Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1704/04.4TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
JUROS
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 494.º; 496.º, 1 E 3;562.º; 805.º, 3 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1.Para a determinação do quantum indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro é de perfilhar um critério comparativo temperando o uso das fórmulas matemáticas de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida activa do lesado, com critérios correctivos, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza.
2. Mesmo que interfira com a capacidade de ganho geral, ou especial, isto é, para o exercício da profissão da vítima, e nesse âmbito seja abrangido pela respectiva reparação, o chamado dano biológico não deverá deixar de ser igualmente ressarcido no plano dos danos não patrimoniais, na exacta medida em que também venha a acarretar à vítima maior penosidade na execução das tarefas quotidianas

3. A indemnização por danos não patrimoniais é sempre uma decisão actualizadora: o quantum respectivo, não estando previamente balizado, só é achado com referência ao momento concreto da decisão. Tal como é necessariamente actualizadora a decisão que arbitra o montante da reparação pelos danos patrimoniais futuros por força da IPP do lesado visto que ele é calculado segundo os dados e variáveis que o julgador considera adequados ao tempo da decisão.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A.... propôs no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal uma acção declarativa com processo ordinário contra COMPANHIA DE SEGUROS B...., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe € 41.396 de danos patrimoniais e € 10.000 de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal a partir da citação da R., e a suportar todas as despesas a efectuar com a cirurgia plástica reconstrutiva à qual o A. pretende submeter-se, englobando despesas médicas, medicamentosas e internamento na clínica, cujo quantitativo será determinado e liquidado em execução de sentença.

Para tanto, alega – em síntese – que, no dia 10 de Novembro de 2001, quando seguia no seu motociclo no IC2, no sentido Coimbra-Pombal, foi vítima de um acidente de viação provocado por um veículo ligeiro seguro na Ré, o qual, ao chegar ao entroncamento formado pela estrada municipal em que circulava com aquele IC (onde seguia o motociclo do A.), não respeitou o sinal STOP que então se lhe deparava, cortando a linha de marcha do A. e tornando inevitável a colisão; em consequência das lesões sobrevindas, o A. teve de suportar dolorosos tratamentos hospitalares e várias intervenções cirúrgicas, de que lhe advieram diversas cicatrizes e uma IPP de 10% com reflexos no seu rendimento futuro; além disso, viu destruído o motociclo que conduzia, de cujo serviço ficou privado, bem como as roupas e outros objectos de que na ocasião era portador, tendo padecido de grande sofrimento físico e psíquico.

Contestou a Ré B..., impugnando a factualidade descrita pelo A., a quem imputa a responsabilidade pelo acidente, por em local onde tal lhe era vedado ter efectuado uma ultrapassagem, por seguir distraído, e também com excesso de velocidade. Mais impugnou os danos reclamados. Termina com a improcedência da acção.

A final foi a acção julgada parcialmente procedente e, em função disso, a Ré condenada a pagar ao A. A... a quantia de € 4.824,25 acrescida de juros de mora desde 29/9/2004 à taxa de 4% ao ano até integral pagamento; a quantia de € 4.500 a título de danos futuros, e a quantia de € 7.500 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa d 4% ao ano, a partir da data da sentença até integral pagamento; e a suportar as despesas com a cirurgia plástica reconstrutiva a que o A. pretende submeter-se por causa das cicatrizes da coxa. No mais foi a Ré absolvida.

Irresignada, deste veredicto interpôs a Ré recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

A apelada respondeu, pugnando pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:

1. No dia 10 de Novembro de 2001, cerca das 12 horas, ao Km 155,5 da Estrada Nacional - IC 2 (E.N.l), no entroncamento desta estrada com a E. Municipal que dá acesso à localidade de Almagreira, ocorreu um acidente de viação.

2. Em tal entroncamento existe um sinal vertical de STOP, de paragem obrigatória para os veículos que seguem pela estrada que vem de Almagreira.

3. Em tal acidente foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias, Ford Transit, caixa aberta, matrícula 00-00-HI, propriedade de C...., conduzido por D....., e o motociclo de matrícula 00-00-RB, propriedade do A., que no momento era por este conduzido.

4. O veículo HI provinha da localidade de Almagreira seguindo pela estrada municipal que liga Almagreira à ENl, em direcção ao IC2 (E.N.1), com destino para o lado Norte.

5. O A. seguia no seu motociclo pelo lC2, no sentido Coimbra - Pombal.

6. O A. embateu com a roda da frente do seu veículo na parte lateral esquerda, junto ao pneu traseiro, do veículo HI.

7. O IC2, no local do acidente, caracteriza-se por uma recta com boa visibilidade.

8. A hemi-faixa de rodagem direita, sentido Coimbra - Pombal, tem 3,5 metros de largo.

9. O Autor, antes do acidente, conduzia o RB pela sua hemi-faixa de rodagem, atento o sentido dito no ponto 5.

10. E ao chegar ao entroncamento dito no ponto 1 deparou com o veículo HI a invadir a faixa de rodagem por onde seguia.

11. O veículo HI, ao aceder ao IC2, vindo do lado de Almagreira, não parou junto do sinal stop que ali se encontra.

12. Ao avistar o RB, o Autor travou.

13. Em consequência do embate, o A. foi projectado para o solo, ficando ali imobilizado a cerca de 3 metros do local do embate, na hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido Coimbra – Pombal.

14. O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido Coimbra -Pombal, a cerca de 1.90 metros de linha tracejada existente mais à direita da via, assinalando o entroncamento.

15. Por contrato de seguro titulado pela Apólice n° 5000628110 do Ramo Automóvel, a Ré assumiu a responsabilidade civil pelos estragos causados a terceiros e emergentes da circulação estradal do veículo matrícula 00-00-HI.

16. O Autor nasceu em 26-7-1972.

17. Em consequência do acidente, o A. sofreu lesões, tendo sido conduzido ao Hospital Distrital de Pombal onde lhe foram prestados os primeiros socorros.

18. Tendo depois sido transferido, no mesmo dia, para o Centro Hospitalar de Coimbra, onde ficou internado até ao dia 26/11/01.

19. No dia 26/11/01, o A. voltou para o Hospital de Pombal onde ficou internado em cirurgia até 28/Dezembro/01.

20. Tendo depois passado à consulta externa do mesmo Hospital, passando a efectuar tratamentos de fisioterapia na clínica CLIFIPOM em Pombal.

21. Em consequência do acidente, o A. apresentava esfacelo da coxa esquerda, com rotura muscular do vasto externo, contusão da pele e tecido celular subcutâneo e fractura do 2º dedo do pé esquerdo.

22. Durante os 15 dias em que esteve internado no Centro Hospitalar de Coimbra em Cirurgia II, fez tratamentos diários muito dolorosos aos ferimentos na zona esfacelada.

23. À fractura do dedo do pé foi feita ligação dedo a dedo para estabilizar a fractura.

24. No Centro Hospitalar de Coimbra o A. foi submetido a intervenção cirúrgica para limpeza e desinfecção do esfacelo, sutura por planos e colocação de drenos.

25. O A. sofreu de flictenas hemorrágicas do calcanhar esquerdo e necrose superficial do retalho cutâneo, tendo-lhe sido feitos pensos e nova limpeza cirúrgica, com desbridamento dos tecidos necrosados.

26. Durante o período de internamento no C. H. de Coimbra o A. manteve-se sempre acamado.

27. No dia 12/12/2001, o A. foi submetido a uma intervenção cirúrgica com anestesia geral: fez enxerto dermo-epidérmico na coxa esquerda com pele retirada da coxa direita.

28. Em 28/Dezembro/0l o A. teve alta para o domicílio com indicação para voltar ao Hospital para fazer pensos, na consulta externa, os quais foram realizados nos dias 7, 9 e 14 de Janeiro de 2002.

29. As deslocações do A. tinham que ser efectuadas com a ajuda de canadianas.

30. E após ter alta foi com a ajuda de canadianas que passou a circular em casa e na rua.

31. O A. foi submetido a 24 sessões de tratamento.

32. As lesões sofridas pelo A. determinaram 144 dias de incapacidade profissional total.

33. Como sequelas visíveis no local do esfacelo dos tecidos moles onde foi operado, resultou uma cicatriz localizada na face anterior da coxa esquerda em forma de triângulo, com 14, 18 e 15 cm.

34. O A. ficou com discreta diminuição da força muscular da coxa esquerda e amiotrofia da coxa esquerda em 2 centímetros e meio.

35. O A. ficou com várias cicatrizes acastanhadas no terço médio da face anterior da perna, sobre a crista da tíbia.

36. Tais sequelas provocam uma desfiguração da coxa esquerda que afecta o A. e consubstanciam um dano estético fixável no grau 2 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

37. Durante o internamento hospitalar, os tratamentos a que o A. foi submetido causaram-lhe dores.

38. Durante tal período o A. sofreu por ter que permanecer acamado e por se ver afastado do seu meio familiar e social.

39. Depois do internamento o A. sofreu dores com a continuação dos tratamentos na clínica de fisioterapia.

40. O A. trabalha como empregado de balcão num bar.

41. Antes do acidente dito no ponto 1 o A. trabalhava 8 e mais horas seguidas.

42. Depois do acidente o A. tem de fazer pausas para se sentar, para lhe passarem as dores.

43. A situação clínica do A. conduz a uma incapacidade permanente geral fixável em 3%.

44. O A. até ao acidente era uma pessoa forte, robusta e saudável.

45. O A. pretende submeter-se a uma cirurgia plástica por causa das cicatrizes da coxa, a qual acarretará despesas de montante não apurado.

46. O A. aquando do acidente auferia um salário mensal ilíquido de 67.000$00 (€ 334,19).

47. Em consequência do acidente dito no ponto 1, o motociclo do A., marca YAMAHA XT600E, do ano de 2001, com 10 meses de uso, ficou destruído, não sendo possível a sua reparação.

48. O valor do motociclo do A. era, à data do acidente, de cerca de € 4.000.

49. Após o acidente dito no ponto 1, o motociclo foi rebocado do local do acidente para a oficina da Jomotos, sita em Matos da Ranha, tendo o Autor pago a tal entidade € 44,50.

50. O valor dos respectivos salvados era de € 250.

51. O preço dos tratamentos de fisioterapia realizados pelo A. ascende a € 336.

52. O valor das taxas moderadoras da assistência prestada ao A. no Hospital de Pombal ascende a € 13,97.

53. O A. foi submetido a exame médico-legal no IML cujo pagamento ascende a € 405,44.

54. O A. efectuou uma ressonância magnética da coxa esquerda cujo pagamento ascende a € 274,34.

55. O A. usava o RB nas suas deslocações diárias para o emprego e em passeios de fins-de-semana.

56. O atrofiamento da coxa esquerda e as cicatrizes de que o A. ficou a padecer causam-lhe desgosto.

57. O facto de ter ficado afectado definitivamente na sua normal capacidade para o trabalho causa ao A. sofrimento e angústia.

                                                                             *

A apelação.

As questões que surgem suscitadas na alegação da recorrente podem enunciar-se da forma que segue.

1º - A alteração da decisão de facto, no que tange às respostas dadas aos nº.s 49, 56 e 60, e, subsidiariamente, a anulação do julgamento para a realização de uma perícia que fixe definitivamente a IPP do A..

2º - A elevação das indemnizações pelo dano emergente, pela perda de salários no período da incapacidade temporária, pelo dano futuro da perda de ganho, e pelos danos não patrimoniais do A..

4º - A condenação da Ré em juros moratórios desde a citação.

Sobre a modificação da decisão de facto.

Pretende o A. que se alterem as respostas aos nºs 49, 56 e 60 da base instrutória cujo teor é o seguinte:

                                                                            49

Tal situação clínica do A. agravar-se-á com o passar do tempo e conduz a uma incapacidade permanente geral fixável em 10% ?

                                                                        56

Durante os 156 dias que esteve doente sem poder trabalhar o autor deixou de auferir qualquer salário ?

                                                                       60

Em consequência do acidente dito em A) ficaram destruídos os seguintes bens do A.:

- Um par de sapatos no valor de ...104,75 euros ?

- Umas calças da marca Levistrausse no valor de 74,25 euros ?

- Um casaco marca Furigan ?

- Um capacete HJC ?

- Um par de luvas ?

- Óculos Scott, as quatro peças no valor de ... 529,90 euros ?

- Um telemóvel marca Nokia, no valor de 129.000$00 (647,94 euros) ?

       

O tribunal recorrido respondeu não provado aos nºs 56 e 60. Ao nº 49 respondeu: provado apenas que a situação clínica do A. conduz a uma incapacidade permanente geral fixável em 3%.

O apelante quer que todos estes números sejam respondidos com provado.

Vejamos.

Nos termos do art.° 712, nº l do CPC "A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690. °-A, a decisão com base neles proferida;

b)  Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir aprova em que a decisão assentou.

Nos termos do nº 1 do art.º 690-A do CPC (na redacção aplicável) deve o recorrente - que pretender objectar contra a decisão proferida com base em depoimentos gravados - não só indicar os pontos que considera incorrectamente julgados como discriminar os meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que no seu critério implicariam uma resposta diversa.

As respostas aos acima identificados pontos da base instrutória também se alicerçaram em prova testemunhal gravada, conforme se depreende do teor da respectiva fundamentação. 

     

A propósito do recurso em matéria de facto importa lembrar que no preâmbulo do diploma conformador do registo da prova nos moldes que hoje no essencial subsistem (o DL 39/95 de 15/02) foi traçado do seguinte modo o objectivo que com essa reforma processual se quis alcançar no que concerne à garantia do 2º grau de jurisdição na apreciação daquela matéria: (a garantia) "nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".

Para a correcção da resposta dada ao nº 49 o recorrente traz a terreiro a prevalência dos dois relatórios médicos – de fls. 59 e seguintes e 221 e seguintes – que valoram a incapacidade permanente parcial do A. em 10% e 12,5%.

Sem embargo da notável discrepância dos graus de incapacidade que admitem, cremos que cada um dos relatórios em questão não pode perspectivar-se se não através do contexto em que é elaborado.

No que concerne ao relatório de ortopedia de fls. 221 e seguintes, não está o tribunal em face de um juízo emergente de prova pericial, uma vez que esta prova não decorreu nos moldes processuais que são inerentes àquele específico meio probatório. Trata-se apenas de mais um elemento a considerar de entre aqueles que pesam no contexto das provas sujeitas à livre apreciação.

De modo que sobrelevam as conclusões constantes dos dois relatórios do IML juntos: o primeiro datado de 22 de Junho de 2004 e o segundo da data muito mais recente de 15 de Maio de 2008. O tribunal a quo deu preferência ao último – cfr. fls. 189 e ss. e fls. 265. Fê-lo, naturalmente, por ter a percepção (correcta) – de que o carácter evolutivo dos efeitos das lesões sofridas pelo A. justifica a opção por um exame mais próximo do momento da decisão, que permite actualizar e precisar as consequências que delas haja derivado. Qualquer resultado da prova pericial está sujeito à fixação livre do tribunal – art.º 389 do CC. Não foi requerida pelas partes a realização de segunda perícia para eliminação de dúvidas ou inexactidões que eventualmente subsistissem (art.º 589 do CPC), nem se justificaria que para esse fim o tribunal lançasse mão dos poderes oficiosos do nº 2 do art.º 589 do CPC. Aliás, o recorrente não aponta nenhuma contradição entre os relatórios, porque realmente isso se não verifica. E procedendo à leitura de um e outro pode reter-se que, reconhecendo no essencial a permanência as sequelas detectadas em 2004, embora o exame e relatório de 2008 continuem a referir -se a " amiotrofia da coxa de dois centímetros e meio", aludem já não à "diminuição da força muscular da coxa esquerda" mas tão só a "uma muito discreta diminuição da força muscular do quadricípete esquerdo em relação ao contralateral", o que parece ter sido determinante do factor de IPP atribuído, de apenas 3%..

Notar-se-á, por fim, que, enquanto o relatório de 2004 (produzido no âmbito do inquérito-crime) foi realizado e subscrito por um só perito médico-legal, já o de 2008 foi levado a cabo por dois peritos do IML de Coimbra, o que, sem dúvida, lhe confere maior valia técnica e, desse modo, maior fiabilidade.

Donde que se não encontre razão para divergir da 1ª instância na escolha dos diversos juízos científicos que tinha ao dispor para a tomada de posição sobre a incapacidade do A.., sendo, pois, de manter a resposta em apreço.

No que toca ao nº 56 há que observar que a decisão recorrida desvalorizou a prova do pagamento dos salários ao A. exclusivamente pela circunstância de tal pagamento ser apenas do "conhecimento do seu pai". Ouvido o depoimento do pai do A., E...., fica-se com a certeza de que este continuou a pagar os salários ao filho (com quem se vinculara ao celebrar o contrato de trabalho de fls. 167-168 e a quem vinha pagando salários – cfr. fls. 73), como se não tivesse havido o acidente, de tal sorte que, fosse por dever jurídico, fosse em cumprimento de obrigação natural, certo é que o A. não sofreu qualquer dano a esse título (não viu o seu rendimento afectado ou diminuído por esse facto). Pelo que a resposta traduz a realidade substancial do quesito.

Quanto à resposta ao nº 60.

Aqui indagava-se acerca da destruição de um conjunto de objectos que o A. trazia consigo quando sofreu o acidente.

Sobre isto, o pai do A., E..., única testemunha que aludiu a este ponto, prestou um depoimento que confirma a perda dos aludidos objectos, com os valores indicados, não havendo motivo para lhe retirar veracidade do modo como o fez a decisão recorrida (que relevou a forma não espontânea da resposta às perguntas, dado que estas ter-lhe-iam sugerido os descritos objectos).

Assim sendo, justifica-se a modificação desta resposta para provado.    

        

Em função da alteração introduzida, a matéria de facto passa a contar com mais a seguinte alínea:

50 A) - Em consequência do acidente dito em A) ficaram destruídos os seguintes bens do A.:

- Um par de sapatos no valor de € 104,75

- Umas calças da marca Levistrausse no valor de € 74,25

- Um casaco marca Furigan

- Um capacete HJC

- Um par de luvas

- Óculos Scott, as quatro peças no valor de € 529,90

- Um telemóvel marca Nokia, no valor de PTE 129.000$00 (€ 647,94).

Sobre a elevação do montante da indemnização, nas suas diversas vertentes.

A) O dano emergente do prejuízo com a perda de objectos.

Está aqui em causa a consequência que o A. imputou ao acidente que se traduziu na destruição/inutilização do conjunto de objectos aludido no nº 60 da base instrutória.

Uma vez que com a modificação deste resposta, se deu como provado que esses objectos, com o valor apontado, ficaram efectivamente perdidos em resultado do sinistro, dúvidas não podem restar de que estamos de um dano emergente nos termos do art.º 562 do CC, visto que essa perda constituiu uma afectação negativa ou um desvalor causado pela lesão no património do lesado, que tem de integrar a indemnização globalmente devida.

  

B) A reclamada perda de salários no período de incapacidade temporária.

Deflui da materialidade apurada que, por virtude do acidente, o A. esteve 144 dias sem poder trabalhar – cfr. o facto provado em 32 – mas não se demonstrou que tivesse deixado de receber salários – cfr. a resposta negativa ao nº 56 da base instrutória.

Assim sendo, esta parcela indemnizatória não tem suporte em qualquer diminuição de ganho ou lucro cessante perdido pelo lesado a esse título. Neste aspecto, a situação hipotética do lesado seria idêntica à que se verificou após a lesão – art.º 562 do CC.

C) O dano patrimonial da perda de rendimento futuro pela IPP sofrida.

Começa o recorrente por discordar da IPP que lhe foi considerada na sentença, sustentando que a mesma deve ser fixada em percentagem superior aos 3% ali tomados como referência, sem todavia indicar o valor concreto.

Todavia, essa elevação dependia da alteração da resposta dada ao nº 49 da b.i., resposta que se manteve intocada e que foi do seguinte teor: "provado apenas que a situação clínica do A. conduz a uma incapacidade permanente geral fixável em 3%".

Destarte, o cálculo a atender tem de partir desta concreta percentagem de 3%.

Também almeja o recorrente ver corrigido o montante indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro, por entender que a fórmula matemática empregue pela sentença para a determinação do capital necessário ficou aquém do valor que equitativamente deveria ter sido encontrado.

Vejamos.

De harmonia com o que o presente relator tem defendido (p. ex. na apelação nº 2173/07.2TBCBR.C1), para a determinação deste particular quantum indemnizatório é de perfilhar um critério comparativo, acompanhando a metodologia do Ac. do STJ ali identificado[1], no qual se considerou como mecanismo útil (embora meramente orientador) "o uso de tabelas financeiras em vista do cálculo do capital necessário à formação de uma renda periódica de modo a que o capital se extinguiria no fim da vida activa do lesado ou do período em que beneficiaria dos proventos do falecido".      

Tal metodologia seguiu de perto, por sua vez, os ensinamentos do Ac. do STJ de 5/07/2007 proferido no P. 077818, in www.dgsi.pt/jstj, temperando a fórmula matemática - de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida activa do lesado - com os critérios correctivos ali apontados, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza.

É inegável que a equidade deve desempenhar um papel corrector e de adequação da indemnização às especificidades do caso, nomeadamente, quando, por estar em jogo a avaliação do previsível e futuro dano da perda de ganho do lesado, os tribunais se servem de cálculos matemáticos e a tabelas financeiras, como, de resto, o STJ tem repetidamente salientado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 22 de Fevereiro de 1999, proc. nº 28 de Outubro de 1999, de 2 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02ª1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt). No entanto, o que esse recurso à equidade não pode afastar – como, aliás, também tem sido concomitantemente acentuado - é a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, princípio que implica a procura de uma racional e criteriosa orientação do julgador, a qual, como é óbvio, não é incompatível com a atenção devida às particularidades do caso concreto.

Ora, o cálculo levado a cabo na decisão recorrida teve em conta, para além das variáveis relativas ao salário auferido pela vítima e e do tempo de vida activa restante (acertadamente medido até aos 70 anos), variáveis financeiras que pecam por algum excesso. É o caso da taxa de juro nominal líquida de 6% (factor r) e da taxa anual de crescimento do capital (factor k), de tal sorte que, ao menos para a taxa de juro remuneratório, se afigura mais consentânea com a realidade presente um valor nunca superior a 2%.

Por isso, fazendo apelo a juízos de equidade entende-se mais ajustada a fixação, para este fim, da verba de € 8.000,00, concedendo-se em parte razão ao recorrente.

 

D) Os danos não patrimoniais.

A sentença achou justo atribuir ao A. a quantia de € 7.500 para reparação integral de todos os danos não patrimoniais que advieram do acidente.

Relevou, para tanto, o facto de ele haver sofrido esfacelo da coxa esquerda, contusão da pele e tecido celular subcutâneo e fractura do 2º dedo do pé esquerdo, duas intervenções cirúrgicas dolorosas, uso de canadianas, tratamento doloroso de fisioterapia, tendo ficado com cicatrizes na coxa esquerda e sobre a crista da tíbia, que lhe causam desgosto.

Tratam-se, sem dúvida, de danos que pela sua gravidade demandam adequada tutela, devendo a sua reparação ser alcançada - tendo em atenção as circunstâncias do art.º 494 do CC - com recurso à equidade – art.º 496, nºs 1 e 3 do CC.

Importa, pois, atender aos naturais incómodos, às dores padecidas (o quantum doloris foi situado pelos peritos em 3 numa escala de 7), ao desgosto sofrido, e, ainda, em especial, aos danos biológico e estético resultantes das lesões ocasionadas.    

O chamado dano biológico, que não tem autónomo acolhimento na lei, traduz uma diminuição das faculdades normais da pessoa, ao nível psico-somático, tanto podendo ser indemnizado ao nível patrimonial como no plano não patrimonial.

Este dano é, por conseguinte, distinto do dano estético, porque este último contende com a imagem e a auto-estima da vítima, e, por si só, não tem que ver com um qualquer acréscimo de dificuldade na realização das tarefas correntes.

Propendemos a entender que, mesmo que interfira com a capacidade de ganho geral, ou especial, isto é, para o exercício da profissão da vítima, e nesse âmbito seja abrangido pela respectiva reparação, o chamado dano biológico não deverá deixar de ser igualmente ressarcido no plano dos danos não patrimoniais, na exacta medida em que também venha a acarretar à vítima maior penosidade na execução das tarefas quotidianas, nomeadamente, no vestir, na higiene pessoal, no relacionamento sexual, na condução automóvel, no desempenho de possível actividade desportiva ou de mero lazer, na prestação de auxílio físico à família, etc.. O maior esforço na consecussão destes objectivos constitui um desvalor prático que se tem que somar ao mero efeito que o handicap provoca sobre a capacidade de ganho da vítima, sem que como isso se crie uma duplicação na indemnização.

Sucede que conforme o facto provado em 34 o A. ficou com diminuição da força muscular da coxa esquerda e amiotrofia da mesma em 2,5 cm, o que constitui um claro dano biológico (facto provado em 34). E, ainda jovem, ostenta visível atrofiamento da coxa esquerda e cicatrizes (cfr. o facto provado em 56), o que, em tal idade, representa dano estético não minimizável.       

Sopesando todo este quadro, e, em particular a circunstância de a vítima ter sido atingida pelos mencionados danos biológico e estético com apenas 29 anos, afigura-se-nos justa a valorização do conjunto dos danos de natureza não patrimonial por ela sofridos em € 10.000,00, em lugar dos € 7.500,00 arbitrados na decisão sob censura.

Donde que, ainda que em parte, proceda a questão suscitada.

E) O problema dos juros moratórios.

Por fim, a questão do juros.

Bate-se o recorrente para que se condene a Ré e recorrida no pagamento dos juros de mora sobre todos os valores que compõem o objecto da condenação, desde a respectiva citação (e não desde a data da sentença, conforme nesta se consignou).

Uma vez que a recorrida ficou condenada a satisfazer juros de mora à taxa anual de 4% desde 29/09/04 – data da respectiva citação - sobre os € 4.824,25 que respeitavam aos danos emergentes, a divergência do recorrente prende-se apenas com o segmento do dispositivo da decisão que condena a recorrida a pagar-lhe a quantia atinente à perda de ganho futuro em função da incapacidade permanente que atingiu o A., ali computado em € 4.500,00, e a importância correspondente aos danos não patrimoniais, ali computada em € 7.500,00. Só quanto a estes se verifica a condenação em juros de mora desde a data da decisão (15/06/2009).

Argumenta o apelante que, ao contrário do que vem afirmado, não há actualização ou correcção monetária dos montantes em causa.

Mas não é assim.

Nos termos do art.º 805, nº 3, do CC, "Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número".

Impondo uma interpretação restritiva deste nº 3, surgiu o Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 de 9/05/2002, DR nº 164, Série 1-A, de 27/06/2002, estabelecendo a doutrina de que "Sempre que a indemnização pecuniária por facto nos termos do n.° 2 do artigo 566.° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n.° 3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.° 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação."

Esclarecendo a razão desta restrição, no Acórdão mencionado escreve-se a certa altura:

"Sendo certo que a regra do n.° 3 do artigo 805.° teve em vista «combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco», se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário".

Os juros de mora desde a citação visam corrigir o desfasamento causado pela depreciação monetária na obrigação.

Proferida uma decisão que concede a indemnização justa aferida em certo momento, a correcção está operada, e a mora só nasce com a concretização que deriva dessa decisão. A obrigação de capital emerge da própria decisão, não podendo a mora ser reportada a uma data anterior, nomeadamente, à da citação do devedor. O juiz que fixa a indemnização por certos danos elabora a sua definição com a decisão, que é tomada na data mais recente, de acordo com o art.º 566, nº 2, do CC.        

A indemnização por danos não patrimoniais é sempre uma decisão actualizadora: o quantum respectivo, não estando previamente balizado, só é achado com referência ao momento concreto da decisão. Tal como é necessariamente actualizadora a decisão que arbitra o montante da reparação pelos danos patrimoniais futuros por força da IPP do A., visto que ele é calculado segundo os dados e variáveis que o julgador considera adequados ao tempo da decisão.

Deste modo, além de violador da doutrina do citado Ac. Uniformizador 4/2002, o entendimento de que essas parcelas indemnizatórias deveriam incluir juros de mora desde a citação da recorrida incorreria numa insolúvel contradição.

Carece, por conseguinte, de fundamento esta derradeira questão.

Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, revogam em parte a sentença, e, por via disso, condenam a Ré a pagar ao A. a quantia de € 6.181,09, pelos danos patrimoniais ocasionados, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde 29/09/2004 até integral pagamento; a quantia de € 8.000,00 a título de danos patrimoniais futuros; e de 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, sendo estas acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4% a partir da data desta decisão.

Custas em ambas as instâncias por A. e Ré na proporção do decaimento respectivo.


[1] De 8/07/2003, in CJ (Acs. do STJ), XI, 2º, 144.