Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3504/22.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
ARRESTO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO DA DECISÃO QUE FIXOU OS QUINHÕES NA ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1412.º; 1551.º, 1 E 1799.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 37.º, 3; 266.º, 2 E 3; 925.º; 926.º, 2 E 1029.º, 1, DO CPC
Sumário: I - Desde que não se verifiquem obstáculos relativamente à conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, tal como essas conexões são taxativamente enunciadas nas quatro alíneas do nº 2 do art 266ºCP, dever-se-á admitir na acção de divisão de coisa comum pedido reconvencional que contenda com a definição ou mesmo subsistência dos quinhões na compropriedade do bem a dividir, sem prejuízo do uso que o julgador possa vir a fazer do princípio da adequação formal, nos termos conjugados dos arts 266º/3 e 37º/3 do CPC.

II- Verificando-se que na precedente acção de divisão de coisa comum foram fixados, com trânsito em julgado, os quinhões da Autora e do Réu na proporção de ½ para cada um, essa condenação implicou para o réu vencido a preclusão da alegabilidade futura, tanto dos fundamentos de defesa deduzidos como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido.

III- Não podia, pois, na subsequente acção declarativa apensa à presente providência cautelar de arresto, invocar a nulidade da compra e venda do imóvel em função de simulação, e pretender, por essa via, ser o único proprietário do mesmo, e assim ter direito, na presente providência, ao acautelamento do crédito daí adveniente.

IV- Tanto mais que a o pedido de anulação do contrato de compra e venda por simulação tinha que ter sido obrigatoriamente deduzido na antecedente acção de divisão de coisa comum, estando em causa uma situação de reconvenção obrigatória, a implicar, na sua não formulação, a respectiva preclusão.

V- Não se justifica a prossecução do presente arresto em função do pedido subsidiário de enriquecimento sem causa feito na acção declarativa apensa, pois que, tendo-o o aqui Requerente conectado à simulação da compra e venda, e não podendo esta ser aqui apreciada, se verifica a indefinição do direito de crédito que se pretendia garantir.


Sumário elaborado pela Relatora
Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)
 
 
                   Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
 

 I – AA, intentou, em 2/8/2023, providência cautelar de arresto, contra BB, requerendo o “arresto sobre direito ao produto da venda de imóvel objeto da ação principal e registado a favor da requerida, comunicando-se ao Solicitador encarregado da venda, CC, SE ..., a decisão que o decrete e, caso haja entretanto ocorrido essa adjudicação seja o respetivo produto depositado à ordem destes autos, na parte relativa a metade do valor da alienação (se ocorrida).” 
  Alega, para o efeito, que relativamente a determinado prédio urbano que se encontra registado em metade para ele e metade para a Requerida, pediu na acção  declarativa que se mostra apensa, o seguinte: «Que se declare  que, em resultado da simulação relativa, deve ser ele, Autor, o legítimo proprietário desse imóvel, que corresponde assim a sua propriedade plena e não coisa comum de Autor e segunda Ré, devendo cancelar-se todas as inscrições do mesmo a favor da 2ª Ré, que serão oportunamente substituídas por outras como imóvel exclusivo a favor do Autor.  E para o caso de improceder a simulação, então deve a 2ª

Ré pagar ao Autor 81.000,00 € (oitenta e um mil euros), por ele pagos com a citada aquisição, e que se traduz num empobrecimento do Autor na medida do enriquecimento da Ré, a titulo de enriquecimento sem causa justificativa, o que se pede ainda acrescido dos juros de mora». Tendo, para o efeito,  invocado nessa acção, que a aí 2ª R,  aqui Requerida, intentou contra ele acção de divisão de coisa comum, mas que nessa acção o imóvel não devia ter sido considerado como coisa comum, na medida em que, o mandatário de ambos, como consta da respectiva escritura pública, declarou, em nome dele e da 2ª Ré, aceitar a venda que a aí 1ª R. declarou fazer pelo valor de 82.000,00 €, mas o preço  tinha sido, efectivamente, o  de 162.000,00 €, valor esse exclusivamente dele, sendo que, para o caso de não se provar a simulação, sempre a 2ª R. lhe deveria pagar metade do valor por ele despendido com esse prédio, a título de enriquecimento sem causa, isto é, 81.000,00 €. Refere ainda que na acção

  

de divisão de coisa comum não conseguiu sustar a venda, que se encontra designada, tendo sido apresentado interessado, o que implica que a R. está à beira de conseguir alienar o prédio, e receber metade do seu valor, tendo o interessado oferecido € 157.333,70. 
 Mais alega, para fundamentar o arresto que requer, ter financiado a Requerida,  em valor substancial, para que ela amortizasse mútuo à CGD relativamente a casa exclusivamente dela, que a mesma, entretanto, alienou, não tendo agora património imobiliário registado nem conhecido nem tendo outros meios que lhe permitam vir a  cobrarse sequer do valor equivalente a metade,  e que  o prazo para a realização da venda nos autos de divisão de coisa comum termina no dia 4/8.
 O Tribunal de 1ª instância, pese embora tenha chegado a designar dia para audição das testemunhas indicadas pelo Requerente, deu sem efeito tal inquirição e, chamando a atenção para a circunstância de a excepção de caso julgado – de  conhecimento oficioso – ter sido também invocada nos autos principais pela aqui Requerida e ali R., na respectiva contestação, julgou verificada a autoridade de caso julgado e, em consequência, absolveu a Requerida da instância neste  procedimento cautelar, a que fixou, então, o valor de
162 000,00 €, ao abrigo dos artigos 304º/3 al. e) e 306º/1 e 2, ambos do Código Processo Civil.

II – Do assim decidido, apelou o Requerente, que concluiu as respectivas alegações, do seguinte modo: 

1. Reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” 

2. Na divisão de coisa comum divide-se o que ficou assente como comum. E mais: partiu-se de um registo predial relativo à compropriedade, numa ação em que nem

  

sequer assistia ao Réu poder deduzir reconvenção, segundo a quase totalidade da jurisprudência.

3. Não se pode, pois, atacar o fundamento da validade do negócio jurídico, até porque a vendedora nessa ação não é parte. 

4. Ou seja, não há identidade de sujeitos e não há porque os próprios pedidos são diferentes: na de divisão dividir, neste caso, se mantenha a validade do negócio de compropriedade – por hipótese académica – obter ressarcimento por enriquecimento sem causa, por parte da Ré BB e do advogado, que escriturou a favor desta com dinheiro que era totalmente do Réu, como se prova nesta ação por cheque passado em cópia pelo banco e por transferências entre contas documentadas nos autos. 

5. Ou seja, para além da invocada nulidade por simulação relativa, há que devolver ao Autor o valor correspondente ao produto da venda do imóvel em compropriedade. Ora, se essa venda já estiver concretizada, já não se desfaz a compropriedade, mas isso não significa que se não entregue ao Autor o que é dele por direito.               6. Não briga, pois a nova ação com a ação em que se manteve compropriedade, exige-se, fazendo prova, é o valor do pagamento feito pelo Réu. 

7. Não existe caso julgado, por não serem os mesmos os sujeitos processuais nas duas ações e o pedido é também diferente. 

8. Há identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide. 
9. Ora, se a BB é autora na ação de divisão de coisa comum, o Sr advogado não tem nessa ação nenhuma posição jurídica enquanto parte, ao invés de a ter nos autos da ação principal, conexa a esta providência. 

10. «… é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir» 

11. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos, fundamentos esses que são totalmente diferentes na ação principal à margem, destes autos.

  

12. Sendo que na última pede-se mesmo, contra advogado, e contra a Ré principal, devolução de montante pago pelo Autor com a aquisição de imóvel, além de simulação relativa, que é sempre nulidade que, por prova claramente evidenciada em cheque passado a advogado, que outorgou escritura por metade do valor pago, demonstra indicio sério de simulação. 

13. Enquanto na atual ação vários RR: BB, Advogado de ambas as partes e vendedora do imóvel, na de divisão de coisa comum há apenas a requerida, que servindo-se do mesmo advogado a quem a Ordem dos Advogados já sustentara conflito de interesses, intenta aquela divisão.

14. Ou seja, não há identidade de sujeitos e não há também porque os próprios pedidos são também diferentes: na de divisão é o de dividir, nesta caso se mantenha a validade do negócio de compropriedade – por hipótese académica – nesta principal, o de obter ressarcimento por enriquecimento sem causa, por parte da Ré BB e do advogado, que escriturou a favor desta com dinheiro que era totalmente do Réu, como se prova nesta ação por cheque passado em cópia pelo banco e por transferências entre contas documentadas nos autos. 

15. Só ficam precludidos os pedidos relativos factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado

16. Se, como parece ser entendimento maioritário, na ação de coisa comum, não era possível reconvir, mesmo que não existissem diferentes sujeitos na segunda, nem diferentes pedidos, então se o réu não pode reconvir mas necessitaria de “reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor, ele não pode ter o ónus de ver precludido o seu direito, para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo). 

17. Além disso, para além da invocada nulidade por simulação relativa, há que devolver ao Autor o valor correspondente ao produto da venda do imóvel em

  

compropriedade. Isto é, mesmo que ocorra divisão, sempre a devolução é legalmente lícita fazendo prova de que foi ele que pagou. 

18. Ora, se essa venda já estiver concretizada, já não se desfaz a compropriedade, mas isso não significa que se não entregue ao Autor o que é dele por direito, quer pela Ré quer pelo advogado que terá que explicar onde aplicou o produto do cheque entregue para a compra da casa, cheque exclusivo do Autor.

19. Pelo que a segunda ação, mesmo para quem entenda que ocorre divisão, não preclude o direito de haver montante pago a mais. 

20. Na segunda ação não se visa o mesmo efeito útil da primeira, na medida em que na primeira ficou consolidada a compropriedade, enquanto na segunda, mesmo abordando-se a questão da nulidade que é sempre de conhecimento oficioso, visa-se receber por se fazer prova de quem se pagou o bem dividido. Ora, a providência visa este efeito de pagamento, garantindo que o Autor recebe o que pagou.

21. Dir-se-ia, até, que a segunda é consequência da primeira, e não a mesma coisa. 

22. Pelo que também se não viola qualquer autoridade de caso julgado, que se mantém, inexistindo sequer litispendência, tendo-se até julgado que uma ação nem sequer era prejudicial a outra. 

23. Ademais, nem tendo sequer o Autor sido notificado sequer para se pronunciar na ação principal, podendo, mesmo que por mera hipótese, existir um pedido que se considerasse ser de caso julgado, nem por isso essa ação é afetada, não só porque a parte pode desistir do pedido de nulidade, como pode mesmo, por despacho de gestão, vir a modificar a ação para sobrevirem todos os outros pedidos, sendo que é essencial o pedido de reembolso ao Autor do que por ele foi pago. 

24. Errou a decisão da providência que sustentando-se nas exceções de caso julgado, contrariando o decidido pelo Sr. Juiz que havia recebido a providência designando data para audição de testemunhas. 
25. O que o Autor fez, na ação principal, foi colher aplicar a teoria de Manuel de

Andrade: «devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo

  

momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha». 
26. A decisão do arrestou está apenas e só a considerar as questões principais e não a permitir segurar as que foram deduzidas para a eventualidade de as principais não serem atendidas

27. A sentença, ao fixar em 162.000€ o valor do arresto contraria ainda a norma que define que o valor do processo se acha pelo montante do crédito que se visa garantir, que no caso é correspondente a metade da compra, porque a parte do requerente está sempre garantida, sendo que a parte da Ré não está, sendo este o valor do arresto 81.000€ (artigo 304 nº 3, alínea b, do CPC. 

28. Foram violados os princípios da tutela jurisdicional efetiva, em conexão com o princípios do pedido, - cf. Artigo 2º nº 2, o artigo 116 alínea c), o principio do pedido – artigo 3º do CPC, na ação à margem sendo que é nessa que se configura o dever do Autor, delimitar subjetiva (mediante a indicação dos sujeitos) e objetivamente (mediante a identificação do pedido e da causa de pedir que lhe serve de base) a relação jurídica controvertida que submete a tribunal e são esses limites subjetivos e objetivos da relação jurídica controvertida.

29. Foram ainda violados os limites do caso julgado - artigos 619 nº 1, e 628 do CPC - bem como o requisito do fumus bónus iuris e o periculum in mora (artigos 391 e 392 do CPC). 

30. Foi ainda violada a norma relativa ao valor processual do arresto, artigo 304, nº 4, alínea c) do CPC. 
 
                    Não foram produzidas contra-alegações.
 

III – Importa condensar os elementos fáctico processuais a ter em consideração nos presentes autos, e que a 1ª instância disseminou ao longo das longas e múltiplas considerações de ordem doutrinária a que entendeu recorrer, bem como os que advieram aos autos em função de documentos a que oficiosamente se recorreu: 

                   Assim:

  

- Em 13/09/2021, BB, intentou contra o aqui Requerente, acção de divisão de coisa comum, pedindo que este fosse condenado na divisão do prédio urbano destinado a habitação e composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz predial sob o artigo ...47º e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...85 – sito na Urbanização ..., ..., ..., ... Coimbra, acção essa que corre actualmente termos no Juízo Local Cível ... - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., com o número de processo 3775/21....; 

 -Nessa acção, o aí R.  apresentou contestação, invocando ser o único proprietário do imóvel. 
- Em 08/2/2022 foi proferida nesses autos, a seguinte decisão:
  “Da certidão de registo predial do prédio em questão resulta que A. e R. constam como titulares inscritos do direito de propriedade sobre o prédio urbano destinado a habitação e composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz predial ...47... e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...85 – sito na Urbanização ..., ..., ..., ... Coimbra. 
 Efectivamente, por apresentação de 18/7/2013, foi registada a favor de A. e R. a aquisição, por compra a DD, do supra referido imóvel. 
 A inscrição da sua aquisição a favor de A. e R. faz presumir que a titularidade desse direito lhes cabe a ambos, nos termos do art. 7.º do Código do Registo Predial, sem que o R. tenha alegado, muito menos provado (considerando que não arrolou nenhum meio de prova), matéria de facto que permita ilidir tal presunção.
  De todo o modo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 874º e 879º do Código Civil, a propriedade da coisa vendida transmite-se para o adquirente pelo contrato, constituindo a transmissão do domínio um dos efeitos essenciais do negócio jurídico, ao lado das obrigações de entrega da coisa e de pagamento do preço respectivo.
  Trata-se, pois, de um contrato consensual quoad constitutionem, em que o aperfeiçoamento do vínculo se atinge mediante o acordo de vontades expresso na forma legal. Flui igualmente da tipicidade legal da compra e venda a sua natureza de contrato real

  
quoad effectum, na medida em que determina a produção imediata do efeito real de transmissão do direito de propriedade [cfr., aliás, os artigos 1317º, alínea a), e 408º, nº. 1, do mesmo Código] e, ainda, de contrato obrigacional, segundo o mesmo critério, na perspectiva dos efeitos obrigacionais da entrega da coisa e do pagamento do preço que dele derivam. O contrato aperfeiçoa-se em todo o caso, independentemente da produção dos efeitos aludidos, mercê do mútuo consenso dos contraentes, de modo que a obrigação de pagar o preço, nomeadamente, em nada influi na sua perfeição, e tão-pouco condiciona a eficácia translativa na falta de semelhantes estipulações. 
 Por todo o exposto, face à natureza do imóvel em causa, o qual é indivisível em substância, reconheço tal indivisibilidade e fixo os quinhões de Autora e Réu na proporção de ½ para cada um.” 
- O aqui Requerente, e aí R., não interpôs recurso desta decisão.
- Ainda nesse processo, no dia da conferência de interessados, realizada em
20/5/2022, o aí R. fez consignar em acta, que,   “Para concluir, conforme já foi alegado, embora o imóvel aqui em referência se encontre em nome de autora e réu, a verdade dos factos é que a autora não pagou sequer um cêntimo pelo dito imóvel, bem sabendo, aliás, que o valor venal do mesmo é actualmente, muito inferior ao valor da respectiva aquisição”, sendo que sobre essa questão foi proferido despacho, referindo:  «Finalmente, quanto ao contributo de cada uma das partes para a aquisição do mencionado bem, já o Tribunal se pronunciou no despacho de 08.02.2022, naquilo que interessa para economia da presente ação, pelo que nada mais importa acrescentar».  

- Nessa acção de divisão de coisa comum,  EE, foi notificado pelo agente de execução para, “na qualidade de proponente/preferente,  no prazo de 15 (quinze) dias, efectuar o pagamento, utilizando para o efeito as referências Multibanco constantes em rodapé , o valor de 157.333,70 Euros, correspondentes à totalidade do preço acrescido dos emolumentos da Conservatória, do bem adjudicado a V. Ex.A, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824º do CPC”, até dia 4 de Agosto, sob pena da venda ficar sem efeito. 

  

 -Em 13/7/2022, o aqui Requerente intentou contra DD, e BB, a acção declarativa apensa em que formulou os  seguintes pedidos: 

1. Declarar-se que a compra e venda do prédio supra identificado, correspondente ao artigo ...47 urbano, de ..., se celebrou em resultado de um acordo simulatório, entre declarante (1ª Ré) e declaratário (Autor e 2ª Ré), formalizado pelo procurador que nessa escritura outorgou em nome destes, acordo esse feito com intuito de afeição e favorecimento da relação do Autor e segunda Ré, com acordo e aceitação da primeira Ré; 

2. Declarar-se que o negócio efectivamente celebrado foi totalmente pago pelo valor de 162.000€ pelo Autor, com dinheiro exclusivamente seu, e não pelos 82.000€ constantes dessa escritura. 

3. Por consequência, deve declarar-se que, em resultado da simulação relativa, deve ser o Autor o legítimo proprietário do identificado imóvel, que corresponde assim a sua propriedade plena e não coisa comum de Autor e segunda Ré, devendo cancelar-se todas as inscrições do imóvel registado sob o nº ...16, a favor da 2ª Ré, que serão oportunamente substituídas por outras como imóvel exclusivo a favor do Autor.

4. Para o caso de improceder a simulação, então deve a 2ª Ré pagar ao Autor 81.000 € por ele pagos com a citada aquisição, e que se traduz num empobrecimento do Autor na medida do enriquecimento da Ré, a titulo de enriquecimento sem causa justificativa, o que se pede ainda acrescido dos juros de mora. 

 Aí alegou, em resumo, que viveu com a aqui Requerida em união de facto; que  enquanto nessa circunstância, adquiriram o imóvel em causa nos autos por escritura pública de compra e venda de 26 de Março de 2007; que nessa compra e venda interveio advogado que os representou a ambos e que é padrinho do filho da 2ª R., e que o mesmo declarou, em nome de Autor e 2ª Ré aceitar a venda que a 1ª Ré declarou fazer pelo valor de 82.000€, mas o preço efetivamente pago foi de 162.000€; que em vez de tal imóvel ficar, como devia, em nome do Autor, que o pagou, o referido advogado declarou comprar a favor dele Autor e dessa Ré, todos sabendo que de facto a aquisição feita foi integralmente paga pelo Autor, com dinheiro exclusivamente seu que acedeu por afeição com essa 2ª Ré , tendo a 1ª R recebido

  

cheque das mãos dele, A . Se, por mera hipótese e sem conceder, não se provasse simulação, sempre a 2ª Ré deveria, nesse caso, pagar ao Autor metade do valor por ele despendido com esse prédio, a título de enriquecimento sem causa, isto é, 81000€.

 -A R apresentou contestação nesses autos, sustentando que a questão objecto do presente processo fora já decidida no Proc 775/21...., processo  de divisão de coisa comum. De todo o modo, refere que à data da aquisição o A. não tinha suficiente liquidez financeira para concretizar a compra; que foi ela quem contribuiu com a maior percentagem do montante para a aquisição do imóvel, pois tinha recentemente vendido um apartamento de que era proprietária e de resto, o Autor à data praticamente nada tinha de seu, pois vinha de um longo período de desemprego. Viveram em união de facto até 1994. Não existiu nenhum abuso de mandato por parte do mandatário, pois o Autor tinha perfeito conhecimento do documento que assinou e de quais os poderes que ele e a 2ª  Ré,  conferiram ao mandatário. Mesmo admitindo por mera hipótese que o dinheiro era exclusivamente do A., a verdade é que no artigo 18º da PI este esclarece que “acedeu por afeição”, o que significa que aceitou que a 2ª R. passasse a ser comproprietária do referido imóvel.  De todo o modo o direito à restituição por enriquecimento prescreveu, nos termos do art 482º CC.

- O A. juntou aos autos nova petição inicial, agora dirigida também a FF, advogado, invocando ter sido ele, quem, por acordo com a vendedora, declararam comprar e vender pelo modo descrito, acrescentando à acção um 5º  pedido, nos seguintes termos: «Deve ainda, subsidiariamente, o 3º R. entregar ao A. o valor de 142.000€, caso não se considere existir simulação, ou caso se viesse a provar que a R. BB pagou ou entregou valor para o referido imóvel, na medida em que ele R. ficou locupletado, nessa circunstância, com o valor que corresponde ao empobrecimento do A., que ficou desapossado dele, sem causa justificativa. Requer se aceite modificação da ação, no sentido de se fazer constar que tal negócio foi por 162000€, sendo com toda a certeza pelo menos por 140.000€.
- Noutro requerimento pediu o A. a intervenção provocada do referido advogado.
 

 IV - As questões a apreciar no recurso, vistas as conclusões das alegações e no respectivo confronto com a decisão, são duas:

  

- a excepção da autoridade de caso julgado decorrente da sentença proferida na acção de divisão de coisa comum relativamente à acção de que a presente providência se constitui dependência;  
- o valor processual desta providência cautelar.        
 

 Aquela 1ª questão subanalisa-se nas seguintes, correspondentes às razões (diga-se de passagem, expostas com muito pouca clareza), em função das quais o apelante excluiu a referida excepção:   

- a impossibilidade de ter deduzido reconvenção na acção de divisão de coisa comum de modo a fazer valer a simulação da compra e venda;   - a não coincidência numa e noutra acção da causa de pedir;

- e, no caso de se admitir (autoridade) do caso julgado relativamente à compropriedade do imóvel, a subsistência do pedido do enriquecimento sem causa, cuja possível procedência sempre implicaria a prossecução do procedimento cautelar.
 

 Das prolixas e desordenadas considerações da 1ª instância para ter decidido como decidiu, destacam-se as seguintes, que condensam o sentido da decisão: 
 «Efectivamente, entre a presente providência cautelar anexa (por referência à acção principal) e aquela ação especial de divisão de coisa comum não existe identidade de pedidos, uma vez que nesta última o pedido consiste na pretensão da ali Autora (aqui Requerida e Ré nos autos principais) em pôr termo à situação de compropriedade de ambos sobre o identificado prédio. 
  Na presente providência e naquela outra especial de divisão de divisão de coisa comum, verifica-se inexistência de identidade de pedidos e de causa de pedir.
  No entanto, a ausência dessa tripla identidade não obsta a que se verifique a excepção do caso julgado na sua dimensão positiva, isto é, na vertente de autoridade de caso julgado. 
 Na verdade, o Requerente, Autor dos autos principais, naquela acção especial de divisão de coisa comum, onde era Réu, deduziu, em sede de contestação, o núcleo essencial dos factos que ora alega, a título de causa de pedir, na presente acção, arrogando-se, em

  
síntese, ser o único proprietário do prédio urbano (ainda que se possa ter acrescentando alguns contornos concretos), mas não logrou fazer prova dessa matéria de excepção que aí tinha invocado, pelo que a acção de divisão de coisa comum instaurada pela aí autora, aqui Requerida, veio a proceder, declarando-se que esse prédio era compropriedade da ali Autora e do aí Réu, aqui Requerida e Requerente, respectivamente. 
 Efectivamente, conforme já acima referido, no processo de divisão de coisa comum, foi proferido o seguinte despacho (que não foi objecto de qualquer recurso), pelo que há muito que se encontra finda a questão da propriedade/compropriedade do imóvel, porquanto foi decidido, na fase própria (fase declarativa, em que o aqui Requerente pode apresentar contestação e apresentar meios de prova), tendo-se decidido o seguinte:
(despacho que ora se transcreve novamente e que consta dos autos principais)       (….)
             
 Assim, não só o princípio da concentração da defesa vertido no artigo 573º do CPC impedia que o aqui Requerente, ali Réu, viesse agora, na presente acção/providência cautelar, discutir os fundamentos de defesa que ali, naquela outra acção especial de divisão de coisa comum, não cuidou em alegar e/ou apresentar prova no momento próprio, ou seja, em sede de contestação, assim como a autoridade do caso julgado da decisão de mérito proferida nessa outra acção especial.
  Com efeito, considerando a alegação dessa matéria de excepção ao direito de compropriedade que a autora da acção de divisão se arrogava titular sobre o prédio ou a ausência de prova dessa matéria de excepção por parte do ali réu, agora aqui Requerente (Autor nos autos principais), impedia-o de, nesta providência cautelar (por referência à acção principal), vir a alegar esses fundamentos (não alegados ou não provados na acção especial de divisão de coisa comum) como causa de pedir para ancorar o pedido principal que formula nos presentes autos em ver condenada a ali Autora, aqui Requerida (Ré nos autos principais) a reconhecê-lo como proprietário exclusivo desse prédio ou, na improcedência desse pedido principal, para lhe serem reconhecidos os pedidos subsidiários que formula contra aquela, por a isso se opor o princípio da concentração da defesa enunciado no artigo 573º do CPC e, bem assim, a excepção dilatória inominada da autoridade do caso julgado operada pela decisão definitiva que julgou procedente o pedido
  
formulado na acção especial de divisão de coisa comum pela ali Autora, aqui Requerida (Ré nos autos principais) declarando, em definitivo, que o prédio era propriedade comum desta e do aí réu (aqui Requerente/Autor nos autos principais). 
 Ora, requisito essencial do decretamento do arresto é, desde logo, a titularidade, ainda que indiciária, por parte do arrestante, de um crédito sobre o arrestado, ou seja, direito de crédito sobre a totalidade do produto da venda do imóvel (e não somente de metade). Efectivamente, sendo o direito de requerer o arresto conferido ao credor, cabe ao Requerente demonstrar que é credor e, consequentemente, comprovar, indiciariamente, a existência do crédito, cujo conhecimento é prejudicado em face da excepção já exposta. 
 A excepção de caso julgado pode ser atendível num processo de natureza cautelar. Acresce que, estamos perante uma providência cautelar intentada já na pendência da acção principal, que não se pode ignorar. 
 Ademais, tendo já sido declarada a compropriedade do imóvel em causa nos autos principais e neste apenso, por decisão há muito transitada em julgado, e tendo já sido determinada a proporção de ½ para cada um dos comproprietários (o aqui Requerente e a aqui Requerida), o Requerente, no processo próprio, terá direito a metade do produto da adjudicação».
 

 Contrapõe o Requerente/apelante a estas considerações, a circunstância de ser correntemente entendido na jurisprudência não poder o réu de acção de divisão de coisa comum deduzir  reconvenção na defesa que aí produza, com a agravante, em concreto,  de não se encontrarem nessa acção os necessários interlocutores para poder fazer valer a simulação da compra e venda que conduziu à compropriedade do imóvel, por um lado, a vendedora do mesmo, por outro, o advogado que o representou, a ele e à aqui Requerida, como compradores na escritura dessa compra e venda.
                    Vejamos.
 

 Sendo verdade que há jurisprudência que se mostra restritiva relativamente à admissibilidade da reconvenção na acção de divisão de coisa comum – o que o apelante se limita a referir genericamente sem minimamente concretizar -  tem sido posta de lado essa

  

posição mais limitada, acentuando-se as virtualidades contidas no nº 3 do art 37º do CPC, em face do disposto no nº 3 do art 266º do CPC.
 Normas que dispõem, esta, do art  266º/3 do CPC, que «não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações», e aquela, do art 37º/ 2 e 3, que, «quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada».
            Está-se evidentemente a pressupor que não se verifiquem obstáculos relativamente à necessária conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, tal como essas relações de conexão são taxativamente enunciadas nas quatro alíneas do nº 2 do art 266º, em que avulta, para o que está em causa na acção, a circunstância do pedido do réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à defesa -  2ª parte da al a) do  nº 2 . 

 Assim, na situação dos autos, se o R. na fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, tivesse feito valer – e vingar – como sua defesa, a nulidade da compra e venda do imóvel por simulação, ou, em alternativa, o enriquecimento sem causa da aí A. em face da insubsistência da união de facto  - com aquele fundamento pondo em causa a natureza comum do bem a dividir, com este,  a insubsistência do quinhão da mesma, ali pretendendo  reaver a totalidade do valor por ele realmente entregue, aqui metade desse valor - sempre se verificaria que  um e outro destes pedidos reconvencionais e alternativos decorreriam dos mesmos factos que serviriam de fundamento àquelas suas defesas, com isso, e como acima se afirmou, se verificando a conexão a que se reporta a segunda parte da al a) do nº 2 do art 266º CPC.

 Cabendo aqui acentuar, desde já, que o pedido alternativo com base no enriquecimento sem causa, tal como aparece formulado na acção de que o presente arresto se constitui dependência, não tem unicamente por base a insubsistência da união de facto, mas também a simulação da compra e venda, pois, de contrário, o aqui apelante pediria metade do

  
valor escriturado (½ de  82.000€) e não metade do valor que refere ter sido o real (1/2 de
162.000,00 €). 

     Evidencia-se, assim, a inexistência de obstáculo  substantivo à admissibilidade da reconvenção  caso o aqui apelante tivesse querido deduzi-la na acção de divisão de coisa comum, pois que, como já assinalado, os pedidos reconvencionais que  ali poderia ter feito - à imagem dos pedidos que veio a fazer na acção de que a presente providência constitui dependência -  constituir-se-iam como decorrentes dos factos que serviriam  de fundamento às defesas que aí apresentaria com a  finalidade própria da acção de divisão de coisa comum, que é, nos termos do art 925º CPC e 1412º do CC, colocar termo à contitularidade de direitos reais.

 Afirmada esta conexão substantiva, a inadmissibilidade, por razões processuais, dos referidos pedidos reconvencionais que ali apresentasse nos termos referidos, resultante  da já referida circunstância adveniente do nº 3 do art 266º, de, ao pedido do réu corresponder processo diferente do que corresponde ao pedido do autor, seria suprível em função da autorização do juiz nessa acção, nos termos do também já referido nº 3 do art 37º .

 Não havendo nenhum motivo para que a mesma não fosse autorizada, como vem sendo posto em evidência em algumas recentes decisões jurisprudenciais. 
 A titulo de exemplo, o Ac STJ 25/5/2021[1], onde se acentua que a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum se «processa conforme as regras aplicáveis aos incidentes da instância, art 926º/2 CPC, exceto se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que é determinado que se sigam os termos do processo comum, art. 926º/3 CPC», mais  fazendo notar, que «é  a lei que se mostra adaptável a incluir no processo especial de divisão de coisa comum a forma de processo comum», referindo não fazer sentido não admitir a reconvenção e remeter as partes para outra acção, apontando o princípio da economia processual neste sentido. «Apreciar e decidir as questões, para além da divisão, relacionadas com o bem em compropriedade de modo a evitar que um comproprietário se veja obrigado a interpor uma nova ação para ver o seu direito apreciado, justifica que seja admitida a reconvenção», sendo que, «ao juiz compete, no cumprimento do

  
dever de gestão processual, art. 6º do CPC, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio».
 Ou o Ac STJ 01/10/2019[2], ainda que apenas relativamente a benfeitorias realizadas no imóvel, quando refere que «as desvantagens decorrentes da fonte de perturbação que implica  a introdução da reconvenção na acção de divisão de coisa comum são amplamente suplantadas pela desvantagem que emergiriam do facto de se ter de vir mais tarde, em ação própria, discutir a questão das benfeitorias».[3]
                   No mesmo sentido se expressa Luís Filipe de Sousa [4]:
  «A questão da admissibilidade da reconvenção, independentemente da verificação dos requisitos objetivos de conexão, coloca-se na medida em que «Não é admissível reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nos. 2 e 3 do Artigo 37º, com as necessárias adaptações» (Artigo 266º, nº3, do CPC). Ou seja, o juiz pode admitir a reconvenção se houver um interesse relevante na sua apreciação naquele concreto processo especial de divisão de coisa comum ou se a apreciação conjunta das pretensões for indispensável para a justa composição do litígio. Em qualquer dos casos, o juiz deve adaptar o processado à cumulação de objetos processuais.  Para uma primeira corrente jurisprudencial mais restritiva, se, para se apreciar o pedido reconvencional, for necessário proceder a instrução e observar o contraditório, tal exige uma tramitação que não se compagina com a do processo especial de divisão de coisa comum, salvo se neste foi deduzida contestação que determine o enxerto de uma face declaratória comum.
                   Nesta     eventualidade,    em    princípio,    será    de    admitir    a     reconvenção.
(…)
                       Assim, será admissível a reconvenção formulada em contestação em que os réus
  
não só pedem a improcedência do pedido dos autores, como a condenação destes a reconhecer que os reconvintes são donos de todo o prédio. 
Será também admissível a reconvenção numa ação instaurada no pressuposto da indivisibilidade do prédio, vindo os requeridos arguir que o prédio se encontra já dividido em prédios distintos, divisão essa consolidada por usucapião que os réus invocam em via reconvencional. A ação prosseguirá para ser apreciado tal pedido reconvencional. (…)  Cremos que os atuais princípios da gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais ágil e flexível do regime do Artigo 266º, nº3, do CPC, sempre no intuito de maximizar a celeridade e economia processuais desde que não se postergue os demais princípios processuais, designadamente os do contraditório e da igualdade das partes.
 Nessa medida, é de subscrever o entendimento de que «(…) o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra ação para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção, mesmo que a reconvenção admitida seja a única justificação para a abertura de uma fase declarativa de processo comum».  

 Conclui-se, pois, pela inexistência do impedimento a que o aqui apelante se refere  – se tivesse optado por deduzir pedidos (reconvencionais) na acção de divisão de coisa comum  nos termos em que veio a deduzir os pedidos na acção aqui principal não haveria obstáculos a que os mesmos fossem  admissíveis.

 Obviamente, que o âmbito subjectivo da acção de divisão de coisa comum teria que ser alargado para o conhecimento dos pedidos reconvencionais, mas nada obstaria à introdução na acção, através de intervenção principal provocada, da vendedora do imóvel e mesmo do advogado que agiu na compra e venda como mandatário do aqui Requerente e da aqui Requerida .

 Mas, na verdade, a questão colocada pelo apelante e aqui apreciada só teria interesse real, se, efectivamente, o mesmo tivesse deduzido os referidos pedidos

  
reconvencionais na acção de divisão de coisa comum e os tivesse visto indeferidos, sucedendo que, se assim tivesse procedido, certamente, que a questão não seria aqui colocada, mas no recurso que dessa decisão fosse interposto. [5]
                   E por aqui se vê o irrelevante da questão nos presentes autos.
 

 Parece, subsequentemente, o apelante querer obstar à conclusão do Tribunal a quo – de existência de excepção em função da autoridade do caso julgado advindo da acção de divisão de coisa comum – em função da circunstância dos fundamentos da acção principal serem diferentes dos da acção de divisão de coisa comum, não coincidindo, por isso, a causa de pedir nas duas acções, fazendo sobressair, que, porque o  autor não está impedido de obter a procedência da açcão com base numa distinta causa de pedir, não se deveria ter obstado à prossecução do procedimento cautelar.  

 Vejamos, se, no caso dos autos, faz sentido esta objecção por parte do apelante.  Importa para o efeito, e como o assinala Rui Pinto [6], distinguir nas relações de concurso entre objectos processuais, «consoante a primeira decisão seja de procedência do pedido (caso julgado positivo) ou de improcedência do pedido (caso julgado negativo)», havendo igualmente que distinguir os efeitos quanto ao autor e quanto ao réu. 

  È no referente ao caso julgado negativo, quanto ao autor, que se insere a consideração do aqui apelante na conclusão 10ª: a de que que «é licito ao autor em processo civil formular “n” vezes a mesma pretensão , desde que a baseie em “n” causas de pedir - e na conclusão 15 ª, onde o mesmo repete que não está abrangida pela preclusão,  a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da acção com base numa distinta causa de pedir. 
 De facto, na situação de caso julgado negativo, não é, efectivamente, vedado ao  autor que repita o mesmo pedido, desde que utilize causas de pedir diferentes: «o que transitou foi que pelo primeiro e concreto fundamento o autor não tem o direito que alega, mas não transitou que ele não possa ter direito por qualquer outro fundamento fáctico não

  
deduzido». E sem que se possa impor  ao autor «um ónus de concentração de todos os fundamentos na dedução de um pedido, de modo a evitar-se a multiplicação de ações por outros tantos fundamentos, porque nada na lei portuguesa o determina, nem constitui má fé processual, salvo quando redunda efetivamente nalguma das categorias do artigo 542º».  Já no que se reporta ao caso julgado positivo, quando relativo ao autor, considera Rui Pinto que lhe estão vedadas novas ações entre os mesmos sujeitos, sempre que o pedido seja o mesmo em ambas e estejam numa relação de concurso de causas de pedir: «Se o autor obteve a condenação do réu (…) fica impedido de deduzir o mesmo pedido com fundamento noutros factos principais, i.e., noutra causa de pedir». 
 Relativamente ao réu, na situação de caso julgado positivo, que é a que nos importa, refere Rui Pinto, que, «simetricamente e em plena e justa igualdade com o que sucede com o autor vencedor, em caso de caso julgado positivo, para o réu vencido a condenação no pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido». 
 E esta “preclusão” resulta de dois mecanismos processuais distintos: «do  princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º), incluindo na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588.º, n.º 1, e 729.º, al. g)), que determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor. Assim, o réu que perdeu não pode, depois, na oposição à execução (cf. artigos 729.º, al. g), a contrario, e 860.º, n.º 3.º) invocar as exceções que não usara, como, por ex., a nulidade do contrato invocado pelo autor, para se negar ao pagamento. Mas, por outro lado, tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade. (...). Obviamente que desta preclusão se salvam todos os fundamentos de defesa que sejam supervenientes: estes podem ser deduzidos tanto a título de exceção (cf. artigo 729.º, als. g) e h)), como a título de acção». 

 Ora, o caso julgado cuja autoridade está aqui em causa, foi o obtido na acção de divisão de coisa comum, na qual foram fixados os quinhões de Autora e Réu na proporção de ½ para cada um.

  

   Decisão que transitou, porque o aí R., e aqui A., não interpôs da mesma recurso, como o poderia ter feito, como decorre do nº 2 do art 926º CPC.

 O caso julgado em causa é, pois, um caso julgado positivo e não negativo, pelo que a referida observação do apelante não quadra. 

 O que quadra, é a acima assinalada preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido, como se concluiu, e bem, na decisão que é objecto do presente recurso. 
 

 Objecta ainda o apelante, embora pareça que apenas se refere a esse aspecto no corpo das alegações, que a solução tida na 1ª instância tornaria a reconvenção, nas circunstâncias da concreta acção de divisão de coisa comum, como obrigatória, e não facultativa, como vem sendo entendido sê-lo.

 Sucede que a existência de situações que a reconvenção é obrigatória não é desconhecida em processo civil. 

 Como o salienta Miguel Mesquita[7], há situações de reconvenção necessária (ou compulsiva) por força da lei substantiva ou processual, exemplificando, ali, com o disposto  no nº 2 do art 1792º CC, a propósito dos danos não patrimoniais nos casos de divórcio, quando aí se refere «que o pedido de indemnização deve ser deduzido na própria acção de divórcio«, e aqui, com a situação prevista para a consignação em depósito no art 1029º/1 CPC. 
 E assinala ainda, que «a necessidade de reconvir pode assentar  nas normas reguladoras de direitos subjectivos privados, resultando a reconvenção necessária, indirectamente, da lei material», exemplificando neste âmbito com o direito potestativo do dono do prédio vizinho que pretenda a aquisição coersiva a que se reporta o art 1551º/1 CC,  «que tem de exercer esse direito necessariamente na contestação através da dedução de um pedido reconvencional, sob pena do seu exercício ficar irremediavelmente precludido e não poder evitar-se a constituição da servidão»[8].

  
 Mas, faz notar que há um terceiro caso de reconvenção necessária, que é a que resulta da força do caso julgado, referindo que a mesma verificar-se-á sempre que o réu que se considere titular de qualquer pretensão contra o autor, responda afirmativamente à seguinte questão: «O caso julgado que eventualmente venha a incidir sobre uma decisão favorável ao demandante será susceptível de se transformar num obstáculo ao futuro  exercicio  do meu direito através de uma acção independente?». Afirmando que, se a resposta for afirmativa, «necessita de reconvir para afastar o risco da futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor», e,  nessas circunstâncias, «a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o reu necessita de reconvir para afastar o risco da preclusão do seu direito»[9].

 Devendo concluir-se que, na situação dos autos a que se tem vindo a fazer referência, se está, efectivamente, no que respeita ao pedido de anulação do contrato por simulação, perante um caso de reconvenção necessária. 

 Com o que ficou precludido o direito de a pedir autonomamente, como o fez na acção apensa.
 
            Se bem se entendem as considerações do apelante quererá o mesmo sinalizar que ainda que se admita caso julgado (autoridade de caso julgado) relativamente à

  

compropriedade do imóvel, ainda assim, a presente providência cautelar de arresto deveria prosseguir em função do pedido de enriquecimento sem causa.

 Sucede que o Requerente, ora apelante, não fez nenhuma referência especifica ao enriquecimento sem causa na petição de arresto. Limitou-se a remeter para os fundamentos invocados na acção principal (art 7º), lembrando-se aqui o pedido àquele referente: «Para o caso de improceder a simulação, então deve a 2ª Ré pagar ao Autor 81.000 € por ele pagos com a citada aquisição, e que se traduz num empobrecimento do Autor na medida do enriquecimento da Ré, a titulo de enriquecimento sem causa justificativa, o que se pede ainda acrescido dos juros de mora». 
            Já acima se fez notar que o pedido alternativo formulado nessa acção com base no enriquecimento sem causa - este 4º pedido-  não tem unicamente por base a insubsistência da união de facto mas também a simulação da compra e venda, pois, de contrário, o aqui apelante pediria metade do valor escriturado ( ½ de  82.000€) e não metade do valor que refere ter sido o real (1/2 de € 162.000,00).
 Estando assim conectado, por vontade do aí A.,  o enriquecimento sem causa  à simulação da compra e venda, e não tendo configurado de modo diverso o direito de crédito adveniente dessa fonte obrigacional para efeito da presente providência, tendo-se já concluído que a simulação tinha que ter sido alegada como defesa na contestação da acção de divisão de coisa comum e feita aí valer reconvencionalmente de modo obrigatório sob pena de preclusão, o presente processo não pode prosseguir por indefinição afinal do direito de crédito que se pretende garantir. 
                   Resta ponderar o valor da presente providência cautelar.
 O Requerente atribuiu-lhe o valor de € 81.000,00, «correspondente a metade do valor da acção principal».
                           O Exmo Juiz a quo, limitando-se a invocar os arts 304º/3 al e) e 306º/1 e 2 do
CPC, fixou-lhe o valor em € 162.000,00.

 Insurge-se o apelante relativamente a este valor, referindo que há que limitar o arresto ao valor do crédito a salvaguardar. 

  

 Dispõe, efectivamente, o art 304º/3 al e) que o valor do arresto é determinado pelo montante do crédito que se pretende garantir. 
 Sucede que o crédito que o Requerente pretende garantir é, em 1ª linha, o que corresponde ao pedido principal feito na acção de que o presente arresto é dependência, como resulta do 297º/3 CPC, e esse pedido é o da simulação, de cuja procedência resultaria a nulidade do contrato de compra e venda e a restituição ao A. do valor de  162.000€ que o mesmo diz ter pago com dinheiro exclusivamente seu. [10]
                   Por assim ser, o valor do arresto foi bem fixado em €162,000,00 .
 

 Com o que improcede totalmente a apelação, devendo confirmar-se na integra a decisão recorrida.
 

 V- Pelo exposto, acorda este Tribunal em jugar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. 
 
                   Custas pelo apelante.
 
 

Coimbra, 13 de Dezembro de 2023
(Maria Teresa Albuquerque)
(Henrique Antunes)
(Fernando Marques da Silva)

[1] - Relator, Fernando Jorge Dias  

[2] -Proc. nº 385/18.2T8LMG-A.C1.S2

[3] - Veja-se o recente Ac  R L  2/3/2023 (Carlos Castelo Branco), com ampla e exaustiva resenha jurisprudencial no sentido, parece, do que se defende – abertura, na fase declarativa do processo de divisão de coisa comum, a qualquer reconvenção que seja substantivamente admissível -  acórdão esse a que adere Teixeira de Sousa em  https://blogippc.blogspot.com/2019/05/jurisprudencia-2019-18.html

[4] - «Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas», 2ª ed., Almedina, 2020, pp. 105-109:

[5] - Que constituiria uma apelação autónoma, nos termos da al b) do nº 1 do art 644º CPC (Ac STJ 11/7/2019, Bernardo Domingos) 

[6] - «Excepção e autoridade do caso julgado – algumas notas provisórias», Julgar On line, Nov de 2018 

[7] - «Reconvenção e Excepção no Processo Civil», p. 425/426

[8] - Obra referida, p 425/426
[9] - Obra referida, p 440.
                                                 Referindo-se a este tipo de reconvenção, cfr Ac STJ 27/5/2021, Rosa Tching e Ac STJ 
30/11/2017,  salientando, entre o mais: «É que , enquanto que, no primeiro caso, o não uso da faculdade de dedução de reconvenção não tem, em princípio, qualquer interferência negativa na consistência do direito material de que o réu seja titular, já no segundo, «a faculdade de reconvir transforma-se num ónus, na medida em que o réu necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor»
 Também assim se pronuncia Manuel de Andrade,  RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs:  «Uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá mais tarde, por qualquer motivo não superveniente se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor» 
                                      Referindo ainda em “Noções Elementares de processo civil” , Coimbra Editora , pág. 324: «
Nestes casos, o réu  tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente ( factos impeditivos), ou que sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos)», e até mesmo os que poderia ter deduzido com base num direito seu, valendo, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat».

[10] - Na matéria em apreço, cfr Ac R G 12/3/2015 (Jorge Teixeira) e Ac R P 2/2/2010 (Henrique Antunes)