Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | CASO JULGADO MATERIAL FUNDAMENTO DE FACTO SENTENÇA ARRENDAMENTO URBANO RESOLUÇÃO SUBLOCAÇÃO ÓNUS DA ALEGAÇÃO E PROVA | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA – 3º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 1093º, Nº 2, AL. E) DO CC | ||
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Sumário: | I – Os fundamentos de facto, constantes da sentença, por si só não formam caso julgado material, de forma a imporem-se extraprocessualmente. 2. Pedida judicialmente a resolução de um contrato de arrendamento com fundamento na sublocação não autorizada (art. 1083º, nº 2, e) do CC), ao senhorio, como factos constitutivos do direito, cabe o ónus da alegação e prova do contrato de arrendamento, da cedência do locado a terceiro e da sua não autorização, e ao réu (arrendatário) a prova de uma causa que legitime a cedência. 3. Convencionando-se no contrato que as obras de reparação e beneficiação são da responsabilidade do arrendatário, não pode invocar-se a equidade, nem o abuso de direito, para impor ao senhorio o reembolso do custo das efectivamente realizadas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1. - A Autora – C… – instaurou (31/10/2008) na Comarca de Coimbra acção declarativa com forma de processo sumário (posteriormente seguindo a forma ordinária) contra os Réus: 1º) M… e mulher N…; 2º) – A... Alegou, em resumo: A Autora é proprietária de um prédio urbano, sito na Rua das Padeiras, Coimbra. Os anteriores proprietários, em 1 de Janeiro de 1960, deram de arrendamento aos antecessores dos 1ºs Réus o referido prédio para o exercício do arrendamento comercial de ourivesaria, oficina de reparação, mercearia, retrosaria. Em Julho de 2008, o 1ºs Réu subarrendou o locado ao 2º Réu, sem autorização da Autora, pese embora houvessem designado de contrato de cessão de exploração. O 2º Réu instalou no locado um novo estabelecimento comercial de peças de bijutaria. A sublocação, não autorizada, pelos 1ºs Réus, com uma renda que ultrapassa em 20% o valor pago à Autora, confere-lhe o direito de resolução do contrato de arrendamento (art. 1083 nº2 e) CC). Pediu: a) - Que seja declarado que entre os Réus foi celebrado um contrato de subarrendamento e não um contrato de cessão de exploração; b) - Que seja resolvido o contrato celebrado entre C… e M… e esposa, com o consequente despejo; b) - A condenação dos Réus a entregar, imediatamente, o locado à Autora, devoluto de pessoas e bens. Contestaram os 1ºs Réus, defendendo-se, em síntese: O contrato celebrado com o 2º Réu é de cessão de exploração de estabelecimento e não de subarrendamento, tendo por objecto uma actividade complementar da exercida pelos 1ºs Réus no seu estabelecimento, pelo que inexiste fundamento para a resolução do contrato. Em reconvenção, alegaram: Como o prédio é muito antigo e de construção rudimentar, realizaram ao longo dos anos várias obras, no valor global de € 39.129,69. Muito embora no contrato de arrendamento se convencionasse não haver lugar a indemnização por benfeitorias efectuadas pelo arrendatário, justifica-se a ressarcibilidade com base na equidade, tendo em conta a duração do contrato, a qualificação e melhoramentos realizados. Para a hipótese da acção ser julgada procedente, pediram a condenação da Autora a pagar-lhes a quantia de € 39.129,69. Contestou o Réu A… defendendo-se nos mesmos termos, ou seja, que foi celebrado um contrato de cessão de exploração de estabelecimento e não de sublocação. A Autora replicou, contraditando a reconvenção. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.
1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls.265 e segs.) que decidiu: a) - Julgar procedente a acção e declarar que entre os 1ºs e 2ºs réus foi celebrado um contrato de subarrendamento, bem como a resolução do contrato celebrado entre C… e M… e esposa; condenando-se os réus a entregarem imediatamente o locado à autora devoluto de pessoas e bens.
1.3. - Inconformados, os 1ºs Réus recorreram de apelação (fls. 283 e segs.), com as seguintes conclusões: … Não foram apresentadas contra-alegações.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso A impugnação de facto (quesitos 2º, 4º e 10º); A resolução do contrato (cessão de exploração ou sublocação); O pedido reconvencional (as obras realizadas no locado). 2.2. – Os factos provados (descritos na sentença) … Neste sentido, elucida ANTUNES VARELA ( Manual de Processo Civil, 1984, pág 697) - "Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final". No âmbito jurisprudencial, por ex. Ac do STJ de 2/03/2010, (proc. n.º 690/09.9) , disponível em www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma - "(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente: prova evidente do que acaba de ser dito é o que está estipulado no n.º 2 do artigo 96 do Código de Processo Civil - "A decisão das questões e incidentes suscitados não constituem, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia". “ Em face do exposto, aos autores apenas cabia alegar e provar a cedência a terceiros do prédio (o que se verificou) e aos réus a existência de cessão de (…). Para o efeito teriam os réus que alegar quais os elementos efectivamente abrangidos pelo negócio, de modo a que o Tribunal pudesse concluir pela existência de uma cessão de exploração do estabelecimento comercial, não bastando a alegação genérica e conclusiva da sua existência, por referência ao documento subscrito pelos réus. “ (…) “ Ainda que o ramo de negócio que passou a ser exercido no locado seja consentido pelo contrato de arrendamento, se não foi transmitido o estabelecimento comercial não fica dispensada a autorização do senhorio”. O legislador de 2006 (Lei nº6/2006 de 27/2) postergando o princípio da tipicidade das causas de resolução do contrato de arrendamento, estabeleceu agora ( art.1083 nº2 CC) uma cláusula geral – “ É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. E quanto à resolução do senhorio, enuncia, de forma exemplificativa ( “designadamente”), diversos fundamentos de resolução nas alíneas a) a e), sendo que a Autora invocou como fundamento a causa prevista na alínea e) – “ A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio”. Tendo em conta a técnica legislativa, discute-se se as causas previstas em cada uma das alíneas faz operar automaticamente a resolução, constituindo presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio, competindo ao arrendatário o ónus de elisão, ou seja, de provar de que, não obstante a objectividade do facto-índice, é razoável a manutenção ( cf., por ex., PINTO FURTADO, Manual do Arrendamento Urbano, vol.2º, 4ª ed., pág.1001, Ac RP de 6/5/2010, proc. nº 451/09, em www dgsi.pt ) ou se é necessária a demonstração ( a cargo do senhorio) de que cada um desses fundamentos preenche a cláusula geral, segundo o critério da não exigibilidade, como parece dogmaticamente mais consistente ( cf., por ex., GRAVATO MORAIS, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2ª ed., pág.209, MARIA ONDINA, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pág.25, BAPTISTA OLIVEIRA, A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, pág.29, Ac RP de 17/4/2008, proc. nº 0831655, Ac RC de 17/11/2009 proc. nº 1737/06, em www dgsi.pt). Conforme se refere na sentença recorrida, seguindo o critério da “teoria da norma”, ao senhorio cabe o ónus da alegação e prova do contrato de arrendamento e da cedência, não autorizada, do locado a terceiro, como factos constitutivos do direito, e ao réu (arrendatário) a prova de uma causa que legitime a cedência, o título da cedência, designadamente, a existência da locação de estabelecimento comercial ou de trespasse ( cf., por ex., Ac RP de 26/1/2006, e de Ac RL 15/1/2008, disponível em www dgs.pt ). III – DECISÃO Pelo exposto, decidem.1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.2) Condenar os Apelantes nas custas.+++ Jorge Arcanjo (Relator) Isaías Pádua Teles Pereira |