Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/16.7T8PNH-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – PINHEL – JUÍZO COMP. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1249º, 1878º E 1906º C. CIV.; N.º 2 DO ART.º 37º DO RGPTC.
Sumário: I – O processo de regulação do poder paternal é um processo de jurisdição voluntária, o que significa que nele só há um interesse a regular, embora possa haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse.

II - A ação de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.º 1249.º do CC).

III - Os princípios orientadores dos processos tutelares cíveis indicam que os mesmos deverão atender, prioritariamente, aos interesses e direitos das crianças e dos jovens, pelo que a ação de regulação do exercício do poder paternal destina-se a assegurar que os interesses do menor que merecem tutela jurisdicional se encontram acautelados, permitindo não só assegurar a situação presente como, em casos futuros, a possibilidade de dedução de incidente de incumprimento.

IV - A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada pela Resolução da AR nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12.09.1990, estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (art. 3º, nº 1).

V - Tal princípio constitucional aparece concretizado na lei ordinária, dispondo o art.º 1878.º, n.º 1, do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.

VI - O tribunal apenas deve proceder à homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais se os interesses dos menores ficarem salvaguardados, isso mesmo exige o n.º 2 do art.º 37º do RGPTC.

VII - A separação dos progenitores não implica o afastamento da criança de qualquer deles, antes impondo o esforço de manutenção dos seus laços afectivos com ambos (se razões do interesse da criança a tal não obstarem), equidistante dos problemas e conflitos que estiveram na origem da separação dos progenitores.

VIII - O direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais deve manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao seu superior interesse.

Decisão Texto Integral:







  Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

                                          Processo n.º 94/16.7T8PNH-A.C1

                                                           1. Relatório

1.1. – A..., casado, farmacêutico, portador do cartão de cidadão n.º ..., residente na Rua ..., intentou contra J..., casada, arquitecta, NIF n.º ..., residente na Rua ..., acção de Regulação de Responsabilidades Parentais.

1.2. - A fls. 11 foi proferido despacho a designar data para a realização da conferência de pais.

1.3. - A fls. 21 foi proferido despacho a dar sem efeito a data designada, face ao requerimento apresentado pela mandatária da R., tendo sido designada nova data.

1.4. – Em 12 de Julho de 2016 teve lugar a conferência de pais, onde foi fixado regime provisório de regulação das responsabilidades parentais.

1.5. - A fls. 31 a 41 o requerente veio interpor recurso do despacho aludido em 1.4. que fixou o regime provisório.

1.6. – A fls. 43 a 53 foram apresentadas contra-alegações.

1.7. – A fls. 56 foi proferido despacho a admitir o recurso.

1.8. – A fls. 57 v.º e fls. 58 o requerente veio referir que a requerida foi viver para Viseu.

1.9. – A fls. 63 v.º a 64 v.º a requerida respondeu ao referido em 1.8.

1.10. - A fls. 66 foi proferido despacho a designar data para a continuação da conferência de pais.

1.11. - Em 27/9/2016 teve lugar a conferência de pais, não tendo havido acordo, nos termos do art.º 39, n.º 4, do RGPTC foram as partes notificadas para, em 15 dias, apresentarem alegações e arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos.

1.12. – A fls 69 v.º a 79 v.º a requerida apresentou as suas alegações.

1.13. – A fls. 80 v.º a 91v.º o requerente apresentou as suas alegações.

1.14. – A fls. 93 foi proferido despacho a solicitar a elaboração de relatório sobre a situação pessoal, social e financeira dos progenitores, as suas competências para o exercício da paternidade, bem assim sobre as necessidades da criança B...

1.12. – A fls. 94 v.º a 103 v.º a requerida veio responder às alegações do requerente, pedindo a condenação deste como litigante de má fé.

1.13. – A fls. 127 v.º a fls. 129 o requerente veio responder ao requerimento aludido em 1.12.

1.14. – A fls. 130 v.º e 131 a requerente respondeu ao requerimento aludido em 1.13.

1.15. – A fls. 132 foi proferido despacho do seguinte teor , que se transcreve: “Considerando o superiormente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no apenso C, tendo em vista a fixação do regime provisório relativo ao exercício das responsabilidades parentais da menor, designo para a realização de uma conferência de pais o dia 24 de Novembro de 2016, pelas 11 horas e 30 minutos”.

1.16. – Em 27/11/2016, como resulta da ata de conferência de pais, foi conseguido o acordo dos pais nos termos que se transcreve:

“1. O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores.

2. A residência da B... é fixada até aos 2 anos de idade junto da mãe, no domicílio desta em ..., cabendo-lhe o exercício das responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente da criança, exceto quando a menor esteja na companhia do pai.

3. O progenitor conviverá com a filha nos seguintes termos:

A) a B... pernoitará de sábado para domingo, de 15 em 15 dias, com o progenitor, que irá buscá-la à residência da progenitora às 10 horas de sábado e a entregará a esta às 20 horas e 30 minutos de Domingo.

B) No fim de semana de pernoita o pai compromete-se a passar a noite na residência dos seus progenitores.

C) Na semana de pernoita com o pai a menor conviverá com o progenitor à terça-feira das 10 horas à 20 horas e 30 minutos.

D) Na semana em que a menor não pernoita com o progenitor ao fim de semana, esta conviverá com o pai à sexta-feira, das 10 horas até às 20 horas e 30 minutos, mantendo-se nessa semana o convívio de terça-feira.

4. Este regime de convívios vigorará até a menor perfazer 1 ano de idade.

5. Quando a B... completar 1 ano de idade passará a pernoitar com o progenitor aos fins de semana, de 15 em 15 dias, indo buscar a filha à residência da progenitora às 18 horas de sexta-feira e entregando-a de novo à mãe às 20 horas e 30 minutos de Domingo.

6. O pai contribuirá a título de alimentos para a filha com a quantia mensal de € 150,00, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, mediante transferência bancária para a conta da progenitora cujo IBAN já conhece.

7. As despesas médicas, medicamentosas e escolares devidamente comprovadas serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais.

8. Ambos os progenitores comprometem-se a não publicar nas redes sociais fotos da B... em que apareça a face desta.

9. Este ano a menor passará a consoada de Natal e o dia de ano novo com a mãe e o dia de Natal e a véspera do ano novo com o pai que a irá buscar a casa da mãe às 10 horas, entregando-a às 20 horas e 30 minutos, alternando nos anos seguintes.

10. A B... passará com a mãe o dia de aniversário desta e o dia em que se celebra o dia da mãe.

11. A B... passará com o pai o dia de aniversário deste e o dia em que se celebra o dia do pai.

12. No dia de aniversário da B... esta almoçará com o progenitor e jantará com a progenitora, alternando nos anos subsequentes.

13. No domingo de páscoa a menor almoçará com o pai e jantará com a progenitora, alternando nos anos seguintes.

14. No período de férias escolares de verão, a B... passará 15 dias com o pai e 15 dias com a mãe, podendo cada um dos progenitores fazer uma visita à filha enquanto esta estiver na companhia do outro progenitor.

15. Os progenitores acordam que em Setembro de 2017 a B... irá começar a frequentar a pré-escola em ...”.

            1.17. – Face ao acordo aludido em 1.16. foi dada a palavra à Digna Procuradora Adjunta e no uso da mesma disse: “promovo a homologação do acordo por acautelar os interesses da menor”.

1.18. – Face ao aludido em 1.16. e 1.17. A Mma. Juiz proferiu a seguinte:

SENTENÇA

“Nos presentes autos de Regulação das Responsabilidades Parentais que figura como requerente A... e J..., por acordo que antecede, que se reproduz nesta sede para todos os efeitos legais, salvaguardar os interesses da B..., afigurando-se válido, homologo por sentença, assim condenando os intervenientes a cumpri-los nos seus precisos termos- art.º 37.º, n.º  2, do RGPTC, e art.ºs 283.º, n.º 2, 284.º, 290.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 33.º,  n.º 1, do RGPTC.”

            1.19. - A fls. 135 v.º a 137 a requerida veio referir que as declarações prestadas pela requerida na conferência de pais de 24 de Novembro de 2011 foi na convicção que estaria a ser fixado tão só um regime provisório das responsabilidades parentais, que a sua vontade real nunca foi de prestar concordância e aceitar uma regulação das responsabilidades parentais da menor B..., com pernoita, ainda que de quinze em quinze dias (de Sábado para Domingo), bem como com visitas semanais com início às 10h. Por outro lado, o Tribunal e o requerente sabiam que para a requerida era essencial que o regime a fixar das responsabilidades parentais da menor B... não estabelecesse pernoitas com o progenitor por ora, nem o inicio das visitas ocorresse às 10:00h, já que a menor a menor acorda a essa hora (seguindo-se a rotina de mudar a fralda, trocar de roupa …).

Pelo que qualquer declaração prestada pela requerente na conferência de 24/11/2016 foi sempre na íntima convicção que estava a ser definido apenas e só o regime provisório relativo ao exercício das responsabilidades parentais da B.... Pois que era essa a finalidade que visava tal diligência, e por conseguinte nenhum outro sentido pode ser retirado da postura e declarações prestadas pela requerida na aludida conferência, devendo os autos prosseguir para a fixação do regime definitivo.

            1.20. – A fls. 141 a 145 o requerente respondeu referindo que a pretensão da requerente deve ser indeferida, e a mesma condenada ao abrigo do art.º 531 do C.P.C.

            1.21. - A fls. 147  M.P. teve vista dos autos referindo “ Entende o Ministério Público que não assiste razão à requerente J..., não tendo fundamento legal para o requerido, pelo que se deve indeferir o solicitado, devendo ainda, ser a mesma taxada pelo incidente causado nos autos

            1.22. – A fls. 148 foi proferido despacho do seguinte teor “ … Por despacho de fls. 142 foi designada data para a realização de uma conferência de pais, a qual teve lugar no passado dia 24-11-2016.

            No decurso da aludida conferência de pais, que havia sido designada tendo em vista a fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais relativas à menor B..., o Tribunal, conforme preceitua o art.º 37, n.º 1, do RGPTC, procurou obter acordo entre os progenitores sobre o exercício das responsabilidades parentais que acautelasse os interesses daquela.

            No decurso da conferência tal acordo foi alcançado, tendo, a final, nos termos do disposto no art.º 37, n.º 2, do RGPTC, sido proferida sentença homologatória por se encontrarem acautelados os interesses da B...

            Inexiste, pois, fundamento legal para o ora requerido.

            Acresce que, a requerida fez-se acompanhar na dita diligência de mandatária constituída nos autos, tendo resultado claro para esta e para a requerida que o acordo alcançado visava fixar o regime definitivo.

            Pelo exposto, indefiro o requerido por falta de fundamento legal.

            Custas do incidente pela requerida, que fixo em 1 UC”

            1.23. Inconformada, recorreu a requerida, da sentença homologatória, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:             ...

            1.24. A fls. 160 v.º e 161 o requerente refere “ – A..., requerente nos autos à margem referenciados e com os sinais já deles constantes, notificado que foi da interposição de recurso pela requerida e das respectivas alegações, vem, consequentemente, dizer que, i) atenta a notória e total ausência de fundamentação legal ou factual da motivação apresentada pela recorrente, ii) atenta a sentença homologatória do acordo que as partes livremente e em consciência desejaram, por este acautelar adequadamente o superior interesse da criança, iii) porque o recurso interposto é inadmissível, uma vez que, o que consta da acta de 24.11.2016 é o retracto fiel daquilo que se passou na Conferência de Pais, na presença da Sra. Juíza, da Sra. Procuradora – Adjunta, dos Srs. Advogados, da Sra. Oficial de Justiça e dos pais da menor, iiii) porque não existiu - nem tal se mostra alegado, nem invocado – nenhuma falsidade, erro ou lapso de escrita do teor da acta e / ou qualquer falta/vício de vontade por parte da recorrente, ao acordar na forma como o fez, bem como, iiiii) atento o facto de que o acordo de regulação das responsabilidades parentais fixado apenas ter sido aceite pelo requerente nos moldes em que o mesmo ficou estabelecido, por este entender que o mesmo acautelava o interesse da menor, iiiiii) atento o facto de a requerida, antes e agora, se mostrar patrocinada pela mesmíssima Ilustre Advogada e, ainda, iiiiiii) a material e processualmente inatendível pretensão da requerida que, sem a ocorrência de qualquer circunstância superveniente, entretanto e por si ou a mando de alguém, simplesmente mudou de ideias, sem que tal tenha qualquer correspondência com o bem-estar ou os reais interesses da menor, por tudo isto, deverá manter-se a douta sentença de homologação do acordo, rejeitando-se ou negando-se provimento ao recurso, razão pela qual, o requerente prescinde de apresentar as suas contra-alegações, deste modo renunciando ao respectivo prazo de recurso”.

            1.25. – A fls. 163 a 167 o Ministério Público apresentou contra-alegações, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

“ 1. A recorrente não concorda com a o acordo homologado na parte estabelecida nos pontos 3 A) B) C) D), 4, 5 e 14 da douta sentença por entender que o estipulado em tais cláusulas prejudica o superior interesse da menor B..., requerendo a revogação da decisão.

2. Deve ser o recurso apresentado ser considerado inadmissível, uma vez que a recorrente se encontrava presente na diligência, patrocinado com mandatário, pelo que o mesmo não deve ser admitido porque a Sentença se limitou a homologar o acordo alcançado.

3. Os pais de B... alcançaram acordo quanto ao regime das responsabilidades parentais da mesma, acordo esse que a progenitora recorrente subscreveu na presença e aconselhada/acompanhada de mandatária.

4. Todas as cláusulas constantes do acordo foram amplamente debatidas entre os progenitores, os advogados, a Meritíssima Juiz e o Ministério Público, tanto mais que a diligência em causa prolongou-se por cerca de 2 horas.

5. O Ministério Público pronunciou-se pela homologação do acordo alcançado, sopesando os benefícios e as desvantagens para a B..., atendendo, com é evidente, à idade da menor e à fixação das pernoitas com o progenitor, porquanto as vantagens daí decorrentes sobrepõem-se claramente a eventuais desvantagens (que diga-se, não se alcançam quais serão) que a progenitora alega e que parecem resultar unicamente para si e para os seus intentos.

6. O Ministério Público esteve sempre presente e teve voz activa nos termos alcançados, fiscalizando a legalidade do acordo alcançado.

7. O superior interesse de B... aconselha e impõe que se salvaguarde a sua estabilidade em todos os aspectos da vida desta menina, designadamente, no que aos contactos como progenitor dizem respeito e claro, ao direito de esta pernoitar em casa do progenitor pai e conviver com o mesmo, desde tenra idade, nos mesmos moldes a que a mãe tem direito.

8. A recorrente não alega qualquer vício de vontade da sua parte no acordo, nem tão pouco que a Sentença homologatória padeça de falsidade, erro ou lapso de escrita.

9. Limita-se a recorrente a alegar que o superior interesse da B... não fica assegurado, o que não é de todo verdade.

10. Deverá, assim, manter-se a decisão recorrida.

            1.26. Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                               2. Fundamentação

                                               2.1. Factos provados

            2.1.1. Os factos provados são os aludidos no relatório.

                                               3. Apreciação

3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

            A única questão a decidir consiste em saber se a sentença homologatória deve ser revogada, por não defender os interesses da menor.

            Antes de se entrar na questão aludida no recurso, cabe apreciar, como questão prévia, se o recurso é ou não admissível, desde logo por no entender do Ministério Público o mesmo não o ser, referindo « Deve ser o recurso apresentado considerado inadmissível, uma vez que a recorrente se encontrava presente, com mandatário, pelo que o mesmo não deve ser admitido  porque a sentença se limitou a homologar um acordo … Ora, perante tal acordo alcançado em diligência de conferência de pais, não se entende o motivo pelo qual a progenitora vem agora recorrer de uma decisão em que a própria participou e concordou».

            No sentido da rejeição do recurso vai também o recorrido ao referir “por tudo isto, deverá manter-se a douta sentença de homologação do acordo, rejeitando-se ou negando-se provimento ao recurso”.

            Apreciando.

Nos termos do art.º 680.º do CPC 95/96 tem legitimidade para recorrer quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencida (n.º 1), e ainda as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias (cf. n.º 2 do preceito).

Pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é, deste modo, “o gravame ou prejuízo real sofrido” (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos recursos em processo civil”, pág. 145), pela parte a quem a decisão foi desfavorável. “Só a parte que sucumbiu, por não ter obtido do tribunal “a coisa” objecto da demanda (…) ou por não ver reconhecidos todos os efeitos jurídicos pretendidos pode impugnar a decisão” Cfr Fernando Amâncio Ferreira, in ob. Citada)

Como se escreve no Ac. da Rel. de Coimbra de 12/11/2013 – Proc n.º 876/10.3TMCBR-A.C1, relatado por Maria Domingas Simões “Face ao assim estipulado, a primeira questão que se suscita nos autos é precisamente saber se a recorrente, que interveio na transacção homologada pela sentença impugnada, tem legitimidade para recorrer. Harmonizando-se com o disposto na lei substantiva, os artigos 174.º e 177.º da OTM fazem depender a homologação, pelo juiz, do acordo a que tenham chegado os progenitores, da sua efectiva correspondência com os interesses do menor.

Resulta do exposto que o critério norteador da actividade do Tribunal é sempre e só o superior interesse do(s) filho(s) menor(es) dos progenitores separados, donde não poder falar-se, em nosso entender, em parte vencida e parte vencedora para os efeitos do citado art.º 680.º do CPC.

Acresce que, conforme resulta do disposto nos artigos 146.º e 150.º da OTM, estamos perante processos de jurisdição voluntária, do que decorre não se encontrar o Tribunal vinculado a critérios de legalidade estrita, sendo-lhe antes permitido buscar, em cada caso, e atendendo às suas especificidades, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art.º 1410.º do C.P.C.). Vale isto por dizer que o juiz não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa. O juiz funciona como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ex aequo et bono (cfr. Prof. A. Reis, Processos Especiais, vol. II, pág. 400) ”.

O acordo de regulação do poder paternal alcançado, e posteriormente homologado nos presentes autos, não configura uma simples transacção nos termos do disposto no art.º 1248.º do CC.

A acção de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.º 1249.º do CC).

Assim, a acção de regulação do exercício do poder paternal destina-se a assegurar que os interesses do menor que merecem tutela jurisdicional se encontram acautelados, permitindo não só assegurar a situação presente como, em casos futuros, a possibilidade de dedução de incidente de incumprimento, o acordo depende de homologação, a qual só será concedida se o juiz considerar que o exercício do poder paternal está de harmonia com os superiores interesses dos menores (cfr. n.º 2, do art.º 37, da Lei  n.º 141/2015, de 08 de Setembro, Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).

O processo de regulação do poder paternal é, pois, um processo de jurisdição voluntária , o que significa que nele só há um interesse a regular, embora possa haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse Cfr. Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do poder Paternal nos Casos de Divórcio, pag. 25).

Assim, e face ao exposto, temos para nós, que o critério aferidor do interesse em recorrer, que é condição de legitimidade, consagrado no art.º 680.º, não tem aqui imediata e directa aplicação, sendo por isso de admitir o recurso interposto por um dos progenitores que, apesar de ter sido interveniente em acordo homologado pelo Tribunal, a final e ainda a tempo - por não ter transitado a sentença homologatória -, com fundamento na circunstância de não se encontrarem devidamente acautelados os interesses do menor, pretende seja sindicada a decisão proferida.

Face ao referido, admitimos o recurso.

Vista a questão prévia cabe apreciar a questão de direito.

Saber se a sentença homologatória deve ser revogada, por o acordo homologado não salvaguardar o superior interesse da B... de 6 (seis) meses de vida.

Como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado, estão em causa as seguintes cláusulas do acordo homologado pela douta sentença recorrida  - cláusulas 3 A) B) C) D), 4, 5 e 14 – com as seguintes redacções:

«3. O progenitor conviverá com a filha nos seguintes termos:

A) a B... pernoitará de sábado para domingo, de 15 em 15 dias, com o progenitor, que irá buscá-la à residência da progenitora às 10 horas de sábado e a entregará a esta às 20 horas e 30 minutos de Domingo.

B) No fim de semana de pernoita, o pai compromete-se a passar a noite na residência dos seus progenitores.

C) Na semana de pernoita com o pai, a menor conviverá com o progenitor à terça-feira das 10 horas à 20 horas e 30 minutos.

D) Na semana em que a menor não pernoita com o progenitor ao fim de semana, esta conviverá com o pai à sexta-feira, das 10 horas até às 20 horas e 30 minutos, mantendo-se nessa semana o convívio de terça-feira.

4. Este regime de convívios vigorará até a menor perfazer 1 ano de idade.

5. Quando a B... completar 1 ano de idade passará a pernoitar com o progenitor aos fins de semana, de 15 em 15 dias, indo buscar a filha à residência da progenitora às 18 horas de sexta-feira e entregando-a de novo à mãe às 20 horas e 30 minutos de Domingo.

14. No período de férias escolares de verão a B... passará 15 dias com o pai e 15 dias com a mãe, podendo cada um dos progenitores fazer uma visita à filha enquanto esta estiver na companhia do outro progenitor».

Por segundo a recorrente, as mesmas não satisfazerem o superior interesse da menor B...

Opinião oposta advoga o recorrido Ministério Público ao referir « O superior interesse de B... aconselha e impõe que se salvaguarde a sua estabilidade em todos os aspectos da vida desta menina, designadamente, no que aos contactos como progenitor dizem respeito e claro, ao direito de esta pernoitar em casa do progenitor pai e conviver com o mesmo, desde tenra idade, nos mesmos moldes a que a mãe tem direito».

            No mesmo sentido vai o recorrido A..., que embora refira que prescinde de alegar, refere « …a material e processualmente inatendível pretensão da requerida que, sem a ocorrência de qualquer circunstância superveniente, entretanto e por si ou a mando de alguém, simplesmente mudou de ideias, sem que tal tenha qualquer correspondência com o bem-estar ou os reais interesses da menor, por tudo isto, deverá manter-se a douta sentença de homologação do acordo».

            Ou seja quer o recorrido Ministério Público quer o recorrido A... entendem que o acordo, homologado por sentença, satisfaz o superior interesse da menor B..., o mesmo entendeu a Mm.ª Juiz ao proceder à sua homologação.

            Vejamos

A acção de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.º 1249.º do CC).

Os princípios orientadores dos processos tutelares cíveis indicam que os mesmos deverão atender, prioritariamente, aos interesses e direitos das crianças e dos jovens, pelo que a acção de regulação do exercício do poder paternal destina-se a assegurar que os interesses do menor que merecem tutela jurisdicional se encontram acautelados, permitindo não só assegurar a situação presente como, em casos futuros, a possibilidade de dedução de incidente de incumprimento.

Por outro lado, o acordo dos pais relativo ao exercício do poder paternal, após o divórcio, quer se trate de um divórcio litigioso quer de um divórcio por mútuo consentimento, ou separação, está sempre sujeito a controlo judicial.

Sobre esta matéria dispõe o nº 5 do art.º 1906º do CC “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.

E o nº 7 completa dizendo que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles”.

É o interesse do menor que deverá estar sempre subjacente a qualquer decisão do tribunal relativa ao menor.

O interesse do menor é um conceito vago e genérico que, devendo ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (cfr. Almiro Rodrigues in “Interesse do Menor, contributo para uma definição”, in Rev. Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18 e 19), permite ao juiz alguma discricionaridade, mas exige bom senso e ponderação, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e as várias normas com implicação na questão.

A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada pela Resolução da AR nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12.09.1990, também estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (art. 3º, nº 1).

Por seu turno, estabelece o art. 9º da referida Convenção que os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, … ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada” (nº 1), respeitando os Estados Partes “o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança” (nº 3).

A Constituição da República Portuguesa estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as directrizes normativas de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências de proporcionalidade e da adequação (cfr. Artigos  36º, nºs 5 e 6, 7º, 69º e 70º).

Tal princípio constitucional aparece concretizado na lei ordinária, dispondo o art.º 1878.º, n.º 1, do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.

            Ou seja, o tribunal apenas deve proceder à homologação do acordo se os interesses dos menores ficarem salvaguardados, isso mesmo exige o n.º 2 do art.º 37 do RGPTC.

A separação dos progenitores não implica o afastamento da criança de qualquer deles, antes pelo contrário impondo o esforço de manutenção dos seus laços afectivos com ambos (se razões do interesse da criança a tal não obstarem), equidistante dos problemas e conflitos que estiveram na origem da separação dos progenitores.

É ponderando estes princípios e o superior interesse da menor que deve ser analisado e decidido o caso em apreço.

Se bem lemos as conclusões da recorrente a grande pedra de toque, para afirmar que a sentença homologatória não defende o superior interesse da menor B... assenta na tenra idade da menor de 6 meses de vida, e que desde 16 de Junho de 2016, data de separação de facto dos seus progenitores, não habita com o seu pai – cfr. douta sentença proferida no processo de divórcio apenso aos presentes autos - ou seja, desde os 26 dias de vida da menor é a progenitora que cuidada da menor em exclusivo, que lhe presta cuidados, que a adormece, que a aconchega durante a noite, que muda a fralda, que lhe dá de comida, que conhece as rotinas da menor.

É com a progenitora que a menor tem a sua rotina de sono e descanso, no aconchego do lar materno,

Pelo que, atenta a tenra idade da B..., afigura-se à recorrente que passar um fim-de-semana completo com o pai, ainda que de quinze em quinze dias, num ambiente em que ela não está habituada não é, salvo melhor entendimento, aconselhável e não permite atingir o objectivo que se pretende que é de reforçar os laços afectivos entre o pai e a filha.

 Bem como 15 dias consecutivos no período de Verão.

E ao invés apenas serve para destabilizar o desenvolvimento da menor e alterar os seus hábitos de descanso.

            Não vemos que assim seja, na verdade o facto da menor ter 6 meses de vida não nos parece incompatível em passar noites com o progenitor pai, ou dias de férias, ou que tal facto interfira nos hábitos da mesma, ou que sirva para destabilizar o desenvolvimento da menor e alterar os seus hábitos de descanso.

Como bem refere o recorrido Ministério Público - O superior interesse de B... aconselha e impõe que se salvaguarde a sua estabilidade em todos os aspectos da vida desta menina, designadamente, no que aos contactos como progenitor dizem respeito e claro, ao direito de esta pernoitar em casa do progenitor pai e conviver com o mesmo, desde tenra idade, nos mesmos moldes a que a mãe tem direito.

            Pois, como referimos, in supra, o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais deve manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao seu superior interesse.

            Ora, como já referimos, não vemos que a idade da menor 6 meses seja, por si só, impeditivo de a mesma pernoitar ou passar férias com o pai.

Assim, temos para nós que a pretensão da recorrente não pode proceder.

                                                           4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Em julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Coimbra, 4/4/2017

Des. Pires Robalo (relator)

Des. Sílvia Pires (adjunta)

Des. Maria Domingas Simões  (adjunta)