Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53224/16.8YIPRT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE TRABALHO
CRÉDITO LABORAL
DECLARAÇÃO DE DÍVIDA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
REMESSA DO PROCESSO
OPOSIÇÃO JUSTIFICADA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.126 LOSJ, 96, 99 CPC
Sumário:
1. Fundamentando o Autor o seu pedido numa relação laboral e na sua aparente extinção formal, as questões relacionadas com a obrigação do empregador de pagar créditos laborais e indemnização por despedimento, mesmo que contida numa “declaração de dívida”, sem menção da causa, são da competência do tribunal de trabalho.
2. No âmbito da norma do n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil, a oposição é justificada quando as razões invocadas expressarem que a ré é confrontada com um processado estruturalmente diverso, no qual se inclui meios e atos que não estiveram ao seu dispor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

B (…) apresentou requerimento de injunção no Tribunal de Alcobaça, pedindo a notificação da requerida H (…), Lda., para lhe pagar o valor de capital de € 9.660,52€, acrescido de juros de mora à taxa legal entre 20.08.2011 e 13.05.2016, que liquida em 1.830,47€, custas com a notificação no valor de 102,00€ e taxa de justiça do procedimento de injunção no mesmo valor de 102,00€.
Notificada, a ré deduziu oposição, invocando o pagamento e a prescrição inerente a créditos laborais, alegando que o autor era seu trabalhador.
O processo foi distribuído como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
O Tribunal considerou que a causa subjacente à “declaração de dívida” junta não se encontrava suficientemente concretizada e declarou inepta a petição.
Por decisão sumária deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 27.6.2017, foi o autor convidado a pronunciar-se sobre a causa de pedir.
Em resposta, o autor concretizou que os créditos reclamados e que integram a “declaração de dívida” subscrita pela ré têm origem na prestação de trabalho no âmbito de um contrato de trabalho, que terminou com o despedimento coletivo, apenas ficcionado, pois continuou ao serviço da ré até 16.10.2013.
O tribunal suscitou a questão da sua incompetência material.
Em 23.10.2017, aceitando o assinalado pelo tribunal, o autor requereu que o processo fosse remetido ao tribunal materialmente competente.
De seguida, o tribunal proferiu a seguinte decisão:
“Nestes termos, ao abrigo dos arts. 577.º al. a) e 278.º n.º1 al. a) do novo CPC, declaro o presente Juízo Local Cível de Caldas da Rainha incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolvo o réu da instância.
Mais decido julgar improcedente o pedido de remessa do processo ao tribunal onde a acção deveria ter sido proposta.”
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Inconformado, o autor recorreu e apresenta as seguintes conclusões:
I. - No dia 20 de Agosto de 2011 o recorrente recebeu o título executivo com o nome – Declaração reconhecimento de dívida.
II. - Nesse título executivo de reconhecimento de valor de dívida determina: “Para todos os efeitos legais a H (…), Lda., Pessoa Colectiva n.º …, neste ato representada pela sua directora- Geral, (…), com poderes para o acto declara que deve a B (…) a quantia de 9.660,52€ (nove mil e seiscentos e sessenta euros e cinquenta e dois cêntimos).”.
III - Esta declaração de dívida corresponde a um título executivo a favor do aqui recorrente, art. 46.º do CPC anterior à revisão de 2013.
IV - Este título executivo reconhece ao recorrente o direito a fazer-se pagar no montante de 9.660,52€ (nove mil e seiscentos e sessenta euros e cinquenta e dois cêntimos).
V. - O valor em dívida e a relação laboral não são uma questão controversa, nem estão em causa no presente processo.
VI - Em causa está apenas o pagamento do valor de 9.660,52€ (nove mil e seiscentos e sessenta euros e cinquenta e dois cêntimos).
VII. - E a declaração passada pela recorrida equivale a título executivo, nos termos do antigo art. 46.º CPC, cujos direitos estão salvaguardados por decisão do Tribunal constitucional.
VIII. – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, Processo 340/2015 acorda que: ”Sumário: Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
IX. - Caso assim não se entenda, e por mera hipótese académica se admite, deve ser dada a oportunidade de se resolver a questão remetendo ex ofíccio do tribunal para o tribunal dito competente e não o mero arquivamento do processo.
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A ré contra-alegou, defendendo a correção do decidido.
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As questões a decidir são relativas à competência material do tribunal e à remessa do processo para o tribunal competente.
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Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra exarado e dos termos dos articulados apresentados.
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O recorrente confunde a ação declarativa com a ação executiva.
Tendo optado pela ação declarativa, na qual nos encontramos, não faz sentido que agora argumente com a existência de título executivo.
Depois, o recorrente aceitou a competência da jurisdição laboral no seu requerimento de 23.10.2017, no qual pediu a remessa do processo para o tribunal competente.
Este requerimento vem na sequência da imposta (pela decisão desta Relação) necessidade de configurar a causa subjacente à “declaração de dívida”.
Alegando os factos subjacentes àquela declaração, o autor recorrente esclareceu, confirmando em parte o alegado pela ré, que ela decorre de créditos laborais por pagar.
Sendo assim, não faz qualquer sentido vir agora o autor defender que, afinal, até tem título executivo.
Como expresso na decisão recorrida, e quanto a isso o recorrente não apresenta infirmação alguma, fundamentando o mesmo o seu pedido numa relação laboral e na sua aparente extinção formal, as questões relacionadas com a obrigação do empregador de pagar créditos laborais, mesmo que assente numa “declaração de dívida”, sem menção de causa, que se entendeu insuficiente, por decisão já transitada no processo, são da competência do tribunal de trabalho (alínea b), do n.º1, do art. 126.º da Lei Orgânica do Sistema Judiciário).
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (al. a) do art. 96.º do Código de Processo Civil (doravante CPC)), a qual implica a absolvição do réu da instância nos termos do n.º1 do art. 99.º desta lei.
A referida absolvição declara-se sem prejuízo do disposto no nº 2 deste art. 99º.
Este artigo (Efeito da incompetência absoluta) determina:
1 – A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
2 – Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
3 – (…)
Esta norma estabelece expressamente que o requerimento do autor deve ocorrer no prazo de dez dias contados do trânsito em julgado da decisão correspondente.
Ora, no caso, o requerimento do autor foi feito mesmo antes do trânsito em julgado da decisão.
A ré deduziu oposição à remessa, alegando, em síntese, uma falta de equivalência processual com a ação em processo de trabalho.
Consideremos:
Subjacente à norma, tanto no regime pretérito como no actual, está uma ideia de relativa e possível economia de atos.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, anotando o artigo (vol.1º, 3ª edição, página 204), dizem-nos: “O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades. (…) Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da protecção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho. Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância – o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta –, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente” (…).
Como resulta da norma em análise e do art.278º, nº1, a), da mesma lei, a instância extingue-se e não continua no tribunal competente, no qual se inicia uma nova.
Neste contexto, e na base do erro do autor, devemos concluir que a remessa do processo não pode prejudicar o réu.
O réu será prejudicado se não utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente.
(Ver, com interesse, acórdão da Relação do Porto, de 1.6.2015, proc. 1327/11, e decisões singulares desta Relação, de 12.2.2015, proc. 141591/13 e de 29.1.2015, proc. 141592/13, em www.dgsi.pt.)
Por conseguinte, obstará à remessa dos autos uma oposição do réu que expresse ver-se confrontado com um processado estruturalmente diverso, no qual caibam atos ou meios que não pôde dispor.
Vejamos o caso concreto.
O recorrente não questiona no recurso os fundamentos que serviram para o tribunal recorrido indeferir a remessa do processo. (Aquele chegou a invocar a decisão proferida no acórdão do TRL, de 10.12.2008, no proc. 1437/08. Porém, como assinalou o tribunal recorrido, ao contrário do caso ali decidido, estes autos foram remetidos para o Juízo Local Cível das Caldas da Rainha com requerimento expresso do autor.)
Mais relevante é considerar que a injunção, transmutada para ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, tem diferenças estruturais perante a ação comum em processo de trabalho, cabendo nesta atos (por exemplo a audiência inicial) e meios que estão para além dos limitados naquela.
Por fim, como assinalado na decisão sumária desta Relação, de 27.6.2017, “… verifica-se que sempre estará em causa obrigação (indemnização por despedimento) que não é pecuniária directamente emergente do contrato de trabalho, ou seja, uma obrigação específica do contrato de trabalho que tenha por objecto determinada prestação em dinheiro. Nesse caso, a pretensão do recorrente assentaria numa causa de responsabilidade contratual. A causa de pedir fundar-se-ia, pois, na indemnização por despedimento, que não poderia ser qualificada como uma obrigação pecuniária.” Sendo assim, parte da ação não caberia sequer na ação especial transmutada.
Em consequência, não pode retirar-se à ré a hipótese de se servir dos atos e meios mais largamente previstos na ação em processo de trabalho.
Nota-se até (sendo certo que não está em causa avaliar o prejuízo do autor mas sim o processual do réu) que este processo, mais largo, beneficia também aquele, no qual poderá sempre responder à exceção da prescrição e incluir a eventual discussão sobre a referida indemnização por despedimento.
Em conclusão, a oposição da ré à remessa mostra-se justificada e a decisão recorrida não merece censura.
Decisão.
Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, vencido (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Coimbra, 2018-05-08


Fernando Monteiro ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira