre que estivesse em causa a revogação da suspensão haveria lugar à audição presencial do arguido, tê-lo-ia dito.
Contudo, o nº 2, do artº 495º limita-se a impor tal audição presencial nos casos em que a suspensão da execução tenha sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização pelo que, apenas uma interpretação extrapoladora da letra da lei poderia sustentar a audição directa nos demais casos (neste sentido, v.g. Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Março de 2010 e em sentido contrário, v.g. Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Setembro de 2010[ Ambos em www.dgsi.pt ]).
Por isso há que concluir que no caso da prática de crime durante o período de suspensão não se impõe que, antes da decisão, o condenado preste declarações perante o tribunal: apenas tem que lhe ser dada oportunidade de se defender.
Pode haver audiência presencial, mas tal está dependente de o tribunal considerar que tal se mostra necessário.
Na situação em apreço, a suspensão da execução da pena foi revogada com fundamento no facto de o arguido haver cometido um novo crime durante o período de suspensão e não por haver infringido os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, rectius, por haver infringido condições da suspensão que eram fiscalizadas por técnico.
Ora, como se explicou, só no caso da alínea a., do artº 56º, nº 1, do Código Penal, a lei exige que o arguido seja ouvido presencialmente e o tribunal não viu necessidade de proceder a tal diligência.
Por isso, tendo o recorrente sido notificado para a promoção do Ministério Público em que era requerida a revogação da suspensão em virtude de haver cometido novo crime e tendo exposto no requerimento resposta as razões que no seu entender contrariavam o entendimento naquele apresentado, não violou o tribunal qualquer disposição legal ao proferir a decisão sem que o tenha ouvido presencialmente.
No entanto, se neste campo nada há a apontar ao tribunal, já o mesmo não podemos dizer do resto.
Vejamos:
Determina o artº 56º nº 1, alínea b., do Código Penal, que a suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Temos assim que o cometimento pelo arguido de um crime durante o período de suspensão de execução da pena não implica necessariamente a sua revogação pois que, para que tal aconteça é necessário que tal comportamento criminoso evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição.
Neste sentido, explica Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 356, que a suspensão só deve ser revogada se se revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não poderão, por meio desta, ser alcançadas ou, “dito de outra forma, se nascesse ali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade”.
Em suma, a revogação da suspensão da execução da pena pela prática de crime terá que ter na sua base causas que “deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.” (in Ac. TRLisboa de 16 de Janeiro de 2006, in www.pglisboa.pt).

Da leitura do despacho recorrido resulta que o tribunal a quo revogou a suspensão porquanto entendeu que o facto de o arguido ter cometido um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artº 3º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro durante o período de suspensão, revela “que não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena, não sendo aquele credor da confiança que nele depositou o tribunal ao suspender-lhe a pena.
No entanto, esta conclusão fundamenta-se exclusivamente no teor do CRC, ou seja, o tribunal a quo limitou-se a considerar que a simples prática de um crime da mesma natureza durante o período de suspensão, era suficiente para concluir pela revogação da suspensão.
Aliás, não tendo o tribunal juntado aos autos certidão da sentença condenatória, nem procedido a qualquer outra diligência, em nenhum outro elemento poderia alicerçar a decisão de revogação.
E era necessário que tivesse reunido os elementos indispensáveis para tomar tal decisão, nomeadamente, devia ter examinado a factualidade dada por provada na segunda sentença e, se a mesma não se mostrasse absolutamente eloquente quanto ao naufrágio das finalidades que estiveram na base da suspensão, deveria ter indagado dos motivos que conduziram o recorrente a delinquir novamente (indagação oficiosa que deve ser cuidada e rigorosa, atenta a ultima ratio da sanção penal que daí pode advir e tendo em vista a demonstração de que as finalidades que subjazem à suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, isto é, de que aquelas finalidades se encontram comprometidas – acórdão da Relação de Coimbra de 30-04-2003 [Relator: Oliveira Mendes], Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, p. 52.).
Tal não foi feito e devia tê-lo sido, tanto mais que a decisão sob recurso tem como fundamento uma sentença condenatória em que o tribunal da segunda condenação condenou o recorrente em pena suspensa.
É certo que o tribunal a quo não estava obrigado a concordar com a fundamentação da segunda sentença e também é certo que a aplicação de uma pena suspensa por crime cometido durante a suspensão anterior não é só por si suficiente para afastar a possibilidade de revogação.
No entanto, também é certo que uma revogação nestas circunstâncias exige ao tribunal que revoga um especial dever de fundamentação para que não fique no ar a ideia de incongruência de julgados.
Ora, nos presentes autos, não só o tribunal a quo se limitou a revogar a suspensão com base na prática de novo crime sem explicar em que medida o cometimento deste é revelador da falência total da prognose positiva que esteve na base da sua aplicação, como também transmitiu aos destinatários (e não só) a ideia de inconstância nas decisões.
Por isso, deveria o tribunal a quo ter procedido como atrás foi referido e, após recolher os elementos necessários, decidir fundamentadamente num ou noutro sentido.

Explicando:

Com excepção do disposto no seu nº 2, o artº 495º não impõe a lei ao julgador a observância de quaisquer procedimentos prévios ao processo de decisão sobre a eventual revogação da suspensão da pena, o que dá liberdade ao tribunal para proceder à recolha dos elementos que repute necessários e indispensáveis para a decisão do caso concreto.
Por isso, cabe ao tribunal, caso a caso, proceder às diligências que se lhe afigurarem indispensáveis para apurar se se justifica a revogação.
Pode acontecer que, no caso da alínea b. do nº 1 do artº 56º, a análise circunstanciada dos factos que deram origem à condenação ulterior seja de tal forma eloquente quanto à infirmação do crédito de confiança dado ao arguido aquando da opção pela suspensão da pena, que nenhuma outra diligência se torne necessária.
No entanto, como acontece no caso em recurso, quando esta “suficiência” do texto da sentença condenatória nem sequer foi apreciada e não foram convocadas para o processo informações minimamente detalhadas sobre as circunstâncias do novo crime, temos que concluir que o tribunal não estava na posse dos elementos necessários para que fundadamente pudesse ajuizar sobre a necessidade da revogação.
Por isso, impõe-se um esforço de indagação a efectuar através do cotejo entre a sentença que aplicou a pena de suspensão e a que proferiu a condenação pelo crime, mormente tendo em atenção o quadro factual nelas fixado, a natureza dos crimes em presença, a imagem global do facto, as circunstâncias envolventes do novo crime e o impacto do mesmo nas finalidades que estavam na base da suspensão.
Bem como se impõe a realização de outras diligências, se de tal cotejo não decorrerem elementos suficientemente eloquentes para fundamentar a decisão.
E, como é evidente, de entre essas diligências não se exclui a audição presencial do arguido (diligência que, se não é imposta, também não é excluída pela lei e que se pode revelar de grande interesse na maioria dos casos porque o contacto directo entre o tribunal e o arguido potencia positivamente o conhecimento da situação).
Ora, não tendo esta indagação sido efectuada e tendo-se o tribunal limitado a considerar que o simples cometimento de um crime durante o período de suspensão era revelador da ineficácia definitiva da pena substitutiva, temos que concluir que não estava o tribunal em condições de fundamentar qualquer decisão de revogação (ou de não revogação) da pena substitutiva.
Por isso, há que revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, depois de ter sido recolhida a informação necessária e de terem sido cumpridos os trâmites legalmente estabelecidos, aprecie a necessidade de revogação da suspensão.
*
Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, consequentemente revoga-se a decisão recorrida que deverá ser precedida das diligências necessárias a avaliar se se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena.
*
Sem tributação.
*
Luis Ramos (Relator)
Calvário Antunes