Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3188/17.8T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO – SEU CONCEITO
Data do Acordão: 04/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 140º, NºS 1 E 2 DO NCPC
Sumário: I – Dispõe o artº 140º, nº 1 do nCPC que ‘considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto’.
II – A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerada ‘justo impedimento’, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
III – O atestado médico que declara a impossibilidade de exercício da profissão por parte do advogado/mandatário, sem esclarecer a gravidade da doença ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento.
IV – Se o acto for praticável por outro advogado, mediante substabelecimento ou por constituição pela parte, é irrazoável a alegação da conveniência na prática do acto pelo mandatário impedido ...
V – O que releva decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremtório.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Nos autos principais de Processo Especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, de que os presentes são apensos, em que é trabalhadora A… e empregador R…, veio esta apresentar articulado motivador do despedimento alegando, como questão prévia, o justo impedimento nos termos seguintes:
1º A mandatária da entidade empregadora foi vítima de um acidente conforme já havia reportado a estes autos, e não obstante ter evidenciado algumas melhorias do seu estado de saúde clínico, certo é que precisamente na data em que teve lugar a audiência de partes, teve uma recaída acentuada, tendo ficado numa situação de ITA que se manteve até ao dia 12 de Setembro e que impossibilitou a aqui mandatária de poder mover-se e nomeadamente de poder trabalhar.
No dia 13 de Setembro e por forma avaliar a possibilidade de voltar ao trabalho foi-lhe sugerida a manutenção de tratamentos de fisioterapia diários e uma IPP de 50%, pelo menos até nova avaliação prevista para o dia 26 de Setembro.
A situação ora invocada impossibilitou totalmente a aqui mandatária de praticar o acto para o qual estava incumbida, por facto que não lhe é contudo imputável.
Assim nos termos do disposto no artigo 140.º do C.P.C. considera-se:
- Justo impedimento as situações seguintes:
1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do acto dentro do prazo.
A situação ora descrita encontra-se comprovada por documentação médica, conforme documento nº. 1 que ora se junta ;
Face ao que invoca para os devidos e legais efeitos o justo impedimento para a prática do ato ora praticado e em tal conformidade, requer que o presente articulado seja admitido fora do prazo estabelecido para tal efeito”.
+
Em face do requerido, a trabalhadora pronunciou-se da seguinte forma:
“(…) 10. Por mera cautela e sem se conceder, sempre se dirá que, «como se vem entendendo a doença de advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato» (Cf. Ac. RE de 19/03/2013, Processo 1323/11.9TBSLV.E1, disponível na internet, em www.dgsi.pt.).
11. Efectivamente, é entendimento jurisprudencial invariável que, «para a afirmação do justo impedimento do mandatário não é suficiente a verificação de uma situação de doença incapacitante do exercício da actividade profissional, sendo ainda necessário que a doença determine a impossibilidade de praticar o ato por terceiro» (Cf. Ac. RP de 23/06/2015, Processo 61/12.0GAMIR-A.P1, disponível na internet, em www.dgsi.pt..
12. Na verdade, «a elaboração e entrega da peça processual podem ser efectuadas por outro advogado, mediante substabelecimento ou por constituição pela parte» (Cf. Ac. RP de 22/11/2016, Processo 339/13.5TBVCD-A.P1, disponível na internet, em www.dgsi.pt.)
13. Por isso, «a doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato» (Cf. Ac. RG de 23/06/2004, Processo 1107/04-1, disponível na internet, em www.dgsi.pt.).
14. Ora, a ré não alegou, muito menos provou, que tivesse sido esse o caso.
15. Com efeito, a ré apenas juntou um papel alegadamente emitido pelo C…, no qual é referido, nomeadamente, que a sua Ilustre mandatária esteve com Incapacidade Temporária Absoluta a partir de 8/8/2017 e com Incapacidade Temporária Parcial de 50% a partir de 12/9/2017, devendo apresentar-se nesse Centro Hospitalar, designadamente, no dia 22/8/2017 e no dia 12/9/2017.
16. Antes de mais, a autora impugna a veracidade da letra e da assinatura constantes desse papel, por não saber se são verdadeiras.
17. De todo o modo, sempre dirá que a Incapacidade Temporária Absoluta de um mandatário judicial não importa, ao menos necessariamente, que o mesmo se encontre completamente impossibilitado quer de apresentar um articulado através da plataforma informática “citius”, quer de avisar o respectivo constituinte de que não pode praticar esse ato, quer de substabelecer o mandato.
18. Acresce que, mesmo segundo o papel do C… junto pela ré, a Ilustre mandatária desta não esteve com Incapacidade Temporária Absoluta até à data em que apresentou o articulado a que se reporta o art. 98º-J do CPT.
19. Efectivamente, como se disse já, de acordo com esse papel, pelo menos desde o dia 13 de Setembro de 2017, inclusive, a Ilustre mandatária da ré esteve apenas com Incapacidade Temporária Parcial de 50%.
20. Pelo que ao menos nessa data ou no dia seguinte poderia ter elaborado e apresentado aquele articulado ou avisado a ré de que não conseguia praticar esse ato, de modo a que a esta solicitasse a outro advogado que o praticasse, ou substabelecido o mandato para o efeito.
21. Porém, o referido articulado não foi apresentado nem no dia 13, nem no dia 14, nem no dia 15, apenas o tendo sido no dia 18 de Setembro de 2017.
22. Destarte, não deve considerar-se verificada uma situação de justo impedimento, devendo a apresentação do articulado a que se refere o art. 98º-J do CPT ser considerada extemporânea.
Nestes termos:
a)- não deve ser conhecido o justo impedimento invocado pela ré, por tal conhecimento representar um ato processual inútil;
b)- caso assim não se entenda, deve considerar-se que não ocorreu justo impedimento, decidindo-se que a apresentação pela ré do articulado a que se refere o art. 98º-J do CPT foi extemporânea”.
****
II. A 1ª instância decidiu a questão do justo impedimento nos termos do despacho (recorrido) que se transcreve:
“Veio a Entidade Empregadora, R…., requerer a admissão do articulado motivador do despedimento de fls. 35 e ss. do processo em papel, datado de 18.09.2017, arguindo a sua Mandatária, Sr.ª Dr.ª D…, o justo impedimento para a apresentação fora do prazo, do respectivo articulado, alegando para o efeito, e em suma, que foi vítima de um acidente de trabalho, conforme já havia anunciado a fls. 22, e que não obstante ter evidenciado algumas melhorias, teve uma recaída na data em que foi realizada a audiência de partes (22.08.2017) tendo ficado numa situação de ITA, que se manteve até ao dia 12 de Setembro de 2017 e que a impossibilitou de trabalhar, sendo que no dia seguinte foi-lhe sugerida a manutenção de tratamentos de fisioterapia diários e foi-lhe fixada uma IPP de 50%, pelo menos até nova avaliação prevista para o dia 26 de Setembro.
Juntou um documento (cfr. fls. 40v.º do processo em papel).
*
A Trabalhadora, A…, pronunciou-se, conforme requerimento de fls. 73 e ss. do processo em papel, no sentido de ser desatendido o justo impedimento, não devendo, em consequência, ser admitida a junção do articulado motivador do despedimento.
Cumpre apreciar.
A figura do justo impedimento, prevista na legislação processual civil, possibilita aos sujeitos processuais a prática de actos processuais já depois de expirados os respectivos prazos peremptórios, obviando à rigidez e ao carácter preclusivo da verificação da generalidade desses prazos e tendo como seu pressuposto essencial a verificação de um evento, não imputável à parte ou aos seus representantes/mandatários, queobste à prática atempada do acto”.
Nos termos do art.º 140.º, n.º 1, do Cód. Processo Civil, “considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.
De harmonia com o n.º 2 do citado artigo, a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou”.
À luz do preceito legal citado, o facto obstaculizador da prática do acto não pode ser imputável à parte ou ao seu mandatário. Se a conduta da parte ou do seu mandatário envolver um juízo de censurabilidade, não se pode ter por verificado o justo impedimento – vide, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, pág. 256 a 260.
Assim, apenas a omissão do mandatário que se tenha ficado a dever à ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo constitui justo impedimento.
Por outro lado, e como decorre da norma legal citada as provas deverão ser logo apresentadas pela parte que alegar o justo impedimento, não podendo, portanto, ser atendida a prova que posteriormente a Il. Mandatária da Entidade Empregadora veio indicar pelo requerimento de fls. 77 a 78 do processo em papel (a audição do médico neurocirurgião).
Conforme se expendeu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 23/06/2004 (processo n.º 1107/04-1), disponível em www.dgsi.pt, “O justo impedimento é consagrado na nossa lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excepcionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do acto.
Funciona como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para a prática de certos actos, assegurando, pelos limites em que funciona, a realização do princípio do art. 20.° supracitado.
Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado”.
E mais à frente, prossegue “O Ac. STJ de 27.9.1994, ao analisar a relevância da doença do mandatário para efeito de enquadramento na previsão do n.º 1 (antiga redacção) deste art. 146°, estabeleceu as seguintes distinções: a) A doença de um advogado que lhe não permite sair de casa no decurso do prazo para praticar um acto processual constitui justo impedimento, se ele esteve impossibilitado de esforço mental que lhe permitisse comunicar com o constituinte ou com outra pessoa; b) Essa mesma doença constitui igualmente justo impedimento se, embora não o impedindo de estabelecer tal comunicação, se prova que o acto (no caso, uma alegação) não podia ser praticado por outro advogado; c) Tal doença já não constitui justo impedimento quando não impede o advogado de utilizar meios alternativos equivalentes para praticar o acto; designadamente quando o não impede de comunicar com o seu constituinte ou com outro advogado que a parte tenha constituído seu mandatário no processo que o possa praticar.
No Ac. n.º 380/96 do Trib. Const., de 6.3.1996 (DR, II, de 15.7.1996, págs. 9593 e ss.), foi analisada a questão de saber se o n.º 1 (anterior redacção) do art. 146.º, interpretado no sentido de que a doença de um advogado que lhe não permite sair de casa no decurso do prazo para praticar um acto processual, mas que o não impede de comunicar com o seu constituinte ou com qualquer outro advogado que este tenha também constituído seu mandatário no processo e que possa praticar o acto em causa, viola, ou não, o art. 20.º da Constituição, tendo-se concluído pela não inconstitucionalidade daquela interpretação.
«Entender - lê-se no cit. Acórdão - que não há justo impedimento, quando o advogado constituído, que adoeceu no decurso do prazo para apresentar uma alegação e que, por via disso, fica impedido de sair de casa, mas não de comunicar com o seu constituinte ou com qualquer outro dos advogados também por este constituídos para o representarem no processo que esteja em condições de fazer a alegação, não conduz, de facto, a privar a parte da assistência de advogado de sua escolha, não tão-pouco a tomar particularmente onerosa a defesa dos seus direitos. Até porque, sendo o direito de acesso aos tribunais um direito a uma decisão judicial, ditada por um tribunal imparcial e independente num processo justo e leal, que decorra sem dilações indevidas, uma tal interpretação do artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo Civil mostra-se adequada ao desiderato da obtenção de uma tutela judicial efectiva em prazo razoável».
A verificação do justo impedimento previsto no art. 146º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil supõe os seguintes requisitos: um evento normalmente imprevisível, isto é, não susceptível de ser previsto pela generalidade das pessoas; evento estranho à vontade das partes, entendendo-se como «parte» tanto o sujeito da relação processual como o seu mandatário; impossibilidade de praticar o acto, directamente ou por mandatário, mesmo usando da devida diligência. Dado que o mandatário se pode servir de auxiliares na execução do mandato (art. 264º, n.º 4, do Cód. Civil), a doença desde que não seja súbita e grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto ou avisar o mandatário, não pode constituir justo impedimento (Ac. STJ de 7.3.1995:BMJ, 445.º-390). Ora, a doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato (Ac. STJ, de 26.2.1960: BMJ, 294.º-271).
Dispõe o art.º 98.º-I do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe “Audiência de partes”, no seu n.º 4, que «Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz: a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;».
Por outro lado, de acordo com o disposto no art.º 26.º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal, tem natureza urgente, nomeadamente, a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. Tal significa que os prazos, neste tipo de acções, são contínuos e a sua contagem não se suspende em férias judiciais, conforme decorre do disposto no art.º 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho que estabelece queO prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processo que a lei considere urgentes”.
No caso vertente, a Entidade Empregadora foi notificada, em sede de audiência de partes que teve lugar em 22.08.2017, para apresentar o articulado para motivar o despedimento. Dispunha a mesma de 15 dias para o efeito, terminando o prazo em 06.09.2017, tendo o termo dos três primeiros dias úteis após o decurso do prazo de 15 dias, para a prática do acto independentemente de justo impedimento (cfr. art.º 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil) ocorrido em 11.09.2017.
A Il. Mandatária da Entidade Empregadora já tinha vindo aos autos invocar a sua situação de incapacidade temporária absoluta (ITA), a fls. 22, o que motivou que a audiência de partes tivesse sido transferida para uma data posterior à inicialmente fixada (cfr. despacho datado de 31.07.2017).
A situação de ITA da Il. Mandatária da Entidade Empregadora alterou-se para uma Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 50% a partir do dia 13.09.2017.
Assim, admitindo-se – com cautelas – que naquela situação de ITA a Il. Mandatária pudesse estar impossibilitada de exercer convenientemente o patrocínio forense, a verdade é que essa situação se alterou a partir de 13.09.2017, tanto assim é que dois dias depois a Il. Mandatária que invocou o justo impedimento para a prática atempada do acto, esteve presente nesta 1.ª Secção do Trabalho para a realização da audiência prévia que teve lugar na acção comum com o n.º 1224/17.7T8LRA (cfr. fls. 119 e 120 destes autos). Ou seja, pelo menos a partir de 13.09.2017 podia ter vindo juntar o articulado motivador do despedimento, com a invocação do justo impedimento.
Não pode considerar-se, a nosso ver, que uma situação de ITP, ainda que de 50%, possa justificar justo impedimento, uma vez que embora com algumas limitações, se entende que o profissional forense poderá exercer o patrocínio judiciário, não estando, por outro lado, impossibilitado de recorrer ao auxílio de outro profissional que o coadjuve nessa função.
Acresce ainda que a Il. Mandatária pôde, ainda na situação de ITA, deslocar-se a esta 1.ª Secção do Trabalho para a realização da audiência de partes, nada tendo invocado nessa ocasião.
Assim, embora se aceite que a lombalgia diagnosticada (apenas referenciada a fls. 22 e não já a fls. 40v.º, mas depreendendo-se que se trata da mesma doença) à mandatária da Entidade Empregadora lhe retirasse condições físicas para ela própria elaborar o articulado motivador do despedimento, é incompreensível que não tenha solicitado a colaboração de outro advogado que assegurasse o patrocínio. E não logrando alcançar a possibilidade de substabelecer ou do seu constituinte mandatar outro advogado, sempre poderia ter feito prova do facto, o que não se verificou.
Cremos como pacífico que as doenças dos mandatários judicias só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade - v. g., substabelecimentos, com ou sem reserva, pedidos de substituição, solicitação de adiamento - podem ser constitutivas de justo impedimento. – vide, neste sentido, entre outros, os Ac. da Relação do Porto de 01.07.2015 (proc. 9529/12.7TDPRT-B.P1), e de 22.11.2016 (proc. 339/13.5TBVCD-A.P1).
De salientar ainda que a situação da Il. Mandatária da Entidade Empregadora já não era nova, ou seja, há mais de um mês que a mesma já tinha vindo aos autos referenciar a sua doença incapacitante e, portanto, não se tratou sequer de uma doença súbita e imprevisível. Pelo contrário, tratava-se de uma situação que lhe possibilitou, em termos de razoabilidade, e em tempo, reorganizar a sua vida profissional e até, na impossibilidade extrema, pedir a outro colega que assumisse o patrocínio – substabelecendo – ou contactando com a sua constituinte no sentido de solicitar outro mandatário para apresentar o articulado.
Sucede, assim, da conjugação de todos os elementos acima citados, que a Il. Mandatária não esteve, de facto, impedida de desempenhar a sua actividade, não estando afastada a sua culpa na omissão da apresentação atempada do articulado motivador do despedimento.
Deste modo, como o decurso do prazo (peremptório) extingue a possibilidade de prática do acto (art.º 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), “a apresentação tardia da contestação integra uma nulidade principal de que o juiz pode conhecer oficiosamente” (assim, por todos, Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Abril de 1985, BMJ n.º 346, p.314), resta determinar que o articulado motivador do despedimento não seja considerado doravante e não produza quaisquer efeitos neste processo.
*
Pelos fundamentos expostos, considera-se não verificado o justo impedimento invocado pela mandatária da Entidade Empregadora, R…., nos termos do art.º 140.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, mais se determinando que não seja considerado, por extemporâneo, o articulado motivador do despedimento apresentado pela Entidade Empregadora, R…., não produzindo o mesmo qualquer efeito nestes autos”.
****
III. Não se conformando com o decidido apelou a empregadora, concluindo:
(…)
+
Contra alegou a trabalhadora, concluindo:
(…)
+
O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação do decidido, tendo a recorrente respondeu a este parecer.
****
IV – O circunstancialismo fáctico a considerar é o descrito no relatório do presente acórdão.
****
V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir reside em saber se ocorreu o justo impedimento.
Dispõe o artº 140º nº 1 do CPC que: “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.”
No nº 2 do mesmo artigo acrescenta-se que “a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.”
A actual redacção do número 1 do artº 140º foi introduzida pelo Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e manteve-se com alei 41/2013 de 26/06.
Até à reforma introduzida por este DL, só era considerado justo impedimento o evento normalmente imprevisível estranho à vontade da parte que a impossibilitasse de praticar o ato por si ou por mandatário. Por isso, a doutrina entendia que só ocorria justo impedimento quando a pessoa que devia praticar o ato foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligências normais não fariam prever Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 321. Por isso, as linhas orientadoras da reforma sinalizaram “a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria.” Citadas por Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 2.ª ed., pág. 273.
Com a redacção actual, segundo Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, vol I, Almedina, 2.ª edição, pág. 146), “o que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas”.
Miguel Teixeira de Sousa, in “Apreciação de alguns aspectos da “revisão do processo civil – projecto “(Revista da Ordem dos Advogados, ano 55, vol II, pág. 387), pondera que, perante a nova redacção, “o justo impedimento pode ter reconhecimento mesmo quando não tenha ocorrido nenhum facto imprevisível. Basta, neste caso, que a omissão do acto resulte de um erro desculpável da parte, para que se deva considerar relevante o referido justo impedimento e para que a parte seja admitida a praticá-lo fora do respectivo prazo.”
Também Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (Código de Processo Civil anotado, vol. 1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, pág. 274) concordam que “passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cf. art.º 800-1 CC). Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão.”
A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado “justo impedimento”, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
Logo, o atestado médico que declara a impossibilidade de exercício da profissão por parte do ilustre mandatário, sem esclarecer a gravidade da doença ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento Acs. do STJ de 27-05-2010, processo 07B4184;RG de 07-04-2011, processo 780/07.2TVPRT-C.G1.
Em sentido similar, decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 09-03-2010 In www.dgsi.pt: processo 1651/02.4TAOER-A.L1-5. ao exarar que não se verifica justo impedimento se, apesar de um acontecimento normalmente imprevisível, à luz da diligência normal, o ato puder ser praticado pela parte ou por mandatário.
Se o ato for praticável por outro advogado, mediante substabelecimento ou por constituição pela parte, é irrazoável a alegação da conveniência na prática do ato pelo mandatário impedido, por melhor conhecer o processo ou para não frustrar a confiança do constituinte. “Ninguém é insubstituível, nem a lei permite a derrogação de qualquer prazo peremptório à espera que um mandatário da parte se restabeleça para que o processo prossiga os seus termos. O acto é da parte, o advogado é apenas representante desta. Quando o advogado escolhido não está em condições de exercer o mandato, a parte tem de diligenciar pela escolha de outro que o esteja, caso aquele não tome a iniciativa de substabelecer noutro colega de profissão. O processo não pode ficar indefinidamente parado à espera que o mandatário impedido, por doença, se restabeleça, o que poderia demorar meses ou mesmo anos, com manifesto prejuízo para a justiça e os interesses dos cidadãos envolvidos no respectivo processo e, consequentemente, para a segurança da ordem jurídica globalmente considerada, protelando indefinidamente o trânsito em julgado das decisões proferidas ou ressuscitando causas pressupostamente há muito transitadas em julgado.”
O que releva, pois, decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 13/7/2010, in www.dgsi.pt
São requisitos cumulativos do justo impedimento: (i) que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; (ii) que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto.
No julgamento do justo impedimento o juiz só deve deferir se verificar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou.
O justo impedimento abarca as situações em que a omissão ou o retardamento da parte ocorra devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria e a culpa é, como acima ficou dito, apreciada nos termos do disposto no art.487º, nº2, do Código Civil de acordo com o qual a culpa é o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência, de conteúdo indeterminado, mas determinável em cada situação concreta, sendo a diligência juridicamente devida a que teria um bom pai de família colocado nas circunstâncias concretas em que se encontrava o agente.

Feito este enquadramento relembremos a factualidade relevante que se encontra demonstrada nos autos:
a) A Entidade Empregadora foi notificada, em sede de audiência de partes que teve lugar em 22.08.2017, para apresentar o articulado para motivar o despedimento.
b) Dispunha a mesma de 15 dias para o efeito.
c) O prazo para apresentar o articulado motivador terminou em 06.09.2017.
d) Tendo o termo dos três primeiros dias úteis após o decurso do prazo de 15 dias, para a prática do acto independentemente de justo impedimento (cfr. art.º 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil) ocorrido em 11.09.2017.
e) O articulado motivador foi apresentado no dia 18.09.2017, invocando a mandatária da empregadora o justo impedimento.
f) Para prova do impedimento a mandatária juntou apenas um documento emitido pelo C… com data de 08.08.2017 no qual é referido ter a mandatária estado em situação de ITA desde essa data, passando a ITP de 50% a partir de 13.09.2017.
g) A mesma mandatária tinha já vindo aos autos invocar a sua situação de incapacidade temporária absoluta (ITA), o que motivou que a audiência de partes tivesse sido transferida para uma data posterior à inicialmente fixada.
h) A mandatária foi a instrutora no procedimento disciplinar instaurado à trabalhadora tendo subscrito a nota de culpa e a decisão final.
i) Em data posterior à da aprestação do articulado motivador, para prova do justo impedimento, veio a mandatária requer a audição d e um médico neurocirurgião.
g) Encontrando-se na situação de ITA, a mandatária deslocar-se à 1.ª Secção do Trabalho para a realização da audiência de partes no âmbito de outro processo, nada tendo invocado nessa ocasião.

Presente esta matéria, a primeira observação a fazer é de que as provas do justo impedimento, como expressamente a lei prevê, devem ser logo indicadas no requerimento em que aquele impedimento é invocado. Por isso não tinha a 1ª instância que ouvir o médico neurocirurgião, questão que, aliás, nem sequer é suscitada no recurso.
Constatamos isso sim, que desde a data em que se iniciou a contagem do prazo normal para apresentar o articulado motivador, e bem durante o decurso do prazo acrescido, sempre a mandatária se encontrou numa situação de ITA, ou seja, sempre esteve conhecedora do nível das suas capacidades fossem elas físicas ou mentais.
Se, como alega, não tinha capacidade para dentro do prazo normal ou acrescido elaborar ou apresentar o articulado motivador tinha a obrigação de encetar diligências no sentido de ultrapassar esse seu impedimento; e a lei processual faculta-lhe mecanismos tendentes a superar a situação.
Desde logo podia subestabelecer.
Ora, a mandatária nem sequer alegou, e menos provou, ter tentado subestabelecer.
Concedemos que, na época em que a situação ocorreu (em parte em plenas férias judiciais), não seria fácil esse substabelecimento tanto mais que teria de ser elaborado o articulado motivador, elaboração esta que, contudo, não se revelaria assim tão difícil porquanto a mandatária foi instrutora do procedimento disciplinar, tendo naturalmente na sua posse os elementos ou peças que o constituíram; e o empregador apenas pode invocar no articulado motivador os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (nº 1 do artº 98º-J do CPT), ou seja, a elaboração do referido articulado encontrava-se em muito facilitada para não dizer que estaria quase elaborado.
Por outro lado, podia ter requerido ao tribunal a suspensão da instância invocando a verificação de motivo atendível ou obtendo o acordo da outra parte nos temos dos nºs 1 e 4 do artº 272º CPC, respectivamente.
Ora nada disto foi alegado e, claro, provado.
Podia ainda ter tentado obter o acordo da outra parte (que tinha já mandatário constituído) no sentido da obtenção da prorrogação do prazo para apresentar o articulado nos termos do disposto no artº 141º nº 2 do CPC, assim como, não logrando obter esse acordo, podia requer ao tribunal essa mesma prorrogação alegando motivo ponderoso (doença) que a impedia ou dificultava anormalmente a organização e apresentação do articulado que estava obrigada a apresentar, tudo nos termos do nº 5 do artº 569º do CPC.
Ora também nada disto foi alegado e muito menos provado.
Neste quadro, visto o que acima se deixou consignado, complementado com a argumentação expendida na decisão recorrida, somos a concluir que a ilustre mandatária não agiu com a diligência devida e que os meios processuais lhe facultavam, merecendo, no nosso entender um juízo de censura e nessa medida, a ultrapassagem do prazo peremptório para a apresentação do articulado motivador é-lhe imputável não ocorrendo, por isso, uma situação de justo impedimento.
Deixar decorrer o prazo (acrescido) de 20 dias, sem nada fazer, só apresentando o articulado motivador ao vigésimo sétimo dia revela, salvo melhor opinião, uma conduta imprevidente, não diligente e, daí, que apelação tenha de improceder.
***
VI Termos em que se acorda em julgar a apelação totalmente improcedente, com integral confirmação da decisão impugnada
*
Custas a cargo da apelante.
*
Coimbra, 20 de Abril de 2018
*
(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)