Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
439/05.5TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE
PRORROGAÇÃO DE PRAZOS
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 107º, 6 CPP
Sumário: O n.º 6 do artigo 107º estabelece que o prazo de 20 dias pode ser prorrogado «até ao limite máximo de 30 dias», não que tal prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO

            1. No inquérito n.º 439/05.5TACBR, pendente nos serviços do Ministério Público da Figueira da Foz, recorre o arguido A... do despacho judicial datado de 8/1/2010 e que deferiu um requerimento apresentado pelo assistente G....

Tal requerimento do assistente teve o seguinte teor:

«PTB…, tendo sido notificado na qualidade de mandatário do assistente G... e outros, melhor identificados como queixosos nos autos supra-identificados, do teor do despacho de arquivamento de 69 fls, referente a um processo de elevada complexidade, composto por 8/9 volumes e 32 apensos, vem requerer a V. Exa se digne conceder uma prorrogação do prazo previsto no art. 287º, n. 1, alínea b) do CPP por mais 30 dias.

E.D.»

O despacho recorrido tem 3 singelas linhas:

«Fls 1895:

Atentos os motivos invocados, defere-se o requerido.

Notifique».

2. Recorre o arguido, assim motivando o seu recurso (conclusões em transcrição):

«B.1: O recorrente foi notificado do despacho de arquivamento dos autos em 07-12-2009;

B.2: Em 11-01-2010, o recorrente foi notificado do despacho de fls.
1900, com o seguinte teor: “Atentos os motivos invocados, defere-se o requerido. Notjfique”.

B.3: Em 12-01-2010, por requerimento que deu entrada no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, o recorrente suscitou a irregularidade desta notificação, pois que a mesma não vinha acompanhada de qualquer peça processual que justificasse a prolação de tal decisão.

B.4: Em resposta, foi o arguido notificado, em 28-01-2010, do requerimento apresentado pelo II. Mandatário dos assistentes — em que é requerida prorrogação do prazo para abertura de instrução por 30 dias — e do despacho que sobre ele recaiu e deferiu, já supra aludido em B. 2.

B.5: Compulsados os autos, não consta qualquer despacho a declarar a especial complexidade dos autos, nem existe qualquer notificação aos sujeitos processuais de um tal acto decisório.

B.6: Em primeiro lugar, de acordo com o disposto no artigo 411.° do Código de Processo Penal, o prazo para interposição do Recurso é de 20 dias,

B.7: Pelo que, tendo sido o despacho recorrido notificado ao recorrente em 28-01-2010, o prazo de interposição de recurso tem o seu terminus no dia 22-02-2010,

B.8: Mais a mais, porque a interposição de recurso pode, ainda, ter lugar nos três dias úteis subsequentes ao término do prazo, sob condição de pagamento de uma multa, nos termos da leitura conjugada dos artigos 107.°, n° 5 do CPPenal e 145.°, n.° 5 do CPC,

B.9: O arguido pode interpor recurso até ao próximo dia 25-02-2010.

B.10: Em segundo lugar, vieram os assistentes requerer a prorrogação do prazo previsto no artigo 287.°, n° 1, alínea b) do C. P Penal, por mais 30 dias, com fundamento na elevada complexidade do processo, pese embora não tenham invocado qualquer sustento legal para o efeito.

B.11: Não obstante a especial complexidade ser uma das situações que permitem a prática de actos fora de prazo (art.° 107.° do CPP), certo é que o incidente de declaração de especial complexidade obedece a critérios rígidos, plasmados, in casu, nos artigos 107°, n.° 6 e 215°, n.°s 3 e 4, ambos do CPP, que não foram observados nos presentes autos.

B.12: Assim, a legitimidade para suscitar este incidente recai sobre o Ministério Público, o arguido, o assistente, as partes civis ou oficiosamente,

B.13: Sendo que nas fases de inquérito e de instrução, cabe ao Juiz de Instrução Criminal decretar a especial complexidade, por despacho fundamentado, desde que cumprido o exercício do contraditório (artigo 215°, n.° 4 do CPP e 269°, n.° 1, alínea t) ambos do CPP).
B. 14: Mais, há que ter em atenção o preenchimento do critério material tipificado no inciso legal supra citado: número de arguidos ou ofendidos que o processo abarca, ou carácter altamente organizado do(s) crime(s) em apreço no processo.
B. 15: Inexistindo nos autos qualquer requerimento a suscitar o incidente em apreço, despacho do JIC nesse sentido e ausência de notificação aos sujeitos processuais do decretamento da especial complexidade, não podia o M.mo Senhor JIC ter deferido o requerimento impetrado pelos assistentes, e, em consequência prorrogado o prazo para eventual interposição de requerimento de abertura de instrução, violando, destarte, as normas contidas nos artigos 107°, n.° 6 e 215°, n.° 3 e 4, ambas do CPP. Outrossim,
B.16: A interpretação dada pelo M.mo Senhor JIC às normas agora citadas é manifestamente inconstitucional porquanto desrespeita o artigo 32°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
B.17: Por conseguinte, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que indefira a pretensão aduzida pelos assistentes, com o corolário trânsito em julgado do despacho de arquivamento proferido nos autos.
Termos em que na procedência do presente recurso, deve o despacho recorrido ser revogado por outro que indefira a pretensão aduzida pelos assistentes, com o corolário trânsito em julgado do despacho de arquivamento proferido nos autos, assim se fazendo JUSTIÇA».

            2. Não houve respostas.

            3. Nesta Relação, o Exmº Procurador da República deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, já que «o despacho recorrido de fls 4, que nem sequer se encontra fundamentado, também não tem sustentação legal, dado que se constata não ter sido declarado, nos autos em questão, a excepcional complexidade do processo».

            4. Após exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se é legal o teor do despacho recorrido, deferindo a pretensão do assistente em ver prorrogado o prazo do artigo 287º/1 b) do CPP por mais 30 dias.

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem o arguido A… recorrer de um despacho que deferiu a prorrogação por mais 30 dias do prazo do artigo 287º/1 b) do CPP – por lei, 20 dias – para que o assistente possa requerer a abertura da fase processual da Instrução, tendo-se para o efeito baseado «nos motivos expostos» no requerimento de fls 1895.

Ora, tais motivos foram:

- a existência de um despacho de arquivamento de 69 folhas;

- referente a um processo de elevada complexidade,

- composto por 8/9 volumes e 32 apensos.

Nada mais justificou a Exmª Juíza da Figueira da Foz.

Em 3 linhas, dá aval à pretensão do assistente de alteração de um prazo processual penal – o da abertura da instrução.

3.2. Estipula o artigo 107º, n.º 6 do CPP que «quando o processo se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215º, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78º, 287º, e 315º e nos n.ºs 1 a 3 do artigo 411º, até ao limite de 30 dias».

Ou seja, nesse caso, e só nesse, o prazo de 20 dias passará a 30 dias.

Contudo, para tal terá de considerar o Juiz estar perante um processo de excepcional complexidade, aferida pelos critérios objectivos do n.º 3 do artigo 215º do CPP (devido, nomeadamente[2], ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime).

Repare-se que o nosso CPP, para além dos artigos 215º/3 (prazos máximos de prisão preventiva[3]) e 107º/6 (prazos), encontra outros normativos que, em si, comportam a alusão a processos de excepcional complexidade – vejam-se os artigos 314º/3 (vista a adjuntos), 360º/3 (tempo das alegações), 390º, c) (reenvio do processo sumário para a forma comum) e 315º/4 (número de testemunhas), o qual remete para o 283º/7.

Se a situação narrada no artigo 215º/3 pressupõe, necessariamente, um procedimento incidental, isso sendo sugerido pela expressa letra do n.º 4 (que aponta para a exigência de um justo contraditório), parece-nos que a declaração de «excepcional complexidade da causa», nos casos do artigo 107º/6, não tal implica, podendo o juiz, de forma fundamentada, decidir no próprio despacho – subsequente a um expresso pedido de alargamento de prazo - pela concessão de um prazo mais alargado à parte requerente para exercer um direito processual.

Ou seja, aqui não se exigirá, ao contrário do que parece sustentar o arguido, uma prévia declaração de «excepcional complexidade da causa»[4], que, in casu, sabemos que inexiste. Basta pensar nas situações em que inexistem presos preventivos e em que nem sequer se terá de lançar mão dos comandos do artigo 215º (pensado para as situações dos prazos de duração máxima da prisão preventiva).

Note-se que o artigo 107º/6 remete apenas para o n.º 3 do artigo 215º e já não para o seu n.º 4 (veste processual do incidente), o que parece inculcar a ideia de que apenas se irá buscar a tal 215º as razões para considerar um processo como de «excepcional complexidade» e já não o específico procedimento incidental para efeitos de tal declaração.

Como tal, poderia o Juiz de 1ª instância, após ponderação dos elementos fácticos trazidos aos autos e mercê da própria fisionomia do processo, decidir, a impulso do assistente, pelo prolongamento do prazo do artigo 287º/1 b) até aos 30 dias, por entender que o processo era de «excepcional complexidade», devendo fazê-lo de forma fundamentada (artigo 97º/5 do CPP).

Acontece que, no nosso caso, o que temos é um assistente que nunca invoca a aplicação do n.º 6 do artigo 107º do CPP, falando em «processo de elevada complexidade», o que não é sinónimo de processo de «excepcional complexidade» - rigor tem de haver e se a lei processual penal apenas admite a prorrogação de um prazo para requerer a fase da instrução nos casos em que se entenda estar perante um processo assim classificado, não há que hesitar em considerar que o pedido expressamente feito pelo assistente nunca poderia ter sido deferido pela Exmª Juíza.

Note-se ainda que o assistente fala numa prorrogação de prazo por mais 30 dias, sendo esse o pedido que foi satisfeito pelo despacho recorrido (e temos de assumir a expressa letra do que é por nós pedido e é por nós deferido, sem qualquer restrição).

Ora, não é isso que a lei prescreve – o n.º 6 do artigo 107º diz que o prazo de 20 dias pode ser prorrogado «até ao limite máximo de 30 dias», não que tal prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias (como se fosse então dado um prazo de 50 dias).

O requerimento entrou em juízo em 5/1/2010, numa altura em que decorria o prazo de 20 dias – que não se suspende - para que o assistente pudesse requerer a abertura da fase instrutória (terminando tal prazo em 18/1/2010 - cfr. fls 41).

O tribunal «a quo», ao deferir o requerido, deferiu uma ilegalidade, ou seja, que o prazo de 20 dias fosse prorrogado por mais 30 dias, sem que houvesse qualquer motivo legal para o efeito (e isto porque apenas é invocado ser o processo de «elevada complexidade», não se invocando, como é óbvio, a excepcional complexidade prevista no n.º 6 do artigo 107º do CPP).

«Excepcional» é mais do que «elevada», como é bem de ver.

Isto basta para que este tribunal de recurso decida pela procedência do recurso, assente que o despacho recorrido, também injustificadamente não fundamentado, não tem qualquer sustentação legal.

Nem sequer se terá, assim, de entrar na questão de saber se, ao proferir esse despacho, o tribunal «a quo» preteriu o exercício do contraditório – a este propósito, se dirá que o direito de audição prévia do arguido sobre a questão da declaração da excepcional complexidade, a que alude o n.º4 do art. 215.º do CPP (não sendo esse o caso do artigo 107º/6), concretiza-se dando-lhe conhecimento que essa questão vai ser ponderada e objecto de decisão pelo juiz de instrução, permitindo ao arguido que aduza o que entender adequado a influenciar essa decisão e no sentido que, para si, se mostre mais favorável ou conveniente.

Nem sequer se curará de retirar consequências processuais da absoluta falta de fundamentação do despacho recorrido – não nos esqueçamos que para a omissão do dever de fundamentação, imposto pelo artigo 97.º, n.º 5, não é cominada a nulidade, pelo que, de acordo com o princípio da legalidade das nulidades (artigo 118.º do CPP), a inexistir fundamentação do despacho tal vício só afectaria a regularidade do acto [classificando-se, assim, como mera «irregularidade», não arguida sequer em tempo (artigo 123º do CPP)[5]].

Também se dirá que perante a ilegalidade do despacho recorrido, não haverá sequer necessidade de entrar no mérito[6] da declaração da excepcional complexidade do processo, que, como sabemos, não foi expressamente pedida.

3.3. Em conclusão, por motivos não exactamente coincidentes com aos aduzidos pelo arguido, só terá de proceder este recurso (note-se que pode acontecer que no processo o assistente, afinal, tenha requerido a abertura da fase da Instrução dentro do legal prazo dos 20 dias, sem usar a prorrogação concedida, o que significa que deixará de ter utilidade prática a sorte deste recurso).

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            III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho judicial recorrido, datado de 8/1/2010, e substituindo-se por outro que indefere o requerido pelo assistente em 5/1/2010 por falta de sustentação legal.

            Sem tributação.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[2] O que permite a conclusão de que são meramente exemplificativas tais razões/critérios, podendo o juiz encontrar outros motivos para concluir estar perante um processo de excepcional complexidade.
A propósito do art. 215º, nº. 3, do Código de processo Penal, ainda em vigor, refere-se no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/1/2005 (in www.dgsi.pt) que: "a noção de “excepcional complexidade” do artigo 215º, nº. 3, do Código de Processo Penal está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz no essencial, em avaliação prudencial sobre factos; a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento; o juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilizarão dos meios; o juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderarão de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, nº. 2 do Código de Processo Penal.
Pelo seu lado, o Acórdão do TRL datado de 23/1/2008, no proc. nº. 10902/2007-3, decidiu que: "2. Com a entrada em vigor da Lei nº. 48/2007, de 29/8, não só foram alterados os prazos da prisão preventiva como também foi revogado o artigo 54º do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22/1, o que fez caducar o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 2/2004, de 11/2/2004. 3. Em face da actual lei processual penal, decorrente da entrada em vigor da Lei 48/2007 de 29/08, sempre que o crime investigado for o de tráfico de estupefacientes, estamos, pelo menos em tese e por norma, perante "crime altamente organizado" – cfr. art. 1º, alínea m), do C.P. Penal – e, consequentemente, de acordo com a factualidade concreta em investigação, deverá ser declarada a especial complexidade da investigação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215º, nº. 3, in fine, do mesmo diploma. 4. O reconhecimento, constitucionalmente afirmado, do carácter excepcional da prisão preventiva (art. 28º, nº. 2, da CRP), envolve a considerarão, além do mais, de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença que o condene (art. 32º, nº. 2, da CRP), mas essa presunção não é incompatível com a indiciação dos arguidos pelo crime supra referido, nem com a aplicação da prisão preventiva, posto que verificados os respectivos pressupostos, o que ocorreu no caso".

O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção. As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges artis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, nº 3 do CPP (cfr. Ac RE de 29/4/2008 in Pº 739/08-1).
A conclusão é a de que o CPP não define o conceito de excepcional complexidade, limitando-se a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o corporizarem: o número [elevado] de arguidos ou de ofendidos e; o carácter altamente organizado do crime, devendo, portanto, ser feita a sua devida concretização, em cada caso, passando pela ponderação das dificuldades do processo (v.g. técnicas de investigação, número de intervenientes, necessidades de deslocação, meios utilizados), finda a qual finda a qual o juiz, no seu prudente critério, o qualificará ou não como de especial complexidade.
[3]A decisão sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto e não nas questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas que sejam.
A declaração de excepcional complexidade visa a continuação da investigação para a realização das diligências necessárias, que se não fora aquela declaração, não podiam ser feitas no prazo legalmente estabelecido - tem como finalidade necessidades de investigação criminal em que, havendo arguidos em prisão preventiva à ordem do processo, o prazo de duração máxima da prisão preventiva, não é expectavelmente suficiente para se ultimar a investigação, mormente com vista a um juízo completo e tempestivo sobre a formulação de despacho acusatório, sob pena de virem a gorar-se as finalidades do inquérito, e eventual defraudação da busca da verdade material.
[4] O Acórdão do STJ de 11/4/1991 (CJ-1991-II-20) decidiu que para a qualificação de um processo como de excepcional complexidade é necessária a prolação de um despacho fundamentado nesse sentido, por forma a definir com precisão os prazos de subsistência da prisão preventiva a que o arguido pode estar sujeito – contudo, o aresto em causa tem subjacente, e só, o que significa que não pode a sua doutrina ser alargada para os prazos processuais ínsitos no artigo 107º/6, a decisão última sobre os prazos da prisão preventiva: declara-se a excepcional complexidade do processo e retiram-se as consequências em sede de duração máxima da prisão preventiva.

[5] De acordo com um princípio de legalidade, preceitua o artigo 118.º do CPP que “a violação ou a inobservância das disposições da lei ou do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” (n.º 1) sendo que, “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” (n.º 2).

Afastado o vício das nulidades, resta a irregularidade do artigo 123º do CPP.

O actual art. 123.º, n.º 1, corresponde, grosso modo, ao corpo do art. 100.º[3] do Código Processo Penal de 1929, que, por sua vez, seguiu o preceituado no art. 132.º, § 3 do Código de Processo Civil nessa altura vigente, como no dá conta Luís Osório, no seu “Comentário ao Código Processo Penal Português”, Vol. II (1932), a pag. 209.

Como se sabe a irregularidade é dos vícios processuais, aquele que apresenta uma menor gravidade, daí que o regime da sua invocação seja distinto daqueles outros que pela sua relevância no desenrolar do processo, podem ser deduzidos em qualquer altura (nulidade absolutas ou insanáveis) ou então num lapso de tempo mais contido (nulidade relativa ou sanável).

Daqui podemos inferir que o prazo para se suscitar uma irregularidade, não deva ser, por razões de lógica e da sua menor relevância, mais extenso que o de uma nulidade relativa e o regime destas está contemplado no art. 120.º, n.º 3.

Quanto a estas a regra é que sendo uma nulidade a que o interessado assista deve suscitá-la no próprio acto [al. a)], tratando-se de ausência, cuja comparência é obrigatória, por falta de notificação do assistente e das partes civis, até cinco dias após a notificação do despacho que designar a audiência [al. b)], reportando-se a uma nulidade do inquérito ou da instrução até ao encerramento do debate instrutório, ou não havendo instrução até cinco dias do despacho que encerrou o inquérito [al. c)], relacionando-se com o processo especial logo no início da audiência [al. d)].

Concluímos assim que o interessado em suscitar uma irregularidade que se cometeu quando o mesmo não se encontrava presente, só se encontra em estado de o fazer quando a conhece ou está em condições razoáveis e aceitáveis de a conhecer.

Assim e tratando-se de uma irregularidade a que o interessado não tenha assistido, pode o mesmo suscitá-la nos três dias seguintes à sua notificação para qualquer termo do processo, caso não tenha até aí intervindo nos autos, desde que seja possível aperceber-se desse vício, pois caso contrário poderá fazê-lo no prazo de três dias após intervir em algum acto nele praticado.

E é uma irregularidade neste caso, porquê?

Primeiro porque não é nulidade (e só o seria a omissão de pronúncia em sentença ou acórdão – artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP).

Depois, porque tem sido unânime a consideração de que a falta de fundamentação de um despacho (ou a omissão de pronúncia em despacho – artigo 97º, n.º 5 do CPP) salvo quando a lei dispuser expressamente de forma diferente, constitui mera irregularidade (artigo 118.º), a qual deve ser arguida pelos interessados nos termos previstos no n.º 1 do artigo 123º do CPP, o que, no caso, não foi feito em 1ª instância.

Em suma, vigora entre nós o princípio da taxatividade das nulidades – artigos 118º a 122º do CPP (sanáveis ou insanáveis) -, relegando-se os restantes actos realizados contra ou sem a observância dos formalismos legais para o campo das meras irregularidades.

A omissão cometida a propósito no Tribunal a quo não está prevista ou consagrada, na lei processual penal, como determinando uma nulidade. Donde que, e de acordo com aquele normativo, se haja de encarar como integrando uma mera irregularidade.

O regime de arguição deste tipo de vício vem definido, como se disse atrás, no artigo 123.º, n.º 1 do CPP, aí se impondo que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.

Revertendo novamente aos autos constata-se que o despacho ora impugnado foi proferido no dia 29 de Junho de 2009; foi notificado ao MP nesse mesmo dia (fls 52), tendo a arguição pelo MP da aludida irregularidade só ocorrido já no âmbito do presente recurso, o qual deu entrada no dia 6 de Julho de 2009 (fls 53).

Ora, do exposto resulta que foi intempestivamente arguida – pois para além dos 3 dias legais – em sede de recurso, entendendo nós que os eventuais vícios deveriam ter sido suscitadas, primeiramente, perante o juiz da 1.ª instância e não arguidas em recurso.
[6] Que, em abono da verdade, e caso o tribunal recorrido tivesse querido lançar mão do conceito de «excepcional complexidade» dos autos, estaria muito mal justificado, assente que o Estado de Direito exigiria um despacho com uma concreta e casuística fundamentação, não sendo de aplaudir um despacho como o recorrido que apenas remete para os motivos invocados – quando é certo que os motivos são fluidos e não automaticamente conducentes a um juízo de excepcional complexidade - e nada mais…