Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
628/08.0GBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: PROCURAÇÃO FORENSE
REQUISITOS
RECURSO
PRAZO
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DO FUNDÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 220º, 262.º, 294º, 295º E 1157.º DO CÓDIGO CIVIL, 35.º, AL. A), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 1.º, N.º 1, 3.º, NºS. 1, AL. D), E 3, 46.º, N.º 1, ALS. A), C), D) E N), E 48.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO NOTARIADO, E ÚNICO, N.º 1, DO D.L. N.º 267/92, DE 28 DE NOVEMBRO E 333º NºS 5 E 6 CPP
Sumário: 1.- O instrumento de procuração forense terá que conter (para além do mais):
a) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual do/s outorgante/s;
b) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado;
c) A referência, pelo advogado constituído mandatário, à forma como por si próprio foi verificada a identidade do/s outorgante/s;
d) A assinatura quer do mandante quer do próprio advogado mandatado, na qualidade (notarial) de certificante do referido modo de verificação da identidade do mandante.
2.- Omitindo-se na procuração a indicação do estado, naturalidade e local de residência do mandante, a indicação do local da respetiva elaboração; a confirmação da identidade do mandante por qualquer das Ex.mas advogadas mandatadas e a certificação do modo como houvesse sido por si verificada, bem como a respetiva assinatura, a procuração é nula.
3.- O prazo para a interposição do recurso começa a correr com a notificação do acórdão condenatório;
4.- Julgado o arguido na sua ausência e não tendo o mesmo sido ainda notificado à data em que foi apresentada a peça recursória, esta terá de considerar-se juridicamente inexistente.
Decisão Texto Integral: I – QUESTÃO PRÉVIA

Validade recursória

§ 1.º


1 – Julgado em 08/09/2009 na respectiva ausência, [em conformidade com a estatuição normativa do art.º 333.º, ns. 1 e 2, do C. P. Penal, e devidamente representado por defensor oficioso[1], (cfr. acta de fls. 212/215)], e condenado à pena conjunta/unitária de 2 (dois) ANOS e 2 (dois) MESES DE PRISÃO (efectiva) – a título punitivo dum crime de furto simples (p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do C. Penal), dum de furto de uso de veículo (p. e p. pelo art.º 208.º, n.º 1, do C. Penal) e dum outro de condução automóvel sem habilitação legal (p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 03/01), respectivamente sancionados com reacções penais de 16 meses, 12 meses e 9 meses de prisão, [vide respectivo acórdão (de Tribunal Colectivo) documentado a fls. 226/237)] –, o sujeito-arguido A... (melhor id.º a fls. 226), que entretanto ilegal/desautorizadamente se ausentara para o estrangeiro, incumprindo (desde 12/12/2008) todas as medidas coactivas de liberdade provisória que lhe haviam sido impostas por decisão judicial de 08/11/2008fixação de residência e apresentações tri-semanais à pertinente autoridade policial – e que exaustivamente fora procurado a fim de ser notificado do respectivo acórdão judicial, (vd., designadamente, fls. 12, 40, 178/180, 183, 246 v.º, 247, 250, 298, 317, 329, 337, 344, 346/347 e 353), só em 26/06/2011 acabou por ser localizado e notificado de tal acto deliberativo e informado do direito pessoal à interposição de respectivo recurso no prazo legal a partir de então computado, (vd. fls. 407/408), em cujo decurso, todavia, nenhuma manifestação jurídico-processual expressou/materializou.

2 – Porém, por despacho judicial de 08/07/2011, exarado a fls. 427, foi – com o devido respeito – indevidamente admitido o seu suposto recurso da referida condenação, documentado na peça de fls. 364/396[2], que em 09/06/2011 (antes, pois, da sua enunciada localização e notificação) fora apresentado por Ex.ma advogada[3] alegadamente constituída sua mandatária pelo documento por si (advogada) concomitantemente entregue e junto aos autos a fls. 331, que, epigrafado de PROCURAÇÃO, e rematado com uma virtual/hipotética rúbrica do pretenso mandante, encerra os seguintes dizeres:
«A…, declara que constitui suas bastantes procuradoras, as Exmas. Sr.ª Dr.ª B..., Advogada, portadora da cédula profissional  … e Dra. C..., Advogada, portadora da cédula profissional … , com domicilio profissional sito em  … Covilhã, a quem confere os mais amplos poderes forenses gerais em direito permitidos, incluindo os de transigir, confessar, desistir, não se opõe à desistência de queixa e concorda com extinção de procedimento criminal.»


§ 2.º

Ora, como é bom-de-ver, nem o referido documento (de fls. 331) reúne as características legais duma procuração – acto formal pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, (cfr. art.º 262.º do Código Civil) –, e, logo, da representação da conferência de pressuposto mandato forense/judicial – contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, (cfr. art.º 1157.º do Código Civil) –, nem a suposta/arrogada mandatária tinha à época (09/06/2011) qualquer legitimidade para, em nome e representação do id.º cidadão-arguido interpor o enunciado recurso, pela seguinte ordem-de-razões:

1 – Por força da cuidada e adequada interpretação da dimensão normativa resultante do cruzamento dos dispositivos ínsitos nos arts. 35.º, al. a), do Código de Processo Civil[4], 1.º, n.º 1, 3.º, ns. 1, al. d), e 3, 46.º, n.º 1, als. a), c), d) e n), e 48.º, n.º 1, do Código do Notariado[5], e único, n.º 1, do D.L. n.º 267/92, de 28 de Novembro – que suprime a necessidade de intervenção notarial nas procurações passadas a advogados para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário[6] –, o instrumento de procuração forense terá necessariamente que conter (para além do mais):
a) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual do/s outorgante/s;
b) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado;
c) A referência, pelo advogado constituído mandatário, à forma como por si próprio foi verificada a identidade do/s outorgante/s;
d) E, logicamente, a assinatura quer do mandante quer do próprio advogado mandatado, na qualidade (notarial) de certificante do referido modo de verificação da identidade do mandante.

 Verifica-se, porém, que o convocado/analisando documento é absolutamente omisso quanto aos seguintes requisitos:
a) À indicação do estado, naturalidade e local de residência do pretenso mandante[7];
b) À indicação do local da respectiva elaboração;
c) À confirmação da identidade do mandante por qualquer das Ex.mas advogadas supostamente mandatadas e à certificação do modo como houvesse sido por si verificada;
d) À respectiva assinatura.

Por conseguinte, carecendo do formal conteúdo legalmente exigível, em conformidade com a conjugada estatuição normativa dos arts. 220.º, 294.º e 295.º do Código Civil[8], haver-se-á tal pretenso instrumento de procuração por nulo e, logo, por juridicamente inválido como significante no âmbito processual da conferência do arrogado mandato judicial pelo id.º sujeito-arguido A... a qualquer das Ex.mas advogadas B... e C....

Em lógica decorrência impor-se-á o irreconhecimento da legitimidade jurídico-processual da Ex.ma advogada B... – que, lembre-se, nunca antes processualmente assumira qualquer incumbência/estatuto de defensora – para representação do dito sujeito, máxime para interposição de recurso do questionado acórdão.
2 – Doutra sorte, posto que o direito ao exercício do recurso de acto decisório-condenatório de arguido julgado e condenado na respectiva ausência apenas se adquire no acto da respectiva notificação pessoal, como cristalinamente resulta da estatuição normativa ínsita nos ns. 5 e 6 do art.º 333.º do C. P. Penal[9], é axiomático que qualquer anterior manifestação de respectiva vontade, como, no caso, a representada pela mencionada peça de fls. 364/396, se haverá como juridicamente inexistente, (vide, a propósito, entre outros, Ac. n.º 312/2005 do Tribunal Constitucional, disponível/consultável em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos; Ac. da Relação de Guimarães de 10/03/2003, in CJXXVIII, T. 2, pág. 289; Ac. da Relação de Lisboa de 11/12/2008 (Proc. n.º 8876/2008-9), consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.; Ac. da Relação do Porto de 07/07/2010 (Proc. n.º 1349/06.4TBLSD.P1), consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.; e decisão-sumária desta Relação de Coimbra, de 08/02/2012, (Proc. n.º 161/03.7GAMIR.C2), consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.).


III – DISPOSITIVO


         Destarte, o órgão colegial-judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra – julgando (oficiosamente) verificados os enunciados vícios de nulidade do pretenso instrumento de procuração junto a fls. 331 e de inexistência jurídica da manifestação/motivação recursória documentada na peça de fls. 364/396 – delibera:

         1 – A rejeição do avaliando recurso do id.º arguido A..., [vd. art.º 420.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal].

2 – A sua condenação ao pagamento da sanção pecuniária equivalente a 4 (quatro) UC, nos termos do art.º 420.º, n.º 3, do C. P. Penal, bem como a idêntico montante de 4 (quatro) UC, a título de taxa de justiça, pelo respectivo decaimento, [cfr. normativos 513.º, n.º 1, do CPP; 82.º e 87.º, ns. 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais, ainda aplicável ao caso sub judice, por força do estatuído no art.º 27.º, n.º 1, do D.L. n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro].


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Acórdão elaborado/revisto pelo relator, primeiro signatário, (cfr. art.º 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

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Coimbra, 7 de Março de 2012.

Os Juízes-desembargadores:

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(Abílio Ramalho, relator)

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(Luís Ramos)


[1] Ex.mo advogado Pedro Leal salvado.
[2] Por cujo conteúdo pugna pela pessoal absolvição ou, subsidiariamente, pela suspensão da execução da cominada pena conjunta, pretensão esta (suspensão da execução da pena conjunta/unitária) por cuja concessão opinou, em douto parecer, Ex.ma representante do M.º P.º (PGA) junto desta Relação, assim divergindo do Ex.mo magistrado do mesmo órgão da administração da justiça (procurador da república) em 1.ª instância, (vide peças processuais de resposta e parecer, respectivamente juntas a fls. 412/423 e 445/447).
[3] B....
[4] Artigo 35.º (Como se confere o mandato judicial)
O mandato judicial pode ser conferido:
a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial;
[…]
[5] Artigo 1.º (Função notarial)
1 - A função notarial destina-se a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais.
[…]
***
Artigo 3.º (Órgãos especiais)
1 - Excepcionalmente, desempenham funções notariais:
[…]
d) As entidades a quem a lei atribua, em relação a certos actos, a competência dos notários.
[….]
3 - Os actos praticados no uso da competência de que gozam os órgãos especiais da função notarial devem obedecer ao preceituado neste Código, na parte que lhes for aplicável.
***
Artigo 46.º (Formalidades comuns)
1 - O instrumento notarial deve conter:
a) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado […];
[…]
c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, […];
d) A referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, […];
[…]
n) As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, […], e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.
[…]
 *** 
Artigo 48.º (Verificação da identidade)
1 - A verificação da identidade dos outorgantes pode ser feita por alguma das seguintes formas:
a) Pelo conhecimento pessoal do notário;
b) Pela exibição do bilhete de identidade, de documento equivalente ou da carta de condução, se tiverem sido emitidos pela autoridade competente de um dos países da União Europeia;
c) Pela exibição do passaporte;
d) Pela declaração de dois abonadores cuja identidade o notário tenha verificado por uma das formas previstas nas alíneas anteriores, consignando-se expressamente qual o meio de identificação usado.
[…]
[6] Artigo único. - 1 - As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.
[…]
[7] O que logo evidentemente inculca da sua predisposição à irrevelação do próprio paradeiro e à inviabilização de qualquer tentativa de pessoal localização e notificação/detenção e à consequente eximição à acção da justiça!
[8] Artigo 220.º (Inobservância da forma legal)
A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.
***
Artigo 294.º (Negócios celebrados contra a lei)
Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
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Artigo 295.º (Disposições reguladoras)
Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente. 
[9] Artigo 333.º (Falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência)
[…]
5 - No caso previsto nos n.os 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
6 - Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.
[…]