Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
186/19.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CASSAÇÃO DO TÍTULO DE CONDUÇÃO
NATUREZA
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 148.º, N.ºS 1 E 2, E 149.º, N.ºS 1, AL. C), AMBOS DO CÓDIGO DA ESTRADA; ART.ºS 2.º, 18.º, N.º 2, 29.º, N.ºS 1 E 4, 30.º, N.º 4, E 32.º, N.ºS 1, 5 E 10, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário: I – A cassação do título de condução não é agora uma medida de segurança, mas uma sanção administrativa.

II – Os art.ºs 148.º, n.ºs 1 e 2 e 149.º, n.ºs 1, al. c), ambos do Código da Estrada, não violam os princípios constitucionais consagrados pelos art.ºs 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.ºs 1 e 4, 30.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

            Por decisão do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária de 19 de Novembro de 2018 foi determinada a cassação do título de condução nº (...), de que é titular o recorrente NM, com os demais sinais nos autos.

Inconformado com a decisão, interpôs o mesmo recurso de impugnação judicial o qual, por sentença de 10 de Maio de 2019, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo Local Criminal de Castelo Branco – Juiz 1, foi julgado improcedente e, em consequência, mantida a decisão administrativa.     


*

            Novamente inconformado com a decisão, recorreu para esta Relação, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – Decidiu a entidade administrativa – ANSR – ordenar a cassação do título de condução do arguido.

2 – Decisão esta fundamentada na prática pelo condutor de dois crimes rodoviários tendo havido lugar a sentença judicial, nos processos crime nº (...) e (...), o que preenche o conteúdo do nº 2 da alínea c) do nº 4 e do nº 10, do artigo 148º do Código da Estrada, na medida em que cada condenação no processo crime levou à subtracção de seis pontos.

3 – Sendo o efeito da perda da totalidade de pontos pelo condutor, nos termos da alínea c) do nº 4 do referido artigo, a cassação do titulo de condução, ficando impossibilitada a obtenção de novo titulo de condução pelo período de 2 anos, não podendo o respectivo titular exercer a condução de qualquer veículo automóvel.

4 – O arguido não se conformou com tal decisão, pelo que veio impugná-la, concluindo que o disposto nos artigos 148º, nºs 1 e 2 e 149º, nº 1, alínea c) e nº2, ambos do Código da Estrada são inconstitucionais por violação do

disposto nos artigos 2º, 18º, nº 2, 29º, nº 1 e 4, 30º, nº 4, e 32º, nº 1, 5 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.

5 – Quanto à inconstitucionalidade das normas invocada pronunciou-se a Mma Juiz “a quo” no sentido de não padecerem os preceitos legais aplicados de qualquer vício de inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do princípio da proporcionalidade ou da igualdade.

6 – Não pode o recorrente concordar com a Mma Juiz, na medida em que entende que o sistema de pontos e cassação do titulo de condução, mais propriamente o disposto no art. 148.º, n.ºs 1 e 2 e 149.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, ambos do Código da Estrada, da forma como opera, viola o disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 3, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.

Pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida.

(...)

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, tendo em consideração as conclusões formuladas pela recorrente e a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso no âmbito do direito de mera ordenação social, imposta pelo art. 75º, nº 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [doravante, RGCOC], a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é:

- A inconstitucionalidade dos arts. 148º, nºs 1 e 2 e 149º, nºs 1, c) e 2 do C. da Estrada por violação dos arts. 2º, 18º, nº 2, 29º, nº 3, 30º, nº 4 e 32º, nºs 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa e suas consequências.


*

            Importa ter presente, para a resolução desta questão, o teor da sentença recorrida, na parte em que agora releva e que é o seguinte:

“ (…).

II. Fundamentação.

a) Matéria de Facto Assente:

Realizada a audiência de discussão e julgamento, dela resultaram provados, com relevância e interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

1. Por sentença proferida em 19 de Dezembro de 2016, no processo n.º (...), que correu termos no juízo Local Criminal de Castelo Branco – Juiz 2), o ora Recorrente foi condenado pela prática, em 18 de Dezembro de 2016, de 01 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), e na pena acessória de 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de proibição de conduzir veículos com motor.

2. A decisão a que se alude em 1. transitou em julgado em 31 de janeiro de 2017.

3. Por sentença proferida em 07 de Novembro de 2016, no processo n.º (...), que correu termos no juízo Local Criminal de Castelo Branco – Juiz 2), o ora Recorrente foi condenado pela prática, em 06 de Novembro de 2016, de 01 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), e na pena acessória de 07 (sete) meses de proibição de conduzir veículos com motor.

4. A decisão a que se alude em 3. transitou em julgado em 21 de julho de 2017.

[Mais se provou com relevância para os presentes que:]

5. O Recorrente é titular da carta de condução n.º (...), emitida em 05 de Abril de 2011.

6. Está habilitado a conduzir veículos das categorias B e B1, desde 11 de Setembro de 2003.

(...)

IV. Enquadramento jurídico-contraordenacional.

A decisão administrativa objecto de impugnação judicial determinou ao ora Recorrente a cassação do seu título de condução, cf. artigo 148.º, n.ºs 2, 10 e 12 do Código da Estrada, vindo o mesmo arguir a inconstitucionalidade do aludido preceito legal, juntamente com o disposto no artigo 149.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 do Código da Estrada, à luz do que determinam os artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.ºs 1 e 4, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.

Apreciando.

Determina o artigo 148.º do Código da Estrada que «1. A prática de contra-ordenação grave ou muito grave, determina a subtracção de pontos ao condutor na data do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:

a) A prática de contra-ordenação grave implica a subtracção de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efectuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contra-ordenações graves;

b) A prática de contra-ordenação muito grave implica a subtracção de cinco pontos se esta se referir a condução sob a influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contra-ordenações muito graves.

2. A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quanto tenha existido cumprimento da injunção a que alude o nº 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtracção de seis pontos ao condutor. (…).

4. A subtracção de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:

a) Obrigação de o infractor frequentar uma acção de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;

b) Obrigação de o infractor realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;

c) A cassação do título de condução do infractor, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.

5. No final de cada período de três anos sem que exista registo de contra-ordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infracções, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ultrapassar o limite máximo de quinze pontos, nos termos do nº 2 do artigo 12l.º-A. (…).

10. A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do nº 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.

11. A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor a qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efectivação da cassação.

12. A efectivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação. (…).».

Por seu turno, o artigo 149.º do Código da Estrada prevê que «1. Do registo de infracções relativas ao exercício da condução, organizado nos termos de diploma próprio, devem constar:

a) Os crimes praticados na condução de veículo a motor e respectivas penas e medidas de segurança;

b) As contra-ordenações graves e muito graves praticadas e respectivas sanções;

c) A pontuação actualizada do título de condução.

2. Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o Ministério Público comunica à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária os despachos de arquivamento de inquéritos que sejam proferidos nos termos do nº 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o nº 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal. (…).».

Através da entrada em vigor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto de 2015, em 01 de Junho de 2016, o legislador introduziu no ordenamento jurídico rodoviário português o denominado sistema de carta de condução por pontos.

Em conformidade com o exposto, o artigo 121.º-A do Código da Estrada, introduzido pelo aludido diploma legal estabelece que a cada condutor são atribuídos 12 pontos, aos quais podem acrescer pontos, conquanto os condicionalismos plasmados nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal estejam verificados.

Concomitantemente, o artigo 148.º do Código da Estrada rege o sistema de pontos, determinando em que circunstâncias ocorre a perda de pontos e, bem assim, as respectivas consequências.

Assim, determina o artigo 148.º, n.º 1, alínea a) do Código da Estrada que a prática de contra-ordenação grave pode implicar a perda de três ou de dois pontos, consoante a mesma se refira a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efectuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes ou a outras contra-ordenações graves.

Já a alínea b) do mesmo preceito legal impõe a perda de cinco ou de quatro pontos quando estejam em causa contra-ordenações muito graves relacionadas com a condução sob a influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, ou outras contra-ordenações muito graves.

Finalmente, o n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada prevê a perda de seis pontos nos casos em que o condutor tenha sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir, ou nos casos em que tenha havido arquivamento do inquérito no âmbito da suspensão provisória do processo, com cumprimento de injunção a que alude o disposto no artigo 281.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Anote-se que o artigo 148.º, n.º 4 do Código da Estrada descrimina as consequências resultantes da perda de pontos, esclarecendo a alínea c) que a perda total de pontos importa a cassação do título de condução.

Todavia, cumpre anotar que o artigo 148.º do Código da Estrada não estabelece apenas em que circunstâncias é que o condutor perde pontos, e quantos. Pelo contrário, o aludido preceito legal prevê igualmente em que casos é que são atribuídos pontos ao condutor – sendo esta uma concretização do disposto no artigo 121.º-A, n.ºs 2 e 3 do Código da Estrada.

Aqui chegados, cumpre recordar que o Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, determinando cada uma daquelas condenações a perda de seis pontos – cf. artigo 148.º, n.º 2 do Código da Estrada.

Dada a proximidade temporal entre as duas condenações, não houve, pois, lugar à aplicação do disposto no artigo 148.º, n.º 5 do Código da Estrada, o qual permitia ao condutor a recuperação de três pontos.

Invoca o Recorrente que o disposto nos artigos 148.º, n.ºs 1 e 2 e 149.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, ambos do Código da Estrada, padecem do vício de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.ºs 1 e 4, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 5 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa estabelece que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Já o artigo 29.º do mesmo diploma legal consigna que «1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior. (…). 4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais grave do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente. as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido. (…).».

Por seu turno, o artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa determina que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

Analisando a factualidade em causa nos autos à luz dos citados preceitos legais, cumpre, desde já, adiantar que não se vislumbra que a determinação da cassação da carta de condução do Recorrente contenda com os mesmos.

A cassação da carta de condução do Recorrente não operou de forma automática, nem se apresenta como um efeito necessário das penas que lhe foram aplicadas nos dois processos crime em que foi condenado.

Com efeito, e tal como se expôs supra, a lei prevê uma série de situações que acarretam a perda de pontos; porém e simultaneamente, também prevê as situações que aportam um ganho de pontos pelo condutor.

No caso em apreço bastava que tivesse mediado um lapso temporal de três anos entre a prática dos dois ilícitos criminais, e que o Recorrente não tivesse cometido mais nenhum ilícito contra-ordenacional, para que tivesse operado o disposto no artigo 148.º, n.º 5 do Código da Estrada, com a atribuição de três pontos. Nesse caso, a segunda condenação já não teria acarretado uma perda total de pontos.

Porém, verifica-se que os factos pelos quais o Recorrente foi condenado ocorreram num muito curto espaço temporal, não tendo, por conseguinte, operado qualquer sistema de ganho de pontos que contrabalançasse aquela perda, conduzindo, assim, à perda total de pontos e à consequente cassação da carta de condução.

A opção pelo sistema de pontos, com a descriminação de situações que acarretam perda ou ganho de pontos mais não é do que uma opção legislativa no âmbito da legislação rodoviária.

E não é por acaso que da análise do artigo 148.º do Código da Estrada se conclui que o legislador pune de forma mais severa as situações relacionadas, nomeadamente, com a condução em estado de embriaguez ou sob o efeito de substâncias psicotrópicas. Com efeito, tal surge inserido numa óptica de combate àquele concreto tipo de actividades, em virtude da elevada sinistralidade rodoviária e das consequências daí resultantes.

Também por essa vertente é possível concluir que a compressão do direito do Recorrente em ser titular de carta de condução que se traduz em casos como o dos presentes em que opera a cassação da carta de condução não viola o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que se está perante um confronto de direitos, cedendo o direito do Recorrente perante o direito dos demais cidadãos em circularem em via pública com a tranquilidade e segurança resultantes da eficácia das medidas legislativas adoptadas para combate à sinistralidade rodoviária – concretizando, por essa via, visa-se salvaguardar desde logo o direito à vida.

Finalmente, mais alega o Recorrente que os citados preceitos do Código da Estrada violam o disposto no artigo 32.º, n.ºs 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa.

S.m.o., também neste concreto aspecto a pretensão do Recorrente não merece acolhimento. Com efeito, ainda que o processo tendente à cassação da carta de condução derive da redução a zero do número de pontos do condutor, ainda assim a lei assegura ao condutor o exercício dos correspondentes direitos de defesa reconhecidos, in casu, na legislação contraordenacional, plasmando expressamente o artigo 148.º, n.º 13 do Código da Estrada que a decisão é sempre impugnável nos tribunais judiciais, nos termos do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aprovado pelo Decreto- Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).

Por conseguinte, e in casu, ao Recorrente não foi coarctado o seu direito de defesa, tendo o mesmo podido esgrimir os argumentos reputados de pertinentes face à anunciada pretensão da autoridade administrativa recorrida em fazer operar o disposto em sede legal, pôde apresentar elementos probatórios e, no fundo, participar no processo decisório. Porém, não pode deixar de se sublinhar que apesar de ao Recorrente ser admitido o exercício do seu direito de defesa nem sempre tal é sinónimo de que as suas pretensões mereçam acolhimento. A lei obriga a que o arguido participe no processo no qual é visado, apresentando elementos probatórios, esgrimindo argumentos, recorrendo; porém, a lei já não obriga a que quem decida acolha a pretensão do recorrente. E tal pode ocorrer dentro do cumprimento dos ditames legais que lhe reconhecem o seu direito de participação e defesa.

Uma última nota quanto ao impacto que a presente decisão causa na vida do Recorrente-nomeadamente ao nível do exercício da sua actividade profissional.

Sem prejuízo dos elementos aduzidos e demonstrados pelo Recorrente nos autos, anote-se que o legislador teve que determinar um critério objectivo ao estipular as consequências para a perda de pontos.

Por conseguinte, o cidadão, ao incorrer na prática de factos susceptíveis de acarretar a perda de pontos, sofre a mesma consequência legal – perda de pontos e, em última análise, eventual cassação da carta – qualquer que seja o ponto do país em que se encontre e qualquer que seja a profissão exercida pelo mesmo.

O facto de o arguido, ora Recorrente, residir na área desta comarca e carecer da sua carta de condução para o exercício da sua actividade profissional, não pode ser um critério que conduza à derrogação daquela consequência, em detrimento de um outro cidadão, nas mesmas circunstâncias, mas que tenha uma actividade profissional diversa da do ora recorrente.

A adopção de tal entendimento seria, sim, ela própria, uma interpretação e aplicação da lei violadora do principio da igualdade e, por conseguinte, inconstitucional.

Mais se anote que o facto de o recorrente ser motorista de profissão e, por conseguinte carecer da sua carta de condução para o exercício da sua actividade profissional torna o comportamento do recorrente mais censurável na medida em que, dada a sua profissão, tinha o dever de saber e de ter consciência das consequências resultantes do seu comportamento.

Destarte, pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, mister se torna concluir que a decisão administrativa recorrida não merece qualquer censura, devendo, por conseguinte, ser mantida nos seus exactos termos, não padecendo os preceitos legais aplicados de qualquer vicio de inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do princípio da proporcionalidade ou da igualdade.


***

V. Decisão Final.

Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, julgo improcedente o recurso interposto pelo Recorrente N (...) e, em consequência, mantenho integralmente a decisão administrativa recorrida.

(…)”.


*

Da inconstitucionalidade dos arts. 148º, nºs 1 e 2 e 149º, nºs 1, c) e 2 do C. da Estrada por violação dos arts. 2º, 18º, nº 2, 29º, nº 3, 30º, nº 4 e 32º, nºs 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa

1. Alega o recorrente que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punível com pena de prisão ou pena de multa e com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não prevendo o art. 292º, nº 1 do C. Penal, como pena principal ou acessória, a aplicação do regime de pontos previsto nos arts. 148º e 149º do C. da Estrada que assim, se torna um efeito automático de uma condenação naquela pena acessória, dispensando a necessidade da sua aplicação no caso concreto, e possibilitando como efeito necessário da aplicação da pena a perda de um direito civil, o direito a conduzir, o que viola o disposto no art. 29º, nºs 3  no art. 30º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.  

Dispõe o art. 29º da Lei Fundamental – com a epígrafe Aplicação da lei criminal – no seu nº 3:

- Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.

Traduzindo aplicações dos princípios da tipicidade e da não retroactividade da lei penal, esta norma proíbe a punição criminal de cidadãos com sanção – pena ou medida de segurança – que não esteja prevista em lei anterior à prática do facto a sancionar.

Tendo em conta o contexto textual de todo o artigo, incluindo a respectiva epígrafe, o mesmo é directamente aplicável ao direito penal mas, como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 498), deve entender-se que os princípios nele consagrados são aplicáveis, por analogia, ao direito de mera ordenação social designadamente, o princípio da não retroactividade da lei penal.

Por sua vez, dispõe o 30º da Lei Fundamental – com a epígrafe Limites das penas e das medidas de segurança – no seu nº 4:

- Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

Esta norma não permite que à condenação em determinadas penas seja acrescentada de forma automática, ope legis e portanto, à margem de decisão judicial, tendo por objectivo retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente, e impedir que, de forma mecânica, sem se atender aos princípios de culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão, impondo-se em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do juiz (autores e ob. cit., pág. 504).

Pois bem.

No nosso ordenamento jurídico o instituto da cassação do título de condução de veículo com motor não tem uma única natureza posto que tem previsões autónomas no C. Penal e no C. da Estrada.

Assim, no C. Penal, encontra-se previsto no art. 101º, com a epígrafe Cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor, cuja inserção sistemática não deixa margem para qualquer dúvida quanto a tratar-se de uma medida de segurança não privativa da liberdade [Livro I – Parte Geral / Título III – Das consequências jurídicas do facto / Secção IV – Medidas de segurança não privativas da liberdade], aplicada pela via judicial a agente imputável ou inimputável, tendo como pressuposto a sua perigosidade, revelada pela prática de certos ilícitos típicos.

No C. da Estrada o instituto tem sofrido variações, de acordo com as sucessivas alterações legislativas. Assim, conforme se refere no acórdão desta Relação de 8 de Maio de 2019, proferido no processo nº 797/18.1T8VIS.C1, que julgamos ainda inédito, na sua redacção primitiva (a do Dec. Lei nº 114/94, de 3 de Maio) e até à redacção dada pelo Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, o C. da Estrada configurava o instituto como uma medida de segurança, pois que a sua aplicação era da competência de um tribunal e tinha como pressupostos, além de outros, a gravidade da contra-ordenação praticada e a personalidade do condutor.

Com a entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, a cassação do título de condução – arts. 148º e 169º, nº 4 – passou a ser da exclusiva competência do Director-Geral de Viação, sendo determinada na decisão do processo da contra-ordenação mais recente, logo que o agente tivesse sido condenado pela prática de contra-ordenação grave ou muito grave e nos cinco anos imediatamente anteriores, tivesse sido condenado pela prática de três contra-ordenações muito graves ou pela prática de cinco contra-ordenações entre graves e muito graves [este regime não sofreu alterações significativas com a redacção do Dec. Lei nº 113/2008, de 1 de Julho].

Com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 116/2015, de 28 de Agosto, foi introduzido no C. da Estrada o sistema de pontos na cassação do título de condução, à semelhança do que vigora em diversos países europeus, tendo actualmente o art. 148º com a epígrafe Sistema de pontos e cassação do título de condução, a seguinte redacção:

1 – A prática de contra-ordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtracção de pontos ao condutor na data do carácter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:

a) A prática de contra-ordenação grave implica a subtracção de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efectuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contra-ordenações graves;

b) A prática de contra-ordenação muito grave implica a subtracção de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contra-ordenações muito graves.

2 – A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtracção de seis pontos ao condutor.

3 – Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contra-ordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtracção a efectuar não pode ultrapassar os seis pontos, excepto quando esteja em causa condenação por contra-ordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtracção de pontos se verifica em qualquer circunstância.

4 – A subtracção de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:

a) Obrigação de o infractor frequentar uma acção de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;

b) Obrigação de o infractor realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;

c) A cassação do título de condução do infractor, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.

5 – No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contra-ordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infracções, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.

6 – Para efeitos do número anterior, o período temporal de referência sem registo de contra-ordenações graves ou muito graves no registo de infracções é de dois anos para as contra-ordenações cometidas por condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transportes colectivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exercício das suas funções profissionais.

7 – A cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, é atribuído um ponto ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de acção de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.

8 – A falta não justificada à acção de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor.

9 – Os encargos decorrentes da frequência de acções de formação e da submissão às provas teóricas do exame de condução são suportados pelo infractor.

10 – A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.

11 – A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efectivação da cassação.

12 – A efectivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.

13 – A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contra-ordenações.

Nos sucessivos regimes legais manteve-se a competência da autoridade administrativa para ordenar a cassação do título de condução – competência exclusiva e pessoal, já não do Director-Geral de Viação, mas do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (art. 169º, nº 4).

Mas no actual regime legal a cassação do título de condução é da exclusiva e pessoal competência do Presidente da ANSR portanto, de uma autoridade administrativa, cujo decretamento depende da verificação, em processo autónomo, da perda total dos pontos atribuídos ao título habilitante, perda de pontos esta previamente decidida em decisão administrativa condenatória ou através de sentença transitada em julgado, consistindo assim a cassação do título numa numa sanção administrativa, razão pela qual da respectiva declaração cabe recurso para os tribunais, termos do regime geral das contra-ordenações (cfr. nº 13 do art. 148º do C. da Estrada).

Em suma, cassação do título de condução não é agora uma medida de segurança mas uma sanção administrativa

Como também se refere no acórdão desta Relação supra identificado, o título de condução é uma licença pessoal atribuída pela Administração Pública ao cidadão, depois de este ter demonstrado, pelas vias regulamentadas, ter os requisitos necessários, de capacidade, conhecimento e destreza para o exercício da condução, que reflecte também a confiança que confere ao condutor habilitado, legalmente quantificada num crédito inicial de doze pontos, crédito este que pode aumentar ou diminuir, em função do seu comportamento ao volante e que no limite, pode conduzir à declaração de cassação do título, quando o saldo de pontos seja igual a zero.

A declaração de cassação do título depende da perda total de pontos atribuídos mas esta, como se viu, não resulta da prática de uma única infracção mas, nos termos legais, da prática de uma pluralidade de infracções. Efectivamente, a cada uma destas infracções contra-ordenacionais ou penais previamente verificadas, corresponde, automaticamente, a subtracção de um determinado número de pontos, mas a cassação só é legalmente admissível com o esgotamento do crédito concedido, correspondente ao esvaziamento da pressuposta – com a concessão do título – aptidão para conduzir veículos com motor.

Em conclusão:

- O art. 292º, nº 1 do C. Penal não prevê como pena aplicável ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez a ‘pena de cassação do título de condução;

- Em nenhum dos dois processos em que o recorrente foi condenado pela prática daquele crime foi decretada a aplicação da medida de segurança de cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor, prevista no art. 101º do C. Penal;

- O art. 148º do C. da Estrada estabelece, como sanção administrativa, a cassação do título de condução quando ocorra a perda total de pontos atribuídos que lhe foram atribuídos, e não quando tenha o agente sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º do C. Penal;

- Deste modo, carece de fundamento a afirmada inconstitucionalidade dos arts. 148º, nºs 1 e 2 e 149º, nºs 1, c) e 2 do C. da Estrada, por violação dos arts. 29º, nº 3 e 30º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

2. Alega o recorrente – embora não tenha levado esta questão às conclusões formuladas – que tendo decorrido processo crime relativamente aos factos praticados e tendo nesse processo sido condenado, atento o disposto no art. 38º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, a autoridade administrativa é incompetente para decidir relativamente aos mesmos factos, razão pela qual a decisão é nula.

Com ressalva do respeito devido, não tem razão.

Com efeito, o objecto dos processos nº (...) e nº (...) foram os factos praticados pelo recorrente, preenchedores do tipo, objectivo e subjectivo, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ambos sancionados com pena de multa e com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Trata-se pois, de dois processos de natureza criminal, cujos crimes foram conhecidos e cujas consequências foram definidas pelo órgão competente, um tribunal judicial.

Já o processo contra-ordenacional [é esta a sua natureza, atento o disposto no art. 148º, nº 13 do C. da Estrada] que deu origem ao presente recurso, na sua fase administrativa, tem por objecto, não a prática de qualquer daqueles crimes e suas consequências, mas o registo de infracções relativas ao exercício da condução, a perda de pontos em virtude das sucessivas penas acessórias até ao total esgotamento do crédito inicialmente concedido, e a consequente inaptidão do recorrente para a condução decorrente do risco causado por aquelas condutas criminosas, para a segurança rodoviária.

3. Alega o recorrente que a sanção foi aplicada sem que exista qualquer ‘processo de base’ (sic) no que respeita à sanção da perda de pontos, o que viola o nº 10 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa, pois não foram assegurados os direitos de audiência e de defesa.

Mais uma vez, com ressalva do respeito devido, não tem razão.

Em primeiro lugar porque, nos termos do disposto no nº 2 do art. 148º do C. da Estrada, a condenação em pena acessória de proibição de conduzir determina a subtracção de seis pontos ao condutor.

Trata-se, portanto, de uma operação aritmética imposta pela lei, como mera consequência da condenação, com trânsito, naquela pena acessória. Assim sendo, o direito de defesa, incluindo, o direito de audiência, foram exercícios ou podiam ter sido exercidos no respectivo processo penal.

Por outro lado, a verificação da regularidade dos pressupostos de que depende a declaração administrativa de cassação do título de condução pode ser judicialmente impugnada e, in casu, como é óbvio, assim aconteceu.

Não se vê, pois, como possa ter sido violado o art. 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.

4. Finalmente, alega o recorrente que a subtracção de pontos opera automaticamente após o trânsito da sentença que aplica a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, desligando tal subtracção da culpa do agente e da prevenção especial pelo que, estringe um direito violando o art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.

Dispõe o nº 2 do art. 18º invocado que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Aqui se aflora o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra em três subprincípios: o princípio da adequação, segundo o qual as medidas restritivas legalmente previstas devem ser adequadas para a prossecução dos fins visados pela lei; o princípio da exigibilidade ou da necessidade, segundo o qual as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser alcançados por meios menos onerosos; o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, segundo o qual os meios legais restritivos devem ser proporcionais aos fins obtidos (cfr. autores e ob. cit., pág. 392 e ss.).

 Brevitatis causa, convocando alguns dos aspectos da argumentação exposta nos pontos que antecedem, diremos que a subtracção de pontos ao condutor habilitado é efeito automático da prévia infracção – penal ou contra-ordenacional – cometida, não assumindo natureza sancionatória nem correspondendo, per se, a qualquer restrição ao exercício do direito de conduzir.

Por outro lado, sendo o título de condução a autorização administrativa para o exercício da condução, que tem como pressuposto a aptidão do condutor para esse exercício, afigura-se razoável e proporcional que a lei estabeleça mecanismos de verificação, ao longo do tempo, da manutenção ou não daquela aptidão, visando acautelar os interesses públicos que uma condução inapta e/ou perigosa pode afectar.   

Em todo o caso, a culpa e as razões de prevenção especial, tiveram o seu campo de actuação e ponderação, no processo penal onde a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor foi aplicada.

Assim, entendemos que o sistema de pontos previsto no art. 148º do C. da Estrada não viola o art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (no sentido da conformidade do regime de cassação do título de condução com a Constituição da República Portuguesa, acórdãos da R. de Coimbra de 9 de Outubro de 2019, processo nº 280/19.8T8ACB.C1, que julgamos ainda inédito e de 8 de Maio de 2019, supra citado).


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            Com o não reconhecimento das invocadas inconstitucionalidades, improcedem as conclusões do recurso.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS. (art. 93º, nº 3, do RGCOC, art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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Após baixa dos autos, mantendo-se a declaração de cassação do título de condução, a 1ª instância diligenciará pela notificação do recorrente para proceder, no prazo de quinze dias úteis, à entrega daquele título à entidade competente, com a legal cominação (art. 160º, nº 3 do C. da Estrada).


Coimbra, 13 de Novembro de 2019

Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – e Helena Bolieiro – adjunta.