Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
347/11.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: SEGURO
FRANQUIA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 493º Nº1 DO CC
Sumário: 1. A franquia é uma dedução ao montante indemnizatório, um desconto que tem de incidir sobre quem o recebe, devendo a seguradora deduzi-la ao montante da indemnização paga.

2. A apólice em causa, define a franquia como a importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado, correspondendo a 10% do valor do sinistro, no mínimo de 500,00 Euros, no caso de danos em viaturas, conforme as Condições Particulares do contrato.

3. Não há, assim, qualquer dúvida, quanto à previsão de uma franquia para a hipótese de os danos indemnizados abrangerem viaturas.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

COMPANHIA DE SEGUROS A... SA intentou no 5º Juízo Cível de Coimbra uma acção uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra COMPANHIA DE SEGUROS B... SA e ESCOLA C... pedindo, a título principal, a condenação da Ré B... a pagar a quantia de € 14.796,12, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação, ou, a título subsidiário, para o caso de o acidente não se achar coberto pelo contrato de seguro celebrado entre a 1ª Ré e a 2ª Ré, a condenação desta última a pagar-lhe idêntica quantia e juros desde a data da respectiva citação.

Para o efeito, alegou que tendo outorgado com o proprietário de certa viatura automóvel um seguro de responsabilidade civil, em 5 de Maio de 2009 ocorreu um sinistro no interior do espaço pertencente à 2ª Ré Escola C..., provocado pela queda de uma árvore de grande porte sobre a referida viatura que levou à sua total destruição; que ao abrigo da cobertura de danos próprios incluída no mencionado contrato de seguro, a A. indemnizou o segurado, a título de perda parcial do veículo em função dos danos nele verificados, pagando-lhe € 14.796,12; que a responsabilidade pelo sinistro cabe à 2ª Ré por virtude do seguro contratado com a 1ª Ré Companhia de Seguros B....

Contestaram ambas as Rés.

A Ré Escola C..., excepcionando desde logo a incompetência material do tribunal, por a causa se integrar no âmbito da competência dos tribunais administrativos, já que os danos resultaram da omissão do dever de vigilância de um espaço do domínio público; depois, a culpa do dono do veículo por não o ter aparcado na zona destinada a esse fim; e, por fim, ainda a anormalidade das condições atmosféricas, uma vez que teria sido por essa circunstância que se veio a dar a queda da árvore e os danos no veículo seguro. Termina com a absolvição da instância ou, assim não podendo ser, com a absolvição do pedido.

Por seu turno, a Ré B... defendeu-se excepcionando a exclusão das garantias pelo facto de o veículo destruído pertencer a um funcionário da segurada C...; e que, de todo o modo, a ocorrência do sinistro seria sempre exclusivamente imputável à imprevidência do respectivo proprietário, ao estacionar o veículo num local em que já sabia existir o risco de queda de árvores, dada a situação de decrepitude em que estas se encontravam.

Termina assim com a improcedência da acção.

Replicou a A. relativamente à excepção de incompetência em razão da matéria, sustentando a competência do tribunal comum.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de incompetência em razão da matéria, em função do que foi a Ré C... absolvida da instância, prosseguindo os autos com a elaboração da base instrutória para apuramento da responsabilidade da 2º Ré. 

Seguindo o processo com a tramitação pertinente, foi a acção a final julgada totalmente procedente por provada, condenando-se a Ré a pagar à A. a quantia de € 14.796,12, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, deste veredicto interpôs a Ré B... recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Dispensados os vistos cumpre agora decidir.

                                                                               *

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância sem qualquer impugnação:

1. A Autora exerce a actividade seguradora (alínea A) da matéria assente);

2. Através da apólice n.º 0001958104, e com efeitos desde 04-09-2008 até 04-09-2009, a Autora obrigou-se perante D... a cobrir os danos próprios provocados ao veículo ligeiro de passageiros com a matrícula GL..., cujas condições particulares constam do documento que faz fls. 9-13 e que aqui se dão por reproduzidas (alínea B) da matéria assente);

3. No dia 05-05-2009, no interior do recinto da Escola C... ( C...), ocorreu um sinistro envolvendo o veículo supra identificado (alínea C) da matéria assente);

4. O local do sinistro é rodeado por árvores de grande porte (alínea D) da matéria assente);

5. A C..., no dia 06-05-2009, participou o sinistro à Ré seguradora, uma vez que havia celebrado com esta um contrato de responsabilidade civil com a apólice nº 55-0034687, referindo que, no dia 05-05-2009, às 16:00 horas, ocorreu a «queda de uma árvore de grande porte em cima de uma viatura de um funcionário da C... que se encontrava estacionada junto às cavalariças, picadeiro», conforme resulta do documento que faz fls. 98 e cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea E) da matéria assente);

6. À data dos factos, entre o I... – Escola C... e a Ré Seguradora vigorava um acordo de responsabilidade inerente aos riscos próprios do desenvolvimento da actividade daquele, titulado pelo contrato de seguro do ramo «Responsabilidade Civil Exploração», na modalidade «Diversos de Exploração», com a apólice identificada em E), sendo de 49.879,79€ o capital seguro por sinistro e, anuidade ou vigência, e o local de risco Bencanta, Coimbra – conforme resulta do documento de fls. 84-97, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea F) da matéria assente);

7. A Autora interpelou a Ré no dia 02-06-2010, através de carta, solicitando o pagamento do valor por si despendido, conforme resulta do documento junto a fls. 27, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea G) da matéria assente);

8. A Ré respondeu a tal interpelação, por carta datada de 04-08-2010, declinando qualquer responsabilidade no pagamento solicitado, conforme resulta do documento junto a fls. 28, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea H) da matéria assente);

9. O sinistro aludido em 3) foi provocado pela queda de um dos troncos de uma árvore de grande porte no dito veículo (resp. ao artigo 1º da base instrutória);

10. O sinistro aconteceu entre as 16:00 e as 16:15 horas (resp. ao artigo 2º da base instrutória);

11. O veículo sofreu danos (resp. ao artigo 4º da base instrutória);

12. Tendo sido necessária a comparência dos Bombeiros Sapadores de Coimbra para, através de material adequado, removerem a árvore tombada (resp. ao artigo 5º da base instrutória);

13. Os danos originados no veículo, a nível mecânico, foram orçados, sem desmontagem, em € 21.924,23 (resp. ao artigo 6º da base instrutória);

14. Tendo a Autora, ao abrigo do acordo aludido em 2), procedido ao pagamento da quantia de 14.796,12€ pela perda parcial do veículo (resp. ao artigo 7º da base instrutória);

15. D... é funcionário da C..., com a categoria profissional de motorista (resp. ao artigo 8º da base instrutória);

16. Sendo que, no dia dos factos, dirigiu-se à C... com o propósito de participar numa sessão de um curso de formação profissional que frequentava (resp. ao artigo 9º da base instrutória);

17. Frequência essa que era feita ao serviço da C... (resp. ao artigo 10º da base instrutória);

18. A esposa de D... estacionou o veículo GL, a este pertencente, numa alameda pavimentada, mas coberta de folhagem das árvores e de terra, existente no interior do recinto da C... (resp. ao artigo 11º da base instrutória);

19. E debaixo de árvores centenárias de grande porte (tílias) ali existentes (resp. ao artigo 12º da base instrutória);

20. De modo a manter o veículo à sombra das referidas árvores (resp. ao artigo 13º da base instrutória);

21. Local esse situado fora dos parques de estacionamento existentes na C... (resp. ao artigo 14º da base instrutória);

22. Já no passado, se verificou, pelo menos por uma vez, a queda de ramos de árvores que se encontram no interior do recinto da C... (resp. ao artigo 15º da base instrutória);

23. No dia dos factos, fazia sol e soprava vento com intensidade (resp. ao artigo 18º da base instrutória).

                                                                              ***

A apelação.

A recorrente B... fecha a respectiva alegação com um enunciado conclusivo em que se revelam delineadas as seguintes questões:

1º - A relativa a apurar se o segurado da A. actuou com culpa que deva ser tida por excludente ou atenuante da responsabilidade da Escola C..., segurada da Ré apelante;

2º A atinente a saber se à indemnização eventualmente devida deverá ser deduzido o montante da franquia de 10% prevista nas condições gerais da apólice respeitante ao seguro celebrado com a apelante.

A A. contra-alegou, batendo-se pela confirmação da sentença.

Sobre a exclusão ou redução da indemnização devida pela A. com base na culpa do terceiro.

Embora reconheça que sobre a sua segurada C... impendia a culpa presumida pelos danos provenientes da queda do tronco de árvore aludido na factualidade provada, insurge-se a apelante contra o entendimento da decisão recorrida de que nenhuma culpa pode ser assacada ao proprietário da viatura atingida, nomeadamente ao abrigo da norma do art.º 570 do CC.

Sem razão, como se passa a evidenciar.

Na sentença ora recorrida foi efectivamente escrutinado como integrando o fundamento da responsabilidade da segurada da Ré B... - a inicialmente demandada Escola C... - pelos danos causados em 5 de Maio de 2009 pela queda de  parte de uma árvore sobre o veículo GL... pertencente ao lesado D..., a omissão que recaía sobre a referida Escola da obrigação genérica de conservação do imóvel e das árvores que se encontravam implantadas no recinto respectivo, nos seguintes termos:

“ (…) Assim, nos termos do disposto no artigo 493º do Código Civil, a Escola C..., segurada da Ré, enquanto detentora de um bem imóvel (árvore ligada ao solo), tinha a obrigação de vigilância do mesmo, cabendo-lhe conservar a árvore e todos os bens incorporados na sua propriedade em bom estado de conservação, pelo que, em caso de incumprimento, quer por acção quer por omissão, responde pelos danos causados pela árvore.

No caso concreto, tratando-se de dano provocado pela queda do tronco de uma árvore sobre uma viatura estacionada no recinto da Escola C..., uma vez que lhe competia o dever de vigilância das árvores e de todos os bens incorporados no seu recinto, tem a Autora A..., a seu favor, a presunção legal de culpa estabelecida pelo artigo 493º, nº 1 do Código Civil.

Para ilidir a presunção de culpa, competia à Ré provar que, tendo em conta as circunstâncias e os meios ao dispor da sua segurada, tinha esta actuado com a diligência exigível, ou que, apesar desse correcto e diligente modo de agir, o acidente sempre se teria verificado (o que poria em causa o próprio nexo causal entre a omissão de vigilância e o resultado lesivo).

Por outras palavras, cabia à Ré provar que nenhuma culpa houve da parte da Escola C... na produção dos danos nomeadamente que a árvore estava sã e que a Escola C... exercia um controlo regular e adequado à conservação das árvores implantadas no seu recinto , ou que, não obstante a culpa com que agiu, os danos se teriam igualmente produzido, ainda que o seu facto (culposo) se não tivesse verificado nomeadamente que, ainda que tivesse exercido um controlo regular e adequado à conservação das árvores implantadas no seu recinto, sempre a árvore teria caído em resultado de factores de natureza excepcional, de causa fortuita ou de força maior.

Ora, para afastar a culpa da sua segurada na produção dos danos, invocou a Ré que o segurado da Autora agiu com negligência e deu, com a sua conduta, causa adequada e exclusiva ao sinistro e aos danos dele decorrentes. Todavia, atenta a prova produzida, diga-se, desde já, que tal imputação ao proprietário da viatura não é procedente. De facto, veja-se, de seguida, a contradição da defesa da Ré.

Alegou a Ré que, no dia da ocorrência, chovia e sentiam-se ventos fortes, que a viatura foi estacionada debaixo de árvores centenárias de grande porte, fora dos parques de estacionamento existentes na Escola, em manifesto risco de caírem ramos das mesmas sobre a viatura. Mais invocou que já se tinham verificado no passado quedas de ramos, atenta a antiguidade das árvores e o precário estado vegetativo de alguns dos seus ramos, e que essa queda dos ramos é potenciada quando chove e se verificam fortes ventos, o que, alegou, era do pleno conhecimento de D....

Todavia, a Ré apenas logrou provar que, no dia do sinistro, soprava vento com intensidade, que a viatura foi estacionada debaixo de árvores centenárias de grande porte, fora dos parques de estacionamento existentes na Escola e que, no passado, se verificou, pelo menos por uma vez, a queda de ramos de árvores. Assim, não provou que as quedas dos ramos se deviam à antiguidade das árvores e ao precário estado vegetativo de alguns dos seus ramos, nem que eram potenciadas quando chovia e se verificavam fortes ventos, e não provou, também, que tal situação era do pleno conhecimento de D.... Nem provou que a zona onde foi estacionado o veículo fosse desadequada para o estacionamento (tanto mais que resultou provado que aquela zona se encontrava pavimentada, mas coberta de terra e de folhas).

Por conseguinte, a Ré, enquanto seguradora da Escola, a quem incumbia o dever de vigilância das árvores e de todos os bens incorporados no seu recinto, nenhuma prova fez (e nada alegou) de que a Escola C... efectuasse um controlo regular e adequado à conservação das árvores implantadas no seu recinto. Aliás, a Ré não provou que, nesse dia, em que se sentia vento com intensidade, a Escola tenha procedido com a diligência que lhe cabia, maxime efectuando um juízo de probabilidade da queda, nem que tenha tomado medidas para prevenir essa queda da árvore (que não foi imprevisível nem inevitável, já que não integra um caso fortuito nem de força maior conforme a própria Ré admite no artigo 22º do seu articulado). Todavia, apesar de não alegar nem fazer prova de que a Escola tomou as medidas exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos causados, a Ré A..., procurando ilidir a presunção de culpa que cai sobre a Escola, imputa essa falta de diligência ao proprietário do veículo sinistrado, exigindo-lhe aquilo que àquela incumbia fazer e que não fez: um juízo de previsão da queda da árvore e uma actuação diligente no sentido de a evitar (…)”.

Vejamos agora se contra isto procede a questão em apreço.

O contrato de seguro celebrado entre a Ré ora apelante - Companhia de Seguros B..., SA - é um contrato de seguro que se pode classificar de facultativo, tendo por objecto o seguro de danos[1], sendo estes danos os indemnizáveis por virtude de actos ou omissões da segurada enquadráveis no regime da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.

É o que indiscutivelmente decorre das condições gerais, especiais e particulares da apólice que titula o contrato, conforme o teor de fls. 84-97 dos autos.

Na verdade, no art.º 1º da cláusula 1ª das condições especiais dispõe-se que o contrato tem por objecto a garantia da “responsabilidade civil que, nos termos da lei, seja imputável ao segurado em consequência da propriedade ou da exploração do estabelecimento identificado nas condições particulares” (cfr. fls. 90).

E de acordo com as condições particulares a cobertura acordada é a do ramo Responsabilidade Civil - Exploração, abrangendo a responsabilidade extracontratual por danos patrimoniais causados a terceiros, por actos ou omissões imputáveis ao segurado, funcionários e corpo docente e discente enquanto no local da obra (cfr. fls. 85).

O preceito que a sentença teve como gerador da responsabilidade da segurada da apelante é o do art.º 493, nº 1, do C. Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte.”

Não há aqui uma responsabilidade objectiva, mas evidentemente subjectiva, em que apenas a culpa do detentor ou encarregado da vigilância se presume iuris tantum.

Por via de regra, apurado um qualquer dano com origem em coisa móvel ou imóvel, deve pressupor-se que na sua causa esteve alguma forma ilícita de actividade ou omissão humana.

Demonstrado pelo lesado a existência do dano e do nexo causal entre este e a coisa ou o animal detidos, fica igualmente provado o facto ilícito, uma vez que este fica preenchido com a ofensa não consentida pela ordem jurídica ao direito de propriedade do lesado.

Mas nada impede que o presumido culpado afaste a presunção e, por essa via, a sua responsabilidade.

Tal como se relevou na decisão, a norma contida no nº 1 do art.º 493 do CC estabelece uma presunção de culpa sobre o detentor da coisa ou responsável pelos animais, desonerando o lesado de uma prova normalmente difícil, por não lhe ser exigível o conhecimento das condições concretas da guarda ou vigilância desses bens.

Esta presunção legal assenta no dado adquirido na experiência segundo o qual, porque quem tem a seu cargo coisas móveis ou imóveis ou animais tem o especial ónus de as guardar e vigiar, ao ser produzido um determinado dano por essa coisas ou esses animais, com toda a probabilidade ele decorreu do deficiente ou inexistente cumprimento desse ónus de vigilância.

Não se postula que as coisas ou animais sejam em si mesmos fonte de perigo para terceiros, mas tão só que a falta de vigilância é susceptível de vir a criar esse perigo[2].

Ora, é a própria apelante que, logo na contestação, admite ou confessa factos que inculcam o seu incumprimento dos deveres de guarda e vigilância das árvores sitas na alameda em que ocorreu a queda de parte de uma delas. Outra coisa não resulta do que se transcreve destas passagens do que ali vem alegado:

“Quedas de ramos essas que, aliás, já se haviam verificado diversas vezes no passado” (art.º 18º);

“Atenta a antiguidade das árvores e o precário estado vegetativo de alguns dos seus ramos” (art.º 19º).

Ora não se provou que o proprietário da viatura danificada já soubesse desses incidentes - cfr. a resposta negativa ao nº 19º da b.i.

Donde que o mero estacionamento do veículo numa alameda pavimentada, debaixo de árvores centenárias de grande porte, para benefício da sombra dessas árvores, apesar da existência de um espaço específico para aparcamento (que se ignora se estava ou não utilizável pelo dono daquela), não se nos afigure como matéria suficiente para integrar o conceito de facto culposo do lesado, de harmonia com os art.ºs 570, nºs 1 e 2 e 487, nº 2 do CC.

Além do mais nada foi alegado no que toca à prévia advertência do dono do veículo quanto à proibição ou mesmo à mera inconveniência de aparcamento nesse preciso local, uma vez que não foi alegado que por ele não pudessem transitar quaisquer veículos. E é caso para perguntar se o mesmo problema do perigo formado pela vetustez e estado de degradação das árvores também se não colocava para a simples circulação de veículos pela referida alameda, ou, inclusivamente, para os próprios peões ou transeuntes.

Temos, por conseguinte, como líquido que no invocado estacionamento da viatura naquele concreto local não se divisa uma conduta diversa da que, nas mesmas circunstâncias, seria praticada por um bom pai de família, sendo certo que, de acordo com o art.º 487, nº 2, do CC, é por este único critério ou padrão que se deve nortear a definição da culpa em matéria de indemnização.

 Daí que a questão suscitada não possa deixar de improceder.

Quanto à dedução da franquia.

Em segundo lugar, opõe-se a apelante à desconsideração do valor da franquia previsto na apólice no valor da indemnização.

A sentença justificou essa desconsideração com o argumento de que só o tomador do seguro responde pela franquia contratual.

Mas aqui julgamos que a razão está do lado da recorrente.

      

Efectivamente, compulsando a apólice em causa e as respectivas condições, vemos que o art.º 1º do Capítulo 1º das Condições Gerais define a franquia como a importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e se encontra estipulada nas Condições Particulares do contrato.

Na parte final das Condições Particulares está estipulada a seguinte franquia:

Danos em viaturas: 10% do valor do sinistro no mínimo de 500,00 Euros”.

Não há, assim, qualquer dúvida, quanto à previsão de uma franquia para a hipótese de os danos indemnizados abrangerem viaturas.

Sucede que a franquia é uma dedução ao montante indemnizatório, um desconto que tem de incidir sobre quem o recebe e que normalmente é o segurado. O que importa é que ao pagar a indemnização a seguradora deduza logo aí o valor da franquia. A franquia tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade do segurador em pequenos sinistros, obstando aos custos administrativos inerentes[3].

Daí que, neste segmento, se imponha a modificação da sentença.

Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, revogam em parte a sentença, julgando a acção procedente por provada e condenando a Ré B... a pagar à A. a quantia de € 14.796,12, deduzida da franquia de 10% e acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Custas na proporção de 9/10 para a apelante e 1/10 para a apelada.


Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] É tradicional a dicotomia entre seguro de danos e seguro de pessoas, que assentaria no Código Comercial, pela qual os primeiros compreenderiam os seguros que se destinassem a eliminar danos que determinado evento causasse no património do segurado, sendo os segundos relativos a factos que afectassem a vida, a integridade física ou familiar das pessoas seguros. Todavia, segundo José Vasques (Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, p. 37-39) esta distinção é hoje artificial face à legislação comunitária e à prática segurador actual, justamente por virtude da proliferação de seguros que envolvem responsabilidade civil por danos em pessoas.
Cremos, no entanto, que o regime vigente, instituído pelo DL 72/2008 de 16/04, parece ter querido retomar essa clivagem, uma vez que veio consagrar expressamente, nos seus art.ºs 123 e seguintes, um regime específico para o seguro de danos, denunciando que na matriz dessa qualificação está claramente o objectivo de salvaguardar direitos ou bens patrimoniais do segurado.
[2] Antunes Varela (Das Obrigações em Geral,, 3ª ed., p. 476), citando Vaz Serra, admite expressamente a possibilidade de, em certas situações, se chegar à concorrência de culpas de terceiros, nomeadamente por culpa in eligendo ou in instruendo, embora tenhamos por duvidoso que, à luz do disposto no nº 2 do art.º 570 do CC, e sem disposição expressa em contrário, culpa presumida e efectiva possam coexistir. O mesmo autor também parece apontar no sentido de que só a não prova da culpa pelo encarregado da guarda ou vigilância dos bens afasta em definitivo a culpa presumida.
[3] Assim a explica José Vasques (ob. e ed. citadas, p. 309), acrescentando também que a franquia serve ainda para influir no cálculo do prémio.