Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUIS CRAVO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITO LABORAL PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO | ||
Data do Acordão: | 11/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | FIGUEIRA DA FOZ 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.17, 129, 135, 136 CIRE, 333 CT, 3, 201, 511 CPC | ||
Sumário: | 1. Para poder aferir sobre a efectiva e positiva existência do privilégio imobiliário especial conferido pelo artº 333º, nº1, al. b) do C.Trabalho [com o benefício para o correspondente crédito, em termos da respectiva graduação, concedido pelo nº 2, al. b) do mesmo], pode o Juiz despoletar procedimento tendente a apurar a verificação de tal requisito. 2. Optando o Juiz a quo por o fazer – com pedido de “informação” ao Sr. Administrador de Insolvência – impunha-se-lhe que, com coerência e no estrito respeito pelos princípios gerais enformadores do processo civil, observasse o devido formalismo processual na sequência, antes de proferir decisão final sobre tal questão, o que na circunstância se traduzia em notificar da “informação” obtida os interessados visados pela mesma, de forma a que estes sobre tal se pudessem pronunciar (princípio do contraditório, mormente face ao disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil). 3. Assim, a sentença de verificação e graduação de créditos proferida, sem observância do contraditório quanto a tal aspecto, enferma de ilegalidade, tendo dado cobertura implícita à omissão ocorrida, a qual configura uma nulidade processual, ex vi do art. 201°, nº1, do C.P.Civil, pelo que essa decisão deve ser revogada, a fim de ser observado o princípio referido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]
* 1 - RELATÓRIO Por apenso aos autos de insolvência nos quais foi declarada a insolvência de “F (…) L.da”, mediante sentença de 25 de Novembro de 2011, vieram a ser processados os presentes autos de reclamação de créditos, que se iniciaram com a apresentação por parte do Sr. Administrador da Insolvência da “Relação de Créditos Reconhecidos e não Reconhecidos”, a que se refere o art. 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.[2] * Na sequência processual, foram deduzidas impugnações a essa lista por parte dos credores (…) relativamente ao que o Sr. Administrador da Insolvência informou que mantinha o seu parecer. Por subsequente despacho judicial foi determinada a notificação da Comissão de Credores nos termos e para os efeitos do disposto no art. 135º do C.I.R.E., e bem assim foi solicitado ao mesmo Sr. Administrador da Insolvência – tendo em conta estarem em causa nos autos créditos laborais que consabidamente gozavam de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador onde os trabalhadores tivessem prestado a sua actividade – para esclarecer os autos “relativamente a que bens imóveis é que os identificados trabalhadores beneficiam do referido privilégio”. Satisfazendo este pedido de informação, o Sr. Administrador da Insolvência veio informar “que as instalações onde laborava a insolvente eram arrendadas”, concluindo no sentido de que “Nessa conformidade, os trabalhadores não beneficiam de privilégio imobiliário especial” (cf. fls. 130). Na sequência foi dado conhecimento a “todos os elementos que integram a comissão de credores, a fim de, querendo, se pronunciarem”.[3] Havia tido lugar oportunamente nos correspondentes autos, a apreensão dos bens da Insolvente, onde se integravam para além de um conjunto de bens móveis, os seguintes 3 bens imóveis: bens imóveis descritos na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob os n.º (...)e (...) (AF) da freguesia de (...) e concelho da Figueira da Foz (artigos matriciais (...)º e (...)º-AF, respectivamente) e bem imóvel descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º (...), da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz (artigo matricial (...)º-N). * Efectuada a tentativa de conciliação a que alude o art. 136º, nº1 do C.I.R.E., nela não se alcançou acordo quanto às impugnações em causa por parte dos interessados presentes. * Veio então na sequência imediata a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a qual começou por julgar improcedentes as impugnações referenciadas, prosseguindo por homologar a lista de credores reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, nessa conformidade passando a proferir decisão final de verificação e graduação, precedida de um enquadramento jurídico sobre a, em geral, natureza das garantias e privilégios creditórios de que os créditos beneficiam e respectivo modo de graduação, finalizando com a concreta graduação dos créditos reconhecidos/verificados nos autos e correspondente graduação, esta feita em geral para os bens da massa insolvente e e especial para os bens a que respeitavam direitos reais de garantia e privilégios creditórios, nos concretos termos constantes de fls. 140 a 151 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos para este efeito. * 1) Os credores (…) a fls. 168-185 interpor recurso de apelação [referindo, em síntese, que os créditos que reclamam no âmbito dos presentes autos beneficiam de privilégio creditório imobiliário sobre os prédios descritos na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, sob os n.º (...)e (...) (AF) da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz], integrando a apresentação de alegações que finalizaram com as seguintes conclusões: 2) Os credores (…) a fls. 213-214 pedir a rectificação de erro material que entendiam a sentença enfermar, por não terem os respectivos créditos laborais sido graduados quanto aos bens imóveis identificados sob as als. A) e B) da sentença; 3) O ISS-IP (Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Coimbra) a fls. 226-227 pedir a reforma da sentença na parte em que não graduou o crédito hipotecário de que é titular sobre os imóveis já referenciados; 4) Os credores (…) a fls. 232-233 subscrevendo a posição dos trabalhadores identificados em 1), solicitar a rectificação do erro material de escrita constante da sentença; 5) A credora (…) a fls. 238-249 interpor recurso de apelação da sentença [referindo, em súmula, que também o seu crédito deveria ser graduado como privilegiado especial relativamente a todos os imóveis apreendidos], integrando a apresentação de alegações que finalizou com as seguintes conclusões: 6) Os credores (…) vieram a fls. 277-287 interpor recurso de apelação [referindo, em síntese, que os créditos que reclamam no âmbito dos presentes autos beneficiam de privilégio creditório imobiliário sobre os prédios descritos na sentença], integrando a apresentação de alegações que finalizaram com as seguintes conclusões: (…) * O credor BCP apresentou contra-alegações a fls. 406-417 aos recursos atrás identificados, pugnando pela manutenção da sentença, por meio de alegações das quais extraiu as seguintes conclusões: (…) * Apreciando e decidindo este conjunto de pretensões, o Exmo. Juiz a quo através do despacho de fls. 435-454: a) deu total acolhimento ao pedido de reforma da sentença por parte do ISS-IP (Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Coimbra), procedendo à alteração da graduação em conformidade; b) quanto à nulidade arguida da art. 668º, nº1, al.b) do C.P.Civil, reconhecendo a sua verificação, supriu a mesma, através de pronúncia quanto a quais em concreto dos trabalhadores reconhecia gozarem do privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente, a saber, apenas às credoras (…) e relativamente ao prédio descrito na C.R.Predial da Figueira da Foz sob o nº (...) (AF) da freguesia de (...), concelho da Figueira da Foz, mais procedendo à alteração da graduação em conformidade. (…) * Nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso[4], face ao que é possível detectar o seguinte: - da nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório; - da incorrecção da decisão de não reconhecimento do privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente relativamente aos créditos dos trabalhadores recorrentes (aspecto da alegação e prova de que exerciam a sua actividade profissional nesses imóveis). * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra. * 4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1 – da nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório: Como flui do relatório precedente, esta questão foi suscitada pela credora/recorrente (…), quando alargou o âmbito do recurso anteriormente por si interposto, e por via das conclusões complementares das suas alegações recursórias que para esse efeito apresentou. Neste particular, insurge-se enfaticamente a mesma contra o iter seguido pelo Exmo. Juiz a quo antes de prolatar a sentença de verificação e graduação de créditos, mais concretamente, ter sido a mesma precedida e (unicamente) fundada numa “informação” do Sr. Administrador de Insolvência, em 22.11.2012, o qual “esclareceu”, a pedido do Exmo. Juiz, que os trabalhadores não beneficiavam de privilégio imobiliário especial, mas sucedendo que nem o Tribunal a quo, nem o Senhor Administrador de Insolvência haviam notificado esta recorrente de tal informação, desta forma a impossibilitando de tal impugnar e sobre tal produzir prova em contrário, donde a invocada violação do princípio do contraditório e do direito de defesa dos direitos dos reclamantes (previsto no art. 3º do C.P.Civil, aplicável ex vi art.º 17º do C.I.R.E.). Que dizer? Está em causa uma nulidade processual por alegado desvio do formalismo processual seguido relativamente àquele que deveria ter sido observado. Nos termos do disposto no art. 201º, nº1 do C.P.Civil, não sendo causa de nulidade legalmente tipificada (nos artigos anteriores ao artigo 201º ou em disposição avulsa que comine tal vício à infracção em causa), a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Não estando em causa nenhuma das nulidades previstas nos arts. 193º, 194º, na segunda parte do n°2 do art. 198° e nos arts. 199° e 200º, todos do C.P.Civil, ou em que a lei permita o seu conhecimento oficioso, o tribunal apenas poderá conhecer de um tal vício após reclamação do interessado (art. 202° do mesmo C.P.Civil), sendo certo que as nulidades que não sejam de conhecimento oficioso devem ser apreciadas logo que reclamadas (cf. art. 206°, n°3, do C.P.Civil). O prazo para a dedução de reclamação contra eventual nulidade que não seja de conhecimento oficioso é de dez dias, sempre que a parte não esteja presente, por si ou por mandatário, no momento em que é cometida (arts. 205°, n°1, 2ª parte e 153º, ambos do C.P.Civil), sendo o termo inicial de tal prazo o dia em que depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.[5] As disposições legais que se têm vindo a citar permitem concluir, com toda a segurança, que o meio próprio de reacção contra a prática de nulidades processuais atípicas é a reclamação para o órgão que praticou ou omitiu o acto contrário à lei e não o recurso. Só assim não será quando o vício esteja explícita ou implicitamente coberto por uma decisão judicial. Daí que seja corrente a afirmação de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”[6]. No caso em apreço, a hipotética nulidade arguida pela recorrente está Dito de outra forma: determina-se a revogação da sentença de verificação e de graduação de créditos recorrida, por força do que fica, por ora, prejudicada a apreciação e decisão sobre a questão atinente ao mérito da mesma suscitada nos recursos. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA I – Para poder aferir sobre a efectiva e positiva existência do privilégio imobiliário especial conferido pelo artº 333º, nº1, al. b) do C.Trabalho [com o benefício para o correspondente crédito, em termos da respectiva graduação, concedido pelo nº 2, al. b) do mesmo], pode o Juiz despoletar procedimento tendente a apurar a verificação de tal requisito. * 6 - DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se, a final, na procedência da ampliação do âmbito do recurso de apelação da credora (…) revogar a sentença de verificação e graduação de créditos sob censura (integrando a sua rectificação), devendo o Exmo. Juiz a quo notificar os credores trabalhadores que reclamaram créditos com alegado privilégio imobiliário especial sobre os prédios da Insolvente, da “informação” prestada pelo Sr. Administrador de Insolvência a fls. 130 dos autos, para exercício do contraditório por parte dos mesmos, sopesando após os argumentos que pelos mesmos venham a ser aduzidos, sendo que a existir ou subsistir dúvida sobre a existência de tal privilégio, deve ser elaborada base instrutória em ordem a dirimir tal questão. Custas pelo vencido a final. * Coimbra, 5 de Novembro de 2013
Luís Filipe Cravo (Relator) Maria José Guerra António Carvalho Martins
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