Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
934/12.0TBCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ACTO OFENSIVO
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.351 CPC
Sumário: 1.- Após a revisão de 1995 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro passaram a poder fundar-se, para além da posse, em qualquer direito daquele, que se revele afectado com alguma diligência restritiva dos seus poderes de exercício sobre um bem.

2.- Para estes embargos, mesmo na sua possibilidade preventiva, não basta a perspectiva teórica, abstracta e longínqua duma diligência judicial susceptível de ofender a posse ou o direito, impondo-se, pelo menos, a alegação e prova de uma diligência ordenada.

3.- A diligência há-de estar ordenada pelo tribunal ou, no caso da esfera de actuação do Agente de Execução, em fase preparatória de uma inevitável penhora sobre o bem em questão.

4.- O acto de citação de uma executada não pode ser considerado um acto preparatório de um outro, inevitável, sobre o bem do terceiro.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


A (…) Unipessoal, Lda, pessoa coletiva n.º (...), veio, por apenso à execução instaurada por Banco (…), S.A., deduzir embargos de terceiro, alegando, em síntese, que adquiriu por contrato de cessão de exploração a posse e propriedade dos bens penhorados nos autos, o que ocorreu anteriormente à diligência de penhora.
A exequente apresentou contestação, alegando, em síntese, que até à data em que o articulado foi apresentado, não foi efetuada qualquer penhora nos autos; do contrato de cessão de exploração celebrado pela embargante não resulta que a mesma tenha adquirido a propriedade dos bens; tal contrato não transfere qualquer direito real mas tão só obrigacional. Conclui pedindo a improcedência dos embargos, devendo ser reconhecido o direito de propriedade da executada sobre os bens invocados, nos termos do artigo 357.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedentes os embargos de terceiro deduzidos, bem como o pedido deduzido pela exequente de reconhecimento do direito de propriedade da executada sobre os bens invocados no incidente, determinando-se o prosseguimento da execução.
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            Inconformada, a embargante recorreu e apresenta as seguintes conclusões:
Resultou provado que a embargante desde Setembro de 2011, por via do negócio celebrado com a executada, ocupou o imóvel, aí exerceu a sua actividade, tornou-se titular do alvará, condição imprescindível e de preenchimento obrigatório para o exercício da actividade, junto da entidade pública INFARMED.
Bem como, se tornou possuidora de todo o recheio e existências, ocupando o imóvel em exclusivo, posse essa titulada, pública e de boa-fé, exercida à vista de todos os transeuntes, utentes, clientes, fornecedores e credores.
Tal posse foi ainda exercida de modo ininterrupto, pelo que, desde esse momento, a embargante tornou-se responsável pelo estabelecimento comercial ajuizado, zelando pela respectiva manutenção e conservação.
A presente execução foi movida contra os executados, com os sinais dos autos, sendo a embargante terceira aos respectivos termos processuais.
A providência de embargos e respetivo decretamento, desfecho que almejamos para o caso vertente, depende dos requisitos elencados na sentença, sendo o primeiro, uma situação jurídica de posse ou de outro direito, vejamos relativamente a este primeiro pressuposto os cinco factos assentes.
E releve-se, neste sentido, com a petição de embargos, fls. 9 a 12 dos autos foi alegado e demonstrado o negócio translativo, mediante o qual e
embargante iniciou a exploração do estabelecimento, o qual remonta a 29.09.2011, cfr. facto assente 1), plasmado na sentença - desde a celebração deste contrato, a Recorrente tornou-se a exploradora do referido estabelecimento de Farmácia.
Após a celebração do referido contrato, a Recorrente tornou-se a única e legítima possuidora do estabelecimento de Farmácia, sendo que, a mesma entrou nesta data na posse exclusiva do estabelecimento de farmácia, competindo-lhe levar a cabo a correspondente exploração em seu próprio nome.
Com efeito, reiteramos, desde a celebração do referido contrato e em conformidade com o clausulado que o constitui, a embargante, ora Recorrente, tornou-se a legitima possuidora e exploradora da Farmácia, razão pela qual, urge defender a referida posse que é legítima, titulada, de boa-fé e pública.
E, em consequência, foi afastada a sociedade executada, a qual, transmitiu a posse sobre o Estabelecimento de Farmácia para a Recorrente, tendo esta, igualmente, cumprido, desde aquela data, as diversas obrigações a que está adstrita em virtude da referida exploração.
Afigura-se premente demarcar que relativamente aos activos outrora existentes na esfera patrimonial da Executada, Farmácia (...), alguns desses bens, Farmácia, estabelecimento, alvará, recheio e existências, estes foram transmitidos à recorrente - pelo que, não podem estes bens satisfazer o alegado crédito.
E, face aos factos, afigura-se que a mera existência desta execução faz nascer na esfera jurídica da recorrente o justo receio de existência de prejuízos, conforme melhor explanaremos infra.
A Farmácia (...), executada, foi citada no estabelecimento de Farmácia explorada pela Recorrente, ou seja, a busca de património dos executados recai sobre o estabelecimento de Farmácia, pois que, assumiu o AE que chamou a executada para os autos de execução efectuando a diligência naquele estabelecimento e  tal facto não corresponde à verdade dos factos, pois que, o estabelecimento de Farmácia é objecto de exploração de terceiro, a Recorrente.
Cumpre analisar o Doc. n.º 3, junto com a petição de embargos, o qual se consubstancia numa nota de citação remetida para o estabelecimento de Farmácia, no qual o Sr. AE indica a penhora de bens necessários para garantir o pagamento da quantia exequenda e demais encargos e despesas.
Ademais, o referido requerimento foi enviado para o estabelecimento de Farmácia cuja posse e exploração recai sobre a recorrente, reitere-se, assumiu o AE, entidade competente para realização das penhoras que efectuava citação na morada da Farmácia.
Sendo verosímil presumir que o credor, exequente, independentemente, do título executivo que titule o seu crédito, pretenderá obter o pagamento do seu passivo, mediante sacrifício do património da executada, sendo uma das executadas a sociedade Farmácia (...), a possibilidade de penhoras no referido estabelecimento é mais do que provável.
Naturalmente, que após exploração iniciada em 29.09.2011, a maior parte do recheio, designadamente os bens ali comercializados, foram já adquiridos pela Recorrente, pois que, como é expectável a reposição de stocks de medicamentos faz-se a expensas da Recorrente.
São estes os bens, os consumíveis, que são da propriedade da Recorrente, quanto aos bens duradouros, esses sim, foram recebidos mediante a celebração do negócio que titulou a transmissão.
Pelo que, com efeito, cumpre referir há bens da exclusiva propriedade da embargante, ora Recorrente, designadamente, os muitos bens ali colocados em data posterior à celebração o contrato, entre os quais os consumíveis, medicamentos, que são objecto do seu comércio – pois que, nos últimos anos a Farmácia foi abastecida a expensas da Recorrente - releve-se, os medicamentos ali vendidos nos últimos anos não poderiam ter sido adquiridos pelos executados, porquanto, estes não mais possuem a Farmácia, bem como, os bens perecíveis e os que necessitaram de actualização e/ou substituição, tal ocorreu a expensas da Recorrente.
Assim, deverá soçobrar in totum a fundamentação da sentença que refere que os embargos não deverão ser admitidos pelo facto da recorrente alegar a propriedade dos bens.
Pois que, afere-se do teor da petição de embargos que existem duas realidades relativamente ao recheio e existências – posse e propriedade – sendo que esta última, naturalmente, existe relativamente a bens adquiridos no decurso da exploração, de resto desde 2011 a 2013, decorridos que foram 3 anos, afigura-se lógico que qualquer possuidor de um locado ali tenha depositados pertences por si adquiridos.
E como, resulta do conhecimento geral dos profissionais do foro, em sede de execução aquando das diligências de penhora, são penhorados todos os bens existentes no local a penhorar, sendo ainda que, claramente, nestes autos resulta a associação directa da sociedade Executada ao estabelecimento de Farmácia, que outrora, foi seu património.
Nesta medida não alcançamos a conclusão da sentença recorrida “analisada a petição de embargos, constata-se que a embargante alega a propriedade dos bens e não apenas a sua posse (cfr. art.º 6.º do requerimento inicial), pelo que também será tal pedido julgado improcedente. “.
Ademais, refere a sentença recorrida: “De todo o modo, sempre se dirá que não foram invocados quaisquer factos que permitam a conclusão de uma aquisição originária por parte da executada ou derivada, desde que alegada/provada uma anterior aquisição originária, como se exige para declarar qualquer direito de propriedade.” – conforme sinais dos autos que a sociedade Executada denomina-se Farmácia (…), Lda., que o estabelecimento de Farmácia possuído e explorado pela Recorrente denomina-se Farmácia (...).
Sendo certo que daqui resulta tão só um indício, retirado da coincidência da nomenclatura, o certo é que, foram juntos os contratos nos quais a cedente/trespassante agiu na qualidade de proprietária, detentora da Farmácia me apreço.
Bem como, resultou provado que foi celebrado o negócio –vide factos assentes – ora, não se alcança como pode a sentença recorrida fixar como factos assentes a existência de um negocio quando não julga provada a qualidade e legitimidade da trespassante para o mesmo negócio.
Neste ponto a sentença recorrida incorre em contradição entre os fundamentos e a matéria assente – nulidade que suscitamos nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. c) e n.º 3 do CPC.
Os bens referidos são todos os bens que compõem um estabelecimento de Farmácia em laboração, como, salvo melhor entendimento, cremos ter ficado claro na pi de embargos, se o estabelecimento está, como referimos em laboração, mercê da exploração envidada pela recorrente, o mesmo dispõe de medicamentos, produtos estéticos, manipuláveis químicos, algum material de laboratório para composição de medicamentos, objecto do seu comércio, computadores, caixas registadoras, material de escritório, tais como, dossiers, pastas, caixas arquivadoras, documentação, cadeiras, secretárias, mostruários, estantes, móveis, balanças para peso de produtos e pessoas, entre as demais existências necessárias à laboração de estabelecimento farmacêutico.
De resto, tal afirmação e alegação foi veiculada na pi ao referimos recheio e existências existentes no estabelecimento de Farmácia, existindo neste estabelecimento os normais bens que costuma figurar numa Farmácia, facto que é de conhecimento geral e mesmo de senso comum.
Ora, de resto, num regime processual civil como a presente em que o Tribunal dispõe de poderes para, inclusivamente, sancionar a prolixidade, a sentença recorrida exige a indicação dos bens que compõem recheio e existência de um estabelecimento de Farmácia.
Acresce que, como referimos na pi de embargos a verdade é que os Executados foram mediante o contrato celebrado arredados do estabelecimento de Farmácia, pelo que, na verdade nada do qua ali existe lhes pertence, sendo que, os bens trespassados foram mencionados no contrato junto aos autos cujo teor demos por integralmente reproduzido nos terso e para todos os efeitos legais.
O receio da recorrente vir a ser perturbada com penhoras e diligencia processuais nos autos em que, reitere-se não é parte afigura-se mais do que verosímil.
E tal facto é compreensível, uma vez que, com efeito, com a potencial apreensão do estabelecimento, a Recorrente fica impedida de exercer a sua actividade comercial, pois que, considerando a celebração do contrato de trespasse e o respectivo teor, resulta como inequívoco que a exploração do estabelecimento se refere àquele estabelecimento e não a qualquer outro.
E tais prejuízos afiguram-se como reais, actuais, efectivos e altamente prejudiciais, prejuízos esses que se encontram agravados face ao facto dos embargos terem sido rejeitados, sem que, a respectiva rejeição tenha sido devidamente fundamentada de Direito, como podemos constatar da mera leitura do despacho recorrido.
Mais se releve que não pode ter acolhimento a tese expendida pelo Tribunal a quo ao referir que à Recorrente só licito agir a titulo preventivo depois de ordenadas diligencia de penhoras e antes de executadas as mesmas.
Pois que, tenhamos presente a recorrente tomou conhecimento da existência destes autos de execução susceptíveis de lesar os seus direitos, os quais procurou salvaguardar deixando plasmados nos a autos  a sua posição de terceira, alheia aos termos processuais aqui levados a cabo por forma a salvaguardar o seu património.
A recorrente não é parte nos autos, não lhe sendo dado a conhecer quaisquer actos processuais e os actos de penhora por definição, não são amplamente divulgados para que os potenciais lesados com a sua efectivação possam antecipar a sua tutela.
Nesta medida, afigura-se que a interpretação do Tribunal a quo vem tornar inócuo qualquer caracter preventivo dos embargos, pois que, um terceiro nunca terá conhecimento da ordem de penhora antes que a mesma seja realizada, pois que, nem o executado, dele teve prévio conhecimento.

Face à factualidade aduzida e ora reiterada, bem como, o respectivo suporte documental, o qual vem demonstrar a realidade dos factos, é imperativo, reconhecer nos termos e para todos os efeitos legais que, com efeito, estamos perante uma execução que vem ofender a legítima posse e direitos da Recorrente.
Pelo que, se afigura como um meio de cabal e suprema relevância que sejam admitidos e processados os presentes embargos, com o mais de Direito, a fim de se acautelar a existência de danos na esfera jurídica da Recorrente, pois que, esta é alheia e terceira face ao petitório que subjaz aos autos, sendo, todavia, a principal lesada com a procedência do mesmo – e nessa medida, deverá ser pelos Venerandos Desembargadores, revogado despacho recorrido.
Em embargos de terceiro com função preventiva, a razão de ser dos mesmos decorre da necessidade de prevenir quaisquer possíveis riscos existentes na esfera do embargante.
Assim, permite-se, deste modo, que os direitos “substanciais” atingidos ilegalmente pelos actos de execução ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação – por esta via se obstando, no caso de a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência de reivindicação – recorde-se que foi uma solução introduzida pelo legislador no Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12.
Tem-se vindo assim, a entender que, muito embora a sua inserção sistemática nos incidentes da instância, os embargos apresentam a estrutura de uma acção declarativa autónoma, antecedida por uma fase introdutória de carácter preventivo ou cautelar (cfr. Isabel Parreira, in “Embargos de Terceiro Preventivos, ROA, Ano 61 (2001), Vol. II, pág. 837 e segs.”).
Assim, releve-se a Recorrente encontra-se numa situação de posse dos bens existentes na Farmácia, os autos de execução vêm lesar e ameaçar a posse desse direito, sendo a recorrente terceira aos autos de execução, pois que, a
recorrente tem necessidade de dispor livremente dos bens existentes na Farmácia, bem como, do locado, por ai exercer a sua actividade societária, sendo-lhe licito proteger-se da potencial lesão dos seus direitos, o que se requer.
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            Não foram apresentadas contra-alegações.
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            Questões que importa decidir:
            1)A sentença é nula porque incorre no vício da contradição entre os fundamentos e a decisão (art.615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil)?
            2)A mera existência da execução e citação da executada, no local do estabelecimento, constitui um justo receio da ofensa ou ameaça da ofensa do direito da embargante à exploração do estabelecimento?
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Encontram-se assentes os seguintes factos:
1) A embargante celebrou, em 29 de Setembro de 2011, com a executada sociedade, o acordo constante de fls. 9 a 12 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2) A partir daquela data, a embargante passou exclusivamente a ocupar o imóvel com todo o seu recheio e existências, bem como a usar do respetivo alvará de farmácia n.º3082.
3) Tendo desde o início da aquisição do estabelecimento de farmácia por cessão de exploração passado a ocupar o imóvel e a utilizar o recheio e existências do locado.
4) O que faz à vista de toda a gente e forma ininterrupta.
5) Todos os direitos sobre o referido acordo encontram-se registados junto do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento, IP.
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Ficou por provar o quesito 6), o que significa inexistir qualquer notificação a comunicar uma penhora e inexistir qualquer auto de penhora do estabelecimento em questão.
Também não foi alegado na petição ou resultou provado que tenha sido ordenado qualquer ato de apreensão, penhora ou restrição nos poderes de exercício do direito da embargante sobre o dito estabelecimento ou de bens que o componham.
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1) É invocada a nulidade da sentença, por alegadamente existir contradição entre os fundamentos e a matéria assente e o indeferimento, ao aceitar-se a existência do negócio quando não se julga provada a qualidade e a legitimidade da cedente no mesmo negócio.
Analisada a sentença, julgamos inexistir a contradição assinalada.
O tribunal deu como provada a celebração do acordo mas não disse que dele decorre a propriedade dos bens, por faltarem factos que certifiquem esta. O tribunal não ajuizou sobre a legitimidade da cedente no negócio.
Por outro lado, o pedido do exequente/embargado, fundado no artigo 357.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, foi afastado formalmente, considerando-se que, tendo a embargante invocado a propriedade dos bens, e não apenas a posse, estava vedado ao primeiro tal pedido.
Esta particular decisão prejudica apenas o exequente, que não recorreu.
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2)A mera existência da execução e citação da executada, no local do estabelecimento, constitui um justo receio da ofensa ou ameaça da ofensa do direito da embargante à exploração do estabelecimento?
De acordo com o artigo 351.º, n.º 1, do Código do Processo Civil anterior (hoje, de forma idêntica, no art.342º, nº1, do novo código), “se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

“Os embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 351º”…(arts.359º, nº1 e 350º, nº1, do anterior e novo código, respectivamente).
Após a revisão de 1995, deste Código, os embargos de terceiro passaram a poder fundar-se, para além da posse, em qualquer direito que se revele afectado com alguma diligência restritiva dos poderes de exercício do direito de terceiro sobre um bem.
O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial é o contrato pelo qual se transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. (ver, entre outros, acórdão da Relação de Lisboa, de 14.12.2010, no processo n.º 619/08.1TVLSB-8, em www.dgsi.pt.)
Se antes daquela revisão processual a jurisprudência mostrava alguma divisão quanto à verificação da posse do estabelecimento comercial, “perdido o carácter estritamente possessório dos embargos de terceiro, pode actualmente afirmar-se que uma penhora pode ofender o direito de crédito, nomeadamente quando (…) a coisa seja um estabelecimento comercial.. (R.Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, página 772.)
Mas nos embargos de terceiro, mesmo na sua possibilidade preventiva, não basta “a perspectiva teórica, abstracta e longínqua duma diligência judicial susceptível de ofender a posse ou o direito”, para os suportar, impondo-se, pelo menos, a alegação e prova de uma diligência ordenada.
A diligência há-de estar ordenada pelo tribunal ou, no caso do Agente de Execução, em fase preparatória de uma inevitável penhora sobre o bem em questão. (R.Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, página 794; acórdãos das Relações de Lisboa, de 24.5.1990 e de 22.10.1992, e do Porto, de 11.12.1995, nos processos 0038292, 0061492 e 9530955, respectivamente, no sítio digital já referido.)
Vejamos o caso concreto.

Equívocos de qualificação (alegadas a posse, direitos reais de gozo, o direito de propriedade sobre o recheio e as existências, a posição típica de locatária) não arredam a confirmação de um direito sobre o estabelecimento.
Porém, sem prejuízo da consideração dos direitos do cessionário no contrato de cessão de exploração, relativo à farmácia, pela leitura da petição torna-se claro que a embargante não deduziu embargos preventivos, mas sim repressivos de uma penhora que não se provou.
            Só agora no recurso, a recorrente dá especial relevância à possibilidade preventiva dos seus embargos.
            Mas também nesse caso não alegou ou provou que tenha sido ordenado qualquer ato ofensivo do seu direito ou, no caso de estarmos na esfera de atuação do Agente de Execução, em fase preparatória de um inevitável ato sobre o bem em questão.
            O ato de citação da executada, que refere, não pode ser considerado um ato preparatório de um outro, inevitável, sobre o bem em questão.
            A concreta citação apenas diz, com relevância para esta questão: caso não se oponha à execução, não pague ou caucione a quantia exequenda, “segue-se a penhora dos bens necessários para garantir o pagamento da quantia exequenda”...
            São vários os executados e variadas as possibilidades de penhora, algumas delas nem sequer ofensivas do seu direito (v.g. a penhora da renda a pagar pela cessionária embargante à cedente executada).
            Não sabemos como vai ser conduzida a execução, ainda no seu início.
            Não foi sequer requerida qualquer diligência de penhora ou outra.
Assim, sem prejuízo da referida falta de alegação na petição, a mera existência da execução e citação da executada, no local do estabelecimento, não constitui um justo receio de ameaça sobre o direito da cessionária/embargante à exploração daquele.
Faltando esta básica causa de pedir, não há necessidade de abordar outras questões meramente qualificativas e de hipótese e a decisão recorrida deve manter-se.

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Decisão.
            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
            Custas pela Recorrente.
Coimbra, 2014-4-29
 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( relator )
Luís Filipe Dias Cravo
 Maria José Guerra