Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/09.9GBFVN
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 44º CP ,2º, N.º 2 DO DL N.º 2/98, DE 03/01
Sumário: Perante alguém que teve várias condenações anteriores em matéria de condução ilegal, importa fazê-lo conhecer uma outra realidade em termos de pena, regime de permanência na habitação, antes de voltar a ser encarcerado numa prisão
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No Processo Comum Singular n.º 9/09.9GBFVN do Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos, recorre o arguido M … da sentença datada de 3 de Fevereiro de 2010 e que o condenou, como autor material, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 e 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

            2. O arguido, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição):

                «1. A formulação de um juízo de prognose favorável, condição sine qua non para se poder suspender a execução de uma pena de prisão, deve decorrer das circunstâncias pessoais do arguido à data da comissão do ilícito (art. 50º do CP).

2. Reportando-se os antecedentes criminais do recorrente a factos ocorridos há quase seis anos, no entendimento deste não deveriam ter assumido a preponderância que assumiram para o juízo de prognose desfavorável que foi feito nos termos e para os efeitos do artigo 50º do CP.

3. Assim sendo, somos de opinião que o quantum penal aplicado ao recorrente poderia e deveria ter sido suspenso na sua execução, ainda que essa suspensão fosse acompanhada de regime de prova (art. 53º e seg. do CP) e condicionando essa suspensão à condição de este em prazo a fixar juntar documento comprovativo aos autos de que concluiu com êxito o processo de aprendizagem que o habilitará a conduzir veículos.

4. In casu, também existiam as condições objectivas e subjectivas para que a pena aplicada fosse substituída por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58° do CP).

5. Acreditamos que é hora de experimentar na pessoa do recorrente uma reacção penal diversa, uma vez que se trata de alguém integrado familiar, social e profissionalmente e que o recorrente não deixaria de aproveitar a oportunidade que decorre da aplicação deste tipo de pena.

6. Com a sentença proferida foi violado o disposto nos artigos 40º, 50° e 58º do CP.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exc. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-se a douta sentença proferida. assim sendo feita
Justiça».

3. O Exmº Magistrado do Ministério Público de 1ª instância respondeu, pedindo a manutenção do julgado, entendendo que não deverá ser dado provimento ao recurso interposto, porque considera que se fez uma correcta aplicação dos critérios legais que regem a determinação da medida da pena, atentas as exigências de prevenção geral positiva e as considerações de prevenção especial, designadamente, o facto de o arguido ter sofrido condenações anteriores pela prática de crimes.

            4. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece parcial provimento, seguindo em grande parte a argumentação do Ministério Público de 1ª instância, concluindo (em transcrição):

«(…) Considerando o acima exposto, embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral e especial são grandes, já que as anteriores condenações sofridas pelo arguido quer em pena de multa, quer em pena de prisão suspensa na sua execução, ou mesmo a privação de liberdade, não foram suficientes para o afastar da prática deste crime, sendo por isso indispensável a aplicação de uma pena de prisão, o certo é que, sendo a pena aplicada inferior a um ano, em nosso entender, sempre poderá o arguido vir a beneficiar de uma última oportunidade, cumprindo essa pena de prisão nos termos do art° 44º do C.P., em regime de permanência na habitação, sujeito a fiscalização por meios técnicos de controlo à distancia.

Ou seja, cumprindo pena privativa de liberdade, já que as anteriores penas aplicadas não foram suficientes para proceder à sua reintegração, mas que a mesma possa ser cumprida na sua residência, uma vez que tal forma de cumprimento da pena de prisão, poderá vir a satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e ao mesmo tempo possibilitar ao arguido a necessidade de interiorização de que só é permitido conduzir a quem se encontra legalmente habilitado para o fazer.

Assim, somos de parecer que, perante a menor gravidade do crime cometido pelo arguido, (comparativamente com a gravidade de outros crimes já por ele cometidos - furto qualificado, furto simples, ofensa à integridade física simples, descaminho de objecto colocado sob o poder público), e a situação socioeconómica e familiar do delinquente, se deverá punir o arguido por este crime porque agora foi condenado, com uma pena privativa de liberdade, mas que a mesma venha a ser cumprida sob o regime de permanência na habitação, nos termos do art° 44° do C.P..

Nestes termos, somos de parecer que, embora por razões diversas, o recurso merece parcial provimento».

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se é de aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade ou uma modalidade mais suave de reclusão.

             2. A factualidade dada como apurada em 1ª instância é a seguinte:

o «No dia 11 de Janeiro de 2009, pelas 18h40m o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula VB-....., na E.N. nº 2, km 12,550, na localidade de Tojeira, concelho de Pedrógão Grande.

o O arguido fazia-o sem ser detentor de carta de condução ou outro título que o habilitasse a conduzir o referido veículo.

o O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não tinha documento que o habilitasse a conduzir e que, nessas condições, lhe estava vedada a condução de veículos a motor na via pública, não se coibindo de o fazer, o que representou.

o O arguido sabia que aquela conduta era proibida e punida por lei.

o O veículo referido pertence ao arguido, que o comprou.

o O arguido é agricultor, não se encontrando actualmente a desenvolver qualquer actividade.

o O arguido reside com a mãe, a qual aufere uma pensão de reforma de cerca de € 388,00, sendo esta que suporta as suas despesas.

o O arguido confessou integralmente os factos.

o Por acórdão transitado proferido no âmbito do processo n.º 167/90 que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 18/04/1991, pela prática, em 19/08/1987, dos crimes de furto e furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

§ Foi declarado o perdão de 1 ano da pena.

§ Por despacho de 21/09/1994 foi revogada a suspensão da execução.

§ Em 26/04/95 foi declarada perdoada a totalidade da pena.

o Por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 35/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, foi o arguido condenado em 19/03/1999, pela prática, em 01/03/1999, dos crimes de condução com álcool e condução sem habilitação legal, na pena de 19 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

§ Por despacho de 11/12/2000 foi revogada a suspensão da execução.

o Por sentença transitada, proferida no âmbito do processo n.º 42/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 03/03/2000, pela prática, em 1998, de um crime de descaminho de objectos colocados sob poder público na pena de 2 anos de prisão.

o Por sentença transitada, proferida no âmbito do processo n.º 26/2000, que correu termos no Tribunal Judicial da Lousã, foi o arguido condenado em 18/03/2000, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em cúmulo com a pena aplicada no âmbito dos autos referidos em 1.10. e 1.11. na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

o Por sentença transitada em 27/04/2001, proferida no âmbito do processo n.º 44/2000, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 03/04/2001, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, praticado em 28/08/1999, em cúmulo com a pena aplicada no âmbito dos autos referidos em 1.10., 1.11. e 1.12. na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

§ Por despacho de 25/06/2003 foi a pena declarada extinta.

o Por sentença transitada em 29/09/2003, proferida no âmbito do processo n.º 72/03.6GBFVN, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, foi o arguido condenado em 02/09/2003, pela prática, em 12/08/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.

§ Por despacho de 05/05/2004 foi revogada a suspensão da execução.

o Por sentença transitada em 27/05/2005, proferida no âmbito do processo n.º 88/03.2GAOLR, que correu termos no Tribunal Judicial de Oleiros, foi o arguido condenado em 04/05/2005, pela prática, em 09/09/2003, dos crimes de furto, em cúmulo com a pena referida em 1.15., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.

o Por sentença transitada em 18/03/2004, proferida no âmbito do processo n.º 61/03.0GAAGN, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 27/02/2004, pela prática, em 09/06/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão.

§ A pena aplicada foi declarada extinta pelo cumprimento em 12/01/2005.

o Por sentença transitada em 11/11/2004, proferida no âmbito do processo n.º 67/03.0GBFVN, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, foi o arguido condenado em 27/10/2004, pela prática, em 28/07/2003, dos crimes de condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de (treze) meses de prisão.

o Por sentença transitada em 03/06/2005, proferida no âmbito do processo n.º 14/04.1GAAGN, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 18/05/2005, pela prática, em 03/03/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, em cúmulo com as penas referidas em 1.14., 1.15., 1.16. e 1.17. na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

§ Por despacho de 23/10/2006 foi a pena declarada extinta pelo cumprimento».

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem o arguido recorrer da decisão que o condenou em pena de prisão pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, peticionando a aplicação de uma pena suspensa na sua execução ou de uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Levantada está, também, a hipótese de aplicação da pena do artigo 44º do CP, pena também requerida pelo recorrente a fls 169 (e sendo requerida não terá o consentimento de ser dado de forma presencial, como se intui do artigo 2º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 122/99 de 20 de Agosto, aqui aplicável.

3.2. A questão a resolver prende-se, assim, com a ESCOLHA e com a MEDIDA da pena.

Não sofreu contestação a condenação do arguido como autor de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º/2 da Lei n.º 2/98 de 3/1.

O artigo 3º, n.º 1 estatui que “quem conduzir veículo a motor na via pública sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punida com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.

Determina depois o n.º 2 do mesmo artigo que “se o agente conduzir, nos termos do artigo anterior, motociclo ou automóvel, a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”.

No caso vertente, é aplicado o n.º 2 desse normativo já que o arguido conduziu ilegalmente um veículo ligeiro de passageiros.

O bem jurídico pretendido tutelar com a referida incriminação é a segurança do tráfego rodoviário, o que reconduz à tutela dos bens jurídicos «integridade física e vida», sendo um crime de perigo abstracto, no qual se valora a acção enquanto em si mesma perigosa, não aparecendo na estrutura do tipo a exigência do perigo na situação concreta (e daí não fazer qualquer relevante jurídico sentido a alegação do recorrente de que «não se provou que o recorrente tenha provocado qualquer situação de embaraço para o trânsito, colocado em perigo a circulação de outros veículos automóveis ou tenha sido interveniente em acidente de viação»).

3.3. Neste recurso, há, POIS, divergência quanto à MEDIDA da pena aplicada ao arguido.

Discorda o arguido da pena de prisão efectiva.

            O tribunal recorrido entendeu que a pena escolhida teria de ser a prisão, afastando a pena de multa (artigo 70º do CP), o que nem sequer é colocado em causa pelo recorrente no seu recurso.

            Depois, entendeu o tribunal que a medida da pena – de prisão - se devia situar nos 6 meses.

E justificou tal medida da pena deste modo:

«Neste ponto é de considerar a mediana ilicitude do facto, bem como a ausência de consequências da sua prática. O arguido confessou integralmente os factos.

Contra o arguido depõem largamente os seus antecedentes criminais, os quais tornam a sua conduta particularmente censurável. Nem o cumprimento de pena de prisão foi suficiente para afastar o arguido deste tipo de condutas. Não se pode concluir senão por um manifesto e ostensivo desrespeito pelas disposições legais violadas como pelas solenes censuras anteriormente feitas.

Por outro lado verifica-se que o arguido agiu com dolo directo, a modalidade mais intensa de dolo, contrariando frontalmente uma proibição legal, sem qualquer tipo de motivo atendível. A culpa revelada no facto afigura-se elevada.

Afigura-se que no caso em presença as condições económicas e pessoais do arguido não assumem particular relevância, sendo que o tipo de crime em questão não é conotado com determinado tipo de condições pessoais ou de vida.

Pelo exposto entende-se adequada, por justa e proporcional, a pena de 6 meses de prisão».

Sabemos que a determinação da pena envolve diversos tipos de operações.

Na parte que agora nos importa, o julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70.º do Código Penal que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
Assim, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.

O artigo 70.º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.

Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71.º, o seu quantum.

No nosso caso, a moldura abstracta da pena do crime de condução de veículo sem habilitação legal é a de prisão até dois anos ou a de multa até 240 dias.

O tribunal a quo escolheu a prisão em detrimento da multa e fixou aquela em seis meses.

Repete-se: a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não mereceu qualquer reparo por parte do arguido/recorrente.

Mas da escolha da pena principal de prisão, no caso de moldura abstracta que contempla prisão ou multa, não decorre, necessariamente, que a pena privativa da liberdade tenha de ser cumprida.

O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70.º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, entenda dever proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (artigo 43.º), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 364).

No caso em causa, a sentença recorrida não CONFUNDE os dois momentos atrás delineados: o da escolha da pena principal e o da ponderação da aplicação de uma pena de substituição.

Foi bem feito o procedimento de determinação da pena:

· determinação da medida abstracta da pena (prisão OU multa);

· escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70.º do Código Penal (prisão, no caso);

· fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71.º do Código Penal (seis meses de prisão);

· ponderação da aplicação de uma pena de substituição (não substituição por multa[2], por trabalho a favor da comunidade e não suspensão da execução);

· fixação, finalmente, desta pena, sendo caso disso (seis meses de prisão efectiva).

           

3.4. De facto, o tribunal opina e decide expressamente que não se vislumbra que a aplicação da pena de multa, da pena de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do CP) e da suspensão da execução da pena permita realizar, de forma adequada, as exigências de prevenção, afastando a sua aplicação.

Deliberou assim:

«Aplicando-se a pena de prisão acima referida importa averiguar se, no caso concreto, cabe proceder à sua substituição por qualquer outra pena não privativa de liberdade, designadamente ponderando-se a substituição da pena de prisão por multa, por trabalho a favor da comunidade ou pela suspensão da execução da pena de prisão.

            A substituição da pena de prisão por uma destas penas referidas implica que qualquer delas satisfaça de forma cabal as finalidades que devem presidir à aplicação de uma pena, não se revelando a prisão como único meio de as alcançar.

            A substituição por pena de multa pressupõe que o cumprimento da pena de prisão não seja necessário para a prevenção do cometimento de novos crimes (art. 43º, n.º 1, do CP).

A suspensão da execução da pena é configurada como uma pena de substituição (FIGUEIREDO DIAS, in op. cit.), estando o Tribunal vinculado (não se trata de uma mera faculdade) a decretar tal suspensão verificados os pressupostos previstos na lei. Esta medida reveste um carácter “reeducativo e pedagógico” e visa evitar as consequências nefastas da entrada do condenado no sistema penitenciário, quando se afigure que no exterior goza de condições que permitam concluir que futuramente não persistirá na prática de ilícitos criminais.

            A preferência do ordenamento por esta modalidade de pena confirma mais uma vez a opção de considerar a pena de prisão efectiva como último recurso, aplicável quando todos os outros mecanismos não asseguram a ressocialização do indivíduo.

            Constata-se, no caso que mesmo após cumprimento de pena de prisão, o arguido incorreu na prática dos factos supra descritos. Tal situação denuncia uma fraca postura crítica face ao tipo de comportamentos em questão e pouca interiorização do juízo de censura que a sociedade lhes dirige. Esta circunstância coloca em crise qualquer prognose favorável que se possa neste momento formular quanto a uma eventual suspensão da execução da pena de prisão ou mesmo os benefícios de outra pena substitutiva como a prestação de trabalho a favor da comunidade ou a substituição por multa. Nestas circunstâncias, e atendendo ao passado criminal do arguido, é possível concluir que não foram suficientes as condenações em pena efectiva por factos ligados com a circulação rodoviária para o inibirem da prática de novos ilícitos como o ora em apreço, nem o será a simples ameaça de uma pena de prisão.

            Qualquer outra pena, que não o efectivo cumprimento de uma pena de prisão, não atingirá os objectivos de reinserção ou, no mínimo, de prevenção geral.

Entende pois o Tribunal ser este um caso paradigmático em que o efeito “sharp, short, schock” da pena de prisão e portanto da privação da liberdade, poderá contribuir para que o arguido se consciencialize quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes - e se afaste, no futuro, da prática de novos crimes –, já que nem as penas de prisão que a si já foram aplicadas e pelo mesmo cumpridas lograram tal efeito; outra pena que não a pena de prisão efectiva não satisfará, simultaneamente, as elevadíssimas necessidades de prevenção do crime que o caso convoca.

Assim, avaliando as exigências de prevenção especial de socialização que se fazem sentir em concreto e as exigências de prevenção geral ponderadas, entende-se que outra pena que não a pena de prisão efectiva, não lograria afastar o arguido, no futuro, da prática de novos crimes, nem realizaria de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral que o caso convoca».          

Diríamos que o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição ou qualquer outra, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.

Ou seja:

Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do CP), a prisão por dias livres[3] (art.45.º do CP - a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, QUE NÃO SEJA SUBSTITUÍDA POR PENA DE OUTRA ESPÉCIE, é cumprida em dias livres) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do CP), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, damos a nossa concordância à seguinte ordem de ponderação:
Substituição da pena de prisão por:
 
1º - Multa (artigo 43º);
2º - Suspensão da pena (artigo 50º);
3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º);
4º- Regime de permanência na habitação (artigo 44º);
5º - Prisão por dias livres (artigo 45º);
6º - Regime de semidetenção (artigo 46º).

3.5. Para a fixação da pena o tribunal recorrido considerou, além do mais, as elevadas exigências de prevenção geral positiva, o elevado grau da ilicitude do facto, o dolo intenso e, em sede de prevenção especial, as anteriores condenações do arguido exactamente pelo mesmo tipo de ilícito, o que revela que as penas aplicadas não têm surtido qualquer efeito.

Temos por adquirido que a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal. Também estatui o art. 70° do Código Penal que "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

Nos termos do preceituado no art. 40°, n.º 2, do Código Penal, uma das finalidades da punição é a reintegração do agente na sociedade prevenindo-se a prática de futuros crimes. O princípio que a doutrina tem denominado da necessidade das penas [da tutela penal] ou da máxima restrição das penas afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, não sendo só os princípios dogmáticos do direito constitucional-penal que nos obrigam a uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das penas privativas de liberdade.

São também os dados da reincidência a revelar que o espaço prisional mais do que reabilitativo é igualmente estigmatizante, e por consequência, alavanca maiêutica de mais criminalidade.

Ora aqui chegados parece-nos indubitável que foi bem fixada em seis meses a pena de prisão a aplicar ao arguido já que o seu passado rodoviário fala contra si, de forma bem veemente e gritante.

Vejam-se as anteriores condenações que sofreu ao longo dos anos, muitas das quais por crimes rodoviários:

§ 1ª - Por acórdão transitado proferido no âmbito do processo n.º 167/90 que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 18/04/1991, pela prática, em 19/08/1987, dos crimes de furto e furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, mais tarde revogada e perdoada;

§ - Por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 35/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, foi o arguido condenado em 19/03/1999, pela prática, em 01/03/1999, dos crimes de condução com álcool e condução sem habilitação legal, na pena de 19 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, mais tarde revogada;

§ 3ª- Por sentença transitada, proferida no âmbito do processo n.º 42/99, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 03/03/2000, pela prática, em 1998, de um crime de descaminho de objectos colocados sob poder público na pena de 2 anos de prisão;

§ 4ª- Por sentença transitada, proferida no âmbito do processo n.º 26/2000, que correu termos no Tribunal Judicial da Lousã, foi o arguido condenado em 18/03/2000, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em cúmulo com a pena aplicada no âmbito dos autos referidos em 1.10. e 1.11., na pena de 1 ano e 8 meses de prisão;

§ 5ª- Por sentença transitada em 27/04/2001, proferida no âmbito do processo n.º 44/2000, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 03/04/2001, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, praticado em 28/08/1999, em cúmulo com a pena aplicada no âmbito dos autos referidos em 1.10., 1.11. e 1.12. na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

§ 6ª- Por sentença transitada em 29/09/2003, proferida no âmbito do processo n.º 72/03.6GBFVN, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, foi o arguido condenado em 02/09/2003, pela prática, em 12/08/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, entretanto revogada;

§ 7ª- Por sentença transitada em 27/05/2005, proferida no âmbito do processo n.º 88/03.2GAOLR, que correu termos no Tribunal Judicial de Oleiros, foi o arguido condenado em 04/05/2005, pela prática, em 09/09/2003, dos crimes de furto, em cúmulo com a pena referida em 1.15., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;

§ 8ª- Por sentença transitada em 18/03/2004, proferida no âmbito do processo n.º 61/03.0GAAGN, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 27/02/2004, pela prática, em 09/06/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão;

§ 9ª- Por sentença transitada em 11/11/2004, proferida no âmbito do processo n.º 67/03.0GBFVN, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, foi o arguido condenado em 27/10/2004, pela prática, em 28/07/2003, dos crimes de condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de (treze) meses de prisão.

§ 10ª- Por sentença transitada em 03/06/2005, proferida no âmbito do processo n.º 14/04.1GAAGN, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi o arguido condenado em 18/05/2005, pela prática, em 03/03/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, em cúmulo com as penas referidas em 1.14., 1.15., 1.16. e 1.17. na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Ora, temos seis condenações por crime igual ao dos autos, com penas de prisão suspensas na sua execução, todas revogadas, tendo já ele cumprido pena de prisão efectiva por tal delito.

Os seis meses parecem-nos correctos face ao tempo já passado desde a última condenação (datada de Maio de 2005).

3.6. Que dizer da suspensão da execução da pena de seis meses aplicada?

Será que é justo decretá-la? (estando o seu regime jurídico previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C.P.Penal).

O artigo 50.º, n.º 1, do CP dispõe:

«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

            As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

            Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora era de 3 anos), entendemos, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).  

            Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

             No seio da Comissão, Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.)

            Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:

              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).

            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).

Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).

            A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

            A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.

Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

            Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, no caso vertente, compulsado o registo criminal do arguido verificamos que o arguido tem dificuldade em manter uma conduta respeitadora e fiel ao Direito e pouco ou nenhum respeito tem pela comunidade que em si acreditou ao lhe ter sucessivamente dado chances de ressocialização.

São suspensões a mais, todas revogadas.

Como tal, é um absurdo pensar nessa suspensão agora.

O que vai explanado permite concluir que a simples ameaça da prisão não permite realizar de forma adequada as finalidades da punição, tanto mais que o arguido revela uma personalidade desconforme ao direito.

            Ou SEJA:

Entendendo-se que resulta dos presentes autos que o arguido tem antecedentes criminais, tendo sofrido já condenações sucessivas relacionadas com a condução, por factos ocorridos entre 1999 e 2004, que inexistem comprovadas circunstâncias que o possam favorecer e que tais circunstâncias impedem um juízo de prognose a si favorável, tanto mais que não se vislumbra do seu recente comportamento que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa (tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime), o tribunal recorrido afastou, e bem, a possibilidade de suspender a pena de prisão que aplicou concretamente ao arguido.

Certos de que o que está aqui em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, entendemos, na linha do sentenciado em 1ª instância, que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizam, de forma adequada, as exigências e finalidades da punição.

O juízo de prognose favorável que o percurso criminal do arguido e a persistência que vem demonstrando na prática de crimes, nomeadamente da natureza dos autos, revela--se, à saciedade, irremediavelmente comprometido, revelando ele uma personalidade desconforme ao Direito e autista relativamente à força persuasiva e ressocializadora das penas que já lhe foram aplicadas no passado.

Quem já esteve preso devia estar emendado, deveria pensar duas vezes antes de pegar num qualquer veículo, conduzindo-o. 

A pena de suspensão da execução da pena de prisão não realiza de forma adequada as finalidades da punição quando o agente apesar de já ter sido por diversas vezes condenado, nomeadamente em pena de suspensão da execução da pena de prisão, por conduzir veículo automóvel sem estar legalmente habilitado para tal, volta a praticar infracção de natureza semelhante.

Desta forma, improcede nesta parte do recurso.

3.7. E que dizer da pena do artigo 58º do CP?

Como se sabe, de acordo com a lei – artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal (revisto em 2007) – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade “sempre que [o tribunal] concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – no fundo, estamos perante um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão – ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 [Relator: Cons. Rodrigues da Costa], Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo II, p. 228.

Considerada como uma das mais relevantes e revolucionárias medidas de político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório [ver Maia Gonçalves, Código Penal Português – 11ª ed., em anotação ao art. 58.º] e recomendada pelas mais altas instâncias [v.g. as recomendações e resoluções do Conselho da Europa e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990 – com menção expressa à imposição de prestação de serviços à comunidade no ponto 8.2.i)], a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/7/2008, no Pº 0842309 (nº convencional JTRP00041539 - http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5b7495cf2e91b4f5802574880050042a?)

Tal prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo, apela a um forte sentido de co-responsabilização social e de reparação simbólica.

No nosso caso, o arguido sofreu já seis condenações criminais pela prática de crimes do mesmo jaez do dos autos, sendo tais condenações anteriores aos factos a que respeitam estes autos.

Revela-se, assim, inequívoco e fora de qualquer outra cogitação, que as penas não detentivas não lograram surtir o pretendido efeito dissuasor da prática de novos ilícitos.

Há, então, que optar pela pena de prisão, o que só fez bem o tribunal recorrido, doseando de forma adequada e equilibrada tal tempo de prisão efectiva.

In casu, afastou-se a possibilidade de se aplicar a pena do artigo 58º do CP, e bem, a nosso ver, como já se deixou escrito.

3.8. Mas será de aplicar o regime do artigo 44º do CP?

Que dizer, então, do regime de permanência na habitação, previsto, em termos pioneiros, pela letra do artigo 44º do CP (na revisão de 2007, levada a cabo pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro)?
Este preceito estatui que:

“1- Se o condenado o consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância[4], sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:      

a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;

b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.

2- O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:

a) Gravidez;

b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65;

c) Doença ou deficiência graves;

d) Existência de menor a seu cargo;

e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

3 - (…)

a)- (…)

b) – (…)

4 - (…) ».

A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral.

Mais do que um modo pelo qual pode ser executada a pena de prisão (na palavra aparentemente expressa do artigo 44.º, n.º 1 do CP), entendemos que estamos perante uma pena substitutiva da prisão (pelo menos em sentido impróprio), na linha aliás do expressamente declarado na Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na base da revisão de 2007 do CP.

Aí se deixou escrito que:

5.«No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos (…)».

A propósito da natureza assumida pelo regime assim instituído, tomaram já posição Maria João Antunes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como o Exmº Desembargador Jorge Gonçalves, em comunicações realizadas nas Jornadas de Direito Penal, organizadas pelo CEJ, em Novembro de 2007, na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa.

Maria João Antunes opina que

«No artigo 44.º prevê-se agora o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, (…) à qual são correspondentemente aplicáveis regras da Lei que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal (artigo 9.º da Lei n.º 59/2007). Substitui a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e o remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Ou, excepcionalmente, o remanescente não superior a 2 anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiência graves, existência de menor a seu cargo, existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

O enquadramento do regime de permanência na habitação nas penas de substituição (…) é para nós inequívoco, quando substitui – à semelhança da prisão por dias livres e do regime de semidetenção – pena de prisão em medida não superior a um ano e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.º 1, alínea a)].

Quando substitui o remanescente não superior a um ano – ou, excepcionalmente, dois – da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em cumprimento de medida de natureza processual e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.ºs 1, alínea a), e 2], já não estamos, verdadeiramente, perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão, semelhante à agora introduzida no artigo 62.º (Adaptação à liberdade condicional)».

Jorge Gonçalves adianta que:

«O novo artigo 44.º, com a epígrafe Regime de permanência na habitação, veio estabelecer uma forma de execução domiciliária da prisão, podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos.

Esta nova pena de substituição/modo de execução, dependente do consentimento do condenado (o que também se exige no regime de semi-detenção e na prestação de trabalho a favor da comunidade), tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica que, até ao momento, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Mecanismo este que também passa a estar associado à adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.º, na nova redacção.

A proposta de revisão do Código Penal colocava algumas dúvidas: seria ou não aplicável, ao regime de permanência na habitação, a legislação relativa à vigilância electrónica, designadamente a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, pensada para a medida de coacção?

O artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, soluciona a dúvida, estabelecendo que o disposto no n.º 1 do artigo 1.º, no artigo 2.º, n.º 2 a 5 do artigo 3.º, nos artigos 4.º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º e no artigo 9.º do mencionado diploma, é aplicável ao regime de permanência na habitação.

Que disposições são essas?

- As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros);

- As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia eléctrica – condições técnicas);

- As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância electrónica.

Parece-me que, como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção».

Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331, escreve que «à pena privativa da liberdade o tribunal deve preferir «uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação».

O artigo em causa, repete-se, inscreve-se numa cruzada de combate às penas curtas de prisão, lançando mão de circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional.

No artigo 13º da Lei n.º 51/07 de 31/8 (objectivos, prioridades e orientações de política criminal) prevê-se a possibilidade do Ministério Público promover a aplicação de penas não privativas de liberdade aos crimes referidos no artigo 11º da mesma Lei, mencionando na alínea e) o regime de permanência na habitação, a par de outras penas, como a prisão por dias livres, o regime de semidetenção, a suspensão da execução de pena de prisão subordinada a regras de conduta e a prestação de trabalho a favor da comunidade.

É, no fundo, a lei a dar a nota de que a sanção penal se caracteriza como não privativa da liberdade.

Nas chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio) temos agora, além da prisão por dias livres (art. 45º do CP) e do regime de semi-detenção (art. 46º do CP), que já existiam e cujo âmbito foi alargado na revisão de 2007, o regime de permanência na habitação previsto no art. 44º do CP.

As duas primeiras (dependendo o regime de semidetenção do consentimento do condenado) são cumpridas intramuros na prisão (parte-se da ideia de que o inconveniente do “efeito criminógeno da prisão vale para a pena de prisão contínua mas já não, ou de forma muito atenuada, para a prisão por dias livres ou para o regime de semi-detenção”, mesmo quando substituem penas de prisão até 1 ano), enquanto a terceira é cumprida extramuros (é uma alternativa à prisão no EP).

De facto, «o CP distingue claramente os regimes do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) e do artigo 46º (Regime de semidetenção).

Se o primeiro visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência, é ao segundo que é reservada a opção pela preservação da integração do condenado no seu meio de inserção e na profissão, reduzindo ao mínimo a solução de continuidade que a pena representa na sua vida.

Temos, assim, diferentes normas, instituindo diferentes meios para se atingirem diferentes fins.

A aplicação do regime do artigo 44º do CP não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional» (Acórdão da Relação do Porto de 23/9/2009, Pº n.º 42/06.2TAOVR-B.P1/JTRP00042926).

O expressivo e completo Acórdão da Relação do Porto em 28/5/2008 (Pº 0812167 – JTRP00041428), adianta o seguinte:

«Todos sabemos que qualquer reforma penal não pode prescindir da protecção dos direitos fundamentais que são assegurados a qualquer pessoa em sociedades democráticas, liberais, tolerantes e solidárias.

A prisão deve ser reservada aos crimes mais graves e a situações em que já não é possível, por outros meios, dissuadir o agente da prática de novos crimes.

Claro que é preciso saber como é que se vai conseguir, com êxito, prevenir a prática de novos crimes pelo mesmo agente.

Sabemos que um delinquente (e não me refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro.

É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permita criar uma “identidade não criminal”.

Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade.

O Estado tem de contribuir eficazmente, como é sua obrigação, para a socialização do condenado e, portanto, tem de criar essas condições que permitirão afastar o delinquente da prática de novos crimes.

É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade, que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando.

Repare-se que o regime de permanência na habitação é extremamente exigente para o condenado. É preciso que não seja encarada (mesmo por parte dos operadores judiciários) como um “favor” ou “falta de pena”.

O regime de permanência na habitação é, como diz Germano Marques da Silva, “um desafio permanente à vontade do condenado” (…) “que não tem grades em casa…”.
Deverá até (como defende o mesmo Autor) ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social: só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.

Ora, é precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização), aliado à expectativa razoável de que esta pena de substituição (art. 44 n.º 1-a) do CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido, que se justifica a sua escolha, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico».

Note-se que é o próprio Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, a não regular no âmbito do seu texto (246 artigos) a pena prevista no artigo 44º do CP, apenas a ela se referindo no artigo 2º da Lei (e não do Código por ela aprovada) – para fazer as correspondências entre esta pena e o regime da vigilância electrónica da Lei n.º 122/99 de 20/8 -, no artigo 120º/1 b) do seu texto (ao falar da possibilidade de modificação da execução da pena de prisão, transformando-a no regime de permanência de habitação[5] e no artigo 188º (adaptação à liberdade condicional, que se refere ao já previsto no artigo 62º do CP).

O novo Código é claro – fala apenas da execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais ou em estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.

Fala sempre em recluso, o que não é a situação do condenado em regime de permanência na habitação que, fora de qualquer dúvida, tem alguma liberdade – exactamente aquela que não tem o recluso que foi condenado em prisão efectiva.

Como tal, estamos perante uma pena de substituição, claramente não privativa da liberdade (sob o ponto de vista jurídico-criminal) – na medida em que o arguido «já regressou a casa», na feliz expressão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 21/10/2009 - no sentido que a distingue da efectiva reclusão em meio prisional[6].

3.9. QUID IURIS?

Somos sensíveis aos argumentos da Exmª PGA.

Estamos perante alguém que teve VÁRIAS condenações anteriores em matéria de condução ilegal, parecendo-nos que ainda estará a tempo de conhecer uma outra realidade em termos de pena antes de voltar a ser encarcerado numa prisão deste país (assente que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva será a última “ratio” da política criminal), assente ainda que esta nova pena surgiu em 2007 no nosso panorama legislativo (não se podendo, pois, dizer que já foi outrora pensada tal pena para o arguido e que não fará sentido aplicar esta pena quando é certo que já lhe foi aplicada pena mais grave – ao tempo das outras condenações, esta pena não existia de todo em todo), sendo justo que se aplique agora

A luta contra as penas curtas de prisão tal mesmo dita.

Será, não o ignoramos, uma derradeira chance que lhe é oferecida de inverter o caminho, apelando-se à necessidade de inverter caminho, fazendo os possíveis para se habilitar a conduzir veículos automóveis de forma legal.

A nossa opção é clara - esta pena, a cumprir em residência, permitirá ao recorrente, mais uma vez, reflectir sobre as sérias e graves consequências que para si advirão se repetir o seu comportamento delituoso (a prática da condução de veículo de forma ilegal).

Além disso, e não obstante o que atrás de deixou escrito, esta forma de se cumprir uma pena de prisão permite que não se quebrem totalmente os laços sociais do recorrente, assim impedindo a potenciação do efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração.

Deu o arguido o seu assentimento a esta pena (cfr. fls 169 e artigo 2º da Lei n.º 122/99 de 20/8), possível de aplicar face à letra do artigo 44º, n.º 1, alínea a) do CP (a pena aplicada, e na qual não se mexerá, é inferior a um ano).

Em conclusão:

Tendo presente o caso dos autos (as circunstâncias acima analisadas) e os critérios apontados no art. 44 n.º 1-a) do CP na versão actual, determina-se que a pena única de seis meses de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação (por este regime ser, neste caso, o adequado e preferível dentro do leque das penas de “substituição” detentivas disponíveis, sendo essa pena “ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela de bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”).

3.10. A DGRS deverá supervisionar a execução desta pena, cabendo ao tribunal de 1ª instância, transitado em julgado este acórdão, dar cumprimento ao estatuído no artigo 487º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CPP.

O artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, estabelece que o disposto no n.º 1 do artigo 1.º, no artigo 2.º, n.º 2 a 5 do artigo 3.º, nos artigos 4.º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º e no artigo 9.º da Lei 122/99 de 20/8, é aplicável ao regime de permanência na habitação.

Que disposições são essas?

- As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros);

- As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia eléctrica – condições técnicas);

- As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância electrónica.

A tudo isto atentará o tribunal de 1ª instância, como é óbvio e esperável, devendo, antes de ser iniciado o cumprimento da pena nos moldes agora determinados, aferir-se do cumprimento dos demais requisitos exigidos na Lei 122/99 de 20 de Agosto, muitos dos quais já perfectibilizados pelo relatório por nós pedido à DGRS e que consta de fls 171 a 175

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, CONDENANDO-SE o arguido M …, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 2º, n.º 2 do DL n.º 2/98, de 03/01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Mantém-se a condenação nas custas de 1ª instância.

A 1.ª instância providenciará pela execução desta pena de prisão.

            Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs [artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ ainda aplicável aos autos].

            Comunique à DGRS – Equipa de Vigilância Electrónica de Coimbra (Fax 239 797 623).


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do C.P.P.)



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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[2] Quanto à segunda ponderação da aplicação de uma pena de multa, estamos com o Acórdão da Relação do Porto de 20/4/2009, publicado no site do itij:
«Aparentemente, tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de prisão em alternativa à aplicação da pena de multa, levaria a crer que a questão da eventual substituição desta pena de prisão por multa, já não se colocaria. Puro engano, segundo a posição de Figueiredo Dias e que se acolhe.
Este jurisconsulto, na obra Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, afirma a fls. 363 e 364:
“Se, apesar deste comando, o tribunal se decide pela pena de prisão, que sentido poderá ter, quando ao crime fosse já aplicável em alternativa prisão ou multa, cominar a substituição-regra por multa da prisão concretamente fixada em medida não superior a 6 meses”?
Para logo responder:
“A resposta está em que uma coisa é a aplicação da pena de multa ser preferível à da prisão, outra diversa e muito mais estrita, é que a execução da prisão seja exigida por razões de prevenção; além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério estrito de necessidade: é necessário - e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável - que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção”».
[3] Note-se que a prisão por dias livres constituiu-se como uma pena de substituição detentiva (em sentido impróprio), enquadrando-se, a par do regime da semidetenção (artigo 46º do CP), no quadro integrado dos esforços empreendidos para substituir as penas curtas de prisão (contínua) por medidas político-criminais mais aceitáveis. Tal pena só poder ter lugar quando anteriormente o tribunal tenha considerado, nos termos da parte final do artigo 43º, n.º 1, que a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir futuros crimes. Por isso, ou se aplica a prisão por dias livres, ou se suspende a execução da pena de prisão, não sendo possível a suspensão de uma pena de prisão por dias livres.
[4] A vigilância electrónica é meio técnico de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação permitido no País a partir da introdução do n.º 2 do art. 201º do CPP pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, regulado pela Lei 122/99, de 20 de Agosto (medida de coacção que não se confunde, como é bem de ver, com o regime do artigo 44º do CP).
A Lei n.º 59/2007 de 4.9 prevê que o disposto no n.º 1 do artigo 1º, no artigo 2º, nos n.ºs 2 a 5 do artº3º, nos artigos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artº 8º e no artº9º da Lei n.º122/99, de 20.8, que regula a vigilância electrónica prevista no artº 201º do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 44º e 62º do Código Penal.
Isso mesmo agora também resulta do texto do artigo 2º do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, já entrado em vigor.
[5] Regime este que nem sequer consta de qualquer Capítulo autónomo do novo Código (já o capítulo II do Título XVI incide sobre a prisão por dias livres e em regime de detenção).
[6] No sentido de não se aplicar a este regime de cumprimento da pena de prisão o instituto da liberdade condicional, veja-se o acórdão por nós relatado proferido no Recurso n.º 938/09.1OTXCBR.C1.