Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1565/10.4TBFIG-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.17, 129, 135, 136 CIRE, 333 CT, 3, 201, 511 CPC
Sumário: 1. Para poder aferir sobre a efectiva e positiva existência do privilégio imobiliário especial conferido pelo artº 333º, nº1, al. b) do C.Trabalho [com o benefício para o correspondente crédito, em termos da respectiva graduação, concedido pelo nº 2, al. b) do mesmo], pode o Juiz despoletar procedimento tendente a apurar a verificação de tal requisito.

2. Optando o Juiz a quo por o fazer – com pedido de “informação” ao Sr. Administrador de Insolvência – impunha-se-lhe que, com coerência e no estrito respeito pelos princípios gerais enformadores do processo civil, observasse o devido formalismo processual na sequência, antes de proferir decisão final sobre tal questão, o que na circunstância se traduzia em notificar da “informação” obtida os interessados visados pela mesma, de forma a que estes sobre tal se pudessem pronunciar (princípio do contraditório, mormente face ao disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil).

3. Assim, a sentença de verificação e graduação de créditos proferida, sem observância do contraditório quanto a tal aspecto, enferma de ilegalidade, tendo dado cobertura implícita à omissão ocorrida, a qual configura uma nulidade processual, ex vi do art. 201°, nº1, do C.P.Civil, pelo que essa decisão deve ser revogada, a fim de ser observado o princípio referido.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 - RELATÓRIO

Por apenso aos autos de insolvência nos quais foi declarada a insolvência de “F (…) L.da”, mediante sentença de 25 de Novembro de 2011, vieram a ser processados os presentes autos de reclamação de créditos, que se iniciaram com a apresentação por parte do Sr. Administrador da Insolvência da “Relação de Créditos Reconhecidos e não Reconhecidos”, a que se refere o art. 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.[2]

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            Na sequência processual, foram deduzidas impugnações a essa lista por parte dos credores (…) relativamente ao que o Sr. Administrador da Insolvência informou que mantinha o seu parecer.

            Por subsequente despacho judicial foi determinada a notificação da Comissão de Credores nos termos e para os efeitos do disposto no art. 135º do C.I.R.E., e bem assim foi solicitado ao mesmo Sr. Administrador da Insolvência – tendo em conta estarem em causa nos autos créditos laborais que consabidamente gozavam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador onde os trabalhadores tivessem prestado a sua actividade – para esclarecer os autos “relativamente a que bens imóveis é que os identificados trabalhadores beneficiam do referido privilégio”.

            Satisfazendo este pedido de informação, o Sr. Administrador da Insolvência veio informar “que as instalações onde laborava a insolvente eram arrendadas”, concluindo no sentido de que “Nessa conformidade, os trabalhadores não beneficiam de privilégio imobiliário especial” (cf. fls. 130).

            Na sequência foi dado conhecimento a “todos os elementos que integram a comissão de credores, a fim de, querendo, se pronunciarem”.[3]

            Havia tido lugar oportunamente nos correspondentes autos, a apreensão dos bens da Insolvente, onde se integravam para além de um conjunto de bens móveis, os seguintes 3 bens imóveis: bens imóveis descritos na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob os n.º (...)e (...) (AF) da freguesia de (...) e concelho da Figueira da Foz (artigos matriciais (...)º e (...)º-AF, respectivamente) e bem imóvel descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º (...), da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz (artigo matricial (...)º-N).

                                                                       *

Efectuada a tentativa de conciliação a que alude o art. 136º, nº1 do C.I.R.E., nela não se alcançou acordo quanto às impugnações em causa por parte dos interessados presentes.

                                                           *

Veio então na sequência imediata a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a qual começou por julgar improcedentes as impugnações referenciadas, prosseguindo por homologar a lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, nessa conformidade passando a proferir decisão final de verificação e graduação, precedida de um enquadramento jurídico sobre a, em geral, natureza das garantias e privilégios creditórios de que os créditos beneficiam e respectivo modo de graduação, finalizando com a concreta graduação dos créditos reconhecidos/verificados nos autos e correspondente graduação, esta feita em geral para os bens da massa insolvente e e especial para os bens a que respeitavam direitos reais de garantia e privilégios creditórios, nos concretos termos constantes de fls. 140 a 151 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos para este efeito.

                                                           *
Não se conformando com a sentença proferida, vieram:

1) Os credores (…) a fls. 168-185 interpor recurso de apelação [referindo, em síntese, que os créditos que reclamam no âmbito dos presentes autos beneficiam de privilégio creditório imobiliário sobre os prédios descritos na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, sob os n.º (...)e (...) (AF) da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz], integrando a apresentação de alegações que finalizaram com as seguintes conclusões:
(…)

2) Os credores (…)  a fls. 213-214 pedir a rectificação de erro material que entendiam a sentença enfermar, por não terem os respectivos créditos laborais sido graduados quanto aos bens imóveis identificados sob as als. A) e B) da sentença;

3) O ISS-IP (Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Coimbra) a fls. 226-227 pedir a reforma da sentença na parte em que não graduou o crédito hipotecário de que é titular sobre os imóveis já referenciados;

4) Os credores (…) a fls. 232-233 subscrevendo a posição dos trabalhadores identificados em 1), solicitar a rectificação do erro material de escrita constante da sentença;

5) A credora (…) a fls. 238-249 interpor recurso de apelação da sentença [referindo, em súmula, que também o seu crédito deveria ser graduado como privilegiado especial relativamente a todos os imóveis apreendidos], integrando a apresentação de alegações que finalizou  com as seguintes conclusões:
(…)

6) Os credores (…) vieram a fls. 277-287 interpor recurso de apelação [referindo, em síntese, que os créditos que reclamam no âmbito dos presentes autos beneficiam de privilégio creditório imobiliário sobre os prédios descritos na sentença], integrando a apresentação de alegações que finalizaram com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                              *

O credor BCP apresentou contra-alegações a fls. 406-417 aos recursos atrás identificados, pugnando pela manutenção da sentença, por meio de alegações das quais extraiu as seguintes conclusões:

(…)

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Apreciando e decidindo este conjunto de pretensões, o Exmo. Juiz a quo através do despacho de fls. 435-454:

a) deu total acolhimento ao pedido de reforma da sentença por parte do ISS-IP (Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Coimbra), procedendo à alteração da graduação em conformidade;

b) quanto à nulidade arguida da art. 668º, nº1, al.b) do C.P.Civil, reconhecendo a sua verificação, supriu a mesma, através de pronúncia quanto a quais em concreto dos trabalhadores reconhecia gozarem do privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente, a saber, apenas às credoras (…) e relativamente ao prédio descrito na C.R.Predial da Figueira da Foz  sob o nº (...) (AF) da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz, mais procedendo à alteração da graduação em conformidade.
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            Notificados deste despacho, vieram:
a) os credores (…)a fls. 517, nos termos do art. 670º, nº3 do C.P.Civil, manifestar o interesse no prosseguimento do recurso, sem contudo ampliar ou restringir o seu âmbito (porquanto o mesmo se debruçava sobre a fundamentação do tribunal a quo ora expendida no despacho de rectificação);
b) os credores (…) a fls. 522-523, manifestar-se no sentido de que, à excepção das recorrentes “(…) devia o recurso antes interposto prosseguir, nos exactos termos em que o foi, embora restrito à parte em que ficaram vencidas, isto é, quanto à sua pretensão de que o privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente de que os seus créditos alegadamente gozam, devia abranger igualmente o restante património imobiliário da Insolvente [não se esgotando no prédio urbano descrito na C.R.Predial da Figueira da Foz  sob o nº (...) (AF) da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz ];
c) a credora (…),  a fls. 528-532, nos termos e para os efeitos do disposto no nº3 do art. 670º do C.P.Civil, alargar o âmbito do recurso anteriormente por si interposto, no contexto do que apresentou alegações contendo as seguintes conclusões complementares:

(…)
d) o credor BCP apresentou contra-alegações a fls. 550-562 aos recursos atrás identificados, dando por reproduzidas as suas anteriores contra-alegações de recurso, as quais tendo sido transcritas supra, para tal se remete aqui e agora.  

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            Nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso[4], face ao que é possível detectar o seguinte:

- da nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório;

- da incorrecção da decisão de não reconhecimento do privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente relativamente aos créditos dos trabalhadores recorrentes (aspecto da alegação e prova de que exerciam a sua actividade profissional nesses imóveis).

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – da nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório:

Como flui do relatório precedente, esta questão foi suscitada pela credora/recorrente (…), quando alargou o âmbito do recurso anteriormente por si interposto, e por via das conclusões complementares das suas alegações recursórias que para esse efeito apresentou.

Neste particular, insurge-se enfaticamente a mesma contra o iter seguido pelo Exmo. Juiz a quo antes de prolatar a sentença de verificação e graduação de créditos, mais concretamente, ter sido a mesma precedida e (unicamente) fundada numa “informação” do Sr. Administrador de Insolvência, em 22.11.2012, o qual “esclareceu”, a pedido do Exmo. Juiz, que os trabalhadores não beneficiavam de privilégio imobiliário especial, mas sucedendo que nem o Tribunal a quo, nem o Senhor Administrador de Insolvência haviam notificado esta recorrente de tal informação, desta forma a impossibilitando de tal impugnar e sobre tal produzir prova em contrário, donde a invocada violação do princípio do contraditório e do direito de defesa dos direitos dos reclamantes (previsto no art. 3º do C.P.Civil, aplicável ex vi art.º 17º do C.I.R.E.).

Que dizer?

Está em causa uma nulidade processual por alegado desvio do formalismo processual seguido relativamente àquele que deveria ter sido observado.

Nos termos do disposto no art. 201º, nº1 do C.P.Civil, não sendo causa de nulidade legalmente tipificada (nos artigos anteriores ao artigo 201º ou em disposição avulsa que comine tal vício à infracção em causa), a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Não estando em causa nenhuma das nulidades previstas nos arts. 193º, 194º, na segunda parte do n°2 do art. 198° e nos arts. 199° e 200º, todos do C.P.Civil, ou em que a lei permita o seu conhecimento oficioso, o tribunal apenas poderá conhecer de um tal vício após reclamação do interessado (art. 202° do mesmo C.P.Civil), sendo certo que as nulidades que não sejam de conhecimento oficioso devem ser apreciadas logo que reclamadas (cf. art. 206°, n°3, do C.P.Civil).

O prazo para a dedução de reclamação contra eventual nulidade que não seja de conhecimento oficioso é de dez dias, sempre que a parte não esteja presente, por si ou por mandatário, no momento em que é cometida (arts. 205°, n°1, 2ª parte e 153º, ambos do C.P.Civil), sendo o termo inicial de tal prazo o dia em que depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.[5]

As disposições legais que se têm vindo a citar permitem concluir, com toda a segurança, que o meio próprio de reacção contra a prática de nulidades processuais atípicas é a reclamação para o órgão que praticou ou omitiu o acto contrário à lei e não o recurso. Só assim não será quando o vício esteja explícita ou implicitamente coberto por uma decisão judicial. Daí que seja corrente a afirmação de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”[6].

 No caso em apreço, a hipotética nulidade arguida pela recorrente está
implicitamente coberta pelo despacho recorrido (
rectius, nos termos resultantes da sua “rectificação” na sequência da apreciação e decisão sobre a nulidade daquele), como até de certo ponto se esclarece pela justificação integral dele constante.
Na verdade, o Exmo. Juiz a quo louvou-se para fundamentar a sua decisão sobre o crucial aspecto da existência ou não de privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente, por parte de todos (e de cada um) dos créditos dos trabalhadores que haviam reclamado créditos sobre a Insolvente nos autos, na “informação” que lhe foi prestada pelo Sr. Administrador de Insolvência.
Acontece que foi pressuposto lógico e justificação racional para um tal pedido de informação, o Exmo. Juiz a quo ter uma dúvida – face aos elementos constantes dos autos – sobre essa questão.
De outra forma não se compreenderia um tal pedido de “informação” ou esclarecimento, tanto mais que está vedado ao Juiz a prática de actos inúteis (cf. art. 137º do C.P.Civil)…
Mas optando o Exmo. Juiz a quo por o ter feito[7], impunha-se-lhe que, com coerência e no estrito respeito pelos princípios gerais enformadores do processo civil, observasse o devido formalismo processual na sequência, antes de proferir decisão final sobre tal questão, o que na circunstância se traduzia em notificar da “informação” obtida os interessados visados pela mesma, de forma a que estes sobre tal se pudessem pronunciar.
Tenha-se em linha de conta que a “informação” prestada vinha contrariar frontalmente a indicação anterior do próprio Sr. Administrador de Insolvência constante da “Relação de Créditos Reconhecidos e não Reconhecidos” (art. 129º do C.I.R.E., na qual aludira a todos esses créditos dos trabalhadores gozarem do dito privilégio imobiliário especial), para além de que se configurava liminarmente como “inverosímil” – no segmento em que nela agora se dava notícia de “que as instalações onde laborava a insolvente eram arrendadas” – quando constava certificado nos autos, pela apreensão neles já efectuada, de imóveis da Insolvente, que resultava serem “lojas”/”postos de distribuição” da mesma…       
Neste conspecto, o dever de observância do contraditório era imposto por um liminar dever de prudência e sempre em abono da justiça e da verdade, para além de que se perspectivando a prolação de uma decisão “contra” os reclamantes em causa, tal dever era directamente imposto pelo disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil, não sendo caso de “manifesta desnecessidade” a sua observância!
E nem se argumente que os trabalhadores credores não haviam cumprido o dever de alegação legalmente imposto quanto ao privilégio imobiliário especial que reclamavam: é certo que o art. 128º, nº1, al.c) do C.I.R.E. impõe a indicação dos “respectivos dados de identificação registral” para créditos dessa natureza (na conjugação com a definição constante do art. 47º, nº4, al.a) do mesmo C.I.R.E.), mas daí não resulta que à falta de indicação desse aspecto corresponda a não “alegação” tout court (ademais importa não confundir a “alegação” com a “prova”!), quando é certo que jurídico-processualmente a essa falta ou deficiente alegação não se torna legítimo fazer corresponder sem mais um efeito preclusivo!
Acresce que uma grande maioria dos trabalhadores havia feito a sua reclamação de créditos e invocação destes gozarem do dito privilégio imobiliário especial com referência a uma ou mais “lojas” da Insolvente (indicando o respectivo nº de polícia e Rua onde se situavam), o que sempre se traduz no cumprimento mínimo da exigência legal de identificação (registral), sendo que então ao Sr. Administrador de Insolvência é que cumpriria esclarecer em último termo a situação.
Noutro plano, também não deixa de nos suscitar alguma incompreensão a “facilidade” com que se rectificou a “natureza” dos créditos de duas das trabalhadoras, no acolhimento linear do que fora a “alegação” das mesmas, quando a posição do Sr. Administrador de Insolvência por último manifestada (equívoca, está bem de ver!) fora de sinal contrário…  
Sendo certo que existindo ou subsistindo dúvida após o exercício do contraditório, se impunha então que tivesse lugar uma mais ampla e formalizada  produção de prova, com prévia elaboração da base instrutória atinente, sendo disso caso (cf. art. 136º, nº3 do C.I.R.E. e remissão para o disposto no art. 511º do C.P.Civil).
“Quid iuris” então?   
Em nosso entender a preterição do princípio do contraditório no que respeita à “informação” oficiosamente solicitada pelo tribunal aos interessados visados pela mesma, é efectivamente passível de influir no exame ou na decisão da causa, constituindo um ataque injustificado às exigências de um processo justo e equitativo (cf. art. 20°, n°4, da Constituição da República Portuguesa).
Nesta medida, a decisão proferida sem observância do contraditório enferma de ilegalidade, tendo dado cobertura implícita à omissão ocorrida, a qual configura uma nulidade processual, ex vi do art. 201°, nº1, do C.P.Civil.
E nestes termos, a decisão recorrida (aqui se incluindo obviamente a rectificação de que aquela foi objecto) enferma de ilegalidade por violação do princípio do contraditório, vício que prejudica a apreciação do acerto do mérito dessa mesma decisão, pelo que essa decisão deve ser revogada, a fim de ser observado o princípio referido.

Dito de outra forma: determina-se a revogação da sentença de verificação e de graduação de créditos recorrida, por força do que fica, por ora, prejudicada a apreciação e decisão sobre a questão atinente ao mérito da mesma suscitada nos recursos.
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            Encontrada está assim a resposta para a questão remanescente, a saber, a
4.2 – da incorrecção da decisão de não reconhecimento do privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente relativamente aos créditos dos trabalhadores recorrentes (aspecto da alegação e prova de que exerciam a sua actividade profissional nesses imóveis),
sendo, consequentemente, no sentido de que está prejudicada a sua apreciação, por ora.
Sem embargo, sempre se dirá que a sua integral e adequada apreciação nos parece estar dependente de dados de facto que se afiguram estar ainda controvertidos, como sejam o da estabilidade ou permanência do exercício laboral pelos trabalhadores reclamantes (cada um deles) nos concretos imóveis apreendidos à Insolvente, o que está conectado com o modo, período temporal e duração desse eventual exercício laboral (inclusive o aspecto da alegada “rotatividade”).   

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Para poder aferir sobre a efectiva e positiva existência do privilégio imobiliário especial conferido pelo artº 333º, nº1, al. b) do C.Trabalho [com o benefício para o correspondente crédito, em termos da respectiva graduação, concedido pelo nº 2, al. b) do mesmo], pode o Juiz despoletar procedimento tendente a apurar a verificação de tal requisito.
II – Optando o Juiz a quo por o fazer – com pedido de “informação” ao Sr. Administrador de Insolvência – impunha-se-lhe que, com coerência e no estrito respeito pelos princípios gerais enformadores do processo civil, observasse o devido formalismo processual na sequência, antes de proferir decisão final sobre tal questão, o que na circunstância se traduzia em notificar da “informação” obtida os interessados visados pela mesma, de forma a que estes sobre tal se pudessem pronunciar (princípio do contraditório, mormente face ao disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil).
III – Assim, a sentença de verificação e graduação de créditos proferida, sem observância do contraditório quanto a tal aspecto, enferma de ilegalidade, tendo dado cobertura implícita à omissão ocorrida, a qual configura uma nulidade processual, ex vi do art. 201°, nº1, do C.P.Civil, pelo que essa decisão deve ser revogada, a fim de ser observado o princípio referido.

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6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se, a final, na procedência da ampliação do âmbito do recurso de apelação da credora (…) revogar a sentença de verificação e graduação de créditos sob censura (integrando a sua rectificação), devendo o Exmo. Juiz a quo notificar os credores trabalhadores que reclamaram créditos com alegado privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente, da “informação” prestada pelo Sr. Administrador de Insolvência a fls. 130 dos autos, para exercício do contraditório por parte dos mesmos, sopesando após os argumentos que pelos mesmos venham a ser aduzidos, sendo que a existir ou subsistir dúvida sobre a existência de tal privilégio, deve ser elaborada base instrutória em ordem a dirimir tal questão.

            Custas pelo vencido a final.

                                                           *                                                        

Coimbra, 5 de Novembro de 2013

Luís Filipe Cravo (Relator)

Maria José Guerra

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des.ª Maria José Guerra
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Doravante designado abreviadamente como “C.I.R.E.” (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março, e alterado pelo DL nº 200/2004, de 18 de Agosto, que o republicou).
[3] De referir que se extrai dos autos ser a Comissão de Credores formada por: “(…)
[4] De referir que relativamente às nulidades da sentença – por contradição entre a fundamentação e a decisão e por falta de fundamentação, nos termos do disposto no art.º 668º, nº1, al.s b) e c), do CPC – que haviam sido arguidas por alguns dos recorrentes nas suas alegações, as mesmas já foram objecto de apreciação pelo Exmo. Juiz a quo no despacho adrede proferido, suprindo-as no termos que entendeu fazer, sem que subsista agora necessidade de sobre tal este tribunal de recurso se pronunciar ou de nessa estrita medida ainda serem apreciadas e decididas.
[5] Sendo que nesta eventualidade, sendo o processo expedido em recurso antes de findar o prazo para a dedução da reclamação, a arguição da nulidade pode ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição (art. 205º, n°3, do C.P.Civil).
[6] A este propósito veja-se ALBERTO DOS REIS in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Volume 2º, Coimbra Editora 1945, a págs. 507; na jurisprudência, por todos, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Novembro de 1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, tomo V, 1995, a págs. 129-130.
[7] Com tal aderindo e perfilhando o entendimento de que para poder aferir sobre a efectiva e positiva existência do privilégio imobiliário especial conferido pelo artº 333º, nº1, al. b) do C.Trabalho [com o benefício para o correspondente crédito, em termos da respectiva graduação, concedido pelo nº 2, al. b) do mesmo], pode o Juiz despoletar procedimento tendente a apurar a verificação de tal requisito: cf., neste sentido, o Acórdão do T.R. de Coimbra de 25-01-2011, no proc. nº 897/06.0TBOBR-B.C1,  acessível em  www.dgsi.pt/jtrc.