Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1334/15.5T8LMG. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INDEFERIMENTO LIMINAR
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – LAMEGO – INST. CENTRAL – 2ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 195º E 199º DO NCPC; 386º E 387º C. TRABALHO DE 2009; 34º E 39º CPT; AC. UN. JUR. DO STJ Nº 1/2003.
Sumário: I – Não tendo proferido decisão de indeferimento liminar, mas outra na qual em sede liminar ordenou o prosseguimento do processo para oposição das requeridas e realização de audiência final, não pode o tribunal a quo proferir novo despacho que na prática se traduz num indeferimento liminar.

II – Proferida uma verdadeira decisão de indeferimento liminar, fora do tempo processual adequado, tal pode consubstanciar a prática de uma nulidade processual secundária (artºs 195º e 199º nCPC) que deveria ter sido arguida expressamente pelo apelante, no prazo de 10 dias após a notificação do despacho de indeferimento liminar.

III – O meio próprio para reagir contra essa nulidade não é uma simples reclamação ou arguição perante o tribunal, mas a interposição de recurso do despacho em causa.

IV – O artº 386º do C. Trabalho de 2009 dispõe que o trabalhador pode requerer a suspensão do seu despedimento no prazo de 5 dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no CPT.

V – Por sua vez, resulta do artº 387º do mesmo código que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial e o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.

VI – O artº 34º, nº 4 do C.P. Trabalho dispõe que a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no artº 98º-C, sob pena de extinção do procedimento cautelar.

VII – E o artº 39º do mesmo CPT estabelece que a suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento...

VIII – O regime actualmente em vigor, para além de dissolver as dúvidas que existiam quanto à possibilidade do trabalhador poder lançar mão da providência cautelar da suspensão do despedimento quando confrontado com situações de despedimento fundado em razões objectivas, veio reafirmar a faculdade que aquele tem de instaurar o procedimento cautelar respectivo quando é alvo de um despedimento não formal, podendo, para o efeito, indicar a prova que entender por conveniente.

IX – A interpretação sustentada pelo STJ no Ac. Un. Jur. nº 1/2003 é clara ao afirmar que o trabalhador pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que este seja a causa invocada pela entidade patronal para a cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento.

X – Assim, o actual regime do CPT permite alargar o âmbito de aplicação da medida cautelar regulada nos artºs 34º e segs. do CPT a situações de cessação do contrato de trabalho que, não sendo formal e expressamente qualificadas pelo empregador como despedimento, possam ainda ser reconduzidas a essa modalidade de extinção do vínculo laboral.

XI – As regras do CPT não excluem a possibilidade de propositura de um procedimento cautelar de suspensão de despedimento por dependência de uma ação declarativa com processo comum laboral.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A requerente instaurou contra as requeridas procedimento cautelar de suspensão do despedimento, desde logo declarando pretender deduzir, com ele, impugnação judicial da regularidade e licitude do mesmo, contra aquelas requeridas.

Para tanto alegou, exactamente:

«a. A 1ª Requerida é uma sociedade que se dedica à actividade de serralharia civil, fazendo caixilharias em alumínio, gradeamentos, portões em ferro e inox, portões seccionados e estores e tem por sócios E... e F... (Doc 1);

b. No ano de 2014, por divergências havidas entre os sócios da 1ª Requerida estes decidiram transmitir o estabelecimento desta para duas outras sociedades que constituíram, sendo uma a 2ª Requerida, pertença de E... e a outra a 3ª Requerida, pertença de F... ;

c. A 2ª Requerida é uma sociedade que se dedica à actividade de serralharia civil, fazendo caixilharias em alumínio, gradeamentos, portões em ferro e inox, portões seccionados e estores e tem por sócios E... e H... , e foi constituída em 23/1/2014 (Doc. 2 e 3);

d. A 3ª Requerida é uma sociedade que se dedica à actividade de serralharia civil, fazendo caixilharias em alumínio, gradeamentos, portões em ferro e inox, portões seccionados e estores e tem por sócios F... e G..., e foi constituída em 25/1/2014 (Docs. 4 e 5);

e. As três Requeridas têm exactamente a mesma actividade e têm sede social no mesmo local (Docs 1 a 5);

f. Todos os trabalhadores da 1ª Requerida, com excepção do Requerente, viram os seus contratos de trabalho formalmente serem transmitidos para a 2ª e 3ª Requeridas;

g. O Requerente foi admitido ao serviço da 1ª Requerida mediante contrato de trabalho celebrado no ano de 1999;

h. Desde essa data que o Requerente foi o responsável pela contabilidade da Requerida, fazendo, designadamente, as seguintes tarefas: a. Elaboração do livro do razão e dos balancetes, b. Fiscalidade corrente: declaração do IVA, preparação das declarações de segurança social, c. Processamento de salários, d. Estabelecimento das declarações fiscais e sociais, e. Gestão e acompanhamento da tesouraria, f. Cobrança dos clientes, g. Preparação dos estados contabilísticos e financeiros anuais: balanços, declaração de resultados, anexo;

i. Por carta data de 14/10/2015, o Requerente foi notificado da decisão da Requerida o despedir, decisão essa que se junta como Doc. 6 e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

j. Não existiu nenhum procedimento disciplinar;

k. Verifica-se inexistência de justa causa de despedimento;

l. A 1ª Requerida violou deveres para com o arguido-trabalhador não lhe tendo pago em devido tempo, designadamente não lhe pagando a remuneração do mês de novembro de 2015;

m. Aliás, a 1ª Requerida nunca pagou ao Requerente o salário que lhe era devido. Na verdade, ao contrato de trabalho do Requerente é aplicável a CCT celebrada entre a FENAME – Federação Nacional do Metal e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, por força da Portaria de Extensão publicada no BTE, 1ª série, n.º 37, de 8 de outubro de 2003; A Portaria de extensão entrou em vigor em 4 de Outubro de 2003 – cfr. art.º 2º, n.º 1 da PE - e a tabela salarial da convenção produziu efeitos desde 1 de abril de 2003 – cfr. art.º 2º, n.º 2 da PE; Nos termos da cláusula 8ª da CCT os trabalhadores abrangidos por este contrato serão classificados de acordo com as funções efectivamente desempenhadas, sendo vedado às entidades empregadoras atribuir-lhes profissões e escalões diferentes dos nele previstos. Considerando as funções pelo Requerente efectivamente exercidas e as categorias profissionais previstas na CCT, este tem, desde a sua admissão, a categoria de «Contabilista» (que actualmente não está prevista na CCT referida, correspondendo-lhe a de «Técnico de Contabilidade» com o mesmo elenco de funções e competências);

n. De acordo com o Anexo II da CCT (Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003), aplicável ex vi art.º 2º, n.º 2 da Portaria de Extensão publicada no BTE, 1ª série, n.º 37, de 8 de outubro de 2003, a tabela salarial da convenção produziu efeitos desde 1 de abril de 2003 – cfr. art.º 2º, n.º 2 da PE;

o. Consequentemente, a partir de 1 de Abril de 2003 o vencimento mensal do Requerente teria de corresponder a € 802 (oitocentos e dois euros);

p. Mas ao invés, a 1ª Requerida nunca pagou ao Requerente essa importância, antes lhe tendo pago os valores infra descritos (docs. 7 a 9);

q. Assiste, por isso, ao Requerente o direito de receber da Requerida as diferenças salariais desde 1 de abril de 2003, num total de € 48.976,58 (…);

r. Como cada um dos salários tinha data certa de vencimento, ao valor referido acrescem juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento e até efetivo e integral pagamento;

s. O despedimento ilícito do Requerente causa-lhe inúmeros prejuízos materiais e imateriais, visto que tem por única fonte de rendimento o seu trabalho, vivendo com a esposa, que se encontra também ela desempregada;

t. Sofreu também vexame, enxovalho e humilhação, vendo a sua saúde afectada, pelo desgaste psíquico que lhe foi provocado pela Requerida, sofrendo, designadamente, perturbações de sono;

u. Verificam-se, assim, todos os pressupostos para o deferimento do procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento, bem como os pressupostos dos procedimentos cautelares comuns;

v. Verificam-se ainda os pressupostos para procedência de acção especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento;

w. Mercê do referido em 1º) a 6º), é inequívoco que, o Requerente foi ilicitamente despedido, podendo considerar-se que ocorreu transmissão do estabelecimento da 1ª Requerida para as 2ª e 3ª Requeridas, razão pela qual são estas responsáveis solidariamente com a 1ª Requerida pelas obrigações desta – art.º 285º CT.»

Requereu, a final, na procedência do procedimento, se suspenda o despedimento e se condene a 1.ª requerida a pagar as retribuições em dívida, à data da decisão. Formulou ainda pedidos a serem atendidos na acção dependente.

Em sede de despacho liminar, foi ordenada a notificação do requerente para se pronunciar quanto à possibilidade do requerimento do procedimento ser liminarmente indeferido, com enunciação dos fundamentos para tanto.

O requerente pronunciou-se sobre tal possibilidade.

Na sequência dessa resposta, foi proferido despacho no qual se considerou “prudente” ouvir as requeridas sobre a questão, ordenando a sua citação, o que foi efectuado, tendo sido apresentadas oposições. Naquele despacho, foi ainda designada data para audiência final.

Em sede de audiência, as partes requereram a suspensão da instância com vista a chegarem a entendimento, o que não veio a suceder, tendo o requerente requerido o prosseguimento da instância e o agendamento de data para a audiência final.

Após tal requerimento, foi então proferida decisão final que julgou “inadmissível o procedimento cautelar e verificada a nulidade de erro na forma de processo”, absolvendo as requeridas da instância.

É desta decisão que, inconformado, o requerente veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]


Contra-alegaram, separadamente, as requeridas C... , Lda e B... , Lda, pugnando pela manutenção do julgado.
Pronunciou-se a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta em douto parecer.

*
II- APRECIAÇÃO
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se a decisão recorrida padece de nulidade por se consubstanciar numa decisão surpresa;

- se ocorriam os pressupostos necessários à apreciação do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, designadamente tendo em conta a questão do erro na forma do processo.

1. A questão da decisão surpresa:

Suscita o apelante a questão de ter sido surpreendido com a decisão de que recorre, ocorrendo violação do princípio do contraditório contido no disposto no art. 3.º do CPCivil, na medida em que a decisão tomada constituiu para si uma “decisão surpresa”.

Como já se disse, em sede de despacho liminar, o mesmo apelante foi antes notificado para se pronunciar quanto à possibilidade do requerimento do procedimento ser liminarmente indeferido, com enunciação dos fundamentos para tanto e, perante essa notificação, veio pronunciar-se sobre tal possibilidade.

Sucede que, na sequência dessa audição, o tribunal a quo não proferiu qualquer despacho de indeferimento liminar, mas ante proferiu despacho no qual se considerou “prudente” ouvir as requeridas sobre a questão, ordenando a sua citação para, querendo, se oporem à providência cautelar, nos termos do disposto no art. 34.º, n.º 1, do CPT, designando ainda data para audiência final.

Por consequência, não tendo proferido decisão de indeferimento liminar, mas outra na qual em sede liminar ordenou o prosseguimento do processo para oposição das requeridas e realização de audiência final, não poderia ter proferido novo despacho que na prática de traduz num indeferimento liminar, já que se reconduz, sem antes ter tido lugar a audiência final com produção de prova, a uma apreciação sobre os próprios pressupostos do procedimento requerido elencados no requerimento inicial.

O tribunal a quo não estava impedido de proferir decisão de conteúdo substancial idêntico à tomada. Mas o tempo processual adequado não era o que nele teve lugar, mas antes o momento da decisão final, após a audiência final convocada e que, depois, veio a não ter lugar. Não tendo sequer comunicado previamente à partes, para audição, a intenção de adequar o processado (como o poderia fazer no quadro do disposto no art. 547.º do CPCivil) e proferir decisão final com dispensa de audiência final para produção de prova, a decisão em causa só pode ser entendida como a decisão de indeferimento liminar antes anunciada como uma possibilidade.

Proferido, pois, uma verdadeira decisão de indeferimento liminar, fora do tempo processual adequado, tal poderia consubstanciar, antes de mais, a prática de uma nulidade processual secundária (artigos 195.º e 199.º do NCPC) que deveria ter sido arguida expressamente pelo apelante, no prazo de 10 dias após a notificação do despacho de indeferimento liminar.
O apelante não o fez, mas é certo que o poderia ter feito no recurso, já que o que estaria em causa é a prática de uma alegada nulidade processual coberta pela decisão recorrida – ou seja, a decisão fora do momento adequado. Nesse caso, o meio próprio para reagir contra a nulidade não seria a simples reclamação ou arguição perante o tribunal, mas o recurso do despacho que a sanciona. Tal como refere o professor Alberto dos Reis, no seu Comentário ao Código de Processo Civil, volume II, páginas 507 a 510, quando afirma o seguinte: “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou a reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”.

Mas não foi com este enfoque, da impossibilidade de ter sido proferida decisão liminar de indeferimento dado o momento processual em causa, que o requerente arguiu nulidade. Por isso, a mesma deve considerar-se sanada, por falta da sua arguição tempestiva.

O que o apelante veio arguir foi a “nulidade da decisão” por violação do princípio do contraditório, ocorrendo violação do disposto no art. 3.º do CPCivil.
Não se trata também aqui de uma verdadeira nulidade da decisão (no quadro das nulidades previstas no art. 615.º do CPCivil), mas antes a prática de uma alegada nulidade processual coberta pela decisão contida no mesmo despacho – ou seja, a omissão da observância do princípio do contraditório -, pelo que, como dissemos, o meio próprio para reagir contra a nulidade seria o recurso do despacho que a sanciona.
Neste âmbito, contudo, não se nos afigura que o apelante tenha razão.

Nos termos do n.º 3 daquele art. 3.º do CPC, o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir de questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ora, na decisão recorrida fez-se referência a que requerente foi notificado para se pronunciar quanto à “possibilidade de ser o procedimento liminarmente indeferido, o que fez por requerimento a fls. 47 a 64”.

E, na verdade, tal foi feito com enunciação dos fundamentos para tanto, designadamente no que toca ao erro na forma do processo.

Deste modo, não podemos considerar que foi tomada uma decisão sobre questões de direito “sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ou seja, não pode considera-se que o conteúdo da decisão foi uma “surpresa” para o apelante, já que tinha sido notificado para essa possibilidade.

Sendo assim, deve improceder a apelação nesta parte.


2. A questão de saber se ocorriam os pressupostos necessários à apreciação do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, designadamente tendo em conta a questão do erro na forma do processo:
Na decisão recorrida, escreveu-se a propósito o seguinte:

«Com efeito, de acordo com o doc. 6, cujo teor o requerente deu por reproduzido no artigo 9.º do requerimento inicial, a primeira requerida comunicou-lhe a “caducidade do contrato de trabalho, determinada pelo encerramento da B... , Lda.”, nos termos da qual “o encerramento total e definitivo da empresa determina a caducidade do seu contrato de trabalho, por força do disposto no n.º 3 do artigo 346.º do Código do Trabalho, com efeitos a partir de 1 de Novembro do corrente ano 2015”.

Ora, estando em causa uma caducidade do contrato de trabalho não se pode, in casu, falar de despedimento nem, consequentemente, fazer uso dos meios processuais especificamente criados para sindicar os termos em que ele ocorreu ou o suspender.

Com efeito, nos termos do disposto nos artigos 34.º e 98º-C, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, tanto a providência cautelar especificada em causa como o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento são aplicáveis por referência à norma do artigo 387º do Código do Trabalho, quando seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação.

No caso vertente, o empregador comunicou ao trabalhador a cessação do contrato de trabalho, não por despedimento, antes por caducidade do contrato, que com ele se não pode confundir, atenta a clara distinção que decorre, desde logo, do disposto no artigo 340.º do Código do Trabalho.

Apurar se está em causa um verdadeiro despedimento ou outra causa de cessação do contrato de trabalho constitui questão substantiva, que não interfere, nem colide, com a determinação do meio processual aplicável, o qual é conformado unicamente pela configuração que o empregador deu à causa de cessação do contrato.

Neste sentido se pronunciou, precisamente, o Ac. TRP 08/09/2014, in www.dgsi.pt, a que o requerente alude no seu requerimento de contraditório, aí se consignando que “seguem a forma comum as acções destinadas a impugnar um despedimento em que o empregador não assume a sua qualificação como um despedimento, designadamente porque entende que a cessação decorre da caducidade pela verificação do termo resolutivo aposto ao contrato de trabalho”.

Também neste sentido se pronunciou o Ac. TRC, 24/06/2010, publicado no mesmo sítio, aí se anotando: “Assim, conforme refere Albino Mendes Batista “in” “A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Cód. Proc. Trabalho”, Coimbra Editora, Reimpressão, págªs 73 e 74 “a nova ação de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, ficando fora do âmbito desta impugnação outras situações que o dito autor enumera e entre as quais figura a situação “em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador acabou de invocar a respectiva caducidade” o que é, precisamente, o caso dos presentes autos”.

Assim colocadas as coisas, a alegação do requerente, em exercício do contraditório, de que “não ocorreu a caducidade do seu contrato de trabalho” (cfr. fls. 52), colide frontalmente, em nosso ver, com o teor do documento 6 que o mesmo juntou e deu por reproduzido, e que funda o despedimento, efectivamente, na caducidade do contrato de trabalho, e passa pela indagação de matérias que só caberão no âmbito de um procedimento cautelar comum ou de uma acção de processo comum.

Sucede que também se não encontram reunidos, por outro lado, os pressupostos do procedimento cautelar comum, desde logo, por não vir alegada qualquer matéria subsumível ao periculum in mora, ou seja, à difícil reparabilidade da lesão decorrente das alegadas condutas da primeira requerida, conforme exige o artigo 362.º, n.º 1, do CPC.

Está assim em causa, quanto ao procedimento cautelar, uma inadmissibilidade do procedimento, sem que lhe possa ser aplicado oficiosamente o regime dos procedimentos cautelares comuns, nos termos do n.º 3 do artigo 376.º do CPC e, quanto à acção dependente, um erro na forma de processo, cuja consequência vem prevista no artigo 98º-I, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, o qual estipula que “caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador, e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum”.»

Vejamos:
O art. 386.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe que o trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho. Por sua vez resulta do art. 387.º do mesmo Código que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial e o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior.
O art. 34.º n.º 4 do CPTrabalho dispõe que a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no artigo 98.º-C, sob pena de extinção do procedimento cautelar.
E o art. 39.º do mesmo CPT estabelece que a suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua: a) pela provável inexistência de processo disciplinar ou pela sua provável nulidade; b) pela provável inexistência de justa causa, sendo que (n.º 2) a decisão sobre a suspensão tem força executiva relativamente às retribuições em dívida, devendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento.
Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 16-12-2015 (relator: José Eduardo Sapateiro, proc. 22191/15.6T8LSB.L1-4, “o regime actualmente em vigor, para além de dissolver as dúvidas que existiam quanto à possibilidade do trabalhador poder lançar mão da providência cautelar da suspensão do despedimento quanto confrontado com situações de despedimento fundado em razões objectivas, veio reafirmar a faculdade que aquele tem de instaurar o procedimento cautelar respectivo quando é alvo de um despedimento não formal, podendo, para o efeito, indicar a prova que entender por conveniente”.
Já o Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 1/2003, publicado no Diário da República, I Série, de 12/11/2003, consagrou a seguinte interpretação jurisprudencial:
«I- O trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão despedimento desde que este seja a causa invocada pela entidade patronal para a cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento.
II- Os meios de prova consentidos pelos artigos 35.º e 43.º, ambos do Código de Processo do Trabalho, destinam-se a fundar a verosimilhança necessária para a concessão da providência cautelar de suspensão de despedimento (...)” (sublinhados nossos).
A orientação deste Ac. Uniformizador mantém, a nosso ver, plena actualidade.
Como refere António Abrantes Santos Geraldes, in Suspensão de despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho - Novo Regime - Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, Almedina, Fevereiro de 2010, páginas 20 e 21:
«A partir do Código do Processo do Trabalho de 1999 deixaram de existir motivos para questionar a admissibilidade do procedimento cautelar de suspensão relativamente a despedimentos não precedidos de processo disciplinar ou outro procedimento específico para a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, naquilo a que poderemos chamar de despedimento objectivo ou despedimento de facto.
Importante é que à pretensão cautelar esteja subjacente a alegação da existência de um contrato de trabalho tal como o define o artigo 11.º do Código do Trabalho, ainda que com uso das presunções constantes do seu artigo 12.º, a par de uma situação de despedimento, posto que não tenha sido o corolário do respetivo procedimento formal.».
E ainda, a páginas 58 e 59:
«(…) Em segundo lugar, pressupõe uma situação de “despedimento”, de forma a eliminar outras formas de cessação do contrato de trabalho.
A verificação destes requisitos primordiais é fácil e imediata quando se trata de despedimentos formalizados. Maiores dificuldades se suscitam naqueles casos em que o requerente invoque uma situação de despedimento objectivo ou despedimento de facto que não tenha sido antecedido de qualquer procedimento formal, ou naqueles casos em que o requerido impugne a existência de qualquer despedimento e invoque a extinção do contrato por iniciativa do trabalhador.
É para estes efeitos que ganha relevo o Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/03, de 12 de Novembro…
Com este acórdão de uniformização ficou de algum modo prejudicada a corrente jurisprudencial de pendor mais rigorista, segundo a qual a suspensão do despedimento apenas poderia ser decretada se se apurasse, em termos inequívocos, a existência de um contrato de trabalho e de uma situação de despedimento.
Assim se compreendem as novas regras em relação aos meios de prova admissíveis, a sugerir uma maior amplitude para a matéria de facto susceptível de ser discutida.»
Na verdade, a interpretação sustentada pelo Supremo Tribunal de Justiça no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/03 é clara ao afirmar que o trabalhador “pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão despedimento desde que esta seja a causa invocada pela entidade patronal para a cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento” e de que «os meios de prova consentidos pelos artigos 35.º e 43.º, ambos do Código de Processo do Trabalho, destinam-se a fundar a verosimilhança necessária para a concessão da providência cautelar de suspensão de despedimento” (sublinhados nossos).
Sendo assim, não vemos como não sustentar que o actual regime do Código do Processo do Trabalho permite alargar o âmbito de aplicação da medida cautelar regulada nos artigos 34.º e seguintes do Código do Processo do Trabalho a situações de cessação do contrato de trabalho que, não sendo formal e expressamente qualificadas pelo empregador como despedimento, possam ainda ser reconduzidas a essa modalidade de extinção do vínculo laboral.
E, se assim é, como se diz no já referido Ac. da Relação de Lisboa de 16-12-2015, a providência cautelar de suspensão de despedimento, “ao admitir a invocação de despedimentos verbais, não coincide, em termos de objecto processual, com a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulada nos artigos 98.º-B e seguintes do Código do Processo do Trabalho (que reclama uma declaração formal de resolução do contrato de trabalho por parte do empregador), podendo ser, nessa medida, complementar de uma acção de impugnação de despedimento com processo comum, o que, desde logo, afasta qualquer argumento que busque a identidade de causa de pedir entre o dito procedimento cautelar e aquela acção com processo especial”.
E como no mesmo aresto de defende, com a nossa concordância, a circunstância do n.º 2 do art.º 98.º-C do CPT estatuir que “caso tenha sido apresentada providência cautelar de suspensão preventiva do despedimento, nos termos previstos nos artigos 34.º e seguintes, o requerimento inicial do procedimento cautelar do qual conste que o trabalhador requer a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento dispensa a apresentação do formulário referido no número anterior”, assim como estar estabelecido no n.º 4 do artigo 34.º do mesmo CPT que “a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no artigo 98.º-C, sob pena de extinção do procedimento cautelar” não permite extrair a conclusão que o procedimento cautelar de suspensão de despedimento coincide em termos de pressupostos de instauração com os que são exigidos para a propositura da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com processo especial (artigos 98.º-B a 98.º-P do C.P.T.) ou seja, de que só pode ser utilizado pelo trabalhador que tenha sido formalmente despedido (por escrito, como aí se defende), quer o tenha sido em termos subjectivos, como objectivos.
As regras do CPTrabalho não excluem assim a possibilidade de propositura de um procedimento cautelar de suspensão de despedimento por dependência de uma acção declarativa com processo comum laboral.
Por consequência, perante a alegação do requerente, agora apelante, que foi despedido, não obstante a carta que juntou, e que lhe foi endereçada pela 1.ª requerida, referir a caducidade do contrato, possibilita a indagação, com base nos elementos documentais disponíveis nos autos e a prova testemunhal que venha a ser produzida em audiência final, de saber se ocorreu um despedimento ilícito.
Ou seja, como se referiu no Ac. da Relação de Lisboa citado e que aqui seguimos, não se pode sustentar que a causa de pedir e o pedido, formulados nestes autos, extravasam o objecto e fim legalmente consentidos ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
Outra questão é a do erro na forma do processo quanto à acção principal, anunciada pelo apelante no seu requerimento inicial como sendo a uma acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (regulada pelos artigos 98.º-B a 98.º-P do CPT).
No caso do requerente, dando cumprimento ao estatuído nos artigos 98.º-C, n.º 2 e 34.º, n.º 4 do CPT, ainda que indevidamente, por se concluir que é a acção declarativa com processo comum que deverá ser instaurada, ter assinalado que a acção principal é a acção com processo especial assinalada, a nulidade do erro da forma do processo terá de ser eventualmente reconhecida e declarada, com o aproveitamento ou não do processado entretanto desenvolvido na mesma, no mesmo processo principal e não no procedimento cautelar.
Como se salientou no Ac. da Relação de Lisboa acima indicado, “esse erro na forma do processo não prejudica, contudo e minimamente, a existência e normal processamento” destes autos de procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
Por consequência, finalmente, a apelação deve proceder pelos fundamentos expostos, com a revogação da decisão recorrida e a subsequente e normal tramitação dos autos de procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento.

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III- DECISÃO
Termos em que se julga procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se, em sua substituição, que seja dado normal andamento aos presentes autos, com a marcação da audiência final e ulteriores trâmites processuais.

Custas no recurso pelas requeridas.

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 (Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

 (Paula do Paço)