Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2198/12.6TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: NOVAÇÃO
DECISÃO DE FACTO
Data do Acordão: 11/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.857, 859 CC.
Sumário: I - As respostas positivas à factualidade relevante podem ser simples, restritivas e/ou explicativas.

II - Alegado pela autora o conluio entre mutuários e fiadores para a simulação da assinatura destes no contrato, e não se provando este, pode dar-se como provado, restritivamente - vg. com base na não contestação dos réus mutuários, na prova pericial e na alegação dos fiadores -, que tal “simulação”/contrafação foi efetivada apenas pelos mutuários.

III - É requisito primordial e sine qua non da novação – a assunção pelo devedor de uma nova obrigação em substituição total, e com extinção, da antiga - a vontade dos outorgantes nesse sentido, a qual apenas releva se manifestada de forma expressa, ie. adrede, direta, cabal e inequívoca – artºs 857º e 859º do CC.

IV - Tal requisito falece se apenas se prova que, na sequência de um mútuo, as partes formalizaram posteriores acordos nos quais se plasmou que a mutante continuava a emprestar, apenas contabilisticamente, a quantia mutuada, para liquidação do empréstimo matricial/anterior que não fora amortizado.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) CRL, instaurou contra A (…9 e M (…), S (…) e M (…), M (…) e M (…)  , ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediu:

a) A condenação dos réus a reconhecer que todo o suporte contratual posterior ao contrato nº 28984 de 19/11/1993 (contratos nºs 31004, 32801, 34651, 36813, 59009380180, 59017234229, 59023424664, 59030011436) foi entregue à autora sob concertada simulação da fidedignidade das assinaturas dos garantes ali identificados, designadamente os réus (…);

b) A condenação dos réus M (…) e M (…) a reconhecerem-se devedores à autora da quantia 74.819,68€ acrescida de juros moratórios à taxa de 18% que se vencerem de há cinco anos para trás contados da respetiva citação, até efetivo e integral pagamento à autora (conforme contrato nº 28984 de 19/11/1993, último contrato objeto de reconhecimento presencial de assinaturas);

c) A condenação dos réus A (…), M (…), S (…) e M (…)  a reconhecer que o contrato nº 28984 de 19/11/1993, último contrato objeto de reconhecimento presencial de assinaturas, é eficaz quanto a eles, destacadamente quanto à fiança ali assumida;

d) A condenação dos réus A (…), M(…), S (…) e M (…) a reconhecer que continuam pessoal e solidariamente obrigados ao pagamento à autora da quantia de 74.819,68€, com renúncia a todo o benefício ou direito que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular esta obrigação;

e) A condenação dos réus A (…), M (…) S (…) e M (…) a pagar tal quantia à autora, acrescida de juros moratórios à taxa de 18% que se vencerem de há cinco anos para trás contados da respetiva citação, até efetivo e integral pagamento.

Alegou:

No exercício da sua atividade creditícia, em 13.11.1992, celebrou com os réus M(…) e M (…)um contrato de mútuo com o nº 27315 pelo qual lhes emprestou a quantia de 15.000.000$00 (€ 74.819,68), tendo os demais réus assumido a posição de fiadores, com reconhecimento notarial e presencial das assinaturas.

Em 19.05.1993 deixando intangível o capital, que não teve qualquer amortização, foi prorrogado prazo para amortização do mesmo, mantendo-se todas as demais condições contratuais acordadas, bem como o reconhecimento notarial e presencial das assinaturas dos réus.

Em 19.11.1993 celebrou com os réus M (…) e M (…)um contrato de mútuo com fiança com o nº 28894 destinado à liquidação do empréstimo 27315, no qual não fora amortizado capital algum, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 18% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído com os acordados juros remuneratórios numa prestação anual, vencendo-se a mesma em 23.11.1994, tendo os demais réus assumido a posição de fiadores, com reconhecimento presencial das assinaturas.

Posteriormente, em 18.11.1994 celebrou com os réus M (…) e M (…) um contrato de mútuo com aval cambiário com o nº 31004 destinado à liquidação do empréstimo 28984, em que continuou a emprestar a quantia  de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 16% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após duas prestações semestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 05.12.1995, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 17.11.1995 celebrou com os réus M (…) e M (…)um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 32801 destinado à liquidação do empréstimo 31004, em que continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 15.25% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 06.12.1996, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 22.11.1996 celebrou com os réus M (…) e M (…)um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 34651 destinado à liquidação do empréstimo 32801, em que continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 13,40% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 09.12.1997, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 21.11.1997 celebrou com os réus M (…) e M (…) um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 36813, posteriormente renumerado para o nº 59003795834, destinado à liquidação do empréstimo 34651, em que continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 12,10% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e  juros com vencimento em 10.12.1998, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 04.12.1998 celebrou com os réus M (…) e M (…)  um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 59009380180, destinado à liquidação do empréstimo 59003795834, em que continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 11,20% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 22.12.1999, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 10.12.1999 celebrou com os M (…) e M (…) um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 59017234229, destinado à liquidação do empréstimo 59009380180, em que continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 10,60% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 22.12.2000, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 30.11.2000 celebrou com os réus M (…) e M (…) um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 59023424664, destinado à liquidação do empréstimo 59017234229, em que continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 12,25% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 22.12.2001, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Posteriormente, em 14.12.2001 celebrou com os réus M (…) e M (…) um contrato de mútuo com aval cambiário dos demais réus com o nº 59030011436, destinado à liquidação do empréstimo 59023424664, em que  continuou a emprestar a quantia de 15.000.000$00, tendo sido convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 12,25% acrescida da sobretaxa de 4% em caso de mora ou incumprimento, devendo o capital mutuado ser restituído após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a última de capital e juros com vencimento em 22.12.2002, não tendo havido qualquer reconhecimento de assinaturas.

Com base neste contrato instaurou executiva contra os aqui réus, a qual correu termos sob o nº 1609/04.9 TBPBL, a qual mereceu oposição dos primeiros e segundos réus com o argumento de que não eram suas as assinaturas constantes daquele contrato.

Por acórdão da Relação de Coimbra as referidas oposições foram julgadas procedentes quanto ao título executivo ali em causa, isto é o contrato 59030011436.

Deixou de exigir o reconhecimento das assinaturas, passando a bastar-se com a aposição das assinaturas simples nos documentos que após o contrato nº 28984 lhe foram sucessivamente entregues pelos réus, verificando a sua similitude com as anteriores.

Estava, por isso, convicta de que quem assinou o contrato inicial nº 27315 e alteração ao mesmo com o nº 28984 havia assinado todos os demais documentos referentes aos posteriores contratos, sendo-lhe legítimo e razoável acreditar que os mesmos não padeciam de qualquer simulação ou falsificação, não podendo os primeiros e segundos réus invocar a extinção e ineficácia da fiança que assumiram no contrato inicial, por abuso de direito.

Contestaram os réus A (…), M (…), S (…) e M (…)

Alegaram, no que para aqui releva:

A única proposta de crédito não paga pelos terceiros réus foi a constante do contrato com o nº 59030011436, a qual não foi aceite e assinada pelos contestantes, na qualidade de fiadores.

As assinaturas que constam da referida proposta não foram apostas pelos seus próprios punhos.

Pediram:

A improcedência da ação e a condenação da autora como litigante de má fé.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«… julgo a acção improcedente e consequentemente absolvo os réus dos pedidos formulados.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Na verdade:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. »

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

No caso vertente.

5.1.3.1.

(…)

5.1.4.

Decorrentemente, e na parcial procedência desta questão, os factos a considerar são os seguintes:

1- A autora é uma cooperativa de responsabilidade limitada que se dedica ao exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e à prática dos demais actos inerentes à atividade bancária nos termos da legislação aplicável, a título próprio e/ou como agente da Caixa Central.

2- No âmbito e exercício da sua actividade, na sequência de proposta aprovada a 06/11/1992 e de escrito particular outorgado em 13.11.1992, a autora celebrou com os réus M (…) e M (…) , um contrato de mútuo garantido por fiança que assumiu o nº 27315, exarando-se que se destinava à compra de uma propriedade.

3- Por tal contrato a autora emprestou a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários efectivamente receberam mediante entrega em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7) e da qual estes se confessaram devedores.

4- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 20,50%; acrescia a sobretaxa de 2% em caso de mora e/ou incumprimento.

5- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, numa prestação semestral, vencendo-se a mesma em 23/05/1993.

6- Enquanto garantes fiadores, os réus A (…), M (…) S (…) e M (…)  , contemporaneamente à celebração do contrato de mútuo garantido por fiança, vincularam-se pessoal e solidariamente com os mutuários nos seguintes termos e condições:

Que ficam por fiadores e principais pagadores dos primeiros outorgantes e solidariamente entre si e com eles se obrigam ao pagamento da dívida confessada, juros e demais despesas na forma estipulada no presente escrito, renunciando a todo o benefício ou direito que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular esta obrigação.

7- Do escrito particular para empréstimo concedido por fiança que cristalizou as vontades plasmadas pelos réus consta o reconhecimento notarial, presencial, das respectivas assinaturas.

8- Em 19.05.1993, deixando intangível o capital, que não conheceu qualquer amortização, o contrato referido em 2 foi, no sentido de prorrogar o prazo para a amortização do capital, com a prestação semestral prevista a vencer-se agora a 23.11.1993.

9-Na alteração referida em 8, mantiveram-se as demais garantias prestadas pelos réus A (…), M (…), S (…) e M (…) tendo as suas assinaturas sido reconhecidas presencialmente perante notário.

10- Na sequência de proposta aprovada a 05/11/1993 e de escrito particular outorgado em 19.11.1993, a autora celebrou com os réus M (…) e M (…) um contrato de mútuo garantido por fiança que assumiu o nº 28984.

11- No contrato referido em 1 ficou exarado que o mesmo se destinava à liquidação do empréstimo nº 27315, no qual não fora amortizado capital algum.

12- Por um tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7) e da qual estes se confessaram devedores.

13- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 18,00%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

14- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, numa prestação anual, vencendo-se a mesma em 23.11.1994.

15- Enquanto garantes fiadores, os réus A (…), M (…), S (…) e M (…)contemporaneamente à celebração do contrato de mútuo garantido por fiança, vincularam-se pessoal e solidariamente com os mutuários nos seguintes termos e condições:

Que ficam por fiadores e principais pagadores dos primeiros outorgantes e solidariamente entre si e com eles se obrigam ao pagamento da dívida confessada, juros e demais despesas na forma estipulada no presente escrito, renunciando a todo o benefício ou direito que de qualquer modo possa limitar, restringir ou anular esta obrigação.

16- Do escrito particular para empréstimo concedido por fiança referido em 10 que cristalizou as vontades plasmadas pelos réus consta o reconhecimento notarial, presencial, das respetivas assinaturas.

17- No âmbito e exercício da sua atividade, na sequência de proposta aprovada a 18.11.1994, a autora celebrou com os réus M (…) e M (…), um contrato de mútuo que assumiu o nº 31004, tendo a ré M (...) subscrito o mesmo na qualidade de fiadora e assinado livrança e respetivo pacto de preenchimento entregues nessa data à autora.

18- No contrato referido em 17 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 28984, no qual não fora amortizado capital algum.

19- Por tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7).

20- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 16,00%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

21- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após duas prestações semestrais sucessivas de juros, sendo a segunda e última de capital e juros com vencimento em 05.12.1995.

22- Os réus M (…) e M (…) na data referida em 17 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (….) e M (…), sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

23- No âmbito e exercício da sua atividade, na sequência de proposta aprovada a 17.11.1995, a autora celebrou com os réus com M (…) e M (…)  Mendes, um contrato de mútuo que assumiu o nº 32801, tendo a ré M (…) subscrito o mesmo na qualidade de fiadora e assinado livrança e respetivo pacto de preenchimento entregues nessa data à autora.

24- No contrato referido em 23 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 31004, no qual não fora amortizado capital algum.

25- Por tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7).

26- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 15,25%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

27- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 06.12.1996.

28- Os réus M (…) e M (…) na data referida em 23 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…) e M (…) sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

29- No âmbito e exercício da sua atividade, na sequência de proposta aprovada a 22.11.1996, a autora celebrou com os réus M (…) e M (…) , um contrato de mútuo que assumiu o nº 34651, tendo a ré M (...) subscrito o mesmo na qualidade de fiadora e assinado livrança e respectivo pacto de preenchimento entregues nessa data à autora.

30- No contrato referido em 29 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 32801, no qual não fora amortizado capital algum.

31- Por um tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7).

32- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 13,40%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

33- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 09.12.1997.

34- Os réus M (…) e M (…)  na data referida em 29 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…) e M (…) , sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

35- No âmbito e exercício da sua atividade, na sequência de proposta aprovada a 21.11.1997, a autora celebrou com os réus M (…) e M (…)  um contrato de mútuo que assumiu o nº 36813, posteriormente  renumerado com o nº 59003795834, tendo a ré M (…) subscrito o mesmo na qualidade de fiadora e assinado livrança e respetivo pacto de preenchimento entregues nessa data à autora.

36- No contrato referido em 35 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 34651, no qual não fora amortizado capital algum.

37- Por tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7).

38- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 12,10%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

39- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 10.12.1998.

40- Os réus M (…) e M (…)  na data referida em 35 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…) M (…), sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

41- No âmbito e exercício da sua atividade, na sequência de proposta aprovada a 04.12.1998, a Autora celebrou com os réus com M (…) e M (…) um contrato de mútuo que assumiu o nº 59009380180, tendo a ré M (…) assinado livrança e respetivo pacto de preenchimento entregues nessa data à autora.

42- No contrato referido em 41 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 59003795834, no qual não fora amortizado capital algum.

43- Por tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 916.0.00.7).

44- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 11,20%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

45- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 22.12.1999.

46- Os réus M (…) e M (…) na data referida em 41 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…) e M (…)sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

47- No âmbito e exercício da sua atividade, na sequência de proposta aprovada a 10.12.1999, a autora celebrou com os réus com M (…) e M (…)um contrato de mútuo que assumiu o nº 59017234229.

48- No contrato referido em 47 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 59009380180, no qual não fora amortizado capital algum.

49- Por um tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 40063985219).

50- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 10,60%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

51- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 22.12.2000.

52- Os réus M (…) e M (…) na data referida em 47 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…), M (…), sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

53- No âmbito e exercício da sua actividade, na sequência de proposta aprovada a 30.11.2000, a Autora celebrou com os réus M (…) e M (…), um contrato de mútuo que assumiu o nº 59023424664.

54- No contrato referido em 53 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 59017234229, no qual não fora amortizado capital algum.

55- Por tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 40063985219).

56- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 12, 25%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

57- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 22.12.2001.

58- Os réus M (…) e M (…)na data referida em 53 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…), M (…)sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

59- No âmbito e exercício da sua actividade, na sequência de proposta aprovada a 14.12.2001, a autora celebrou com os réus M (…) e M (…), um contrato de mútuo que assumiu o nº 59030011436.

60- No contrato referido em 59 ficou exarado que o empréstimo destinou-se à liquidação do empréstimo nº 59023424664, no qual não fora amortizado capital algum.

61- Por tal contrato a autora continuou a emprestar a quantia de 74.819,68 € que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos (nº 40063985219).

62- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal e líquida de 12,25%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e/ou incumprimento.

63- O capital mutuado deveria ser restituído, com os acordados juros remuneratórios, após quatro prestações trimestrais sucessivas de juros, sendo a quarta e última de capital e juros com vencimento em 22.12.2002.) e M (…) na data referida em 59 apresentaram à autora uma livrança, bem como um pacto preenchimento, dos quais constavam os nomes dos réus A (…), M (…), S (…) M (…) sem qualquer reconhecimento das assinaturas.

65- A autora nos contratos referidos em 17, 23, 29, 35, 41, 47, 53 e 59 deixou de exigir o reconhecimento de assinaturas, bastando-se com a aposição de assinaturas simples nos documentos que lhe foram entregues pelos réus M (…) e M (…), verificando apenas a similitude das mesmas.

66- A autora quando celebrou os contratos referidos em 17, 23, 29, 35, 41, 47, 53 e 59 estava convicta de que as livranças e pactos de preenchimento entregues haviam sido assinados pelos réus A (…), M (…), S (…) M (…)

67- Os réus A (…), M (…), S (…), M (…) não responderam às missivas que lhes foram enviadas pela autora em 28.02.2003, 29.05.2003, 17.11.2003 e 19/02/2004, referentes à regularização dos empréstimos 59030011436 e 59034313075, tendo os réus A (..:9 e M (…) recebidos as mesmas em 03.06.2003 e 19.11.2003.

68- Os réus M (…), A (…) e S (…) são irmãos.

69 - Aproveitando a confiança depositada pela autora, a qual passou a prescindir das assinaturas reconhecidas  presencialmente pelo notário, os réus mutuários, pelo menos a partir de dezembro de 1999, data em que a autora celebrou com eles o contrato de mútuo que assumiu o nº 59017234229 e  até ao contrato nº 59030011436,  passaram a simular as assinaturas dos réus fiadores.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

A julgadora decidiu a causa com o fundamento de que os  sucessivos contratos de mútuo , constituíram, relativamente aos anteriores, novos e autónomos  contratos, pelo que o anterior se extinguia, existindo novação.

Concretamente, expendeu:

«ao contrário do entendimento da autora, os sucessivos acordos celebrados entre a autora e os réus M (…) e M (…) configuram não prorrogações ou renovações do contrato inicial, mas efectivamente novas realidades jurídicas com a sua individualidade própria, devendo ser tratados, cada um deles, como um novo contrato.

Com efeito, e com excepção da prorrogação descrita no facto 8, os sucessivos acordos que se mostram descritos nos factos 10, 17, 23, 29, 35, 41, 47, 53 e 59, encontra-se expressamente mencionado que cada um daqueles acordos se destina à liquidação do anterior.

Por isso outro não pode ser o entendimento de que as partes não quiseram apenas modificar a obrigação anterior alterando alguns dos seus elementos, mas criar uma nova obrigação, distinta da anterior quanto aos prazos de vencimento e taxa de juros remuneratórios.

Estamos, por isso, perante sucessivas novações as quais, como nos diz o artº 857º se traduzem na substituição da obrigação anterior pela constituição de uma nova obrigação, novações essas que, em obediência ao disposto no artº 859º, foram expressamente manifestadas.

Em função deste entendimento, outra conclusão não se pode retirar senão que apenas subsiste o último dos contratos firmados, com o nº 59030011436, descrito no facto 59.

Encontra-se provado que aquando da celebração deste último contrato, os réus M (…) e M (…) apresentaram à autora uma livrança, bem como o respectivo pacto de preenchimento dos quais constavam os nomes dos demais réus.

No entanto, como se constata da alínea h) dos factos não provados, não se deu por provado que que o aval cambiário tenha sido efectivamente prestado pelos réus, porquanto não se encontra provado que as assinaturas constantes dos documentos em causa tenham sido efectivamente apostas por aqueles.

Significa isto que o contrato em causa se encontra destituído das garantias pessoais prestadas pelos réus A (…), M (…), S (…) e M (…), não obstante a autora, aquando da celebração do mesmo estar convicta de que tais garantias existiam (cf. facto 66).»

5.2.2.

Apreciemos.

Nos termos do artº 857º do CC:

«dá-se a novação objetiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga».

A novação é uma causa de extinção das obrigações para além do cumprimento.

Para que haja novação, objetiva ou subjetiva, é necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga.

Ou seja, a nova obrigação acarreta, necessariamente, a extinção da anterior.

E aqui se distinguindo das figuras da datio pro solvendo e da datio in solutum, pois que, ainda que todas as figuras tenham em comum a criação de uma nova obrigação, apenas na novação a primeira obrigação é extinta, não ocorrendo este efeito extintivo nestas últimas.

Efetivamente:

«A novação, que se traduz na extinção, sob declaração expressa, de uma obrigação por via da constituição de uma outra, e a datio pro solvendo, consubstanciada em prestação tendente à realização de um direito de crédito sem intenção de substituição, têm em comum o facto de envolverem a constituição de uma nova obrigação, e a diferença no facto de na primeira se extinguir imediatamente a antiga obrigação e, na segunda, esse imediato efeito extintivo não ocorrer»  - Ac. do STJ de  06.11.2003, p. 03B3495.

Este efeito radical impõe cautelas para que não restem dúvidas quanto às pretensões das partes/outorgantes.

Assim, a lei, artº 859ª do CC, exige que:

«a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada».

Destarte, constituem doutrina e jurisprudência unânimes que a vontade de novar  - o designado animus novandi -, não se presume nem pode ser tacitamente demonstrada, antes carecendo de ser manifestada de forma cabal, expressa, inequívoca e diretamente, seja por palavras, por escrito ou por outro meio – cfr., na doutrina, Almeida Costa, in Obrigações, 4ª ed. P.784 e  A. Varela, Obrigações Em Geral, II, p. 235.

E, na jurisprudência, entre outros:

« É elemento fundamental da novação a vontade manifestada de forma inequívoca, não susceptível de dúvidas, de constituir uma nova obrigação em substituição da antiga, dado a novação se traduzir em convenção entre as partes pela qual elas extinguem uma obrigação e criam uma nova obrigação no lugar da antiga.

III - O facto de um Banco não ter rejeitado a operação proposta pelo réu, nem ter devolvido o saque, conservando-o em seu poder, ainda que constitua prática bancária com o significado de aceitação da novação da obrigação, não permite, face ao disposto no artigo 859 do Código Civil, considerar ter havido manifestação expressa de vontade desse Banco, no sentido de constituição de nova obrigação em substituição da antiga.» - Ac. do STJ de 14.07.1983, p. 070466 ,in dgsi.pt, como os restantes infra, salvo menção em contrário.

«Para que exista novação, a lei…exige que a intenção de novar seja expressamente declarada; ou seja, a vontade de substituir a antiga obrigação, mediante a contracção de novo vínculo, há-de resultar de declaração expressa, não bastando uma declaração clara do "animus novandi" inferida da fisionomia económica da relação obrigacional, antes ou depois da alteração convencionada pelas partes» - Ac. do STJ de  04.11.1993, p. 086410.              

«Para haver novação, é essencial que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação e que essa vontade resulte de declaração expressa, pois nem a novação se presume nem bastam os simples "facta concludentia" em que as declarações tácitas se apoiam -  Ac. do STJ de 22.04.1999, p. 98B572.

«A novação objectiva traduz-se num contrato extintivo-constitutivo de obrigações, pelo qual as partes expressam a vontade de substituir uma obrigação originária, que se extingue, por uma nova, que se constitui, estando-lhe pois subjacente a ideia de que a contracção da nova obrigação se faz em substituição da antiga.» - Ac. do STJ de  s. 18.10.2007, p. 07A2773.

«Essencial para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio de contração de uma nova obrigação.» -Ac. do STJ de  31.03.2009, p. 08A3353.

«A vontade de substituir a obrigação antiga pela obrigação nova tem de ser inequívoca – art. 859º do Código Civil – pressupondo um acordo entre credor e devedor sem o qual não pode falar-se de substituição consentida.» - Ac. do STJ de  16.06.2009, p. 344/05.5TBBGC-A.S1.

Nesta conformidade, e por falta deste requisito, em muitos casos a jurisprudência concluiu pela inexistência de novação.

Assim, por ex:

«Ora, no caso …o… "protocolo" celebrado entre credores e devedores é apenas um acordo, …no qual se estabelece um plano de pagamento diferido de dívidas bancárias, com a constituição obrigatória de quantias hipotecárias ou outras, sem que tivesse havido alteração quer nas obrigações bancárias, quer nos sujeitos, momeadamente com relação aos embargantes, pelo que não se verifica a invocada novação.» - Ac. do STJ de 08.03.1984, p. 071519.

«Não constitui novação da obrigação cambiaria do aceitante de letra a celebração de um contrato entre a sacadora e o portador das letras exequendas pelo qual aquela se obriga a pagar toda a sua divida, incluindo a titulada por tais letras, se de tal contrato não constar que a sacadora quis assumir uma nova obrigação em substituição da obrigação cambiaria do aceitante nem manifestação de vontade do Banco no sentido de exonerar o embargante dessa mesma obrigação. -  Ac. do STJ de 18.12.1990, p. 080692.

«Tendo o mutuário de dinheiro entregado ao mutuante, na sequência de acerto de contas relativo a contratos de mútuo nulos por falta de forma, e reconhecimento face ao segundo pelo primeiro da sua obrigação de restituição, dois cheques com determinado valor neles inscrito, a situação não se configura como novação nem datio pro solutum, mas como mera datio pro solvendo» - Ac. do STJ de  06.11.2003, p. 03B3495 sup. cit.

«A reforma de letra de cambio envolve a substituição de uma letra vencida e não paga por outra de igual valor ou inferior, para novo prazo de vencimento.

A simples reforma de letra de câmbio, não implica, só por si só, por ser necessária a prova de vontade expressa para o efeito, a extinção, por novação…mas simples "datio pro solvendo"

Tal declaração negocial não se presume, designadamente se não há restituição do título inicial ou se este contém alguma garantia especial não incluída no novo título.» -  Acs. do STJ de   22.11.1990, p. 07949217, de 26-3-96, BMJ, 455º-522, de 17.10.2002, p. 02B2208 e de 16.06.2009, p. 344/05.5TBBGC-A.S1; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 235 e R.L.J. Ano 118º-28) .

(sublinhado nosso)

Por outro lado, urge ter presente que a novação não se compadece com a simples alteração/modificação de alguns elementos do contrato, mas antes a sua substituição in totum.

Na verdade:

«A novação pressupõe, juridicamente, intenção não apenas de introduzir um elemento novo na realização de uma obrigação mas, mais do que isso, intenção de extinguir uma relação obrigacional e de criar outra….

Se o circunstancialismo provado revela simplesmente que houve acordo tendente a facilitar a cobrança do débito que existia e se manteve, há datio pro solvendo e não novação» - Ac. do STJ de 11.05.1992, p. 083333.

«Se as partes apenas modificarem um mero elemento acessório da relação creditória, v.g. o prazo de pagamento da dívida, sem alterarem as restantes cláusulas contratuais, não há novação mas simples modificação ou alteração do contrato.» - Ac. do STJ de 18.10.2007, p. 07A2773.

«Essencial para haver novação é que haja intenção das partes em extinguir a primitiva obrigação, contraindo uma nova em sua substituição. Se as partes querem manter a obrigação primitiva, alterando alguns dos seus elementos, então não há novação, mas apenas uma modificação ou transmissão dessa obrigação» -  Ac. do STJ de  08.11.2007, p. 07B3009.

« A obrigação só é nova quando haja uma alteração substancial dos seus elementos constitutivos.

 Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas algum ou alguns dos seus elementos acessórios, não há novação, mas simples modificação ou alteração da obrigação.» - Acs. do STJ de 31.03.2009,  sup. cit. e de 19.05.2010, p. 175/05.2TBCDN-A.C1.S1.

Destarte:

«Não constitui novação objectiva (artigo 857 do Código Civil) e, por isso, não extingue o crédito hipotecário o acordo a que chegou o executado com o exequente em execução hipotecária e que consistiu num plano de pagamento da dívida em prestações mensais.

 O referido acordo não criou uma nova obrigação com substituição da anterior, apenas a modificou quanto ao modo de pagamento em prestações e respectivos prazos:»  - Ac. do STJ de 25.09.1990, p. 080569.

«Não há novação objectiva se as alterações introduzidas no negócio incidiram apenas, sobre o número e montante das prestações e sobre as taxas de juro. » - Ac. do STJ de 20.04.1998, p. 98B913.

Finalmente importa reter que para haver novação, é indispensável que a nova obrigação se constitua validamente.

Pois que: «se for declarada nula ou anulada a nova obrigação, subsiste a obrigação primitiva» - artº 860º nº2 do CC e Ac. do STJ de  19.05.2010, p. 175/05.2tbcdn-a.c1.s1.

5.2.3.

No caso vertente, e sdr. por opinião adversa, entendemos, perante a razoável e sagaz interpretação que deve ser efetivada dos factos provados, que não estão verificados os requisitos da novação.

Primus porque em parte alguma do acervo factual se enxerga uma manifestação expressa, inequívoca e concludente de ambas as partes nesse sentido.

O quid nuclear invocado na sentença, qual seja que os sucessivos mútuos se destinaram à «liquidação» do anterior não colhe.

Como é bom de ver, o termo «liquidação» não está usado com o significado e alcance de extinção do contrato inicial e dos seguintes, mas antes e apenas reportado  ao pagamento da quantia naquele  anteriormente mutuada e depois  transferida para cada um destes.

Tal resulta nos termos sucessivamente usados de que os vários mútuos que se sucederam se destinavam à «liquidação do (s) empréstimo(s)» anteriores   e que tal era necessário porque « não fora amortizado capital algum».

Por outro lado, dimana dos factos que os sucessivos empréstimos não se traduziram, efetiva e realmente, em novos e cumulativos valores de 15.000.000$00, antes se reportando, apenas e somente, aquela quantia referente e constante  no contrato matricial.

Tal dimana das expressões - «a autora continuou a emprestar a quantia de Esc. 15.000.000$00 ( e não: emprestou nova quantia de15.000.000$00 )  que os mutuários receberam mediante entrega contabilística em conta dos mesmos.»

De notar que a autora pede a condenação   apenas no pagamento do equivalente em euros a 15 mil contos, e não nas centenas de milhar de contos que adviriam  da plêiade de empréstimos em causa, se os valores neles referidos fossem realmente novos, reais e efetivos.

É ainda de considerar que todas as novas propostas de mútuo e os  correspondentes sucessivos contratos aceites, eram outorgados uma ou poucas semanas imediatamente anteriores ao vencimento do contrato precedente.

E sempre pelo mesmo valor e nos termos supra mencionados, salvo quanto ao prazo de pagamento e à taxa de juros.

Mas como se viu, estes são elementos meramente acessórios que, só por si, são insuficientes para se concluir pela novação.

Até porque o pagamento não foi permitido em termos essencialmente diversos – variava entre uma a quatro prestações –, e a alteração das taxas de juro é perfeitamente aceitável, em função da sua variação na conjuntura económico financeira que ia surgindo ao longo dos anos em que o negócio vigorou.

Finalmente é de considerar que o escrito  contratual genético, qual seja o escrito particular de empréstimo com fiança, sempre esteve na posse da credora mutuante, que o juntou para efeitos de perícia, nunca tendo sido inutilizado ou devolvido aos mutuários.

Tudo visto e ponderado, conclui-se que efetivamente, e na realidade, os sucessivos acordos da autora e dos réus mutuários sempre  se reportaram aquele contrato primeiro, constituindo, como ela alega, apenas um meio de facilitar o pagamento da quantia inicialmente concedida, e unicamente concedida.

Secundus e mesmo que assim não fosse, sempre a alteração da decisão sobre a matéria de facto obstaria à novação.

Na verdade ficou agora provado que, os réus mutuários, pelo menos a partir de dezembro de 1999, data em que a autora celebrou com eles o contrato de mútuo que assumiu o nº 59017234229 e  até ao contrato nº 59030011436,  passaram a simular as assinaturas dos réus fiadores.

Ora tal constitui uma atuação dolosa, e até, eventualmente, criminosa, pelo que os contratos  – ou, melhor dito, os sucessivos acordos de pagamento atinentes ao mútuo original – são anuláveis por dolo – artº 253º e 254º do CC.

Não estando o contrato ainda cumprido, a anulabilidade pode ainda ser arguida – artº 287º nº2 do CC.

Consequentemente, e como supra se expendeu, o vício dos acordos posteriores ao contrato inicial sempre impediriam a novação, pois que a obrigação primeira subsistiria – artº 860º nº2 do CC.

Procede o recurso.

6.

Sumariando- artº 663º do CPC.

I - As respostas positivas à factualidade relevante podem ser simples, restritivas e/ou explicativas.

II - Alegado pela autora o conluio entre mutuários e fiadores  para a simulação da assinatura destes no contrato, e não se provando este, pode dar-se como provado, restritivamente - vg. com base na não contestação dos réus mutuários, na prova pericial e na alegação dos fiadores  -, que tal “simulação”/contrafação foi  efetivada apenas pelos mutuários.

III - É requisito primordial e sine qua non da novação – a  assunção pelo devedor de uma  nova obrigação em substituição total, e com extinção, da antiga -  a  vontade dos outorgantes nesse sentido,  a qual apenas releva se manifestada  de  forma expressa, ie. adrede, direta, cabal e inequívoca – artºs 857º e  859º do CC.

IV - Tal requisito falece se apenas se prova que, na sequência de um mútuo, as partes formalizaram posteriores acordos nos quais se plasmou que a mutante continuava a emprestar, apenas contabilisticamente, a quantia mutuada, para liquidação do empréstimo matricial/anterior que não fora amortizado.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente e, consequentemente, revogar a sentença e  condenar os réus no pedido.

Custas pelos réus.

Coimbra, 2017.11.14.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos

I - As respostas positivas à factualidade relevante podem ser simples, restritivas e/ou explicativas.

II - Alegado pela autora o conluio entre mutuários e fiadores  para a simulação da assinatura destes no contrato, e não se provando este, pode dar-se como provado, restritivamente - vg. com base na não contestação dos réus mutuários, na prova pericial e na alegação dos fiadores  -, que tal “simulação”/contrafação foi  efetivada apenas pelos mutuários.

III - É requisito primordial e sine qua non da novação – a  assunção pelo devedor de uma  nova obrigação em substituição total, e com extinção, da antiga -  a  vontade dos outorgantes nesse sentido,  a qual apenas releva se manifestada  de  forma expressa, ie. adrede, direta, cabal e inequívoca – artºs 857º e  859º do CC.

IV - Tal requisito falece se apenas se prova que, na sequência de um mútuo, as partes formalizaram posteriores acordos nos quais se plasmou que a mutante continuava a emprestar, apenas contabilisticamente, a quantia mutuada, para liquidação do empréstimo matricial/anterior que não fora amortizado.