Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1380/11.8TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SERVIDÃO DE GÁS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 374/89, DE 25.10, DL 232/90, DE 18.7, DL 8/2000, DE 8.2, DL 11/94, DE 13.1, ART. 564 CC
Sumário: 1. Resulta da combinação dos arts. 10º do DL 374/89, de 25.10 (com as alterações decorrentes do DL 232/90, de 18.7 e do DL 8/2000, de 8.2) e 16º, nº 1, do DL 11/94, de 13.1, referentes a servidões de gás, que a indemnização a atribuir tanto compreende a ocupação do solo e subsolo, como o direito de passagem e ocupação temporária de terrenos, devido às necessidades de construção, vigilância, conservação e reparação de todo o equipamento necessário ao transporte do gás;

2. Mas tal indemnização só deverá/poderá ser atribuída, quando, para fins de conservação ou reparação das tubagens subterrâneas, houver efectiva ocupação temporária do terreno serviente e produção objectiva do dano;

3. O que se coaduna com a problemática do chamado dano futuro, abordado no art. 564º, nº 2, do CC, dano futuro imprevisível ou o previsível eventual, mas com grau de pouca probabilidade, em ambos os casos não indemnizável antecipadamente; o ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. B (…), S.A., com sede em Viseu, concessionária da rede de distribuição regional de gás natural do Centro Interior, veio recorrer da decisão da Comissão Arbitral relativa à indemnização devida pela constituição da servidão de gás natural sobre quatro parcelas que integram os prédios rústicos inscritos sob os arts. 34º secção AC, e 52º, 53º e 54º, todos da secção AJ, da freguesia de Castelo Branco, pertencentes a L (…).

A referida decisão arbitral fixou o valor da indemnização devida em 25.580 €, de acordo com o disposto no nº 5 do art. 17º do DL 11/94, de 13.1, correspondente à média aritmética dos dois laudos que mais se aproximavam.

Para o efeito, alegou, em síntese, que o valor da indemnização deverá ser de 1.670,76 €, porquanto: - a indemnização deve ter em conta o prejuízo real e efectivo, avaliado em termos de risco normal, e não atender a situações subjectivas ou à probabilidade de verificação de ocorrências nula ou muito reduzidas; - a área onerada é de 918 m2 e o ónus incide sobre quatro prédios, desenvolvendo-se a conduta ao longo da EN 233, entretanto municipalizada, a cerca de 0,80 m da valeta e 1,90m do leito da estrada, enterrada a cerca de 0,90 m relativamente à cota do respectivo pavimento; - a existência desta conduta de gás, não inviabiliza nem impede o estabelecimento de acessos autónomos e directos à referida estrada; - está abrangida pelo conjunto de proibições decorrentes da respectiva servidão administrativa definida no art. 8º do DL 13/71 de 23.1, e que já onerava o proprietário antes da constituição da servidão de gás;  - entre muitas outras proibições, não é possível construir a menos de 10 metros e as construções industriais só são admissíveis no mínimo a distância de 50 m, estando desde pelo menos 1971 o onerado sujeito a estas proibições pelo que a sua situação pouco se agravou com a servidão de gás; - o prejuízo decorrente de uma perda do tout venant da estrada paralela à antiga estrada nacional existente nas propriedades não passa de uma mera alegação do proprietário; - para o recorrido, quer opte pela construção nos seus terrenos, quer opte pela sua venda para fins de construção de natureza industrial, a situação é idêntica em termos de valores, com ou sem servidão para gás; - o máximo coeficiente de ocupação do solo é de 0,35 à área do lote, pelo que tomando como paradigma o que aconteceu na área de localização Empresarial de Castelo Branco, e expurgando as áreas de cedência para o domínio público, a área efectivamente utilizável corresponde apenas a 67% da área a lotear, assim, a capacidade construtiva de 0,35 de área bruta fixada no Regulamento do PDM corresponde, na realidade a 0,2345, ou seja a 67% de 35%; - por outro lado o custo de construção para habitação no concelho, considerando a Portaria 1240/2008 de 31.10, é de 741,48 €/m2, pelo que referindo-se a tabela a área útil o valor deve ser convertido em área bruta, pois a esta se refere o coeficiente de ocupação utilizado no PDM e no CE, utilizando-se o factor de conversão de 0,65. Por sua vez, o custo da construção industrial não pode ser superior a 378,15 €/m2; - no que respeita ao índice fundiário, sendo a localização, qualidade ambiental e equipamentos valorizados num máximo de 15% do custo da construção, de acordo com o art. 26º do CE, admite-se que, no caso esse valor seja valorado na média, ou seja, em 7,5% a que acresce 1,5% por força do acesso rodoviário pavimentado a betuminoso e 2% devido às redes de electricidade e de telefone, num total de 11%; - fazendo a aplicação do art. 26º do CE, o valor é de 9,75 €/m2, valor este muito elevado para terrenos com as características dos recorridos, pois não tem em conta, nem o agravamento dos custos de construção a cerca de 10 Km de Castelo Branco, nem a inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, que se calcula, no conjunto, numa depreciação de 25%; - assim, o valor unitário do solo das parcelas oneradas ao recorrido deve ser de 7,31; - as parcelas não são objecto de expropriação, isto é, não são retiradas da esfera patrimonial do proprietário, assim, a indemnização deve corresponder à restrição que o conteúdo da servidão impõe ao livre exercício do seu direito; - a pequena largura da faixa torna as proibições irrelevantes, sobretudo porque coincidem com as decorrentes da zona de protecção da estrada; - a ocupação temporária de terrenos, não apenas para a construção, mas também para a reparação ou renovação, não deve ser considerada para efeitos de indemnização, não só por ser improvável, mas também porque a ocorrer, o proprietário será indemnizado, em tempo, pelos danos que sofrer; - a ocupação permanente do subsolo das parcelas com o gasoduto não deve corresponder a mais de 25% do valor unitário do terreno, e não em 60%; - assim o valor unitário que deve servir de base ao cálculo da indemnização, não deve ser superior a 1,82 €/m2; - sendo a área da servidão de 918 m2, a justa indemnização devida não deve ser superior a 1.670,76 €; - não é feita qualquer prova da perda de tout venant.

Requereu, assim, que a justa indemnização devida ao proprietário seja fixada em 1.670,76 €, e consequentemente revogada a decisão arbitral.

O proprietário L (…), respondeu ao recurso e deduziu recurso subordinado. Alegou, em síntese, que o valor da indemnização deverá de ser de 41.908,74 €, e deve ser garantido pela Beiragás através da inscrição da servidão constituída no registo predial que a mesma não inviabiliza nem impede o estabelecimento de acesso autónomo e directo dos prédios onerados á Estrada Nacional de que são limítrofes, porquanto: - a decisão arbitral que fixou em 25.580 € o montante indemnizatório devido pela constituição da servidão de gás, não contempla todos os prejuízos por ele sofridos, quer os resultantes da efectiva redução do valor das parcelas quer outros, como a destruição de benfeitorias existentes objectivamente apurados; - quanto aos equipamentos colectivos existentes nas proximidades, não pode o expropriado deixar de destacar a existência de uma pista de aviação aprovada para ultraleves, mas que servirá o futuro aeródromo de castelo Branco, já em fase de projecto ou mesmo de execução, e a cerca de 2 Km dos prédios onerados. Esta não foi devidamente valorada em termos do índice fundiário apurado. Assim, além dos outros equipamentos referidos nos relatórios dos árbitros, o índice fundiário não pode ser inferior a 17%; - a depreciação dos prédios pela constituição da servidão, deve fixar-se em 75%. Assim, o valor da indemnização devida pela ocupação permanente não deve, em consequência ser inferior a 15.987 €; - quanto à ocupação temporária, as restrições impostas aos expropriados pela servidão resultam do artigo 10º do DL 374/89 de 25 de Outubro. Tais restrições implicam que, A ocupação temporária de terrenos para depósito de materiais e equipamento, necessários à colocação dos gasodutos, sua reparação ou renovação, não poderá exceder 36 metros de largura, numa faixa sobre as tubagens. Tal abrangência não foi considerada na decisão arbitral. Assim, considerando que a servidão implica a utilização do solo sempre que se mostre necessário numa faixa de 17 m e não de 8 m, além da faixa de 1,80 estabelecida para a ocupação permanente, e que a depreciação pela ocupação temporária representa apenas 10% do valor do solo, o valor da indemnização pela ocupação temporária corresponderá a 8670m2 x 23,22 €/m2 x10% = 20.131,74 €; - no que respeita às benfeitorias inutilizadas, a obra de instalação da conduta de gás inutilizou, pelos rodados das lagartas das máquinas, um caminho em tout venant, existente nos 4 prédios do expropriado, que o servia, e era transitável por veículos automóveis, tornando-o intransitável. Tendo o caminho cerca de 510m de comprimento e 6 m de largura, a indemnização pela sua reposição, não deve ser inferior a 4.590 €; - a obra desconjuntou também um muro de pedra seca justaposta que delimitava os 4 prédios onerados junto á EN de que são limítrofes. A sua reposição não custará menos de 1.200 €; - o acesso aos 4 prédios confina com a antiga EN 233, devendo, assim, constar do registo que a servidão não inviabiliza nem impede o acesso autónomo e directo à EN 233.

A recorrente B (…)respondeu ao recurso subordinado, pugnando pela sua improcedência.

Procedeu-se à avaliação da parcela expropriada, tendo os Srs. Peritos apresentado relatório pericial (a fls. 76 a 82 e 86 a 102) e prestado os esclarecimentos requeridos (a fls. 121 a 123 e 139 a 142). O perito indicado pelo expropriado avaliou em 42.996,53 € a indemnização enquanto os peritos nomeados pelo tribunal e o indicado pela expropriante avaliaram a mesma em 7.157,34 €.

Ambas as partes apresentaram alegações, tendo a recorrente B (…), dada a prova realizada, alterado, nesta sede, o valor da indemnização que aceita, no montante de 4.317,26 €.

*

A final foi proferida sentença que fixou o montante da indemnização a pagar pela B (…), a L (…) em 7.157,34 €, correspondente a 5.627,34 € de ocupação do solo e 1.530 € para reposição da benfeitorias, calculado com referência à data de declaração de utilidade pública e a actualizar de acordo com a evolução do índice dos preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo I.N.E., nos termos do art. 24º do Código das Expropriações, devendo ainda constar no registo da servidão, que a conduta de gás não inviabiliza nem impede o estabelecimento de acessos autónomos e directos á Estrada Nacional.

*

2. O expropriado interpôs recurso, tendo concluído como segue:

1. O art. 10º nº5 do Dec Lei 374/89, na redacção que lhe foi dada pelo artº 15º do Dec Lei 232/90 de 16 de Julho, mantido em vigor pelo Dec.Lei 8/2000, consagra uma restrição ao exercício do direito de propriedade do expropriado, aqui recorrente, um verdadeiro ónus a favor da entidade expropriante, que não pode deixar de ser indemnizado;

2.Aí se estabelece que “A ocupação temporária de terrenos para depósito de materiais e equipamento, necessários à colocação dos gasodutos, sua reparação ou renovação, não poderá exceder 36 metros de largura, numa faixa sobre as tubagens”;

3.Tal faculdade não se confunde com o direito do expropriado em ser indemnizado pelos danos que tal ocupação lhe vier a causar nos termos gerais da responsabilidade por actos lícitos;

4.Deve,assim, ser fixado o valor de € 10 629,42 a título de justa indemnização por ocupação temporária;

5.Deve, nesta parte, ser a Sentença recorrida revogada, arbitrando-se ao expropriado, o valor global de € 17 786,76 (dezassete mil, setecentos e oitenta e seis euros e setenta e seis cêntimos).

Termos em que se fará

JUSTIÇA

3. A expropriante pugnou pela manutenção do decidido.

II – Factos Provados

1.º) O Secretário de Estado da Energia e da Inovação aprovou, pelo Despacho n.º

17975/2010, de 17.11.2010, o projecto de gás natural adenda ramal para a central betuminosa Construtora Lena, da rede secundária de gás natural de Castelo Branco, em baixa pressão, tendo declarado a sua utilidade pública nos termos e para efeitos do DL 11/94 e do Código de Expropriações.

2.º) A DREC publicou no DR, 2.ª serie, n.º 22 de 01.02.2011, o Aviso n.º 3362/2011 com as plantas dos imoveis abrangidos pela declaração de utilidade pública (DUP) e a lista dos proprietários.

3.º) A vistoria AD PERPETUAM REI MEMORIAM, foi realizada em 15 de Novembro de 2010, já com a obra concluída.

4.º) A concessionária beneficiária da servidão foi induzida em erro por Técnicos dos Serviços Camarários que informaram que podiam instalar a tubagem sem qualquer problema até ao cruzamento dos Escalos de Baixo.

5.º) Com efeito admitiram, erradamente, que os terrenos pertencentes à Câmara Municipal abrangessem também os prédios em causa de que é proprietário o expropriado, quando, na verdade apenas confinam com este.

6.º) Por isso a declaração de utilidade pública, foi imediatamente requerida após a verificação do lapso.

7.º) Não tendo chegado a acordo sobre o montante indemnizatório, o proprietário requereu a constituição da Arbitragem.

8.º) Em Julho de 2011, os árbitros nomeados (um pelo proprietário, outro pela BeiraGás e o terceiro pela DGEG) produziram os respectivos laudos:

i) Laudo do representante do proprietário 30.000,00, dos quais 4.590,00 se referem a indemnização por eventuais benfeitorias;

ii) Laudo do representante da BeiraGás 2.177,19, dos quais 1.530,00 se referem a indemnização por prejuízos em benfeitorias;

iii) Laudo do representante da DGEG 21.177,02, dos quais 1.530 se referem a indemnização por eventuais prejuízos em benfeitorias.

9.º) Em 04 de Agosto de 2011, foi proferido acórdão arbitral, que em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 17.º do DL n.º 11/94 de 13 de Janeiro, pela média arimética dos dois laudos que mais se aproximavam, fixou o valor da indemnização a atribuir pela servidão constituída e benfeitorias inutilizadas em 25.580,00, devendo ainda constar no registo da servidão, que a conduta de gás não inviabiliza nem impede o estabelecimento de acesos autónomos e directos à Estrada Nacional.

10.º) As três parcelas oneradas pertencem aos seguintes prédios:

- Prédio inscrito na matriz predial rústica com artigo 34, secção AC, sito no lugar de Lapão, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do registo predial de Castelo Branco com o n.º 5228. Confronta de norte com Linha de Caminho-de-ferro e outros, do sul com Luís Manuel Dias Gardete e EN, do nascente com EN e Agostinho Duarte Belo e do poente com Luís Manuel Dias Gardete e Herdeiros de Tavares Proença. Tem área total de 90.940,00 m2, fixando-se a faixa onerada com ocupação perante em 180,00m2.

- Prédio inscrito na matriz predial rústica com o artigo 52, secção AJ, sita no lugar de Tapada da Fonte e Tapada dos Lameiros, freguesia e conselho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco com o n.º 5313. Confronta de norte com Caminho e Luís Manuel Dias Gardete, do sul com Luís Manuel Dias Gardete e EN, do nascente com EN e de poente com Caminho. Tem área total de 41.000,00 m2, fixando-se a faixa onerada com ocupação permanente em 180m2.

- Prédio inscrito na matriz predial rústica com o artigo 53, secção AJ, sita no lugar de Tapada dos Loureiros, do Zambujeiros e da Fonte Nova, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco com o n.º 5312. Confronta de norte com Caminho e Luís Manuel Dias Gardete, do sul com Luís Manuel Dias Gardete e EN, do nascente com estrada e de poente com Caminho. Tem área total de 30.500,00 m2, fixando-se a faixa onerada com ocupação permanente em 171 m2.

- Prédio inscrito na matriz predial rústica com o artigo 54, secção AJ, sita no lugar de Tapada dos Loureiros, do Zambujeiros e da Fonte Nova, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco com o n.º 5311. Confronta de norte com Caminho e Luís Manuel Dias Gardete, do sul com Caminho, do nascente com estrada e de poente com Caminho. Tem área total de 30.500,00 m2, fixando-se a faixa onerada com ocupação permanente em 387m2.

11.º) A área total onerada com ocupação permanente é de 918 m2.

12.º) As propriedades são pertença de L (…).

13.º) A área onerada é constituída por uma faixa de terreno, com largura média de 1,80, com uma extensão de cerca de 510 metros, e ocupa as referidas quatro propriedades contiguas e confinantes com a EN 233, entretanto municipalizada de acordo com o PDM de Castelo Branco.

14.º) A referida faixa encontra-se a cerca de 0,80 m da valeta, a 1,90 do leito da estrada e está enterrada a 0,90 metros de profundidade, relativamente à cota do pavimento.

15.º) A área afectada com o ónus de servidão, encontra-se situada em zona definida como Espaços Industriais, de acordo com o Plano Director Municipal do Concelho de Castelo Branco, aprovado pela Assembleia Municipal de Castelo Branco em 13 de Abril de 1994, e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/94 de 16 de Junho de 1994, publicada no DR I B, n.º 185 de 11 de Agosto.

16.º) Trata-se de uma conduta de gás de baixa pressão e faz parte da rede secundária de distribuição de Castelo Branco.

17.º) De modo unanime os Senhores Peritos classificaram o terreno como apto para construção e fixaram que o índice máximo de ocupação do solo é de 0,50.

18.º) Os Srs. Peritos signatários do laudo maioritário (do Tribunal e do proprietário), estabeleceram que os terrenos ocupados têm um índice de construção de pavilhões de 0,35 e para construção de zonas de escritórios de 0,15.

19.º) Por estes Peritos, o custo da construção, das zonas destinadas a escritório, teve por base o estabelecido na Portaria 1172/2010, de 10 de Novembro, que para o ano de 2011 e para a Zona I (sedes de Distritos) fixou em 743,70/m2, de área útil, pelo que consideraram o valor de 632,14/m2 de área bruta correspondente a cerca de 85% de área útil, sendo o valor para a construção de zonas amplas para pavilhões industriais de 400,00m, correspondente a cerca de 60% do valor usado para os escritórios. Chegaram assim ao valor de 140,00m2 para os pavilhões e 94,82m2 para os escritórios, e a um total de 234,82m2.

20.º) Nos termos e para os efeitos do art. 26.º, n.º 6 do C.E fixaram estes peritos um índice de 11% e nos termos do n.º 7 pavimentação 1%; rede de distribuição de energia eléctrica 1%; e rede telefónica 1%. Utilizaram um factor correctivo de 10%.

21.º) Assim, no Laudo maioritário chegaram os Senhores Peritos ao valor unitário do solo de 30,64/m2 e fixaram o valor da depreciação do solo pela constituição da servidão em 20%, sendo o valor da indemnização de 5.627,34.

22.º) A este valor fizeram acrescer o valor devido pela inutilização do caminho em tout venant de 1.530,00.

23.º) O Senhor Perito indicado pelo proprietário (recorrente subordinado), fixou o valor da depreciação do solo em 75%, sendo 50% por ser uma área de terreno que deixou de ser só de um utilizador e passou a ser de dois (ónus) +25% por ser ocupada em permanência pela empresa.

24.º) Fixou em 19,86/m2 o valor unitário do solo, por corresponder á média dos preços unitários das hastas públicas praticados nos lotes industriais da ALECB, entre 2005 a 2010.

25.º) Chegou assim a uma indemnização de 13.673,60.

26.º) Pela ocupação temporária fixou um valor de 25.827,93.

27.º) A estes valores fez acrescer 2.295,00 pela colocação de tout venant no caminho, e 1.200,00, pela reconstrução do muro.

28.º) A colocação da conduta de gás e as restrições impostas pela servidão dela resultante, não impedem ou limitam o acesso directo dos prédios à estrada municipal e ao caminho existente nos prédios.

29.º) A obra de instalação da conduta de gás inutilizou, um caminho em tout venant existente nos 4 prédios do expropriado, que o servia, e era transitável por veículos automóveis.

30.º) Este caminho tinha uma extensão de cerca de 510m, uma largura de 3 m e uma espessura de 0,10m, correspondendo a um volume de 153m3.

31.º) Para repor o caminho nas condições em que se encontrava antes da ocupação e movimentação das máquinas, é necessário despender o valor de 1.530,00.

32.º) Os prédios são servidos pelas seguintes infra-estruturas: acesso rodoviário, com pavimentação betuminosa: rede de distribuição de energia eléctrica; rede telefónica.

33.º) Têm uma boa acessibilidade à A23 e confinam com a EN 233 via regional que permite um bom acesso á cidade de Castelo Branco, da qual dista cerca de 2 Kms e a curta distancia do terminal ferroviário e do futuro aeródromo municipal.

34.º) Quanto á qualidade ambiental não se verificam focos de poluição, o local tem boa exposição solar e a densidade de construção é normal.

35.º) Nas imediações existem ainda equipamentos colectivos, de serviços e de lazer, nomeadamente, uma estação de serviços, uma pista de autocross, um centro de exames de condução, uma pista de aviação para operações de ultraleves e um circuito de manutenção.

36.º) Encontram-se ainda tais prédios a menos de 2 kms do futuro aeródromo de Castelo Branco, infra-estrutura que foi já adjudicada e se encontra em fase de execução.

37.º) Para poder instalar um estabelecimento industrial nos prédios que integram as parcelas oneradas o expropriado não teria de proceder á execução e aprovação do plano de pormenor.

38.º) Os custos de construção não são agravados substancialmente em virtude da localização dos prédios onerados.

                                                             

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 639º e 635º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Indemnização por ocupação temporária.

2.1. Na decisão recorrida, na parte referente à matéria de facto não provada exarou-se o seguinte:

“(…)

B. A servidão constituída implica a utilização do solo sempre que se mostre necessário, numa faixa de 17 metros, além da faixa de 1,80m estabelecida para a ocupação permanente.

(…)”

E, depois, na respectiva fundamentação deixou-se dito que:

“Quanto ao facto de a servidão implicar a utilização do solo sempre que se mostre necessário numa faixa de 17 m, e não 8m, além da faixa de 1,80 estabelecida para a ocupação permanente.

Respondeu o Senhor Perito indicado pelo proprietário que sim. Não concordamos porém com a sua conclusão. E assim é porque se limitou a fazer aplicação da lei, em concreto o artigo 10.º, n.º 5 do DL 374/89, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 8/2000, partindo do limite máximo que a mesma estabelece. Sucede que a referida disposição legal limita-se a estabelecer um máximo que à disponibilizado e para determinados fins. Não significa que esta se venha efectivamente a verificar, e mais que isto, que seja ocupado o máximo estabelecido na lei, como o proprietário pretende fazer crer.

Por isso se entende correcta a conclusão retirada pelos Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pela entidade expropriante, e se consideram não provados os factos constantes do ponto B”.

Como se vê das transcrições que fizemos estamos em pleno campo da matéria de facto. O tribunal não deu por provado o que consta do indicado ponto B.

Ora, ao recorrente, discordando desse facto não provado, só restava um caminho. Era deduzir impugnação da matéria de facto. O que não fez, como resulta das suas conclusões de recurso (e também do corpo das alegações). 

Efectivamente, a matéria de facto apurada nos autos só podia ser alterada, com a prévia impugnação da mesma. E no condicionalismo legal resultante dos ditames do art. 640º, nº 1 a) a c), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição.

Como se disse, compulsadas as conclusões de recurso verifica-se que o recorrente não deduziu impugnação da matéria de facto, ou não a deduziu nos termos indicados, não cumprindo desde logo o 1º e 2º dos apontados indicados requisitos legais. 

Ora, o recurso do apelante pressupõe, para efeito de atribuição de indemnização, a sua discordância quanto à necessidade de efectiva ocupação temporária de terreno para depósito de materiais e equipamento, necessários à colocação dos gasodutos, sua reparação ou renovação, numa faixa máxima de 36 metros de largura sobre as tubagens. Matéria que se relacionava com tal facto não provado sob o ponto B., pelo que a sua não prova importava, deste modo, a improcedência do recurso.

Como, porém, tal matéria pode ser entendida como sendo de direito, devemos avançar na sua análise.

2.2. Na mesma sentença, na parte relativa à fundamentação de direito escreveu-se que:

“O regime de importação de gás natural liquefeito (GNL) e de gás natural (GN), a armazenagem de GNL e o tratamento, transporte e distribuição de GN ou de gases de substituição encontra-se definido no Decreto-Lei nº 374/89, de 25/10, cuja redacção actualmente vigente lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 8/2000, de 08/02, que, feitas as alterações, aditamentos e revogações pretendidas, procedeu à sua republicação.

Tendo em conta o interesse público subjacente ao serviço de gás natural, compete exclusivamente às respectivas concessionárias optar, com vista à implantação e exploração das infra-estruturas, pela aquisição dos imóveis por via negocial ou pelo recurso ao regime de servidões previsto no Decreto-Lei nº 11/94 ou ao das expropriações por causa de utilidade pública nos termos do Código das Expropriações (CE) art. 3º.

Sendo uma limitação ao direito de propriedade, a constituição das servidões de gás não pode deixar de dar lugar à pertinente indemnização dos proprietários dos prédios com elas onerados, ficando, nos termos do art. 11º do Decreto-Lei nº 374/89 e do art. 16º do Decreto-Lei nº 11/94, a obrigação de pagamento a cargo da concessionária ou licenciada.

(…)

Nos autos, está em causa a constituição de uma servidão de gás, estabelecida nos termos dos artigos 13.º e 15.º, do DL 374/89, de 25 de Outubro, e art.º 3, do DL 11/94, de 13 de Janeiro vd. pontos 1.º e 2.º.

Esta servidão traduz-se num encargo legalmente imposto sobre um prédio em proveito da utilidade pública, obstando, enquanto durar a servidão (servidão administrativa), o titular do bem onerado de algumas das faculdades que lhe assistiam.

(…)

Dispõe o art.º 16, do DL 11/94 em referência, que os titulares de imóveis onerados com servidões de gás serão indemnizados pela concessionária do gás natural em função da efectiva redução do respectivo rendimento ou de quaisquer prejuízos objectivamente apurados e derivados da ocupação desses prédios, ainda que posteriores ao exercício desta, n.º1, referindo-se no n.º 2 que, para efeitos do disposto no número anterior, serão ainda considerados os eventuais prejuízos resultantes da redução ou impossibilidade do uso e fruição pelos respectivos titulares das parcelas dos imóveis não directamente afectas ao exercício dos direitos referidos no art.º 4 e 5º, isto é, ao objecto e finalidade da servidão.

Por sua vez, o art.º 10, do DL 374/89 (com as alterações decorrentes do DL 232/90, de 18 de Julho e do DL 8/2000, de 8 de Fevereiro), dispõe que a servidão, como a que está em causa nos autos, compreende a ocupação do solo e subsolo, devendo os gasodutos subterrâneos ser instalados à profundidade determinada pelos regulamentos e respectivas normas técnicas de segurança, compreendendo também, o direito de passagem e ocupação temporária de terrenos ou outros bens, devido às necessidades de construção, vigilância, conservação e reparação de todo o equipamento necessário ao transporte do gás.

(…)

Colocou-se ainda a questão de ser ou não devida uma indemnização pela ocupação temporária, tendo inclusivamente o Senhor Perito do recorrente subordinado fixado a mesma em 25.827,93 cf. ponto 26.º. Não concordamos porém, mais uma vez, com tal entendimento.

Esta possível ocupação temporária, advém tal como as demais restrições e limitações descritas no referido artigo 10.º, do ónus que passou a recair sobre os prédios: a servidão de gás. Estando por isso englobada no valor fixado para a depreciação do prédio, e como tal abrangida pela referida indemnização.

Depois, tal como bem referiu a recorrente, a indemnização em causa não pode contemplar situações meramente eventuais e temporárias, que a ocorrerem podem ser objecto de indemnização autónoma.

Improcede assim este pedido formulado pelo recorrente subordinado”.

O citado art. 10º do DL 374/89 (com as alterações decorrentes do DL 232/90, de 18.7 e do DL 8/2000, de 8.2), referente à servidão, como a que está em causa nos autos, compreende a ocupação do solo e subsolo, compreendendo também, como decorre do seu nº 2, o direito de passagem e ocupação temporária de terrenos ou outros bens, devido às necessidades de construção, vigilância, conservação e reparação de todo o equipamento necessário ao transporte do gás. Ou seja, para os fins sublinhados pode haver ocupação legal e temporária do terreno.

E o nº 5, do mesmo preceito (na redacção resultante da republicação emergente do DL 8/2000), dispõe que A ocupação temporária de terrenos para depósitos de materiais e equipamento necessários à colocação dos gasodutos, sua reparação ou renovação não poderá exceder 18 m de largura, numa faixa sobre as tubagens.

Resulta, assim, do apontado artigo 10º que, para efeitos de indemnização, a mesma só deverá/poderá ser atribuída, quando, para fins de conservação ou reparação das tubagens subterrâneas, houver efectiva ocupação temporária do terreno serviente. 

Interpretação que é confortada pelo regime decorrente do nomeado DL 11/94, seu art. 16º, nº 1, de onde decorre que os titulares de imóveis onerados com servidões de gás serão indemnizados pela concessionária do gás natural em função da efectiva redução do respectivo rendimento ou de quaisquer prejuízos objectivamente apurados e derivados da ocupação desses prédios, ainda que posteriores ao exercício desta. Isto é, a lei indica com clareza que o prejuízo a indemnizar tem de ser efectivo ou objectivo.

Pensamos, que nem podia ser de outra maneira, pois essa eventual ocupação temporária do terreno pode nem sequer vir a acontecer, ou caso ocorra, por ser desconhecido, neste momento, a extensão dessa eventual ocupação, seja no espaço (5, 7, 10 metros, etc., ?), seja no tempo (1, 2, 3 meses, etc., ?).

Trata-se, assim, de um facto futuro incertus an e incertus quando. E caso aconteça e quando aconteça, como irá acontecer.

Bem vistas as coisas estamos perante a problemática do chamado dano futuro, que vem abordado no art. 564º, nº 2, do CC, onde se dispõe que:

"Na fixação da indemnização pode o tribunal atender nos danos futuros, desde que sejam previsíveis; …".

Ora, como professa Almeida Costa, em D. Obrigações, 6ª Ed., págs. 500/501 e 664, o dano futuro é aquele que o ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Esse momento pode ser o momento da ocorrência do facto produtor do dano, por exemplo o momento em que se deu o sinistro, ou o da data da fixação da indemnização.

Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.

O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar com antecipação, em relação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência. No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível. De harmonia com o disposto no referido preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer.

Quanto aos danos futuros previsíveis, estes subdividem-se entre os certos e os eventuais.

Dano futuro previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. O dano futuro previsível eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível ou hipotético.

Se assumir um grau de muita possibilidade, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mais ou menos longínquo, tal dano futuro previsível eventual deve considerar-se como equiparado ao dano certo, sendo indemnizável. Se assumir um grau de pouca possibilidade, em que nem sequer se consegue prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mais ou menos longínquo, em que mais não há que um receio, tal dano futuro previsível eventual, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente.

Ora, no nosso caso tendo em conta que a aludida ocupação temporária dos terrenos do expropriado, para efeitos de conservação ou reparação das tubagens subterrâneas, pode nem sequer vir a acontecer (ou caso ocorra é desconhecido, neste momento, a extensão dessa eventual ocupação), tratando-se, pois, de um facto futuro incerto e indeterminado, o invocado dano futuro é difícil de prognosticar, ou tem um grau de prognosticabilidade de se verificar muito baixo, ou não passa de uma mera possibilidade, de uma hipotética realidade. Em qualquer das duas situações, ou se trata de um dano futuro imprevisível ou previsível mas eventual com incerta/pouca possibilidade da sua verificação.

Em ambas as situações não há indemnização antecipada. Só quando o facto efectivo ou objectivo, utilizando as palavras da lei, se produzir/ocorrer haverá lugar a tal indemnização.

Como assim não pode neste momento ser atribuída tal indemnização, só o podendo e devendo ser depois da eventual e futura ocupação dos terrenos do ora apelante pela apelada.  

Não há, por isso, motivo para dar razão ao recorrente.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Resulta da combinação dos arts. 10º do DL 374/89, de 25.10 (com as alterações decorrentes do DL 232/90, de 18.7 e do DL 8/2000, de 8.2) e 16º, nº 1, do DL 11/94, de 13.1, referentes a servidões de gás, que a indemnização a atribuir tanto compreende a ocupação do solo e subsolo, como o direito de passagem e ocupação temporária de terrenos, devido às necessidades de construção, vigilância, conservação e reparação de todo o equipamento necessário ao transporte do gás; 

ii) Mas tal indemnização só deverá/poderá ser atribuída, quando, para fins de conservação ou reparação das tubagens subterrâneas, houver efectiva ocupação temporária do terreno serviente e produção objectiva do dano; 

iii) O que se coaduna com a problemática do chamado dano futuro, abordado no art. 564º, nº 2, do CC, dano futuro imprevisível ou o previsível eventual, mas com grau de pouca probabilidade, em ambos os casos não indemnizável antecipadamente; o ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.  

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Custas pelo recorrente.

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Coimbra, 18.3.2014

  Moreira do Carmo ( Relator )

  Fonte Ramos

  Inês Moura