Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
268/12.0TBMGL.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO A JOVENS EM PERIGO
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
CONFIANÇA DO PROCESSO
CONFIANÇA PARA ADOPÇÃO
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO DE FAM. E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 35º, AL. G), 38º-A E 62º-A, DA LPJCP (LEI Nº 147/99, DE 1/09). ARTº 1978º, Nº 1, AL. D) DO C. CIVIL.
Sumário: I – A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção, prevista no art.35º, alínea g) da LPJCP (Lei nº 147/99, de 1/9), foi introduzida pela Lei nº 31/2003, de 22/8, e pressupõe que se demonstre, desde logo, uma situação de perigo.

II - O perigo exigido na alínea d) do nº1 do art.1978º do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art.1978º do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.

III - Apesar de na alínea d) do nº1 do art.1978º (na redacção da Lei nº31/2003) estar previsto apenas a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.

IV - A “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação ( nº1 do art.1978º do CC) é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.

V - Por isso, é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva (independente de culpa da actuação dos pais) de qualquer das situações descritas no nº1 do art.1978º do CC.

VI - Os “vínculos afectivos próprios da filiação” (art.1978º, nº1 CC) devem ter um suporte factual consistente na interacção dinâmica entre pais e filhos, assente numa parentalidade responsável (“próprios da filiação”).

VII - A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção (arts.38º-A e 62º-A da LPCJP), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a “confiança pré-adoptiva“, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.

VIII - Toda a intervenção deve ter em conta o “interesse superior da criança”, princípio consagrado no art.3º, nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo coloca à cabeça dos princípios orientadores (alínea a) do art.4º), e enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os direitos fundamentais, como o direito da criança ao desenvolvimento integral da sua personalidade e a situação casuística.

Decisão Texto Integral:







Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- O Ministério Público instaurou ( 29/5/2012) na Comarca de Mangualde ( actual Comarca de Viseu) processo judicial de promoção e protecção relativo aos menores, filhos de M... e de P...:

G..., nascido a 15 de Fevereiro de 2006;

B..., nascido a 03 de Fevereiro de 2009;

A..., nascido a 05 de Maio de 2011.

Alegou, em resumo:

A mãe dos menores apresenta problemas cognitivos, mas tem a seu cargo, de forma exclusiva, a criação e a educação das crianças, sendo que o pai não se responsabiliza pela sua educação, saúde e cuidados diários, apenas administrando os rendimentos do agregado.

Os progenitores não trabalham, beneficiando do rendimento social de inserção, e as necessidades básicas das crianças, designadamente de alimentação, higiene e saúde não são asseguradas.

Os progenitores nem sempre pagam a factura da água, a electricidade foi cortada por falta de pagamento, no entanto adquiriram uma viatura automóvel apesar de não terem carta de condução, e não pagam as mensalidades do jardim de infância.

As crianças têm, todas elas, hiperactividade e deficit de atenção/concentração e surdez, sendo acompanhadas na consulta de desenvolvimento do Centro Hospitalar Tondela-Viseu, o G... estava medicado com Rubifen e o B... com Risperidona e a medicação nem sempre lhes era ministrada ou o era com meses de atraso ou sem o cumprimento dos horários prescritos; as vacinas não eram dadas ou eram com meses de atraso.

As crianças apresentam grandes atrasos de desenvolvimento e os pais revelam-se incapazes de assegurar a sua alimentação, educação, estabilidade emocional e segurança, estando as crianças sujeitas a comportamentos e a negligência que põem em causa o seu equilíbrio emocional e desenvolvimento integral.

Os pais das crianças discutem frequentemente na sua presença, não cumprem as orientações dos serviços de apoio social e de educação, não cumprem as medidas e as orientações estabelecidas no acordo de promoção e protecção celebrado com a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Mangualde, encontrando-se as crianças numa situação de perigo para o seu desenvolvimento físico e emocional, segurança e saúde.

Pediu a aplicação de medida de promoção e protecção, de molde a afastá-lo dos perigos em que se encontrava e a proporcionar-lhe as condições que permitissem proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

1.2. Após diligências instrutórias, por decisão de 18/6/2012 (fls. 96) foi aplicada provisoriamente às crianças a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, pelo período de seis meses, nos termos dos arts. 35, nº 1, al. a) e 37 da LPCJP.

1.3. Realizada conferência (14/11/2012), foi celebrado acordo de promoção e protecção a favor das crianças, com a aplicação da medida de acolhimento residencial, previsto nos arts. 35, al. f), 49 e 50, todos da LPCJP, pelo prazo de um ano e com revisões semestrais (cf.fls. 192 a 197), revista, mantida e prorrogada em 11/11/2013 (fls. 353 e 354), 28/10/2014 (fls. 498 e 499), 26/05/2015 (fls. 646) e 15/12/2015 (fls. 812).

As crianças (G..., B... e A...) continuam no Centro de Acolhimento “...”, e estão representadas no processo por patronos oficiosos (fls. 598 e segs.)

1.4.- Realizado debate judicial, com intervenção de juízes sociais (art.º 115º da LPCJP) ( cf. acta de fls. 752 e segs., 791 e segs.), foi proferido ( 5/1/2016) acórdão ( fls. 833 e segs.) que decidiu:

 “Aplicar a favor da criança G... a medida de confiança a instituição – concretamente no Centro de Acolhimento “...” - com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

Aplicar a favor da criança B... a medida de confiança a instituição – concretamente no Centro de Acolhimento “...” - com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

Aplicar a favor da criança A... a medida de confiança a instituição – concretamente no Centro de Acolhimento “...” - com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

Ao abrigo do disposto no artigo 1978.º-A, do Código Civil e 62.ºA, n.º 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, os pais das crianças, M... e P... ficaram inibidos do exercício das responsabilidades parentais, ficando vedadas as visitas às crianças na instituição ou fora dela por parte da família natural;

Determinou-se a manutenção de contactos entre os irmãos G..., B... e A..., ao abrigo do disposto no artigo 62º A, n.º 7 da LPCJP.

Nomeou-se como curador provisório às crianças o(a) Diretor (a) Técnico (a) da dita instituição que exercerá funções até ser decretada a adoção;

Comunicou-se à Instituição de Acolhimento e, em relação à Segurança Social, comunicou-se nos termos do disposto no artigo 39º, n.º 1 e 2 do RJPA.

1.5.- Inconformados, M... e P... recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

...

O Ministério Público contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

1.6.- Por acórdão de 3/5/2016 decidiu-se julgar a apelação improcedente e confirmar o acórdão recorrido.

1.7.- M... e P... recorreram de revista.

O STJ, por acórdão de 14/12/2016 anulou o acórdão e determinou que “o processo baixe a fim de ou serem ouvidos os menores, se a sua capacidade de compreensão assim o determinar, ou ser justificada a sua não audição“.

1.8.- Na 1ª instância foi determinada a reabertura do debate judicial para audição das crianças.

1.9 .- Reaberto o debate judicial, foram ouvidos os menores e gravadas as respectivas declarações.

1.10.- Foi proferido (16/2/2017) acórdão que decidiu:

“Aplicar a favor da criança G... a medida de confiança a instituição – concretamente no Centro de Acolhimento “...” - com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

Aplicar a favor da criança B... a medida de confiança a instituição – concretamente no Centro de Acolhimento “...” - com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

Aplicar a favor da criança A... a medida de confiança a instituição – concretamente no Centro de Acolhimento “...” - com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

Ao abrigo do disposto no artigo 1978.º-A do Código Civil e 62.ºA, n.º 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, os pais das crianças, M... e P..., ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, ficando vedadas as visitas às crianças na instituição ou fora dela por parte da família natural;

Determina-se a manutenção de contactos entre os irmãos G..., B... e A..., ao abrigo do disposto no artigo 62º A, n.º 7 da LPCJP.

Nomeia-se como curador provisório às crianças o(a) Diretor (a) Técnico (a) da dita instituição que exercerá funções até ser decretada a adoção;

Comunique à Instituição de Acolhimento e, em relação à Segurança Social, comunique, nos termos do disposto no artigo 39º, n.º 1 e 2 do RJPA.

Sem custas (art.º 4.º, n.º 1, alínea a) e 2, alínea f), do RCP).

Registe e notifique.

Após trânsito:

Solicite à Segurança Social que, no mais curto espaço de tempo possível remeta ao Tribunal informação sobre as pessoas/casais selecionadas como candidatos a adotantes e que preste a informação a que alude o artigo 42º do RJPA;

Comunique à Conservatória do Registo Civil para efeito de averbamento da inibição e da confiança decretadas (art.º 1920.º-B, alínea d), do Código Civil e 78.º, do CRC).

Depreque a prestação de juramento do curador provisório.”

1.11.- Inconformados, M... e P... recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

...

O Ministério Público contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- Delimitação do objecto do recurso

As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:

Nulidade da sentença

Contradição de facto

Alteração de facto

A medida aplicada

A proibição de visitas.

2.2.- Os factos provados ( descritos no acórdão )

...

2.3. – As nulidades do acórdão

Os Apelantes arguiram a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e por contradição ( art.615 nº1 b) e c) CPC).

Para tanto, alegaram não se encontrarem comprovados os pressupostos legais para a aplicação da medida de confiança com vista à adopção e para a suspensão das visitas e, por outro lado, por se verificarem contradições entre os factos.

As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art. 615 CPC (tal como no anterior art.668 nº1) reconduzem-se a erros de actividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito).

A nulidade cominada no art. 615 nº1 b) CPC pressupõe a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, e já não a fundamentação deficiente, ou errada, que apenas afecta o valor doutrinal da sentença.

Ora, é por demais evidente que o acórdão recorrido contém exuberante fundamentação de facto e de direito, limitando-se os Apelantes a invocar erro de julgamento, a ausência dos requisitos legais da aplicação da medida de protecção, o que tanto basta para a improcedência.

     A nulidade prevista no art.615 nº1 c) CPC dá-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso.

Sucede que para justificar a pretensa nulidade da sentença os Apelantes invocam contradição entre os factos, vício que, a existir, implicará a anulação do julgamento, por erro de facto.

     Improcedem as nulidades.

     2.4.- O vício da contradição de facto

Para efeitos do disposto nos arts.662 nº1 c) CPC só releva a contradição insanável que pressupõe a existência de posições antagónicas e inconciliáveis entre a mesma questão de facto.

A colisão deverá ocorrer entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto de outra ou então com a factualidade provada no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja o contrário da outra.

Como se decidiu no Ac RC de 14/3/2017 (proc. nº 97/14), em www dgsi.pt, “A contradição entre dois factos provados, causa da anulação da decisão sobre a matéria de facto – artº 662º nº2 al. c) do CPC - apenas existe quando são, logicamente, incompatíveis um com o outro, de tal modo que cada um deles exclui ou acarreta a inexistência do outro”.

Consistindo o vício da contradição em erro de julgamento, ele tem, no entanto, que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos externos, logo não pode confundir-se com a alteração da matéria de facto, com base no erro notório na apreciação da prova.

Por outro lado, a contradição insanável dos factos implica a anulação do julgamento e não dar-se por não escrita uma delas.

Contradição entre o facto do ponto 2) e o do ponto 112)

Ponto 2) – “A mãe dos menores apresenta problemas cognitivos muito acentuados, mas tinha a seu cargo, de forma exclusiva, a criação e educação dos filhos”.

Ponto 112 – “Tratava-se de uma família, à data, nuclear com filhos, coabitando os pais e as três crianças. A proximidade da casa dos avós paternos e da tia materna faz com que existissem muitas influências destas, quer a nível educacional, quer ao nível da gestão doméstica”.

Com o devido respeito, não se vê que ambos os factos sejam contraditórios, na acepção definida, ou seja, que se excluam mutuamente, pois a circunstância de a mãe dos menores assumir a seu cargo a criação e educação dos filhos não é incompatível com a influência exercida pelos avós paternos  e tia materna.

Contradição entre  o ponto 99) e ponto 129)

Ponto 99) – “ Os seus contactos nas visitas são pobres em termos de construção afetiva”.

Ponto 129) – “ Da informação da avaliação inicial do acolhimento institucional, de 18.12.2012, resulta que ambos os progenitores têm visitado os menores no CAT, cumprindo o regulamento e horários estabelecidos pela instituição, sendo que a mãe efetuou visitas aos filhos nos cinco fins de semana que se seguiram à institucionalização das crianças, considerando-se estas com elevado grau de afetividade mas com pouca qualidade, uma vez que a progenitora demonstra incapacidade em impor algum tipo de autoridade para com os filhos bem como dificuldade em gerir a atenção para com os mesmos”.

Não há contradição, porque os factos não se revelam incompatíveis, já que reportando-se ambos às visitas dos pais, no primeiro consigna-se que os contactos são pobres em termos de “construção afectiva”; no segundo refere-se que as visitas da mãe foram consideradas de “elevado grau de afectividade mas com pouca qualidade “.

Contradição dos factos dos pontos 103), 104), 105) e 109) e os factos dos pontos 138) e 142):

Ponto 103) – “ As crianças não têm a ideia nem a vivência dos pais, nem têm com estes qualquer vinculação afetiva própria dos laços da filiação.”

Ponto 104) – “ Rejeitam física e verbalmente os pais e os avós paternos”

Ponto 105) – “ Não vivenciam a sua relação com os pais e restante família alargada como uma relação concreta e afetivamente gratificante, que lhe dê afetividade e segurança, carinho e sentimento de pertença, de envolvência e de pertença a uma família.”

Ponto 109) - “ As crianças manifestam indiferença afetiva relativamente aos seus pais, encontrando-se quebrados os vínculos da filiação.”

Ponto 138 – “A criança G... verbalizou sentir saudades das visitas dos pais na instituição e recordar-se, quando vivia com os pais recorda-se de andar a cavalo e de bicicleta e sente-se bem na instituição onde tem muitos amigos e de andar na escola”

Ponto 142 – “ Referiu que gostava de ter uma casa e um quarto e ter os pais a cuidar”

Também aqui não parece que se evidencie a contradição, no sentido de total exclusão, porque nos pontos 138) e 142) referem-se apenas às declarações do G...

2.5.- A Alteração de facto

...

Em resumo, num juízo de ponderação, procede parcialmente a impugnação de facto, passando-se a descrever os factos provados, agora com as introduzidas alterações.

2.6.- Os factos provados ( com as alterações introduzidas )

...

2.7.- A medida de protecção aplicada / a confiança com vista à adopção

     Aos menores G..., B... e A... (actualmente com 11 anos, 8 anos e 5 anos e 11 meses de idade, respectivamente) foi aplicada a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção (arts. 35 nº1 g), 38, 38-A b) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - Lei nº147/99, com as alterações da Lei nº31/2003 de 22/8).

Consideram os Apelantes (pais dos menores) não se verificarem os requisitos legais, violando o acórdão os arts.4º e 35 da Lei nº 147/99 e art.1978 do CC.

Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e não podem deles serem separados, salvo quando não cumpram os deveres fundamentais para com eles ( arts.36 nº5 e 6 da CRP ).

O “poder paternal” apresenta-se como um efeito da filiação ( art.1877 e segs. do CC ), sendo concebido como um conjunto de poderes-deveres que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, agora designado por “responsabilidade parental“.

Quando os pais não cumprem com os seus deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados, como determina o nº6 do art.36 da CRP.

Na verdade, as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral ( art.69 nº1 da CRP ).

Também a Convenção Sobre os Direitos da Criança ( adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/89, assinada por Portugal em 26/1/90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº20/90 de 12/9 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº49/90, ambos publicados publicada no DR I Série nº211/90, de 12/10/90 ) impõe que os Estados tomem medidas de protecção das crianças contra todas as formas de violência, quer na família, quer fora dela (art. 19 º nº 1).

A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo ( Lei nº147/99 de 1/9 ), assume um novo paradigma no direito dos menores, cujo art.35 prevê um conjunto de medidas de promoção e protecção, com o objectivo, expressamente assinalado no art.34, de afastar o perigo em que estes se encontram (alínea a/ ), proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral( alínea b/), garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso ( alínea c/ ).

A medida decretada de confiança instituição, prevista no art.35 alínea g) da LPJCP, foi introduzida pela Lei nº31/2003 de 22/8 e pressupõe, nos termos do art.38-A, que se verifique qualquer das situações previstas no art.1978 do Código Civil.

O art.1978 (na redacção da Lei nº31/2003) estatui no nº1 que “ com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações”, entre as quais se destaca a alínea d) - “ Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor “.

Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.

Refira-se que a “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação“, postulado no corpo do nº1 do art.1978 do CC, é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.

Por isso é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva (independente de culpa da actuação dos pais) de qualquer das situações descritas no nº1 do art.1978 do CC.

O perigo exigido na alínea d) do nº1 do art.1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art.1978 do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.

Dispõe o nº1 do art.3º da LPCJP que a intervenção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo“.

E o nº2 exemplifica situações de perigo, designadamente quando a criança “não recebe os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal” ou “ está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional “.

Neste contexto, a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção ( arts.38-A e 62-A da LPCJP ), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a “confiança pré-adoptiva“, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.

Por outro lado, toda a intervenção deve ter em conta o superior interesse da criança, princípio consagrado no art.3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança - “ Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança “.

E a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo coloca à cabeça dos princípios orientadores da intervenção, na alínea a) do art.4º, o “ interesse superior da criança ou do jovem”, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.

Também o nº2 do art.1978 do CC estatui que na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.

O “ interesse superior da criança “, enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral ( art.69 nº1 da CRP ), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência ( cf. Ac RC de 3/5/2006, proc. nº681/06 (do mesmo relator) disponível em www dgsi.pt).

A primeira questão que se coloca é a de saber se aquando da aplicação da medida provisória de acolhimento em instituição (Centro de Acolhimento “...” os menores G..., B... e A... estavam em situação de perigo, na acepção definida, ou seja, saber se está suficientemente caracterizada a situação de perigo ( art.3º da LPCJP).

A segunda questão postula o requisito autónomo da “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação“, exigido no corpo do nº1 do art.1978 do CC.

Quanto à primeira questão, a situação de perigo está cabalmente demonstrada (cf. pontos 1) a 32) dos factos provados ) dada a falta grave e reiterada de cuidados elementares aos menores, nomeadamente, em relação à saúde, alimentação e educação (por exemplo, ausência de medicação e vacinas), e agressões físicas por parte do pai, revelando grandes atrasos no desenvolvimento por falta de acompanhamento familiar.

Foi esta situação de perigo que levou à intervenção multidisciplinar de diversas entidades e à aplicação pelo tribunal (decisão de 18/6/2012) da medida de apoio junto dos pais pelo período máximo de 6 meses, com a obrigação de seguirem o plano dos técnicos da Segurança Social.

Contudo, verificou-se que esta medida não foi suficiente, também porque os pais não cumpriam as orientações, continuando as crianças em situação de risco, e na sequência de avaliação psicológica aos pais (cf.  fls. 140 e segs.), no qual se concluiu por limitações cognitivas em ambos, a falta de capacidade para cuidarem dos filhos, e constatando-se que o suporte familiar não era eficaz, mesmo com a família alargada (avós paternos) ( cf. relatório de fls. 159 e segs.), foi proposta a medida de acolhimento em instituição, que os pais, M... e P..., acordaram na conferência de 14/11/2012.

Note-se, contrariamente ao alegado no recurso, que os elementos factuais disponíveis não apontam para a comprovação de qualquer erro vício, a implicar a anulação do acordo, prestado judicialmente.

Neste contexto, é por demais evidente a comprovação da situação de perigo (art.3º da LPCJP).

O segundo pressuposto legal para a aplicação da medida é o da inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos.

Importa acentuar que os “vínculos afectivos próprios da filiação” ( art.1978 nº1 CC ) devem ter um suporte factual consistente na interacção dinâmica entre pais e filhos, assente numa parentalidade responsável (“próprios da filiação”) e, nesta medida, como lucidamente se afirmou no Ac RC de 25/10/2011 ( proc. nº 559/05 ), disponível em www dgsi.pt “são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre”.

Ou seja, como se afirma pertinentemente no Ac RL de 5/11/2015 ( proc. nº 6368/13) em www dgsi.pt, “ Sendo certo que os vínculos afetivos que obstam à aplicação da medida sob análise são os “próprios da filiação”: não basta que haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário - demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas. Pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia a dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade”.

Por outro lado, a quebra ou enfraquecimento dos vínculos não tem de ocorrer simultaneamente nos pais e filhos, porque relevante é que se evidencie entre as crianças e os pais, ou seja, esta quebra deve demonstrar-se nas crianças em situação de risco.

As crianças G..., B... e A... encontram-se aos cuidados do Centro de Acolhimento desde Novembro de 2012.

Muito embora os pais as visitassem regularmente na instituição, a verdade é que os elementos factuais disponíveis indiciam (cf., por exemplo, relato sobre as visitas) um sério comprometimento na vinculação afectiva (cf. pontos de factos provados 38) a 71), 98) a 106).

Como se justificou no acórdão recorrido, “ as crianças não possuem, quer junto dos pais, quer junto da restante família alargada, modelos de referência afetivos seguros e contentores que permitam conduzir ao seu equilibrado crescimento e desenvolvimento, uma vez que o regresso à sua família de origem e/ou alargada não se mostra viável, por não acautelar a sua segurança, educação, proteção, saúde e necessidades afetivas”.

É certo que o G... revelou que gostaria de voltar a viver com os pais, mas é indispensável que a vinculação seja sólida e segura, por parte deles, na acepção já definida, o que não está demonstrado.

Os Apelantes consideram a medida aplicada desadequada e desproporcionada e, com base no princípio da prevalência da família biológica, requerem a entrega das crianças aos cuidados do pai e dos avós paternos.

O princípio da prevalência da família, enquanto princípio orientador de intervenção, impõe que seja dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no “meio natural de vida “ (arts.4º g) e 35 nº3 da Lei nº147/99 ). Isto porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) (arts.36, 67 da CRP, art.7 nº1 da Convenção ).

Contudo, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa seleccionada para adopção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.

É inegável que os pais revelam interesse pelos filhos, como resulta do facto de os visitarem com regularidade e telefonarem diariamente para o Centro de Acolhimento. Mas este interesse, por si só, não legitima a entrega dos menores aos cuidados do pai e avós paternos, porque o mais relevante e decisivo é o interesse das crianças.

Em primeiro lugar, ambos os pais não têm qualquer projecto de vida sustentável para as crianças, nem condições e competências para cuidarem dos filhos. E se isto mesmo é reconhecido pela própria M... (que confessa a sua incapacidade), também se poderá afirmar quanto ao P..., pois, ainda que não o admita, a verdade é que toda a anterior situação de desresponsabilização e de inércia perante a educação, saúde e bem estar dos menores, a que acrescem os maus tratos físicos, demonstra objectivamente que a situação de perigo poderá repetir-se.

Depois, já na perícia médico legal de avaliação psicológica de 4/9/2012 ( fls. 140 e segs.) se concluiu que ambos os pais não reuniam condições para assegurar o desenvolvimento das crianças (“por não possuírem o discernimento suficiente para lidar com os desafios inerentes ao crescimento e educação das crianças “).

Também no mais recente relatório de avaliação psicológica de 1/4/2015 ( fls. 581 e segs., fls.596 e segs.) se concluiu designadamente que M... e P... apresentam um nível intelectual muito inferior , na zona da deficiência mental ligeira, e “não conseguiu descrever a forma como educaria os filhos ( prática parental) demonstrando dificuldades em definir quais as rotinas e regras que tinha e quais as expectativas em relação aos mesmos”, evidenciando, assim, uma falta de competência parental.

Quanto aos avós paternos, impõe-se, desde logo, uma primeira observação no sentido de que, vivendo a escassos metros e por isso mesmo, constatando toda a situação de perigo das crianças pouco ou nada fizeram, nem parece que tenha havido uma cooperação efectiva. Como se anotou no relatório de acompanhamento de 4/5/2015 ( fls. 609 e segs.) revelando dúvidas quanto à possibilidade e vantagens em confiar as crianças aos avós paternos: “De relembrar que os acontecimentos mais específicos que levaram à institucionalização dos menores foram passados neste próprio agregado familiar: progenitora, progenitor, tios e avós paternos”.

Por outro lado, os avós paternos, pelas características pessoais e de saúde mental, a situação económica, revelam não possuir condições para o integral desenvolvimento das crianças ( cf. pontos de facto 97), 127) a 131).

Por conseguinte, tal como se discorreu no acórdão recorrido:

“ As crianças, dada a sua idade, precisam de dispor de uma família que lhes possa proporcionar um projeto de vida gratificante, com atenção e cuidados que uma qualquer criança necessita, para a fim de se evitarem futuras sequelas na sua personalidade e sensibilidade, sendo que a sua institucionalização dura já há tempo demais, um tempo excessivo para estas crianças e para o seu desenvolvimento integral.

               A confiança judicial com vista à adoção protege o interesse da criança de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, tendo em conta o tempo da criança, que não é o mesmo que o tempo dos pais, sendo que, os problemas de que padecem os progenitores do menor não são resolúveis com o tempo, impondo assim definir o futuro da criança, sendo certo que, tendo em conta a concreta incapacidade dos progenitores do menor em assegurar a sua saúde, bem estar, desenvolvimento e educação, o destino do menor passaria inevitavelmente por uma institucionalização prolongada, assim impedindo o menor de alcançar um projecto de vida alternativo e que acautelaria o seu interesse superior e bem estar.

 (…)

               Os laços das crianças com os avós paternos não são sólidos nem estabelecedores de qualquer vinculação afetiva; os avós nunca criaram nos netos nem assumiram para si a função de tratar, educar, alimentar, proteger e estimular as crianças, tendo estes vivido em contexto institucional deste novembro de 2012, pelo que os frágeis laços que poderiam ser de proteger são tão ténues que não podem deixar de soçobrar perante o superior interesse de permitir às crianças criar uma verdadeira ligação e vinculação afetiva com uma família adotiva, mantendo-se o contacto entre os irmãos, que será de privilegiar.

               O superior interesse da criança é o critério prioritário e prevalente na promoção dos seus direitos e na sua proteção, sendo que, em caso de colisão desse interesse com o “interesse da família”, prevalece o interesse em alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança, devendo prevalecer são os concretos direitos e interesses da criança, bem como as suas específicas necessidades.

               Deste modo, e em face de toda a factualidade vinda de enunciar, o tribunal não poderá confiar a guarda das crianças à sua mãe, pai ou avós paternos, e nem sequer há qualquer possibilidade de ser entregue a algum elemento da família alargada, pois que ninguém, em tempo útil para a criança, se disponibilizou para a receber e tratar, o que também representa o reconhecimento a inexistência de alternativas no seio da família, não se verificando o condicionalismo a que alude o artigo 1987º, n.º 4 do Código Civil”.

2.8.- A proibição das visitas

O acórdão recorrido decidiu:

“ Ao abrigo do disposto no artigo 1978.º-A, do Código Civil e 62.ºA, n.º 2, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, os pais das crianças, M... e P..., ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, ficando vedadas as visitas às crianças na instituição ou fora dela por parte da família natural”.

Para os Apelantes não podem ser proibidas as visitas à família biológica enquanto a decisão não transitar em julgado, sob pena de violação do art.1919 do CC.

Em contrapartida, o Ministério Público alega que a inibição das visitas se impõe independentemente do trânsito, porque o efeito suspensivo (art.124 nº2 da LPCJ) reporta-se apenas aos actos de execução da medida aplicada, conducentes à adopção. Por outro lado, em face da solução adoptada ( a confiança com vista à adopção ) a manutenção das visitas e contactos com os pais afectaria a estabilidade emocional das crianças, porque manteria artificialmente uma relação à qual falta uma verdadeira qualidade parental.

Dispõe o art.1919 nº2 do CC que “se o menor tiver sido confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, será estabelecido um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe”.

Mas quando a confiança é com vista a futura adopção (confiança pré-adoptiva), a lei determina que uma vez decretada a medida ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais e, por com sequência, das visitas (arts.1978 e 1978-A CC).

O art.62 da LPCJP (alteração da Lei nº 142/2015 de 8/9) impõe que aplicada a medida da confiança pré-adoptiva, “não há lugar a visitas por parte da família biológica “ ( nº6) , só em casos fundamentados em função do interesse do adoptando “podem ser autorizados contactos entre irmãos”.

Daqui resulta que a inibição das responsabilidades parentais é uma consequência legal inelutável, imperativa, da aplicação da medida de protecção, significando que uma vez transitada esta, ficam proibidas as visitas.

O que os Apelantes pretendem é obstar à proibição até que transite a decisão, mas verifica-se sobre isso ter sido proferido posterior despacho de 22/3/2017 ( cf. fls. 1517) a proibir as visitas durante a pendência do recurso, com o argumento de que o restabelecimento das visitas por parte da família biológica é susceptível de causar perturbação às crianças, e este despacho não foi objecto de impugnação, tendo transitado em julgado.

Refira-se ainda que o Ac da RL de 13/1/2011 (proc. nº 106/08), citado pelos Apelantes, incidiu sobre um despacho a suspender as visitas num processo de protecção em que havia sido aplicada a medida de acolhimento institucional, e não a medida de confiança com vista a adopção.

2.9.- Síntese conclusiva

a).A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção, prevista no art.35 alínea g) da LPJCP ( Lei nº147/99 de 1/9 ), foi introduzida pela Lei nº31/2003 de 22/8, e pressupõe que se demonstre , desde logo, uma situação de perigo.

b). O perigo exigido na alínea d) do nº1 do art.1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art.1978 do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.

c). Apesar de na alínea d) do nº1 do art.1978 ( na redacção da Lei nº31/2003 ) estar previsto apenas a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.

d). A “ não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação (nº1 do art.1978 do CC) é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas .

e). Por isso, é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva (independente de culpa da actuação dos pais) de qualquer das situações descritas no nº1 do art.1978 do CC.

f).Os “vínculos afectivos próprios da filiação” (art.1978 nº1 CC) devem ter um suporte factual consistente na interacção dinâmica entre pais e filhos, assente numa parentalidade responsável (“próprios da filiação”).

g). A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção (arts.38-A e 62-A da LPCJP), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a “confiança pré-adoptiva“, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.

h).Toda a intervenção deve ter em conta o “interesse superior da criança”, princípio consagrado no art.3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo coloca à cabeça dos princípios orientadores (alínea a) do art.4º ), e enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os direitos fundamentais, como o direito da criança ao desenvolvimento integral da sua personalidade, e a situação casuística.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente a apelação e confirmar o acórdão recorrido.

2)

            Sem custas.

            Coimbra, 27 de Abril de 2017.


( Jorge Arcanjo )

( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães )