Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3311/12.9YXLSB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INVENTÁRIO
CUMULAÇÃO DE INVENTÁRIOS
COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - NAZARÉ - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.96, 1394 CPC, 18 LEI Nº 23/2013 DE 5/3 ( RJPI )
Sumário: Estando pendente em tribunal um inventário para partilha da herança de um cônjuge – instaurado em 10 de outubro de 2012 –, é admissível a sua cumulação com o inventário para partilha da herança do outro cônjuge, falecido em 24 de maio de 2017, já no âmbito de vigência da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, que atribuiu competência exclusiva aos cartórios notariais para tramitar os processos de inventário.
Decisão Texto Integral:


*

Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª Secção

Recurso de Apelação – Processo n.º 3311/12.9YXLSB-C.C1


*

Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


*

Sumário:

Estando pendente em tribunal um inventário para partilha da herança de um cônjuge – instaurado em 10 de outubro de 2012 –, é admissível a sua cumulação com o inventário para partilha da herança do outro cônjuge, falecido em 24 de maio de 2017, já no âmbito de vigência da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, que atribuiu competência exclusiva aos cartórios notariais para tramitar os processos de inventário.


*

Recorrente ………………….. M (…), cabeça de casal;

Recorridos……………………MJ (…) e outro


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto do despacho que julgou a incompetência absoluta do tribunal recorrido quanto ao inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de M (…).

O despacho tem o seguinte teor:

« Por despacho proferido em 19.04.2019, foi decidida:

- a cumulação de inventários para partilha da herança aberta por óbito de C (…) (a que respeitam, estes autos), e para partilha da herança aberta por óbito de M (…), falecida em 24.05.2017, na pendência dos autos, designada data para declarações complementares de cabeça de casal, face à referida cumulação;

- homologada a desistência M (…) e P (…)da oposição ao presente inventário;

- a designação de M (…), como cabeça de casal, por aplicação do disposto no art. 2080º, nº 3 do Código de Processo Civil.

- a notificação da cabeça de casal nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1349º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Notificados do despacho supra referido, vieram os interessados apresentar o requerimento com a refª 5853215, deduzindo incidente de incompetência material do tribunal quanto ao inventário para partilha da herança aberta por óbito de M (…), por aplicação do regime aprovado pela Lei 23/2013, de 05.03 e peticionando a declaração de nulidade do processado subsequente.

Pronunciou-se a cabeça de casal (refª 5948032) no sentido da improcedência do referido incidente invocando o trânsito em julgado do despacho datado de 19.04.2019.

Cumpre apreciar.

Determina a incompetência absoluta do Tribunal, de entre o mais, a infracção das regras de competência em razão da matéria, cfr. art. 96º, al. a) do Código de Processo Civil.

A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto de jurisdição, deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, devendo ser conhecida imediatamente, ou em sede de despacho saneador, se o processo comportar, cfr. art.97º e 98º Código de Processo Civil.

Vale isto por dizer que a questão suscitada o foi em tempo, sendo oportuno o seu conhecimento.

No caso concreto verifica-se que, efectivamente, assiste razão aos interessados quanto à incompetência material deste Tribunal para a tramitação do processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de M (…) porquanto, à data do respectivo óbito, a competência para o processamento dos atos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, encontrava-se, como ainda hoje encontra, atribuída pelo Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei 23/2013, de 05.03, aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão.

A referida Lei 23/2013, de 05.03 procede ainda, por via do seu art. 6º, à revogação, de entre o mais, do disposto nos artigos 1326º a 1392º do Código de Processo Civil, facto em que não se atentou devidamente aquando da prolação do mencionado despacho.

Com efeito, os presentes autos tiveram inicio em petição inicial entregue em juízo em 10.10.2012 para inventário por óbito de C (…), tendo, na pendência da mesma, falecido, M (…), no estão de viúva daquele, em 25.05.2017.

Sucede que na referida data, como invocam os interessados, e se referiu supra, a competência para o processamento do processo de inventário encontrava-se, atribuída aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão, pelo Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei 23/2013, de 05.03, sendo este Tribunal materialmente incompetente para a respectiva tramitação, o que se consigna.

Nos termos do preceituado na al. a) do art. 577º, 578º e 576º, nº 2 do Código de Processo Civil, a incompetência absoluta do tribunal constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, a qual obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, o que se decide e consigna quanto ao inventário para partilha da herança aberta por óbito de M (…)

Na decorrência do supra exposto, declaro, nessa parte, a nulidade do despacho proferido em 19.04.2019, bem como dos actos praticados subsequentemente.

Notifique».

b) E desta decisão que vem interposto o recurso por parte da cabeça de casal, cujas conclusões são as seguintes:

«a)- Vem o presente recurso interposto da sentença que apreciou a incompetência absoluta do Tribunal da Nazaré para a partilha da herança aberta por óbito de M (…), por cumulação ao inventário de seu ex-cônjuge, com quem foi casada sob o regime da comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos, que corre seus termos no mesmo tribunal, com o número em epígrafe, porquanto, segundo o tribunal “a quo”, essa competência é hoje dos notários, donde, recusou a cumulação que já tinha sido aceite.

b)- Tendo em conta que os bens a partilhar são os mesmos, que são os mesmos os herdeiros, que transitou em julgado a decisão que ordenou a cumulação, que por apenso ao inventário já foi tramitada uma acção de prestação de contas relativa à herança da falecida, intentada por quem só agora se lembrou que o Tribunal é incompetente, e que o disposto no artigo 7º da lei 23/2013 é esclarecedor no sentido de que a mesma não se aplica aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor se encontrem pendentes, e o que só pode querer significar que a cumulação de inventários continua a ser possível quando um inventário está em curso no tribunal, contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo”, que nem sequer se pronunciou sobre este argumento da ora Recorrente, não podemos aceitar o decidido, por violador daqueles preceitos legais, e o que motiva o presente recurso.

c)- Caso contrário estaríamos perante uma solução em que a cumulação de inventários, embora prevista na lei e desejável do ponto de vista da economia e eficácia processual, deixaria de ser possível, pese embora prevista no artigo 1337º do C. P. Civil e na lei 23/2013.

d)- Aliás, em abono do que se vem defendendo, importa salientar que quer o artigo 1337º do C. P. Civil, aplicável aos processos pendentes por força do artigo 7º citado, quer o artigo 18º da lei 23/2013, permitem a cumulação de inventários, e no seu número 2 ambos os preceitos prescrevem que a mesma nem sequer pode deixar de ser admitida se a dependência de bens a partilhar for total, o que acontece no caso em apreço, como resulta do douto despacho de 19.04.2019.

e)- Por outro lado, o nº 3 do artigo 1337º do C. P. Civil, ainda aplicável por força do citado artigo 7º, diz que não obsta à cumulação de inventários a incompetência relativa do Tribunal para algum dos inventários. Entendemos ademais que face ao supra exposto, e até ao disposto no artigo 16º da lei 23/2013 o tribunal “a quo” nunca seria absolutamente incompetente para a cumulação de inventários, contrariamente ao que foi decidido, porquanto continua a ter competência em razão da matéria para o processo de inventário embora nos casos definidos na lei.

f)- Por último a lei 117/2019 de 13.09, que determina o regresso dos inventários ao tribunal, e continua a permitir a cumulação de inventários nos precisos termos do anteriormente previsto (novo artigo 1094º do C. P.  Civil),

g)- Pelo que se pede a revogação do decidido ordenando-se o prosseguimento dos autos com a cumulação dos inventários, sendo assim feita. Justiça!

c) Contra-alegaram os interessados recorridos pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

Concluíram deste modo:

«I. Os autos de inventário por morte de C (…), tiveram o seu início em juízo em 10.10.2012, à data a competência para conhecer do processo de inventário eram os Tribunais Judicias.

II. Em setembro de 2013, entrou em vigor a novo regime para tramitar processos de inventário, a saber Lei 23/2013, 05 de Março.

III. M (…) falece em 24 de Maio de 2017.

IV. À data do óbito de M (…) já plenamente em vigor o novo regime, que atribui competência exclusiva ao Cartórios Notarias para tramitar processo de inventário, só estes tinham competência material para a competente ação de inventário por morte desta.

V. Assim, o douto tribunal é materialmente incompetente para conhecer do processo de inventário por morte de M (…).

VI. Face ao supra exposto, deve o presente recurso improceder, devendo a decisão recorrido do douto tribunal “a quo”, ser inteiramente confirmada.

Termos em que V. Exas. negando provimento ao recurso, farão Justiça».

II. Objeto do recurso.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, este recurso coloca apenas a seguinte questão:

Saber se estando pendente no tribunal um processo de inventário para partilha da herança de um dos cônjuges é admissível a cumulação do inventário para partilha da herança do outro cônjuge, mesmo que tenha já falecido no âmbito de vigência da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, que instituiu o Regime Jurídico do Processo de Inventário, o qual atribuiu competência exclusiva aos cartórios notariais para tramitar os processos de inventário.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria de facto – Factos provados

1- Os presentes autos tiveram inicio com a petição inicial entregue em juízo em 10.10.2012, para inventário por óbito de C (…).

2 – M (…), viúva deste, falece em 24 de maio de 2017.

3 - Em 19 de abril de 2020 foi proferido o seguinte despacho:

«Por requerimento junto aos autos em 02 de junho 2017, foi prestada informação acerca do óbito da Requerente e Interessada M (…)

Comprovado o óbito, e notificada para o efeito a cabeça de casal, foi cumprido o disposto no art. 1332º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Notificados os interessados, ninguém se veio opor à cumulação de inventários.

Cumpre decidir.

A inventariada M (…) faleceu no dia 24.05.2017, no estado de viúva do inventariado C (…), (cfr. certidão de óbito de fls. 264).

Nos presentes autos são interessados, os filhos dos inventariados.

A este propósito, é considerado, unanimemente, na nossa doutrina e jurisprudência que os efeitos sucessórios determinam-se pela lei vigente na data da morte do seu autor (veja-se, apenas a título de exemplo, neste sentido, Galvão Telles, in Direito das Sucessões, 1971, págs. 286 e segs., que refere que: “os efeitos sucessórios globais definem-se pela lei vigente à data da morte do de cuius, o último dos factos principais que estão na base desses efeitos.

Assim, a fixação de hierarquia dos sucessíveis, a determinação dos efectivamente chamados, a definição dos seus direitos, são feitos pela lei do tempo do óbito”.

Dispunha o artigo 2132.º do Código Civil, vigente à data da morte da inventariada, que “são herdeiros legítimos os parentes, o cônjuge e o Estado, pela ordem e segundo as regras constantes do presente título”.

Essa ordem encontra-se estabelecida no n.º1 do artigo seguinte, no qual se determinava que: “A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte: a) Cônjuge e Descendentes; b) Cônjuge e Ascendentes; c) Irmãos e seus Descendentes; d) Outros colaterais até ao quarto grau; e) Estado”.

Por sua vez, dispunha o artigo 2157.º do mesmo diploma estabelecia que “são herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima”.

Da conjugação destas normas legais, resulta que, aberta a sucessão serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido, aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis na data do óbito da inventariada, sendo que pelas regras vigentes nessa altura, os seus descendentes, constituíam uma classe de sucessíveis que preferia a qualquer outra.

Das declarações prestadas pela cabeça-de-casal, depreende-se que os bens a partilhar nos presentes autos correspondem à meação da inventariada na herança aberta por óbito C (…) (inventariado nos presentes autos) e no respectivo quinhão hereditário.

Assim, e uma vez que os bens a partilhar nos presentes autos ainda não se encontram partilhados, havendo coincidência entre as pessoas por quem hajam de ser repartidos, e estando em causa heranças deixadas por ambos os cônjuges, nos termos do art. 1337º, nº 1, al a), e b) do CPC, ou seja, cumpre proceder à cumulação do presente inventário com o inventário por morte de C (…). Notifique».

4 – Este despacho foi notificado à cabeça de casal e aos interessados M (…) e P (…) o qual não foi objeto de recurso ou arguição de nulidade.

5 – Em 13 de maio de 2019 os interessados M (…) e P (…) apresentaram o seguinte requerimento:

«…notificado do douto despacho, vem deduzir incidente de incompetência material do tribunal, o que faz com os seguintes fundamentos:

«(…) 15º Consubstanciando a incompetência material absoluta uma exceção dilatória, está o tribunal impedido de conhecer sobre o mérito da causa, devendo ser declarada a procedente a exceção deduzida por provada, declarando-se o tribunal incompetente e os autos serem oportunamente arquivados».

2. Matéria de facto – Factos não provados

Não há.

e) Apreciação da questão colocada pelo recurso

Recapitulando, a questão colocada pelo recurso consiste em saber se estando pendente no tribunal o presente inventário para partilha da herança de C (…) – instaurado em 10 de outubro de 2012 – é admissível a cumulação do inventário para partilha da herança da sua ex-esposa M (…), esta falecida em 24 de maio de 2017, no âmbito de vigência da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, que atribuiu competência exclusiva aos cartórios notariais para processar os inventários.

O artigo 6.º (Norma revogatória) da Lei n.º 23/2013, de 05 de março), que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, tem o seguinte teor:

«1 - É revogada a Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, com exceção do disposto nos artigos 79.º, 82.º e 85.º e nos n.º 2 e 3 do artigo 87.º

2 - São revogados o n.º 3 do artigo 32.º, os artigos 52.º e 77.º, o n.º 4 do artigo 248.º, o n.º 4 do artigo 373.º, o n.º 1 do artigo 426.º, o n.º 2 do artigo 1052.º, os artigos 1108.º, 1109.º, 1326.º a 1392.º, 1395.º, 1396.º, 1404.º, 1405.º e 1406.º e o n.º 3 do artigo 1462.º, todos do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961».

No artigo seguinte, a mesma Lei n.º 23/2013 dispôs do seguinte modo:

«Artigo 7.º - O disposto na presente lei não se aplica aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem pendentes».

Na decisão recorrida realça-se a revogação dos artigos 1326.º a 1392.º do Código de Processo Civil pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março, mas esta revogação não releva no presente caso.

Com efeito, a revogação operada pelo n.º 2 do artigo 6.º em conjugação com o disposto no artigo 7.º da mesma Lei n.º 23/2013, implicou que as normas revogadas do Código de Processo Civil continuassem a aplicar-se aos processos de inventário antigos, então pendentes nos tribunais (Neste sentido, por exemplo, o acórdão do TRP de 20 de janeiro de 2014, no processo n.º 1008/10.3TBCHV-A.P1 – Des. Manuel Fernandes – onde se referiu que «Como decorre do disposto no art.º 7.º da Lei 23/2013, o novo regime do inventário que esta lei definiu e que se encontra em vigor, não se aplica aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem pendentes, como sucede no caso dos autos.

É pois aplicável ao presente processo de inventário o regime do anterior CPC, sendo que, relativamente ao regime dos recursos rege o art.º 1396.º do CPC na redacção do DL 303/2007».

Ou o acórdão do TRL de 17 de março de 2016, no processo n.º 146/15.0T8AMD-A.L1 – Des. Maria Manuela Gomes – onde se referiu que «O Novo Regime Jurídico do Processo de Inventário, que desjudicializou este procedimento, iniciou-se com a Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, (alterada pelas Leis n.ºs 1/2010 e 44/2010), e foi seguida pela actual Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (e Portarias n.ºs 278/2013, de 26 de Agosto e 46/2015, de 23 de Fevereiro), tudo na sequência da Resolução (programática) do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de Novembro.

Daí resulta que, aquando do divórcio do Autor e Ré, as novas regras do inventário ainda não se regiam pela Lei 23/2013 que, aliás, só entrou em vigor no dia 2 de Setembro desse ano, valendo o Código de Processo Civil, para os inventários pendentes»).

No que respeita à possibilidade de cumulação de inventários não ocorreu qualquer alteração de regime, no sentido de afastar este mecanismo processual.

O revogado artigo 1394.º (Cumulação de inventários) do Código de Processo Civil dispunha:

«1. É permitida a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas:

a) Quando sejam as mesmas as pessoas pelas quais hajam de ser repartidos os bens;

b) Quando se trate de heranças deixadas pelos dois cônjuges;

c) Quando uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras. Se a dependência for total, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado hajam de ser atribuídos na outra partilha, não pode deixar de ser admitida a cumulação. Se a dependência for parcial, por haver outros bens, é autorizada ou não a cumulação conforme pareça conveniente ou inconveniente, tendo-se em atenção os interesses das partes e a boa ordem do processo.

2. Não obsta à cumulação a incompetência relativa do tribunal para algum dos inventários nem o facto de só num haver herdeiros incapazes».

Por sua vez, o artigo 18.º (Cumulação de inventários) do Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 23/2013, de 05 de Março) dispõe de modo idêntico:

«1 - É permitida a cumulação de inventários para a partilha de heranças diversas quando:

a) Sejam as mesmas as pessoas por quem tenham de ser repartidos os bens;

b) Se trate de heranças deixadas pelos dois cônjuges;

c) Uma das partilhas esteja dependente da outra ou das outras.

2 - No caso referido na alínea c) do número anterior:

a) Se a dependência for total, por não haver, numa das partilhas, outros bens a adjudicar além dos que ao inventariado tenham de ser atribuídos na outra, a cumulação não pode deixar de ser admitida;

b) Se a dependência for parcial, por haver outros bens, o notário pode indeferir a cumulação quando a mesma se afigure inconveniente para os interesses das partes ou para a boa tramitação do processo».

Ou seja, à data em que faleceu a Sra. M (…) (25 de maio de 2017), a lei previa a cumulação de inventários, quer no Código de Processo Civil ainda vigente para os inventários instaurados antes da entrada em vigor do atual Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 23/2013, de 05 de março), quer para os inventários iniciados no âmbito deste novo regime.

Por conseguinte, retira-se esta conclusão: a lei sempre quis a cumulação de inventários.

A cumulação de inventários, como referiu Lopes Cardoso, justifica-se porque resultam dela vantagens para todos os intervenientes, porquanto «Os interessados partilham num só processo duas ou mais heranças a que concorrem e reduzem com isso a sua intervenção, evitam a repetição de diligências, a possível fragmentação da propriedade e até o pagamento de custas mais avultadas.

A actividade judiciária torna-se mais útil, porque de pronto esclarece as partilhas, são mais céleres o seu andamento e conclusão.

O inventário toca mais cedo o seu termo e dai advêm vantagens para a administração de cada um, no pagamento das despesas, dos impostos e na cobrança das receitas.

Resulta ainda uma partilha mais igualitária.

Por outro lado, não se descortinam inconvenientes vultosos, que os direitos de todos em nada são preteridos com a cumulação, e aos intervenientes asseguram-se os mesmíssimos meios de defesa» - Partilhas Judiciais, Vol. I, 4.ª edição. Almedina, 1990, pág. 192.

Porém, como proceder se já existir um inventário pendente no tribunal, na data em entrou em vigor o atual Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 23/2013, de 05 de março) e o autor do novo inventário cumulável tiver falecido já no âmbito da vigência temporal do atual regime do processo de inventário?

É que, muito embora a cumulação sempre tenha estado prevista pelo legislador, se o novo inventário não for cumulado ao processo pendente no tribunal, a cumulação, apesar de prevista na lei, não tem como se tornar realidade, isto é, não pode ser concretizada.

Ora, o legislador não pode ter querido manter um determinado mecanismo processual, como é o da cumulação de inventários, e, ao mesmo tempo, ter inviabilizado processualmente a cumulação em alguns casos, como o dos autos, deixando-a sem possibilidade de concretização prática.

Este procedimento, que seria contraditório, não pode ser imputado ao legislador, pelo que o tribunal tem de superar esta aparente contradição através da interpretação dos textos legais, com o fim de a eliminar.

Ora, o modo mais intuitivo de dissolver esta contradição consiste em interpretar as normas constantes do artigo 1394.º (cumulação de inventários) do Código de Processo Civil e artigos 6.º (Norma revogatória) e 7.º (Aplicação no tempo) da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, como abrangendo, na sua previsão, não só os inventários pendentes, mas também os inventários futuros suscetíveis de cumulação com os então pendentes, apesar destes inventários, individualmente considerados, serem da competência do cartório notarial.

Conclui-se, por conseguinte, que estando pendente em tribunal um inventário para partilha da herança de um cônjuge, é admissível a sua cumulação com o inventário para partilha da herança do outro cônjuge, falecido já no âmbito de vigência da Lei n.º 23/2013, de 05 de março, que atribuiu competência exclusiva aos cartórios notariais para tramitar os processos de inventário.

Cumpre, pelo exposto, julgar o recurso procedente.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se a decisão recorrida, continuando os autos também para partilha da herança de M (…)

Custas pelos Recorridos.


*

Coimbra, 19 de maio de 2020

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo