Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
200/04.4GTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 05/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º DA CRP, 50º,56º DO CP, 61º,AL.B), 119º,AL.C) E 122ºE 495º, Nº2 DO CCP
Sumário: 1. Sob pena de nulidade (artigo 119º,al-c) CPP), colocando-se a questão da eventual revogação da suspensão da execução da pena, o cumprimento do princípio contraditório exige que antes da decisão o arguido seja ouvido presencialmente, acompanhado do técnico do IRS. .
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

O arguido F, por sentença transitada em julgado proferida em 05.04.20 foi condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, praticados em 14 e 20 de Março de 2004, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa inicialmente por três anos e depois pelo período de 13 meses, por efeito de aplicação das alterações legislativas introduzidas pela Lei 59/2007 ao artº 50º CP.

Por sentenças transitadas em julgado foi de novo o arguido condenado em 05.05.31 e em 05.11.09, pela prática de igual crime, nos processos 315/05.1IGBAND ( fls. 124 e ss) e 654/05.1GBAND ( fls. 170 e ss), respectivamente.
Por despacho proferido a fls. 244, foi ordenada a notificação do arguido “… para, querendo, no prazo de dez dias, se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão”, o que se mostra concretizado a fls. 247 e 250.
Seguidamente proferiu o Sr. juiz em 09.11.20, o seguinte despacho:
“Nos presentes autos, por decisão datada de 20.04.2005 e transitada em julgado, foi o arguido F, condenado pela prática de dois crimes condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03.01., na pena de 7 meses de prisão, por cada um deles, e, em pena única, 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
Por despacho proferido em 18.09.2009 (fls. 244-245),transitado em julgado, por aplicação da lei penal mais favorável ao arguido, foi reduzido o período de suspensão da execução da pena de prisão para 1 ano, pelo que terminou tal prazo de suspensão em 05.06.2006.
O arguido foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da pena de prisão, fls. 245, 247 e 250, nada tendo dito.
O Ministério Público pronunciou-se nos autos pela revogação da suspensão da pena de prisão ao arguido, porquanto o comportamento do arguido evidencia que a suspensão da pena de prisão não logrou alcançar o seu escopo, conforme resulta da promoção de fls. 241-243.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 56º, nº 1, al. b) do Código Penal, “a suspensão da pena é revogada sempre que no seu decurso o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
O arguido foi notificado para se pronunciar, nada tendo dito.
No relatório apresentado a fls. 224-227 o arguido informou a DGRS que teria obtido carta de condução em 2007, encontrando-se a trabalhar como motorista numa empresa de transportes.
Notificado para comprovar nos autos a titularidade de carta de condução, o arguido juntou o documento de fls. 211, fazendo crer que era o titular de documento emitido pelo IMTT e titular de carta de condução nº C-704189.
Contudo, resulta da informação de fls. 230, proveniente da base de dados do IMTT, que o arguido não é titular de carta de condução, e que com aquele número o titular é Carla Sofia de Jesus Pereira.
Por outro lado, o arguido já foi condenado, pela prática de igual crime, nos processos 315/05.1GBAND e 654/05.1GBAND, por factos de 31.05.2005 e 09.11.2005, por sentenças já transitadas em julgado.
Resulta igualmente de fls. 240 que o arguido se encontra acusado no processo 159/07.6GBOBR, deste Tribunal, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos de 17.03.2007.
Estes os factos que levam à conclusão que o arguido revela uma postura de total indiferença pela condenação que sofreu nestes autos.
Acresce que são elevadas as necessidades de prevenção geral e especial que se exige neste tipo de crimes, devido à excessiva frequência com que é praticado e à elevada sinistralidade rodoviária das estradas portuguesas.
A conduta do arguido demonstra que a sua culpa é intensa, evidenciando uma personalidade indiferente à reacção criminal, até pelo facto de juntar um documento, tentando fazer-se passar por titular de carta de condução, o que sabe não corresponder à verdade, pelo que é forçoso concluir que os pressupostos que estiveram na base da suspensãoda execução da pena de prisão não foram alcançados, e, portanto, que o único meio possível para que o arguido interiorize tal ilicitude terá de passar pelo cumprimento da pena de prisão.
Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal, revogo a suspensão da execução da pena única de 13 (treze) meses de prisão aplicada nestes autos e, em consequência, determino o seu cumprimento efectivo.”.
É deste despacho que o arguido interpôs o presente recurso.
Na respectiva motivação vêm formuladas as seguintes conclusões:
- O douto Despacho proferido pelo Tribunal (Juízo) " a quo" merece reparo;
- O Arguido foi julgado cinco vezes pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos nºs 1 e 2 do Artigo 3.° do Decreto - Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, a saber:
1. Processo Sumaríssimo N° 155/02. O GBAND, que correu termos no (então) 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, por factos praticados em 18 (dezoito) de Fevereiro de 2002 (dois mil e dois), foi condenado na pena de admoestação, por Sentença datada de 20 (vinte) de Dezembro de 2002 (dois mil e dois), transitada em julgado;
2. Processo Sumário N° 83/03.1 GDAND, que correu termos no (então) 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, tendo sido condenado por factos praticados em 16 (dezasseis) de Maio de 2003 (dois mil e três), na pena de 70 dias de multa, á taxa diária de Euros: 2,50, por Sentença datada de 19 (dezanove) de Maio de 2003 (dois mil e três), transitada em julgado;
3. Processo Sumário N° 496/04.1 GBOBR do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro (actualmente, Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro - Comarca do Baixo Vouga), tendo sido condenado por factos praticados em 19 (dezanove) de Setembro de 2004 (dois mil e quatro), na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por Sentença datada de 28 (vinte e oito) de Setembro de 2004 (dois mil e quatro), transitada em julgado;
4. Processo Comum - Singular N. o 200/04.4 GTAVR do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro (agora, Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro - Comarca do Baixo Vouga), tendo sido condenado por factos praticados em 14 (catorze) e 20 (vinte) de Abril de 2004 (dois mil e quatro), na pena de 13 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, por Sentença datada de 20 (vinte) de Abril de 2005 (dois mil e cinco), transitada em julgado, sendo certo que por despacho datado de 18 (dezoito) de Setembro de 2009 (dois mil e nove), por aplicação da lei penal mais favorável ao Arguido, foi reduzido o período de suspensão da execução para 1 ano, pelo que terminou tal prazo de suspensão em 05 (cinco) de Junho de 2006 (dois mil e seis); e,
5. Processo Comum - Singular Nº 315/05 GBAND, que correu termos no 2.° Juízo do (então) Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, tendo sido condenado pela prática de um crime de falsidade de declaração e de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, por factos praticados em 31 (trinta e um) de Maio de 2005 (dois mil e cinco), na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com as condições do Arguido pagar Euros: 800,00 (oitocentos) á Associação de Cidadãos Automobilizados, comprovando o pagamento - o que fez; frequentar uma Acção de Formação promovida pela Prevenção Rodoviária Português - que frequentou; fazer visitas aos Hospitais, implementadas pela Equipa (Local) do Instituto de Reinserção Social- contactou com os acidentados e respeitou pontualmente as visitas agendadas por aquela; e, apresentar-se periodicamente perante o técnico competente da Equipa (Local) do Instituto de reinserção Social- o que cumpriu;
• O douto Despacho proferido no âmbito do Processo Comum - Singular nº 200/04.4 GTAVR, datado de 23 (vinte e três) de Novembro de 2009 (dois mil e nove) menciona «resultar de fls. 240 que o arguido se encontra acusado no Processo 159/07.6 GBOBR, deste Tribunal, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal por factos de 17.03.2007.» (sublinhado nosso), O que terá sido escrito apenas por mero lapso; na verdade,
• O Arguido apenas e tão-somente foi notificado (e não unicamente o aqui Arguido), nos termos do Artigo 273.° do C.P.P., para comparecer no (passado) dia 26 (vinte e seis) de Novembro de 2009 (dois mil e nove) no Posto da G.N.R. de Vagos, a fim de proceder a um (alegado) Reconhecimento Presencial no âmbito do Inquérito 159/07.6 GBOBR, que corre termos pelos Serviços do Ministério Público de Oliveira do Bairro;
• Apesar de o Arguido/ Recorrente ter sofrido já cinco condenações, não se revela (com)provada --- muito longe disso--- a sustentação daquela Acusação, não existindo Despacho final no sobredito Inquérito;
• No caso "sub judice" há duas questões a destacar, após a enunciação das anteriores condenações do Arguido/Recorrente:
Em primeiro lugar, os Julgamentos pelo crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos nºs 1 e 2 do Artigo 3.° do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, respeitam a condenações por factos praticados nunca depois de 31 (trinta e um) de Maio de 2005 (dois mil e cinco), ou seja, são relativos à prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal durante a sua juventude, realçando-se (e muito) o facto de ter, á data da sua prática, não mais que 20 anos de idade!
Outra questão prende-se com a ideia de Reinserção Social, fruto da Reforma legislativa dos Códigos Penal e de Processo Penal ocorrida em 2007 (dois mil e sete), que «densificou o reconhecimento do princípio fundamental de que a privação da liberdade deve ser aplicada como último recurso, pugnando pelo primado da aplicação de penas e medidas alternativas e incrementando a aplicação de meios de fiscalização electrónica;
• No presente Recurso está em causa a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. ;
• A revogação da suspensão não opera de forma automática, ainda que o Arguido não responda ás notificações e, salvo o (mais que) devido respeito por entendimento contrário, não há-de constituir a mais correcta actuação, considerar-se infirmado, sem mais, o juízo de prognose subjacente á suspensão sem a prévia e (presentemente) obrigatória audição do Arguido;
• É necessário que fique demonstrado que o condenado falhou, é necessário apreciar a sua culpa, se merece ou não ser tolerado ou desculpado;
• Faltaram efectivas e presenciais averiguações, não sendo suficiente referir «O Arguido foi notificado para se pronunciar. . .. nada tendo dito» (vide, folhas 1 e 2 do Despacho);
• A audição do Arguido, presencial e juntamente com um Técnico do I.R.S., é uma obrigação em observância do princípio do contraditório estabelecido no nº 3 do Artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
• Daí que, previamente à revogação, ou imposição de novos deveres ou regras de conduta deva (tenha) o Tribunal efectuar diligências (saber qual a razão da falta de cumprimento da condição) e em função do apurado concluir pela revogação da suspensão (no caso de infracção grosseira e repetida), OU pela substituição da medida (caso tenha havido incumprimento culposo).»
• Portanto, não andou bem o Despacho recorrido, uma vez que não suscita dúvidas a constatação de que a revogação da suspensão da pena não é decretada automaticamente, pois que há uma questão material prévia a esclarecer e um procedimento legal a observar para isso;
• Não se ouviu, o condenado na presença física e acompanhada de um Técnico do LR.S. e nem se lançou mão de um maior número de (expeditos) meios, que lhe fornecessem informação fidedigna para fundamentar a decisão;
• Cumpre realçar o Relatório Social constante dos Autos e datado de 11 (onze) de Junho de 2007 (dois mil e sete), na medida em que constata que o Arguido apresenta hoje uma crescente sensibilidade, afastando-se cada vez mais do comportamento do passado: «Na actualidade mostra-se empenhado em conseguir alterar o seu modo de via, tendo já algum suporte familiar e indicando estar a conseguir um maior controlo sobre a situação de endividamento»;
• E tanto assim é que, por Contrato de Mútuo celebrado em 19 (dezanove) de Agosto de 2005 (dois mil e cinco), o seu casal adquiriu um veículo automóvel, a fim de que a cônjuge mulher, que exerce a sua actividade profissional como talhante no Hipermercado Intermaché, na cidade de Oliveira do Bairro, pudesse e possa deslocar-se diariamente para o local de trabalho, sendo certo que o seu pagamento, em prestações mensais, terminará em 27 (vinte e sete) de Agosto de 2011 (dois mil e onze).; e,
• Nesta nova etapa de vida, em 02 (dois) de Dezembro de 2008 (dois mil e oito), o seu casal decidiu adquirir habitação própria, tendo celebrado para o efeito um Contrato Promessa de Compra e Venda de um prédio Urbano, composto de casa de habitação e quintal, sito na Rua …. Concelho de Vagos, onde o casal já reside, tendo entregue a quantia de Euros: 10.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento de preço, à promitente vendedora, MARIA .. aguardando apenas pela total legalização do prédio (urbano) para outorgar a competente Escritura de Compra e Venda.;
• Acresce que, para tal desiderato, em tempo oportuno, o seu casal solicitou junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, uma Simulação de Crédito para Habitação, atento o valor de Euros: 100.000,00, correspondente ao preço da aquisição do citado Prédio Urbano, a fim de tomar conhecimento sobre o montante da prestação (mensal) a pagar em consequência da obtenção do necessário crédito.;
• O Arguido assumiu novas responsabilidades que levam a acreditar na sua capacidade para a auto-prevenção, reeducação e «estabilização pessoal, social e profissional, circunstancialismo para o qual contribuiu (e que bem) o seu casamento em 15 (quinze) Dezembro de 2005 (dois mil e cinco), abraçado pela muito próxima paternidade, estando a cônjuge mulher na 15.3 semana de gravidez.;
• O Arguido é um jovem, que presentemente exerce de forma estável uma profissão e vive uma vida familiar plena e mais absorvente e cujo percurso de delinquência esteve confinado a ilícitos cometidos na condução de veículos sem habilitação, que demandam a efectiva ponderação da utilização de medidas penais que não passem pela prisão;
• A omissão de diligência essencial assente na falta de audição pessoal e presencial do Arguido, acompanhado de um Técnico da I.R.S., antes de proferir Despacho sobre as consequências do incumprimento das condições de suspensão, constitui nulidade insanável, nos termos da Alínea c) do Artigo 119º do C.P.P., já que importa analisar e ponderar o circunstancialismo concreto dos factos, a medida da intensidade das razões de prevenção, a Reinserção Social - destaque da Reforma Penal - e as imprevisíveis e instáveis consequências que uma total privação de liberdade acarretará, sendo certo que é indubitável e determinante a superioridade dos (actuais) factores relevantes de ponderação;
• O douto Despacho recorrido violou, assim, além do mais o disposto na alínea c) do Artigo 119, no nº 2 do Artigo 495º do Código de Processo Penal (C.P.P.), no Artigo 55 do CP.P. e o nº 3 do Artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Respondeu o MP defendendo a manutenção da decisão recorrida.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, com base na existência de nulidade insanável, conclui que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

A questão colocada no presente recurso traduz-se em saber se o mesmo padece ou não de nulidade insanável prevista no artº 119º c) CPP, traduzida na falta de audição pessoal e presencial do arguido, acompanhado de técnico da I.R.S.
Pois bem face ao referido anteriormente dúvidas não há de que o arguido cometeu dois crimes dolosos durante o período da suspensão da pena e bem ainda que o mesmo foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão.
Mas será que tal notificação é suficiente para desencadear a revogação ?
E a resposta não pode deixar de ser negativa.
Vejamos.
Estabelece-se no artº 56º nº 1 b) CP, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Ora como resulta claramente da redacção do referido preceito, a condenação pela prática de crime doloso cometido durante o período da suspensão da pena, não implica a sua revogação automática.
Importa aferir também se as circunstâncias revelam que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artº 40º nº 1 CP), ou como diz Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 356. “ se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.”.
E compreende-se que assim seja já que, como refere o citado autor Obra citada, pág. 339. “ a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição.
Como se escreveu no Acórdão desta Relação, datado de 03.04.30 CJ 2/03, pág. 50.” …. constituindo a revogação da suspensão da execução da pena , a aplicação e cominação de outra pena, conquanto já determinada, a actividade jurisdicional correspondente, isto é, de revogação da suspensão, ter-se-á de processar de acordo com os princípios gerais que presidem ao processo penal, designadamente os que se encontram consagrados em sede constitucionalmente, com destaque para o consignado no n.º 1 do art.º 32º , segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa.
Um dos direitos de defesa, decorrente do próprio Estado de direito democrático, traduz-se na observância do princípio ou direito de audiência, que implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal ( concepção “carismática” do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo ( concepção democrática do processo) e se encontrem na situação de influir naquela declaração de direito, de acordo com a posição e funções processuais que cada um assuma ( vide Figueiredo Dias, Direito Processual Penal ( 1981), I, 157/158).”.
Na verdade o princípio do contraditório tem desde logo consagração formal no texto da própria Constituição, ao estabelecer no artº 32º nº 5 que “ o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.”.
Tal princípio tem na nossa lei processual penal a mais ampla projecção, sendo certo que na vertente decisória se estabelece no artº 61º nº 1 b) CPP, que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo do direito de “ ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”.
Ora perante a redacção que o legislador, através da reforma de 2007, veio introduzir no artº 495º nº 2 CPP, entendemos que não basta agora uma mera notificação ao arguido para se dar cumprimento ao contraditório, sendo, antes, necessária, a sua comparência presencial.
É que, como nos diz Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código do Processo Penal, 3ª ed., pág. 1240. “ o arguido deve ser ouvido, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º, alínea c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo em especial”.
Assim sendo e considerando que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena, atinge a esfera jurídica do arguido, já que da sua revogação derivará para este o cumprimento da pena de prisão, ao não se proceder à sua audição presencial, acompanhado da técnica do IRS que elaborou os relatório de fls. 156 e ss e 193 e ss, para que possam pronunciar-se sobre o assunto, antes da decisão, viola-se claramente o referido princípio do contraditório, com manifesto reflexo sobre o acto praticado.
Daí que se encontre preenchida a nulidade prevista no artº 119º c) CPP, e como tal o despacho proferido é inválido ( artº 122º nº 1 CPP) Cfr. neste sentido Ac. desta Relação de 08.12.03, Proc. nº 70/97.1DSTR.C1.

DECISÃO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam, em conceder provimento ao recurso e, consequentemente revogam a decisão recorrida que deverá ser precedida da audição presencial do arguido na presença da referida técnica do IRS, no sentido de esclarecer o que for tido por conveniente, para em seguida, juntamente com os demais elementos constantes dos autos, averiguar se as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Sem tributação.
Honorários legais à ilustre defensora.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário.
Coimbra, 18 de Maio de 2010.