Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3962/12.1TBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PROCESSO
FALTA DE ENTREGA
COMINAÇÃO
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 389º, Nº 1, AL. B) DO CPC.
Sumário: I – O facto de uma parte protestar, na petição inicial, a junção aos autos de documentos não impede a imediata citação da ré nos termos do nº 1 do artigo 234º do CPC.

II - A notificação judicial da autora para juntar tais documentos no prazo de 10 dias, seguida da determinação judicial de não se proceder à citação antes de tal junção, só relevaria para efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC se o despacho judicial exprimisse a essencialidade dos documentos para que a ré compreendesse exactamente os fundamentos/causa de pedir da acção e cominasse a sua não junção no prazo determinado por lei com a caducidade da providência decretada.

III - Não exprimindo o despacho tal essencialidade nem tendo expresso o efeito cominatório, a não junção dos documentos no prazo de 30 dias, embora se possa classificar de negligentemente desrespeitadora de todos quantos naquele processo intervêm – 266º, 266ºA e 266ºB, todos do CPC -, não pode ter a cominação prevista na lei, já que tal omissão por si só não tem a virtualidade de fazer suspender o normal andamento do processo.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

                A… – Centro de Inspecções Mecânica em Automóveis, SA propôs a presente providência cautelar de restituição provisória de posse contra B…, Lda.

Em síntese apertada alegou que no âmbito da sua actividade promoveu a instalação de 25 centros de inspecção no território nacional, que explora e gere no seu exclusivo interesse, e de entre os quais se encontra o Centro de Inspecção Automóvel de … que foi aprovado pela Direcção-geral de Viação em 6 de Março de 1997. Para a exploração do Centro de Inspecção de … a requerente optou por proceder à sua instalação mediante a locação de todas as infra-estruturas, equipamentos, meios técnicos e serviços administrativos necessários ao seu funcionamento, o que foi acordado com a requerida e vazado em escrito outorgado em 7 de Fevereiro de 1995 e denominado por protocolo e ao qual se encontra associado o contrato de arrendamento celebrado em 15 de Novembro de 1994.

Neste contexto adveio para a requerente a posse das instalações correspondentes ao rés-do-chão propriedade da requerida, bem como das demais infra-estruturas e equipamentos afectos à exploração e funcionamento do Centro de Inspecções de …, o que se verificou desde o início do funcionamento do Centro de Inspecção de … e até ao passado dia 11 de Maio de 2012.

Sucede que os gerentes da requerida, no passado dia 11 de Maio de 2012, entraram nas instalações da requerente de onde retiraram um trabalhador que foi obrigado a cessar a o trabalho de atendimento ao público.

A requerente encontra-se desapossada das instalações e de todos os meios de produção, propriedade da requerida mas que lhe foram cedidos, bem como de todos os equipamentos e meios de produção que são sua propriedade, o que fez mediante violência – coação física e moral – sobre trabalhadores da requerente.

Subsidiariamente requer a restituição das chaves de acesso às instalações do Centro de Inspecções, bem como ser ressarcida de prejuízos que sofreu e que contabiliza na ordem dos € 750.000,00 e que se continuam a acumular caso se mantenha a impossibilidade de acesso às instalações.

                Concluiu:

A. Pela restituição provisória da posse das instalações propriedade da requerida, onde se encontra localizado o centro de inspecções de veículos de …, propriedade da requerente A…, SA, sitas …, bem como de todas as infra-estruturas, equipamentos e meios de produção que ali se encontram afectos ao desenvolvimento da actividade de inspecção de veículos por parte da requerente, pelo período em que esta se encontre obrigada a nelas permanecer, por força de decisão judicial ou por força de decisão da entidade administrativa competente.

B. Que seja a requerida intimada no sentido de que se deve abster de praticar quaisquer actos que possam condicionar, limitar ou impedir o acesso e utilização das referidas instalações para os efeitos acima mencionados por parte do requerente, bem como se deve abster de, por actos ou omissões interferir ou por qualquer modo condicionar a exploração e gestão do centro de inspecções de … por parte da requerente.

C. Subsidiariamente

a. Seja ordenada a restituição das chaves e das instalações conforme atrás identificado pelo período em que esta se encontre obrigada a nelas permanecer por força de decisão judicial ou por força de decisão da entidade administrativa competente.

b. Seja a requerida intimada no sentido de se abster de praticar quaisquer actos que possam condicionar, limitar ou impedir o acesso e utilização das referidas instalações para os efeitos acima mencionados, por parte da requerente, bem como se deve abster de, por actos ou omissões, interferir ou por qualquer modo condicionar a exploração e gestão do centro de inspecções de … por parte da requerente.  

D. Fixar-se sanção pecuniária compulsória que julgue mais adequada às circunstâncias em apreço de montante não inferior a € 5.000,00 diários, por cada infracção às providências que venham a ser impostas à requerida sem prejuízo do disposto no artigo 391º do CPC.

                Sem prévia audição da requerida, designou-se dia e hora para a inquirição das testemunhas, seguindo-se a prolação de sentença por parte da Sra. Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu que julgou o procedimento cautelar procedente por provado e consequentemente:

A) Restituiu provisoriamente à requerente a detenção das instalações propriedade da requerida onde se encontra localizado o centro de inspecções de veículos de …, bem como de todas as infra-estruturas, equipamentos e meios de produção que ali se encontram afectos ao desenvolvimento da actividade de inspecção de veículos por parte da requerente, pelo período que esta se encontra obrigada a nelas permanecer por força de decisão judicial ou por força de decisão da entidade administrativa competente.

B) Condenou a requerida a abster de praticar quaisquer actos que possam condicionar, limitar ou impedir o acesso e utilização das instalações referidas em A) por parte da requerente e de interferir, por actos ou omissões, ou por qualquer modo condicionar a exploração e gestão do centro de inspecções de … por parte da requerente.

                A requerida foi citada nos termos constantes de folhas 94 a 96, deduziu oposição que em 1 de Março de 2013 – cf. folhas 165 e 168 – aguardava decisão.

                Em requerimento dirigido ao processo nº 3003/12.9TBVIS, a aqui requerida B…, Lda. suscitou a caducidade da providência decretada escorando-se nas seguintes razões: Em 14 de Outubro de 2012 foi instaurado o procedimento cautelar que viria a ser deferido sem audiência do requerido, ordenando-se a restituição provisória da posse do estabelecimento, procedimento que instaurado como preliminar da acção principal que foi distribuída ao 1º Juízo com o nº 3962/12.9TBVIS em 26 de Dezembro de 2012. Nesta acção ainda se não procedeu à citação da aqui requerida em virtude da aqui requerente ali autora haver protestado juntar em prazo não inferior a 10 dias determinados documentos, impedindo a que a Secção promovesse a citação da ré aqui requerida para a respectiva acção. Ultrapassado esse prazo em 30 de Janeiro de 2013 foi proferido despacho a fixar em 10 dias o prazo para a junção dos documentos protestados juntar e que só após a sua junção se procederia à citação da requerida/ré. Decorrido o prazo a autora nada disse, verificando-se que a acção se encontra parada há cerca de 60 dias por negligência da autora, já que não invocou qualquer dificuldade para a sua não junção. Como os prazos de caducidade não se suspendem nem interrompem a não ser nos casos previstos por lei, concluiu pela caducidade da providência decretada.



                Respeitado o contraditório, a autora/requerente sustentou o seguinte entendimento: a aplicação da cominação preceituada na alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC depende da verificação in casu de comportamento negligente o que não se verificou nem se verifica, porque desde o final de Janeiro de 2013 que se encontram pendentes conversações entre requerente e requerida no sentido de alcançar um entendimento que possibilite a resolução de múltiplos litígios judiciais que estão pendentes. (…) Porque ainda se encontram em curso as conversações no sentido de tentar alcançar um entendimento entre requerente e requerida, aquela propôs pedido de suspensão da instância no âmbito do processo nº 3151/11.2TBVIS com vista a uma solução global de todos os litígios pendentes. Assim foi motivada pela boa fé que a requerente ainda não procedeu a junção aos autos dos documentos que protestou juntar, atenta a possibilidade de entendimento ou acordo. A pretensão da requerida consistirá num verdadeiro abuso de direito.

                Concluiu pela não classificação como negligente da sua conduta e consequentemente devem improceder as razões invocadas pela requerente no sentido de ser declarada a caducidade da providência cautelar decretada.


*

                Notificada a requerente respondeu nos termos vazados no requerimento de folhas 179 a 183.

                Conclusos os autos, a Sra. Juiz proferiu-se a seguinte decisão:

                (…)

                Atento o exposto, nos termos do disposto no artigo 389º, nº 1, alínea b) do CPC, com fundamento em caducidade, ordeno o levantamento da providência decretada, designadamente da restituição provisória de posse descrita no facto 1 e, em consequência, deve a requerida B…, Lda. ser inteirada na posse das instalações onde se encontra localizado o centro de inspecções de veículos de …, bem como de todas as infra-estruturas, equipamentos e meios de produção que ali se encontram afectos ao desenvolvimento da actividade de inspecção de veículos.

                Notificada da decisão a A… – Centro de Inspecção Mecânica em Automóveis, SA interpôs recurso que instruiu com as suas doutas alegações para a final concluir:

                Notificada a requerida/apelada apresentou as suas doutas contra alegações e a final rematou formulando as seguintes conclusões:

                Por despacho de folhas 155, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e em separado e com efeito meramente devolutivo.

                2. Delimitação objectiva do recurso          

                As questões a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, são as seguintes:

Ø Caducidade da providência cautelar.

Ø Verificação ou não do elemento subjectivo vazado na alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC.

Ø Abuso de direito.

                3. Colhidos os vistos aprecia-se e decide-se

                Como os intervenientes – apelante e apelada – concordam com a matéria de facto vazada na decisão recorrida é com a sua transcrição que iniciamos o conhecimento do recurso.

                3.1 – Matéria de facto provada

                4. Olhando a douta decisão recorrida concluímos que a mesma interpreta a alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC, dando por verificado o decurso do prazo de 30 dias – elemento objectivo.

Já quanto ao elemento subjectivo transcreveremos por importante à boa apreciação do recurso os fundamentos vazados na douta decisão recorrida:

“A negligência traduz a omissão de um dever de diligência, exigível a um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – art. 487.º, n.º 2 do Código Civil. Para não juntar os documentos aos autos até ao 33.º dia de paragem da acção, a requerente não invocou qualquer impedimento na sua obtenção ou dificuldades na sua junção. A sua argumentação move-se num outro domínio. Estando pendentes vários processos de natureza cível e criminal, todos decorrentes da disputa do direito de exploração do centro de inspecções de veículos, a aqui requerida e “T…A” pediram a suspensão da instância no processo n.º 3151/12.2TBVIS, do 4.º Juízo Cível deste tribunal, por se encontrarem em curso negociações entre as partes com vista a uma solução global de todos os litígios pendentes. Atenta essa possibilidade de acordo, não seria razoável concluir pela suspensão de uma acção e promover a celeridade de outras. O comportamento da aqui requerida foi de molde a gerar na requerente a confiança de que, não juntando os documentos à acção, não estava a lesar qualquer direito ou expectativa legítima da requerida e a invocação da caducidade constitui mesmo abuso de direito É certo que os diversos processos judiciais que envolvem, de um lado, a aqui requerida “B…,L.dª” e do outro lado a aqui requerente “A …, SA” e “T…, SA” têm uma motivação comum, a saber, a disputa do direito de exploração do centro de inspecções de veículos, situado na ...

 Também se apurou que o ilustre mandatário da aqui requerida, mediante requerimento de subscrição múltipla de 20 de Fevereiro de 2013, pediu a suspensão da instância por 30 dias no processo n.º 3151/11.2TVIS, do 4.º Juízo Cível, que “T…, SA” move a “B…, L.da”, “na medida em que retomaram negociações globais, relativas não só ao presente processo mas também aos demais que mantêm pendentes neste Tribunal, as quais a concretizarem-se permitirão pôr-lhes termo” (facto 7).

Em primeiro lugar cumpre realçar que o requerimento de suspensão da instância foi apresentado no processo n.º 3151/11.2TVIS, do 4.º Juízo Cível e não neste procedimento ou na acção respectiva. Embora a motivação invocada para a suspensão pela aqui requerida seja a retoma de negociações globais com vista a pôr termo àquela concreta acção e às restantes que pendem neste tribunal, entre as quais se encontram este procedimento cautelar e a respectiva acção, tal não constitui substrato bastante para gerar na requerente a convicção de que não estava obrigada a impulsionar o andamento da nossa acção ou sequer que a requerida não invocaria a caducidade da providência para falta de andamento da acção. Se as partes quisessem paralisar as restantes acções ou procedimentos cautelares em atenção ao decurso das negociações, teriam de o requerer em cada um deles. Não o tendo feito neste procedimento e na respectiva acção, pode concluir-se, a contrario sensu, que pretendiam o seu prosseguimento. Por outro lado, o abuso de direito, que torna ilegítimo o seu exercício, ocorre quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art. 334.º do Código Civil. Como dissemos, a suspensão da instância de uma outra acção com fundamento em negociações globais com vista a pôr fim aos diversos processos pendentes neste tribunal não é de molde a gerar na outra parte, assistida por advogada, a convicção de que a requerida não invocaria a caducidade da providência para falta de andamento da acção. Outra conclusão se imporia se tivesse ficado demonstrado – o que nem sequer foi alegado pela requerente e, muito menos, provado – que a requerida pediu a suspensão da instância da outra acção e encetou negociações, comprometendo-se a não invocar a caducidade deste providência ou só o fez, não com verdadeiro espírito de conciliação, mas antes para provocar este incidente de caducidade. Deste modo, ao não juntar os documentos por mais de 30 dias para lá do prazo concedido para o efeito, a requerente deu causa à paralisação da acção (nexo de causalidade) e estava ao seu alcance fazê-lo, se agisse com a diligência de um bom pai de família, considerando que estava assistida por uma advogada, técnica especializada no patrocínio das partes em juízo.

Dito isto, conclui-se que se verifica a causa invocada de caducidade da providência.

A declaração de caducidade da providência prejudica o conhecimento da oposição ao procedimento cautelar, que se torna inútil - art. 287.º, al. e) do CPC.”.

4.1 - Antes de entrarmos na análise da alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC[1] devemos sublinhar o fundamento que esteve na origem da declaração de caducidade da providência cautelar: a não junção aos autos de documentos que na petição inicial a autora protestou juntar, incumprimento do despacho judicial de 30 de Janeiro de 2013 que fixou o prazo de 10 dias para a autora juntar os documentos que protestou juntar a fls. 30. Só após tal junção se deve proceder à citação da ré.

Consigne-se que a aqui apelante foi notificada deste despacho em 4 de Fevereiro de 2013 e em 19 de Março de 2013 é que juntou tais documentos, ou seja no 33º terceiro dia, pelo que de acordo com a douta decisão recorrida «verificou-se a paragem do processo por mais de 30 dias, por facto imputável à aqui requerente (com efeito o prosseguimento da acção estava dependente da junção de documentos pela requerente, autora, na acção».

Embora a aqui apelante aceite o decurso do prazo de 30 dias, mas como o Tribunal não está sujeito às alegações das partes em matéria de direito – 664º do CPC – não deixará de abordar na dupla vertente – objectiva e subjectiva – os pressupostos de que depende a declaração de caducidade da providência cautelar – artigo 389º/1/b do CPC.

4.2- O artigo 234º do CPC estabelece o princípio da oficiosidade das diligências destinadas à citação – nºs 1 a 3 – para nas alíneas a) a f) do seu nº 4 prever os casos em que o despacho de citação fica dependente de prévio despacho judicial, parecendo-nos, sempre com a ressalva de mais abalizada opinião, que a citação ordenada na sequência de acção intentada na dependência da providência cautelar de restituição decretada pelo Tribunal se integre em qualquer das alíneas do nº 4 do artigo 234º do CPC e daí que entendamos que o despacho judicial que determinou que a citação só ocorresse depois da junção aos autos dos documentos que a aqui apelante protestou juntar, dizíamos aquele despacho judicial, mesmo depois de notificado à parte, só vincula o Tribunal e, em nossa modesta opinião, não se pode retirar quaisquer efeitos cominatórios em particular em sede de caducidade da providência, até pela basilar razão de tal cominação não constar do despacho para junção aos autos em 10 dias da documentação protestada juntar – cf. artigos 3º e 3ºA do CPC e 20º/1 da CRP.

Voltando à citação, não existe a mais pequena dúvida quanto ao facto de encerrar uma dupla finalidade: a de dar a conhecer ao citando os fundamentos da acção contra ele intentada e consequentemente se assim o entender possibilitar-lhe a sua defesa – artigo 3º/1 do CPC – desenhando a lei o conjunto de elementos a que obrigatoriamente devem chegar ao conhecimento do citando – artigos 235º/1 do CPC – de entre os quais se destaca a obrigatoriedade de se lhe ser entregue a cópia dos documentos que acompanham a citação, a qual – citação - tem ainda como função estabilizar  e completar a instância – artigos 267º e 268º do CPC.

Perguntar-se-á se a não junção de documentos com a petição inicial, mas que se protestaram juntar em momento posterior, tem como consequência a fixação de prazo por despacho judicial para a sua junção e sustação da citação até que a junção se verifique?

Embora a lei explicite que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou defesa devem ser apresentados com o respectivo articulado – nº 1 do artigo 523º do CPC – a verdade é que não tendo sido apresentados com o articulado respectivo sempre podem sê-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância, sancionando-se a parte em multa, caso não demonstre a impossibilidade de os ter junto com o respectivo articulado – nº 2 daquele mesmo artigo.

Integrando um dos meios de prova permitidos por lei – artigos 362º e seguintes do CC e 523º e seguintes do CPC – impende sobre a parte a obrigação da sua junção e a indicação dos factos que com eles pretende provar, não podendo nem devendo olvidar-se em face do disposto no 264º do CPC que as partes se vinculam à alegação dos factos integradores da causa de pedir e daqueles que fundamentam as excepções, estabelecendo a lei, de modo que podemos considerar genericamente claro, a quem compete o ónus da prova – artigo 342º do CC – o mesmo é dizer que integrando a petição factos a provar por documento autêntico ou particular e protestando a parte a sua junção para momento posterior, este «pedido» não tem a virtualidade nem de suspender a instância por não integrar nenhuma das causas a que se alude no artigo 276º do CPC, nem tão pouco pode servir de fundamento a um despacho que determina a citação da ré só depois da sua junção.

Não cumprido o ordenado pelo Tribunal a instância devia prosseguir com a citação da ré, sancionando-se a autora, se fosse caso disso, pela apresentação dos documentos em momento posterior ao articulado ou ao prazo que lhe foi fixado para a sua junção mas não cumprido, com a respectiva sanção – multa.

Diga-se, de resto, que os direitos de defesa da ré estariam sempre salvaguardados através da necessária notificação dos documentos tardiamente apresentados de modo a sobre eles, querendo, se poder pronunciar – artigo 526º do CPC.

Daqui decorre, em nossa modesta opinião, que a não junção aos autos dos documentos no prazo que o Tribunal fixou não tem a virtude de fazer parar o andamento do processo, na medida em que tratando-se de um meio de prova a sua não junção só responsabiliza o incumpridor quer através da resposta negativa aos factos que só podem ser provados por documentos, quer através da resposta negativa a factos em que o meio de prova documental assume um papel determinante.

                4.3 – Para a eventualidade de não ser juridicamente aceitável o expendido em 4.2, vejamos se a matéria de facto é enquadrável na alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC.

                Resulta claro da leitura desta norma que o ónus da diligência que recai sobre o autor não cessa com a propositura da acção, exemplificando o Sr. Prof. José Lebre de Freitas[2] que «no decorrer do processo principal, bem como no de incidente de que ele dependa (…) cabe-lhe proceder de modo a nunca exceder 30 dias na observância do ónus de impulso processual subsequente, naqueles casos em uma lei especial lho imponha (artigo 265º, nº 1). (…). Quando ao invés o processo não deva prosseguir sem que o autor pratique determinado acto (registo, publicação de anúncios, requerimento de habilitação dos sucessores da parte, apresentação da prova da qualidade de herdeiros, etc.) e ele não o faça em 30 dias, há que averiguar se tal ocorreu por negligência ou não obstante a diligência que o autor imprimiu à prática do acto».

                Se bem compreendemos estes ensinamentos, o facto de a parte não ter cumprido o despacho em que o Tribunal fixou prazo para que juntasse aos autos documentos que protestou juntar e até mesmo o facto de não ter requerido prorrogação do prazo na sequência daquela notificação, pode ser classificado como violação do princípio da cooperação – artigo 266º do CPC – e até como violação de um princípio basilar nas relações inter-pessoais ou seja a parte abertamente incumpriu com o dever de urbanidade e respeito que lhe deve merecer o Tribunal e o Ilustre Advogado da parte contrária – artigos 266ºA e 266ºB do CPC.

Mas será que esta falta de colaboração e de respeito mútuo consubstanciado na não de junção aos autos em prazo fixado por despacho judicial dos documentos que protestou juntar na petição inicial é integrável no segmento da norma que determina que a providência caduca quando «o processo estiver parado por mais de 30 dias por negligência do requerente?

Renovando os respeitos devidos, parece-nos que não.

A não junção aos autos em tempo fixado, mesmo por despacho judicial, não tem a virtualidade de fazer parar o processo na medida em que se não trata de acto com repercussões na validade formal da instância, já que tal omissão a ter repercussões tê-la-á em momento bastante posterior ou seja quando realizada a audiência de julgamento e a Senhora Juiz tiver que responder aos factos controvertidos e verificar que a autora, por falta de junção de documento de prova, não logrou provar determinado facto. A conduta que apelidámos de falta de colaboração e recíproca correcção consubstanciada na não resposta a um despacho que ordenou a notificação da parte para juntar aos autos documentos que protestou juntar não tem qualquer influência no normal prosseguimento do processo e daí que não possa ser, como foi, classificada como uma conduta negligente com reflexos no normal andamento do processo. Que é negligentemente desrespeitadora de todos quantos naquele processo intervêm é claro, agora que seja integrável no segmento da norma em questão é que nos parece excessivo.

O que a lei pretende acautelar – alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC – são condutas processuais que sendo da iniciativa da parte, a sua não concretização em prazo razoável[3] acabe por ter reflexos negativos no alcançar de tutela jurisdicional do direito que está provisoriamente acautelado, o que não acontece no caso em apreço.

Aqui a Senhora Juiz entendeu fixar um prazo para que a parte juntasse aos autos os documentos que protestou juntar, expressando, ainda, que a citação só seria efectuada após tal junção. Decorrido o prazo de 30 dias deu por verificados os elementos objectivo e subjectivo que integram os pressupostos vazados na já mencionada alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC, como de resto ilustra o despacho recorrido.

Ora, não se questionando o decurso do prazo de 30 dias, nem sequer pondo em causa um comportamento negligentemente censurável por parte da aqui apelante, já entendemos que a citação da parte contrária não está nem pode estar dependente de documentos que a parte, na petição inicial, protestou juntar a menos que tais documentos no contexto geral da acção sejam determinantes para a sua compreensão e para o exercício de defesa da parte contrária, mas tal essencialidade tem de estar expressa no despacho de modo a que se compreendam as razões que levaram o Tribunal a suspender o acto de citação, tal como não pode deixar de ser expresso no despacho que ordena a sua junção que a sua não junção em prazo tem como consequência a caducidade da providência, por conduta omissiva e claramente negligente do apresentante.

Ao não ter sido feita tal menção no despacho recorrido e embora aceitemos que o prazo de 30 dias foi ultrapassado e que a aqui apelante não demonstrou, como lhe competia e processualmente estava adstrita, ter tido em conta o dever de colaboração e correcção para com o Tribunal e a parte contrária, a verdade é que entendemos que não se pode extrair, a partir do incumprimento do aludido despacho, as consequências que vazou no despacho recorrido e daí que entendamos, embora com fundamentos distintos dos que são avançados nas doutas alegações/conclusões, que a situação factual não é enquadrável na alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC e nesse sentido o despacho recorrido é revogado, procedendo o respectivo recurso.

                Em conclusão:

I. O facto de uma parte protestar, na petição inicial, a junção aos autos de documentos não impede a imediata citação da ré nos termos do nº 1 do artigo 234º do CPC.

II. A notificação judicial da autora para juntar tais documentos no prazo de 10 dias, seguida da determinação judicial de não se proceder à citação antes de tal junção, só relevaria para efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 389º do CPC, se o despacho judicial exprimisse a essencialidade dos documentos para que a ré compreendesse exactamente os fundamentos/causa de pedir da acção e cominasse a sua não junção no prazo determinado por lei com a caducidade da providência decretada.

III. Não exprimindo o despacho tal essencialidade nem tendo expresso o efeito cominatório, a não junção dos documentos no prazo de 30 dias, embora se possa classificar de negligentemente desrespeitadora de todos quantos naquele processo intervêm – 266º, 266ºA e 266ºB, todos do CPC - não pode ter a cominação prevista na lei, já que tal omissão por si só não tem a virtualidade de fazer suspender o normal andamento do processo.

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em dar provimento ao recurso e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, determinando-se a citação da parte contrária para, querendo e no respeito pelo prazo processual que a lei lhe concede contestar os termos da acção.

                Custas pela apelada – artigo 446º do CPC.

                Notifique.

                Coimbra, 22 de Outubro de 2013

Jacinto Meca (Relator)

Falcão de Magalhães

Sílvia Pires

[1] Que determina: O procedimento cautelar extingue-se e, quanto decretada, a providência caduca se, proposta a acção, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente.
[2] Srs. Drs. Montalvão Machado e Rui Pinto – Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, 2ª edição, Coimbra Editora – pág. 53
[3] E se a parte não a lograr alcançar dentro do prazo de 30 dias deve levar ao conhecimento do Tribunal as razões porque a diligência, v .g. registo da acção, não foi realizado em prazo de modo a evitar a caducidade da providência cautelar.