Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/11.1JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO
Data do Acordão: 11/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PAMPILHOSA DA SERRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 132º NºS 1 E 2 CP
Sumário: A qualificação do crime de homicídio baseia-se num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade – atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas – ou perversidade – condutas que refletem no facto concreto as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade – do agente, não sendo as circunstâncias qualificativas de funcionamento automático, nem o respetivo elenco taxativo.
Decisão Texto Integral: No Tribunal Judicial da comarca de WW..., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, a quem imputava a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a), i) e j), do C. Penal.
No Tribunal Judicial da comarca de WW..., o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, a quem imputava a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a), i) e j), do C. Penal.

Requerida a instrução, veio o arguido a ser pronunciado pelos factos e incriminação constantes da acusação pública.

O julgamento foi realizado com tribunal do júri que, por acórdão de 17 de Abril de 2012, condenou o arguido, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a), e i), do C. Penal, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.
*

Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
I. Em causa nos autos está um crime de "Homicídio qualificado", previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.°, n.ºs 1 e 2, alíneas a), i) e j) dos do Código Penal.
II. No presente recurso coloca-se em apreço a Fundamentação de facto do Acórdão, com a reapreciação da prova produzida em audiência e, ainda, a apreciação jurídica que é efectuada no acórdão, suscitando-se, consequentemente, a medida da pena de prisão aplicada ao Arguido.
III. No que respeita à matéria de facto dada por provada, as discordâncias do Arguido situam-se ao nível dos pontos 3, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 18 e 19 da Fundamentação de Facto e, ainda, alínea b) dos factos considerados como não provados.
IV. Para a reapreciação desta matéria de facto releva, sobretudo e essencialmente, o depoimento do Arguido e, com menor grau de relevância, os depoimentos da mãe do Arguido, B..., (gravação a 11:46:54 a 12:03:67) do irmão do Arguido, C..., (gravação 12:04:52 a 12:45:21, do Comandante do Posto da GNR de WW..., D... (gravação 14:51:49 a 15:02:19) e da Psicóloga que o tem acompanhado desde que está em prisão domiciliária, no caso a Dr.ª E... (gravação 15:59:37 a 16:51:57).
V. A demais prova, designadamente a que resulta dos depoimentos de F..., vigilante da escola, (gravação 12:48:09 a 12:57:22), de G..., Directora de turma (gravação 14:34:28 a 14:51:13) H..., Inspector da Polícia Judiciária (gravação 15:05:36 a 15:32:52), J... (gravação 15:40:29 a 15:59:04) e K..., prima do Arguido (gravação 16:57:03 a 17:07:11), acabam por relevarem em aspectos circunstanciados e, por isso, menos relevantes para o que é central no processo. ORA,
VI. O tribunal a quo considerou apenas a confissão como parcial, o que, no modesto entendimento do Arguido, não corresponderá aquilo que, de facto, se verificou, pois o Arguido manteve desde o primeiro momento uma atitude colaborante e, além disso, entende que confessou integralmente os factos, só não confessando a subsunção destes factos à ordem jurídica, em termos de premeditação, o que, diga-se, veio a ser dada como não provada.
VII. Para esta apreciação da colaboração e da confissão dos factos pelo Arguido relevam, além das partes do seu depoimento em audiência, a actuação deste desde que, imediatamente após a prática dos factos, decidiu entregar-se à GNR de WW..., percorrendo, durante a noite, cerca de trinta quilómetros, a pé e descalço.
VIII. E, bem assim, a conduta que manteve no decurso do primeiro interrogatório, no interrogatório judicial e, ainda, no decurso da instrução.
IX. Quanto ao depoimento que releva para esta confissão, importa atender ao depoimento do Arguido a 10:34:52 até 11:45:13 e, ainda, de 18:33:39 a 18:40:12, de onde resulta a assunção integral dos factos pelos quais vem acusado.
X. Quanto a esta questão, é modesto entendimento do Arguido que o acórdão deveria ter considerado a confissão integral dos factos e, por isso, valorado mais acentuadamente esta colaboração, que foi activa e decisiva no decurso de todo o processo, desde o primeiro momento.
XI. Entende, ainda, o Recorrente que merece reparo a resposta e que consta do ponto 3 da fundamentação de facto, quando, in fine deste ponto, que "Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar".
XII. Quanto a este facto, é modesto entendimento do Arguido que não resultou provado que em algum momento da conversa, no decurso do jantar, a vítima tenha referido que a partir daí o iria controlar diariamente, relevando, para esta convicção, o depoimento do arguido, constante de 14:15 a 17:15.
XIII. Quanto a este ponto, os demais depoimentos, designadamente o depoimento da mãe do arguido e do irmão deste são meramente circunstanciais.
XIV. Quanto aos pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto dada por provada, a discordância do recorrente prende-se, essencialmente, com o que vem considerado como provado relativamente ao momento em que o arguido terá formulado o propósito de tirar a vida à vítima (facto 6 e 7) e quando vem considerado em 8 que o Arguido esperou que a vítima adormecesse para concretização de tal desígnio, e, ainda, em 15, quando se refere à prossecução de um desígnio previamente congeminado.
XV. Uma vez mais, a única prova produzida em audiência, com relevância para esta matéria de facto é o depoimento do arguido e, bem assim, a dinâmica da sua actuação no decurso do tempo que mediou entre o jantar, em que estiveram presentes além do arguido e da vítima, o irmão e a mãe, a subida destes (mãe e irmão) ao andar superior, e a actuação do arguido sobre a vítima, já depois destes terem subido.
XVI. Relevará, ainda, em certa medida o auto de reconstituição, no qual o arguido e recorrente colaborou de forma decisiva e activa, ajudando, assim, a esclarecer as circunstâncias em que ocorreram os factos.
XVII. O Arguido situou os factos atinentes à sua actuação sobre a vítima cerca das 11 horas da noite (gravação a 20:20), quando refere que ficou a ver televisão após o que a gravação, no tocante ao depoimento do Arguido é imperceptível de 20:46 a 20:59.
XVIII. Refere o Arguido que "começou a pensar na vida" (gravação a 21:05), que "pensou no mal que ele (vítima) fez a esta família e a mim" (gravação 21:55) e refere que "sentiu uma explosão de sentimentos" (gravação a 21:55) e refere que "quando dei por mim estava com aquilo na mão" (gravação 22:40) e "queria parar e não conseguia" (gravação 22:50)
XIX. Depois, inquirido pela M.ma Juiz Presidente a 24:57, se os pensamentos que teve foram de matar o seu pai, referiu que "não!".
XX. A páginas tantas, o Arguido refere a "raiva que sentia" (gravação a 25:10) e que " ... nunca me lembrei de fazer isso ... foi algo que aconteceu, sendo as demais palavras, nesta parte do depoimento, são imperceptíveis (gravação a 25:24).
XXI. Resulta, ainda, do depoimento do arguido, a instâncias da M.ma Juiz Presidente que só viu que o pai estava a dormir quando se dirige a ele (gravação 25:55), que só neste momento percebe que está a dormir (gravação 26:00); no tocante a esta questão, já anteriormente, no início do depoimento do Arguido, ele refere que não ficou à espera que a vítima adormecesse (gravação a 10:20).
XXII. Em face da prova produzida é modesto entendimento do Arguido que não resultou provado qual o momento exacto em que este formula o propósito de tirar a vida ao arguido (ponto 6 da matéria de facto dada por provada) e nada há dos autos que contrarie a versão do arguido de que esta decisão é contemporânea aos factos em que actua com a catana sobre o seu pai, no contexto referido de explosão de sentimentos a que se referiu, e em que pretendia parar e não conseguia...
XXIII. Que não resultou provado, contrariamente ao que vem dado por provado no ponto 7, que na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse, até porque, conforme notado, o arguido esclareceu em diversas partes do respectivo depoimento não saber que o seu pai estava a dormir;
XXIV. Consequentemente, é modesto entendimento do arguido que não há qualquer prova material nos autos de onde se extraia ou possa concluir que a sua actuação tenha sido na prossecução de um desígnio previamente congeminado.
XXV. Por outro lado e ainda no tocante à matéria de facto, é modesto entendimento do arguido, ora Recorrente, que não resultou provado que vem referido em 12, que "as lesões foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás", até em face do que vem referindo in fine do ponto 16, onde refere (...) colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo), sob pena de, a manterem-se as duas versões, constantes daqueles pontos, existir uma contradição entre os mesmos.
XXVI. O que resulta provado, quer do seu depoimento, quer do relatório da autópsia, é que as lesões foram provocadas, unicamente de cima para baixo, nunca da frente para traz.
XXVII. Se tivessem sido provocadas da frente para traz isso pressupunha que o Arguido se havia dirigido para o local entre o sofá e a televisão e que teria agido nesse local. E, do depoimento do Arguido, que é consentâneo com o que resulta do relatório da autopsia e, ainda, do auto de reconstituição, em que o Arguido colaborou, resulta que este, em momento algum, esteve de frente para a vítima!
XXVIII. Vide, acerca desta dinâmica dos factos, a reprodução do depoimento do Arguido de 25:12 a 28:00.
XXIX. Por último, quanto à matéria de facto dada por provada, é modesto entendimento do Arguido que resultou provado mais do que vem reflectido nos pontos 18 e 19, quanto ao ambiente que se vivia dentro daquelas quatro paredes e que, em face da prova produzida em audiência, o tribunal a quo deveria ter considerado a violência doméstica subjacente aos diversos comportamentos da vitima, relatados pelo arguido, pelo seu irmão C...e pela mãe de ambos.
XXX. Resultou provado que o relacionamento dos elementos do agregado familiar era praticamente inexistente, que a vítima ...tratava mal e molestava a esposa com palavras, a quem criticava frequentemente devido à doença que a incapacitava e incapacita e que este facto era gerador de grande descontentamento e desconforto para o arguido;
XXXI. Por outro lado, e igualmente com relevância, resulta também dos depoimentos do arguido, ora Recorrente e do seu irmão C... que entre o arguido e a vítima ...(e entre este ...e o irmão do arguido, C...) inexistia um relacionamento pai – filho.
XXXII. O que comporta um evidente esbatimento da relação de filiação, o que, como, aliás, adiante se concretizará, acaba por ter reflexos na análise de uma das agravantes constantes do artigo 132.º do CP.
XXXIII. Releva para a apreciação desta matéria de facto o depoimento do Arguido a 13:10, quando refere que ele, arguido, e a vítima, não tinham uma relação normal pai – filho, quando refere um relacionamento distante, frio (gravação 14:15) e, sobretudo, quando refere os episódios de abuso sexual por parte do pai (gravação 11:21), que adiante serão analisados.
XXXIV. Releva, ainda, para esta análise o depoimento do irmão do arguido, C... (gravação 12:04:51 a 12:45:21) de onde resulta o relacionamento com o pai foi piorando ao longo do tempo (14:80), que este "incutia medo" (15.10) que chegou a uma altura em que era praticamente impossível viver com ele (gravação a 16:20), que basicamente ele já não queria saber de nós para nada (16:31)...imperceptível... já não queríamos ter um relacionamento com ele! Os muitos anos sem relacionamento com a demais família (20:10), mal tratava a mãe (22.30), o que custava muito a toda a família, incluindo ao arguido, o que se vinha a acentuar nos últimos tempos, em que a vítima os acusava (aos filhos e à mulher) de serem a origem de todos os infortúnios (23:00), referindo que "cortou com ele! Ele já não era meu pai" (gravação 24:07) "ele também não nos tratava como filhos (14:17) "só aguentava a situação por causa da minha mãe e dos meus irmãos", refere diversas vezes os maus tratos verbais (entre outros, vide gravação 27:14); refere que se estava a chegar a extremos que era praticamente impossível aguentar (gravação a 28:19) que a mãe dizia que era impossível aguentar, mas ficavam sempre todos juntos (28:58); ele era uma pessoa muito violenta (gravação 29:51),concretizando essa violência como psicológica, (…) foi essa a marca que ele deixou! Existia o receio de a qualquer momento poder passar à agressão física (31:49) estava a chegar a extremos, mesmo (31:57) estava com o medo que rebentasse, entre aspas e que isso …(gravação 32:04).
XXXV. E, ainda, inquirido pela M.ma Juiz Presidente (gravação 34:00 em diante até 40:20) refere que o A... (o arguido e ora Recorrente) sempre foi mais destemido, falava com os tios mesmo contra vontade do pai, sempre foi mais aberto, quando saia fora das portas de casa ele era uma pessoa completamente diferente...
XXXVI. E, ainda, questionado porque é que a determinada altura referiu que não dava para aguentar mais: Em que é que isso de traduzia? (36:29) Refere que a gota de água foi querer cortar a liberdade do meu irmão... quilo... foi o acumular daqueles anos todos! (37:38) Já não dava para aguentar mais! Aquele ambiente em casa era insuportável (38:19) Não foi só um episódio ou outro, foi o culminar de muitos anos (38:40).
XXXVII. Relevarão, ainda, para estes pontos da matéria de facto o depoimento da Dr.ª Isabel dos Santos Mendes, (gravação 15:59:38 a 16:51:57) do qual resulta, relativamente a esta questão, as características do pai como Autoritário; dominador do mais fraco (relativamente a todo o agregado familiar); hostil; comportamentos dos filhos e esposa dependentes do comportamento/exigências do pai Violador das regras sociais e papéis familiares (abusos não apenas sexuais e agressões familiares – que não necessariamente físicas).
XXXVIII. E, ainda, no tocante ao relacionamento pai filho, releva deste depoimento da testemunha, que é psicóloga e tem acompanhado o Arguido que, relativamente ao denominado processo de vinculação, como a inexistência de proximidade entre o pai e o arguido; o Pai não proporcionava um refúgio seguro (não existia um sentimento de segurança e conforto por parte do A... no que respeitava ao Pai;
XXXIX. Importa, pois, no modesto entendimento do Arguido que a violência doméstica seja considerada como estando na origem da actuação do Arguido e não apenas o "relacionamento frio e distante" entre os membros da família e a vítima referidos no acórdão.
XL. A este respeito, importa referir que a violência doméstica não se pode resumir à violência física.
XLI. "A violência doméstica compreende todas as formas de abuso, temporário ou permanente, que incluem comportamentos de uma das partes que, por omissão ou acção, provocam danos físicos e/ou psicológicos à outra parte e que ocorrem nas relações intrafamiliares: o mau trato infantil, o mau trato de idosos e a violência conjugal" [Noção de Violência doméstica perfilhada pelo Conselho da Europa].
XLII. Esta (violência doméstica), no caso dos autos, é fruto de uma relação assimétrica de poder no seio familiar;
XLIII. O impacto pessoal, familiar, profissional e social do ambiente de violência domestica é enorme e atingiu, com especial gravidade, o mais novo na casa, no caso o arguido, que por ser o mais destemido enfrentou a vítima da pior forma.
XLIV. Refere-se este ponto porque em certa medida, o arguido além de ser, ainda, uma criança, é de facto este ambiente, que é de violência doméstica, que o moldou;
XLV. E que foi determinante na sua actuação, que ainda que reprovável e censurável, foi uma actuação tendente a libertar a família desta opressão e violência.
XLVI. E não se diga que esta violência doméstica não existia, pois segundo o Conselho da Europa, violência doméstica é:
"Qualquer acto, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças, coacção ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objectivo e como eleito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais."
XLVII. Mesmo segundo o Conselho de Ministros [Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2010, de 17 de Dezembro de 2010], é:
"Toda a violência física, sexual ou psicológica, que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a maus tratos, abuso sexual de mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação de liberdade e exploração sexual e económica"
XLVIII. Já em 2003, a Organização Mundial da Saúde considerou que a violência doméstica é um grave problema de saúde pública e que as consequências que lhe estão associadas «[…] são devastadoras para a saúde e para o bem-estar de quem a sofre […] comprometendo o desenvolvimento da criança, da família, da comunidade e da sociedade em geral».
XLIX. É, pois, este contexto de violência familiar [A questão da violência intrafamiliar foi abordada no Conselho da Europa que no Anexo II – Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família – elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984). especificou o conceito de violência no seio da família, excluindo a violência sexual, como «Qualquer acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (cf. BMJ n.º 335, págs. 5-22)] que determina a actuação do Arguido; violência esta que não sendo violência física concreta e extrema, nem por isso deixava de ser violência, traduzida na violência verbal, ameaças, privações de liberdade ocorridas em contexto intra-familiar e que importa dar por provado em sede de matéria de facto dada por provada, com relevância para a apreciação da actuação do Arguido e determinação da medida da pena.
L. Relevante é, ainda, que em face do quadro de violência doméstica, que não sendo uma violência extrema em termos físicos, não deixava de ser violência, associada ao quadro de abusos sexuais referenciada pelo arguido, o que, conjuntamente, provoca um esbatimento dos laços filiais entre o arguido e a vítima.
LI. Por último, e ainda no que respeita à apreciação da matéria de facto, a questão que se coloca à consideração do Tribunal prende-se com o facto do Tribunal a quo não ter considerado a ofensa sexual de que o Arguido referiu ter sido vítima. Está em causa a alínea b) da matéria de facto dada por provada.
LII. Releva para este ponto todo o depoimento do Arguido e o facto de este ter relatado este facto e circunstância desde o primeiro momento do seu depoimento. Trata-se de um relato que fez e manteve em diversas ocasiões ao longo do processo, desde logo quando foi ouvido pelos órgãos de polícia criminal (no caso pelos Inspectores da Polícia Judiciária e, antes de ser ouvido por estes, quando se apresentou no Posto da GNR de WW... e referenciou estes ao senhor Comandante do Posto – nessas duas ocasiões, ainda antes, sequer, de ser acompanhado por defensor.
LIII. Quanto a este, nada há que possa descredibilizar o depoimento do Arguido e, no modesto entendimento deste, o facto de nos períodos de tempo referidos como tendo ocorrido os abusos o Arguido não ter tido uma quebra nos resultados escolares, destes abusos terem parado sem razão aparente e, ainda, o facto de nunca ter contado esses abusos a ninguém, não lhe retiram consistência e não são suficientes para abalar a versão do Arguido.
LIV. Em primeiro lugar, importa referir que se está perante um relato do Arguido que é um espontâneo, que ocorre desde o primeiro momento em que este é ouvido por um órgão de polícia criminal, ainda antes de qualquer contacto com defensor ou ter tempo de preparar qualquer defesa, que o arguido manteve ao longo dos seus depoimentos, incluindo na fase de instrução e perante a Polícia Judiciária e, ainda, que tem suporte nos relatórios médico legais, que admitem a possibilidade da sua verificação e, sobretudo, na apreciação que a psicóloga (gravação 15:59:37 a 16:51:57) fez acerca do Arguido, já que esta circunstanciou as revelações desses factos, que terão decorrido durante o período do verão de 2005 e verão de 2006.
LV. E para este comportamento da vítima não é de todo indiferente a inexistência de relacionamento sexual conjugal (vide, acerca deste, o depoimento de B... a 11:58.00 a 12:03:02). ORA,
LVI. Os abusos sexuais contra menores são todas as situações em que crianças e adolescentes são utilizados pelos adultos para ter prazer sexual, através de violência, sedução ou chantagem.
LVII. Em face do exposto, é modesto entendimento do Recorrente que a apreciação efectuada pelo acórdão quanto à matéria de facto merecem os reparos que lhe são efectuados supra e que, por isso, o exame crítico das provas efectuado no presente recurso aproxima-se, mais, da verdade material e traduz mais fielmente a prova produzida em audiência.
LVIII. Por um lado, da prova produzida não há factos que autorizem a ilação tirada quanto à premeditação da actuação e dos meios utilizados, e, por outro lado, resultaram provados outros – como a violência doméstica, os abusos sexuais e, bem assim, o arrependimento do arguido, que não foram considerados na fundamentação de facto.
LIX. Deve, no modesto entendimento do Recorrente, ser considerada a seguinte Fundamentação de Facto:
1. O arguido A... é filho de ... e de B... e sempre viveu com estes e com o seu irmão C..., numa residência site na Rua … , no concelho de WW..., área desta comarca.
2. O arguido sempre teve um relacionamento próximo com todos os membros do agregado familiar, excepto com o seu pai, ..., com quem tinha desentendimentos frequentes motivados pelas críticas constantes que este lhe fazia e pelo ambiente familiar que se vivia.
3. No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar.
4. Ao ouvir o que o seu pai lhe dissera, o arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
5. Terminado o jantar após terem estado algum tempo na sala a ver televisão, o seu irmão C... e a sua mãe B... de ., subiram, respectivamente, ao primeiro e segundo andar da referida residência e dirigiram-se para os seus quartos para pernoitarem, o que veio a suceder cerca das 21h30m, altura em que o arguido ficou a sós com o seu pai … , na sala do rés-do-chão.
6. Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto da mesa, a reflectir na sua vida, tendo recordado "quanto mal o pai representava para a família" e o mal que lhe fizera a ele.
7. Devido ao adiantado da hora, o arguido admitia que o seu pai, aquela hora e naquele momento, já se encontrasse a dormir.
8. Por razões não concretamente apuradas, mas a que não serão alheios o ambiente de violência doméstica que se vivia na casa e os abusos sexuais de que o arguido foi vitima anos antes, cerca das 22 horas, o arguido dirigiu-se ao armário da cozinha e dai retirou uma catana, que sabia ali estar guardada, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 1, 5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lâmina de 33, 5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão.
9. Acto contínuo, munido do aludido objecto, o arguido dirigiu-se para o sofá onde se encontrava adormecido o seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e rosto daquele ....
10. Em consequência da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia de fls. 415 e Sgs., cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, oblíqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, ântero-inferior à previamente descrita, frontoparietal direita, com treze centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal inferior à previamente descrita, desde o terço médio do dorso do nariz (metade esquerda) até à região frontal (para mediana direita), passando pela glabela, com treze centímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal distando lateralmente uns milímetros da anteriormente descrita, desde o rebordo orbitário direito até à porção posterior da região frontal (para mediana direita) com onze centímetros de comprimento; várias feridas corto-contundentes na região nasogeniana esquerda, atingindo o dorso do nariz (metade direita), obliquas de cima para baixo da direita para a esquerda, a maior com oito centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a parte média do lábio interior até à região temporal direita com exteriorização massa encefálica, com vinte e cinco centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a região bucal direita até ao pavilhão auricular direito alcançando o antihélix (terço superior), com cento e treze milímetros de comprimento, de bordo anterior afilado e com concavidade voltada para baixo, apresentando o bordo posterior um entalhe transversal milimétrica e existindo uma escoriação milimétrica no hélix correspondente, fractura de vários ossos do crânio e da face à direita; hematoma subdural e hemorragia subaracnóide à direita; laceração do parênquima encefálico à direita, rodeado de focos de contusão e presença de zonas hemorrágicas intra-parenquimatosas à direita.
11. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais descritas (referidas no relatório de autópsia) causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
12. Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo.
13. Após, o arguido colocou a catana que utilizara para praticar os factos supra descritos numa cadeira, saiu da sua residência, caminhou pela rua principal daquela localidade de Esteiro, tendo largado os chinelos que calçava a cerca de 100 m de casa e percorreu, descalço, cerca de 30 km até ao Posto da GNR de WW..., onde chegou cerca das 3h00 da manhã do dia 25 de Janeiro de 2011 e contou que tinha morto o pai.
14. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito concretizado de tirar a vida a ..., bem sabendo que aquele era seu pai e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma catana – a repetição das pancadas, zona que visou no corpo da vitima, atingiria, como atingiu, órgãos vitais, sendo pois idóneos a produzir o resultado que pretendia.
15. O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada.
16. Sabia também o arguido que atacando ... da forma descrita (com uma catana enquanto este dormia no sofá, colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo) tornava difícil a defesa por parte daquele ....
17. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
18. O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era praticamente inexistente.
18.B) O Pai do arguido agredia verbalmente a mãe, por esta ser doente e o arguido e o irmão deste C..., a quem criticava considerando-os a razão de ser das desgraças da família.
18.C) A vítima, pai do Arguido, era controlador e não permitia o relacionamento do arguido, da mãe e dos irmãos do Arguido com a demais família ou com quaisquer outras pessoas da aldeia.
18.D) O relacionamento entre os membros do agregado familiar desde há algum tempo que e distante e trio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo,
18.D) O arguido considerava o pai autoritário, controlador, a origem dos males da família e a razão de ser de grande parte do sofrimento da mãe.
19. O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente e ofendia verbalmente pelo facto de ser doente, facto de enorme descontentamento para o arguido e para o irmão, que se sentiam impotentes perante estes comportamentos do ofendido.
19.B) Entre os anos de 2005 e 2006, durante vezes não concretamente apuradas, o ofendido abusou sexualmente do arguido A..., obrigando-o a práticas sexuais de masturbação e prática de acto sexual oral.
19.C) O referido em 18, 18B, 18C, 18D, 19 e 19B levou a que os laços de filiação entre o arguido e o pai deste estivessem fortemente esbatidos.
20. No relatório social elaborado ao arguido foi consignado, para além do mais: "A... tem 18 anos, sendo o mais novo de três irmãos. O seu processo de desenvolvimento terá decorrido num ambiente educacional rígido, exigente e controlador, incutido por uma liderança autocrática do pai (vítima). Foi sempre considerado uma criança calma e adaptada, respeitadora, tal como os irmãos, das regras familiares e sociais. Iniciou com 5 anos um percurso escolar normativo em termos de comportamento e desempenho. Nunca reprovou ou lhe foram atribuídos comportamentos inadequados no relacionamento com colegas e professores, sendo-lhe reconhecida uma postura recatada, pacífica e bem aceite pelos pares. Por ter mudado de área curricular, data dos factos encontrava-se a repetir o 10.º ano de escolaridade, no ramo de Ciências e Tecnologia. No 1.º período lectivo (imediatamente antes da data dos factos) tinha obtido um desempenho mediano, dentro do habitual. A sinalização de doença Parkinson à mãe do arguido, em 1998, veio a interferir na conjugalidade e na própria dinâmica familiar, acentuando um distanciamento afectivo já atribuído ao pai relativamente à mãe e contribuindo para uma certa cumplicidade/aliança afectiva entre esta e os filhos. Ao pai é apontada uma postura familiar de maior intolerância após a sua inactividade profissional por invalidez (2005), manifestada por atitudes de humilhação dirigidas sobretudo à mãe e ainda um controlo, entendido pelo arguido como excessivo, das actividades dos filhos (convivência, vigilância da proibição de uso de tabaco e álcool) Não indicia nem nunca lhe foi conhecidos quaisquer sintomas de perturbação psicológica ou psiquiátrica, conduta aditiva (álcool ou outras drogas) ou agressiva. Exibe uma postura calma, passiva e introvertida na relação interpessoal, integra o agregado familiar de origem, coabitando com a mãe (de 56 anos, reformada por invalidez) e os doisirmãos.) Beneficia de boas condições habitacionais em caso própria, sita num aglomerado pequeno, de características rurais. Existe um bom relacionamento familiar. Não são perceptíveis ressentimentos nem sentimentos de perda por parte dos elementos do agregado. Houve o reatamento de relações do agregado com os tios do arguido, que o visitam e tem apoiado regularmente, A actual situação económica é equilibrada, suportada pelos vencimentos dos irmãos do arguido (540 e 700 euros) e reforma da mãe (303 euros), totalizando um montante mensal liquido de cerca 1.543 euros. As despesas fixas mensais (prestação de crédito habitação, água, electricidade, telefone e medicação da mãe) representam cerca de 420 euros. Desde a data dos factos que a mãe beneficia de apoio domiciliário assegurado pelo centro de dia local, consubstanciado em refeições diárias, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. No meio local persiste uma imagem positiva do arguido e ainda uma reacção de surpresa e ausência de explicação face aos factos dos presentes autos. O arguido sempre teve uma convivência social restrita, circunscrita ao espaço e ambiente escolar. Na actual medida de coacção (OPHVE) o arguido tem recebido visitas regulares por parte de colegas de escola e vizinhos. Iniciou neste contexto relação de namoro com uma colega de escola facto que valoriza como experiência gratificante. Já na actual situação coactiva através do regime "e-learning", concluiu com sucesso e classificações acima do habitual, o 10.º ano. Presentemente encontra-se a frequentar em regime normal/presencial o 11.º ano. Neste primeiro período lectivo tem revelado desinvestimento e um fraco desempenho escolar, apresentando resultados insuficientes a pelo menos 3 disciplinas, registando ainda demissão na execução dos trabalhos de casa. Já a nível de comportamento e assiduidade é referenciado como aluno exemplar."
21. Do relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido consta em sede conclusões, que: "- Estivemos perante um jovem adolescente sensível, com capacidade de se expressar e de se auto-analisar. - O seu nível intelectual e respectivo funcionamento cognitivo é compatível com padrões bastante superiores à média, garantindo a existência de raciocínio lógico e capacidade de adaptação. Neste momento, parecer estar a revelar alguma vulnerabilidade emocional que se traduz em níveis de ansiedade – estado ligeiramente acima da média e presença de moderada sintomatologia depressiva. - Revelou possuir uma auto-estima conservada, bem como uma personalidade predominantemente introvertida e com estabilidade emocional. Não foi detectada sintomatologia patológica que faça supor a existência de um transtorno de personalidade estrutural. - Para além de possuir uma personalidade que se pode considerar globalmente equilibrada, sem sintomatologia patológica que faça supor a existência de psicopatologia comportamental, o examinado evidenciou também possuir capacidade de auto-critica, sendo de prever que, no futuro, possa prosseguir adequadamente a sua historie social e profissional."
22. O arguido não tem antecedentes criminais.
23. O arguido é considerado um jovem educado, pessoa reservada e ordeira.
24. O arguido mostrou arrependimento referindo factos demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta e sente a morte do pai como "libertadora" da família.
LX. Resulta do exposto que no presente recurso está em causa, desde logo e por um lado o que se considera ser a total falta de prova consistente quanto à premeditação ou a qualquer congeminação por parte do arguido, no tocante aos factos que praticou.
LXI. Refere o acórdão, que o arguido agiu com dolo directo e se mostram preenchidas as qualificativas que vêm imputadas à conduta do arguido, o que não é de todo correcto.
LXII. Quanto a esta qualificativa e, conforme já notado supra, é modesto entendimento do Recorrente que não foi considerada, como deveria, o quadro de violência doméstica e intra-familiar, que apesar de não se traduzir em agressões físicas concretas, não era por isso que deixava de ser um quadro de uma grande violência.
LXIII. Conforme já notado, está em causa a falta de apreciação do clima de violência doméstica vivida dentro daquelas quatro paredes, que o acórdão recorrido se limita a considerar com um relacionamento frio o distante entre os membros da família. ALIÁS,
LXIV. Analisando a contextualização e incriminação que é efectuada pelo Código Penal Português [Mesmo a realização do crime de maus tratos (lei antiga) verificava-se pela acção plúrima e reiterada, com uma proximidade temporal entre os vários actos ofensivos, embora não se exigisse uma situação de habitualidade] e o que vem sendo a jurisprudência mais recente acerca do conceito de violência doméstica, verifica-se que esta não se limita à violência física e que a demais violência, incluindo a verbal, pode ser tão ou mais violenta que a física, até porque o que se pretende proteger com a incriminação dos comportamentos subjacentes a este tipo de ilícito é um bem complexo ou plural, que abrange não exclusivamente a integridade corporal, e saúde física, mas igualmente a integridade psíquica e, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.
LXV. Depois, está em causa a falta de apreciação do clima de violência doméstica vivida dentro daquelas quatro paredes, que o acórdão recorrido se limita a considerar com um relacionamento frio o distante entre os membros da família.
LXVI. Está em causa, ainda, o esbatimento dos laços filiais entre o arguido e a vítima, fruto da violência doméstica vivida no seio familiar e da actuação opressiva e controladora da vítima perante os demais membros do agregado familiar;
LXVII. E está em causa, por fim, o arrependimento manifestado pelo Arguido, apesar da associação que foi feita entre este arrependimento e o que o arguido referiu ser a felicidade da família.
LXVIII. E para este arrependimento, importa notar que tão importante como serem proferidas palavras sacramentais de "dizer que se está arrependido" é, de facto, manifestar esse arrependimento através de factos demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta e foi isso que o Arguido demonstrou em diversos momentos.
LXIX. Depois, em termos jurídicos, está ainda em apreço a aplicação do regime penal dos jovens [Actualmente, vem sendo entendido que "Pela sua natureza e fundamentos, a aplicação do regime penal dos jovens não constitui uma faculdade, mas antes um dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, devendo considerar no juízo de prognose positiva imposto tanto pela globalidade da actuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, o que implica um conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime". Neste sentido, vide, entre outros, Ac do STJ, processo 1659/07.3GTABF.81, de 13 de Julho de 2011, do qual é relator o Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar], já que no modesto entendimento do arguido verificam-se todos os pressupostos, designadamente os de prognose positiva, que devem levar a uma atenuação da pena a aplicar [Neste sentido, vide. entre outros. o Ac do STJ, Processo 169/09.9SYLSB.Sl de 31 de Março de 2011, do qual foi Relator o senhor Juiz Conselheiro Raul Borges, "…como resulta do art. 4.°, fundando-se o regime penal destinado aos jovens em razões de prevenção especial, a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas, enquanto na medida prevista no CP, a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4.° do DL 401/82, basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição de ilicitude ou de culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime especifico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões de a ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas. Por isso, sempre que se prove a vantagem da atenuação especial da pena para a ressocialização do jovem condenado, aquela atenuação não pode ser denegada com base em considerações de prevenção geral ou de retribuição].
LXX. Que, no modesto entendimento do Recorrente, atendendo-se aos limites mínimo e máximo da pena em face do estabelecido neste regime penal, se deve situar abaixo dos cinco anos de prisão.
LXXI. Isto até em face da sua actuação, activamente colaborante do arguido, no decurso das diversas fases do processo; do juízo de prognose que é favorável relativamente á pessoa do arguido; do seu comportamento anterior ao crime de que vem acusado e, sobretudo, em face do seu comportamento posterior.
LXXII. Verificando-se, in casu, que o processo de ressocialização está, já, em curso, com a prisão domiciliária do arguido e com a possibilidade deste continuar a frequentar a escola, com aproveitamento escolar digno de realce, para o que releva o apoio que teve da família, que o acolheu, da comunidade (incluindo a escolar) que não os hostilizou e da entidades locais (incluindo as municipais e as ligadas ao Ministério da Educação) que ajudaram a proporcionar este processo de ressocialização e recuperação para a vida.
LXXIII. É modesto entendimento do Recorrente que se mostram violados os seguintes artigos:
a) Artigos 132.º 133.º, do C. Penal;
b) Artigo 32.º da C.R.P;
c) Artigos 127.º, 374.º, 379.º, e 410.º, n.º 2, todos do C.P.P.;
d) Artigos 40.º, 41.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 70.º, 71.º, 72.º, n.º 1, todos do C. Penal.
TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente Recurso e o douto Acórdão do Tribunal a quo ora recorrido, revogado e, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as ser proferido douto acórdão, com todas as consequências legais, designadamente condenando o Arguido numa pena de prisão que, atento ao referido e à prognose favorável de ressocialização do mesmo, não deve ser superior a cinco anos de prisão, pois assim é de DIREITO e se faz a habitual e costumada JUSTIÇA!
(…)”.
*
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que a confissão do arguido foi parcial e atendida na determinação da medida da pena, que a decisão da matéria de facto foi correcta, face à prova produzida, incluindo as declarações do arguido, que na determinação da medida concreta da pena foi considerado o regime penal dos jovens delinquentes, e que a diminuição da medida da pena encontrada frustraria as necessidades de prevenção, concluindo pelo não provimento do recurso.
*
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer, subscrevendo a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluiu pelo não provimento do recurso.
*
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).
Assim, atentas as extensas conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto provada [pontos 3, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 18 e 19] e não provada [alínea b), confissão integral e arrependimento];
- A incorrecta qualificação jurídica dos factos [face à modificação da matéria de facto];
- A excessiva medida da pena decretada, e a suspensão da respectiva execução.
*
Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevo consta do acórdão recorrido. Assim:
A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:
“ (…).
1. O arguido A... é filho de ... e de B... de . e sempre viveu com estes e com o seu irmão C..., numa residência sita na Rua … , no concelho de WW..., área desta comarca.
2. O arguido sempre teve um relacionamento próximo com todos os membros do agregado familiar, excepto com o seu pai, ..., com quem tinha desentendimentos frequentes motivados pelas críticas constantes que este lhe fazia.
3. No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar. Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar.
4. Ao ouvir o que o seu pai lhe dissera, o arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
5. Terminaram o jantar e após terem estado durante algum tempo na sala a ver televisão, o seu irmão C... e a sua mãe B..., subiram, respectivamente, ao primeiro e segundo andar da referida residência e dirigiram-se para os seus quartos para pernoitarem, o que veio a suceder cerca das 21h30m, altura em que o arguido ficou a sós com o seu pai, … , na sala do rés-do-chão.
6. Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto à mesa, a reflectir na sua vida, altura em que formulou o propósito de lhe tirar a vida.
7. Na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse.
8. Logo que o arguido se apercebeu que aquele ... adormecera no sofá, cerca das 22 horas, na concretização do desígnio já formulado de lhe tirar a vida, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 11,5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lamina de 33,5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão.
9. Acto contínuo, munido do aludido objecto, o arguido dirigiu-se para o sofá onde se encontrava adormecido o seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir-lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto daquele ....
10. Em consequência da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia de fls.415 e sgs., cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, ântero-inferior à previamente descrita, frontoparietal direita, com treze centímetros de comprimento; ferida corto- contundente rostrocaudal, ântero-inferior à previamente descrita, desde o terço médio do dorso do nariz (metade esquerda) até à região frontal (para mediana direita), passando pela glabela, com treze centímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal distando lateralmente uns milímetros da anteriormente descrita, desde o rebordo orbitário direito até a porção posterior da região frontal (para mediana direita) com onze centímetros de comprimento; várias feridas corto-contundentes na região nasogeniana esquerda, atingindo o dorso do nariz (metade direita), oblíquas de cima para baixo da direita para a esquerda, a maior com oito centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a parte média do lábio inferior até à região temporal direita com exteriorização da massa encefálica, com vinte e cinco centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a região bucal direita até ao pavilhão auricular direito alcançando o antihélix (terço superior), com cento e treze milímetros de comprimento, de bordo anterior afilado e com concavidade voltada para baixo, apresentando o bordo posterior um entalhe transversal milimétrico e existindo uma escoriação milimétrica no hélix correspondente; fractura de vários ossos do crânio e da face à direita; hematoma subdural e hemorragia subaracnóide à direita; laceração do parênquima encefálico à direita, rodeado de focos de contusão e presença de zonas hemorrágicas intraparenquimatosas à direita.
11. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais descritas (referidas no relatório de autópsia) causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
12. Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás.
13. Após, o arguido colocou a catana que utilizara para praticar os factos supra descritos numa cadeira, saiu da sua residência, caminhou pela rua principal daquela localidade, tendo largado os chinelos que calçava a cerca de 100 m de casa e percorreu, descalço, cerca de 30 km até ao Posto da GNR de WW..., onde chegou cerca das 3h00 da manhã do dia 25 de Janeiro de 2011 e contou que tinha morto o pai.
14. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito concretizado de tirar a vida a ..., bem sabendo que aquele era seu pai e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma catana – a repetição das pancadas, zona que visou no corpo da vítima, atingiria, como atingiu, órgãos vitais, sendo pois idóneos a produzir o resultado que pretendia.
15. O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada, o que quis fazer na prossecução de um desígnio previamente congeminado, para cuja execução reflectiu e ponderou os meios a utilizar, bem como o local e o momento adequado para actuar.
16. Sabia também o arguido que atacando ... da forma descrita (com uma catana enquanto este dormia no sofá, colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo) tomava impossível a defesa por parte daquele ....
17. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.
18. O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era distante e frio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo frequente, procurando o arguido evitar estar na presença do mesmo, que considerava autoritário e controlador.
19. O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente, facto de descontentamento para o arguido.
20. No relatório social elaborado ao arguido, foi consignado, para além do mais: "A... tem 18 anos, sendo o mais novo de três irmãos, O seu processo de desenvolvimento terá decorrido num ambiente educacional rígido, exigente e controlador, incutido por uma liderança autocrática do pai (vítima). Foi sempre considerado uma criança calma e adaptada, respeitadora, tal como os irmãos, das regras familiares e sociais, Iniciou com 5 anos um percurso escolar normativo em termos de comportamento e desempenho. Nunca reprovou ou lhe foram atribuídos comportamentos inadequados no relacionamento com colegas e professores, sendo-lhe reconhecida uma postura recatada, pacifica e bem aceite pelos pares. Por ter mudado de área curricular, à data dos factos encontrava-se a repetir o 10º ano de escolaridade, no ramo de Ciências e Tecnologia. No 1º período lectivo (imediatamente antes da data dos factos) tinha obtido um desempenho mediano, dentro do habitual. A sinalização de doença Parkinson à mãe do arguido, em 1998, veio a interferir na conjugalidade e na própria dinâmica familiar, acentuando um distanciamento afectivo já atribuído ao pai relativamente à mãe e contribuindo para uma certa cumplicidade/aliança afectiva entre esta e os filhos. Ao pai é apontada uma postura familiar de maior intolerância após a sua inactividade profissional por invalidez (2005), manifestada por atitudes de humilhação dirigidas sobretudo à mãe e ainda um controlo, entendido pelo arguido como excessivo, das actividades dos filhos (convivência, vigilância da proibição de uso de tabaco e álcool). Não indicia nem nunca lhe foi conhecidos quaisquer sintomas de perturbação psicológica ou psiquiátrica, conduta aditiva (álcool ou outras drogas) ou agressiva. Exibe uma postura calma, passiva e introvertida na relação interpessoal. Integra o agregado familiar de origem, coabitando com a mãe (de 56 anos, reformada por invalidez) e os dois irmãos (Ricardo. 21 anos, militar; Jorge, 1 9 anos, electricista). Beneficia de boas condições habitacionais em casa própria, sita num aglomerado pequeno, de características rurais. Existe um bom relacionamento familiar. Não são perceptíveis ressentimentos nem sentimentos de perda por parte dos elementos do agregado. Houve o reatamento de relações do agregado com os tios do arguido, que o visitam e têm apoiado regularmente. A actual situação económica é equilibrada, suportada pelos vencimentos dos irmãos do arguido (540 e 700 euros) e reforma da mãe (303 euros), totalizando um montante mensal líquido de cerca 1543 euros. As despesas fixas mensais (prestação de crédito habitação, água, electricidade, telefone e medicação da mãe) representam cerca de 420 euros. Desde a data dos factos que a mãe beneficia de apoio domiciliário assegurado pelo centro de dia local, consubstanciado em refeições diárias, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. No meio local persiste uma imagem positiva do arguido e ainda uma reacção de surpresa e ausência de explicação face aos factos dos presentes autos. O arguido sempre teve uma convivência social restrita, circunscrita ao espaço e ambiente escolar. Na actual medida de coacção (OPHVE) o arguido tem recebido visitas regulares por parte de colegas de escola e vizinhos. Iniciou neste contexto relação de namoro com uma colega de escola, facto que valoriza como experiência gratificante. Já na actual situação coactiva, através do regime "e-learning", concluiu com sucesso e classificações acima do habitual, o 10º ano. Presentemente encontra-se a frequentar em regime normal/presencial o 11º ano. Neste primeiro período lectivo tem revelado desinvestimento e um fraco desempenho escolar, apresentando resultados insuficientes a pelo menos 3 disciplinas, registando ainda demissão na execução dos trabalhos de casa. Já a nível de comportamento e assiduidade é referenciado como aluno exemplar."
21. Do relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido consta em sede conclusões, que: "– Estivemos perante um jovem adolescente sensível, com capacidade de se expressar e de se auto-analisar. – O seu nível intelectual e respectivo funcionamento cognitivo é compatível com padrões bastante superiores à média, garantindo a existência de raciocínio lógico e capacidade de adaptação. – Neste momento, parecer estar a revelar alguma vulnerabilidade emocional que se traduz em níveis de ansiedade-estado ligeiramente acima da média e presença de moderada sintomatologia depressiva. – Revelou possuir uma auto-estima conservada, bem como uma personalidade predominantemente introvertida e com estabilidade emocional. – Não foi detectada sintomatologia patológica que faça supor a existência de um transtorno de personalidade estrutural. – Para além de possuir uma personalidade que se pode considerar globalmente equilibrada, sem sintomatologia patológica que faça supor a existência de psicopatologia comportamental, o examinado evidenciou também possuir capacidade de auto-critica, sendo de prever que, no futuro, possa prosseguir adequadamente a sua história social, familiar e profissional."
22. O arguido não tinha antecedentes criminais.
23. O arguido é considerado um jovem educado, pessoa reservada e ordeira.
24. O arguido sente a morte do pai como "libertadora" da família.
(…)”.

B) Nele foram considerados não provados os seguintes factos:
“ (…).
a) Que o arguido formulou o propósito de tirar a vida a seu pai no decurso do jantar, após ouvir o que o seu pai aí lhe dissera, e que na prossecução de tal desígnio aguardou quer terminassem o jantar e que sua mãe e irmão subissem aos quartos, para ficar a sós com o seu pai.
b) Que o arguido fosse vítima de abusos sexuais pelo pai aos 10/11 anos de idade.
(…)”.

C) Dele consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
A convicção do tribunal para dar os factos como provados B...rçou-se na ponderada conjugação e análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em audiência, conjugada com os relatórios, documentos e elementos clínicos juntos aos autos e as regras da experiência comum e normalidade das coisas tendo em conta a inferência que desta se tira para chegar aos factos que foram dados como provados.
Com efeito, e antes de avançar, impõe-se-nos referir que os factos em apreço no que se refere à concreta actuação do arguido não foram presenciados por quaisquer testemunhas, restando-nos as declarações deste e a ponderação e valoração que destas se pode extrair em termos de normalidade de comportamentos face às regras da experiência comum e normalidade da vida atentos os demais dados objectivos apurados nos autos.
Concretizando, a convicção do tribunal B...rçou-se na confissão parcial que dos factos o arguido efectuou, nas declarações que prestou em sede de audiência, esclarecendo a interpelação que lhe foi efectuada durante o jantar pela vítima seu pai, pelo facto de aquele ter tido conhecimento nesse dia de que o mesmo andaria a fumar e do maior controlo que passaria a exercer sobre os seus passos no futuro, situação que não teve naquele momento qualquer outro desenvolvimento. Refere-nos, que contrariamente ao que sucedia habitualmente, ficou a fazer os deveres escolares na sala, onde se encontrava seu pai a ver televisão, justificando tal comportamento com a intenção de lhe mostrar que ia fazer os trabalhos e que a dada altura, depois de seu irmão e sua mãe se terem ausentado para o andar superior, onde se situavam os quartos, para ir dormir, estando ainda seu pai acordado, começou a pensar na sua vida e na vida familiar e no que seu pai havia feito desta. Reporta a este momento uma "explosão de sentimentos", assente na imensa raiva que tinha por seu pai, e quando deu por si, tinha a catana na mão. Descreve ter-se dirigido a ele, e vendo que estava quieto e a dormir, fez o que fez, que confessa na forma descrita na pronúncia, sem conseguir parar, embora o quisesse fazer, dando com a catana na cabeça do pai por 4 ou 5 vezes, na primeira das quais aquele ainda levantou a mão, que baixou, sem fazer qualquer outra reacção.
Diz não se recordar do momento em que vai buscar a catana, começando por acentuar ter-se tratado de um acto inconsciente, embora, posteriormente, refira que tinha a consciência do que estava a acontecer. Que vendo muito sangue parou, ficou com muito medo daquilo que tinha feito, colocou a catana numa cadeira e saiu a correr de casa. Refere não se ter aproximado do pai e não ter ido ver o estado deste, não tendo chamado sua mãe ou irmão por receio da reacção dos mesmos. Saiu de imediato de casa e deslocou-se, pela estrada para o posto da G.N.R. mais próximo, situado a vinte e tal Kms dali, que percorreu a pé e descalço, aí chegando algum tempo depois das duas da madrugada. Explica-nos que a aposição de "Fuhrer" na sua mão, que se visualiza na imagem de fls. 63, foi efectuada por causa da leitura de uma obra que lia na escola e que tinha que apresentar aos colegas sendo o significado de tal palavra "líder".
Refere que a vida familiar se tinha tomado insustentável, porque seu pai gritava frequentemente com sua mãe, que sofre da doença de Parkinson, doença que este não aceitava, não a apoiando ou ajudando quando a mesma necessitava. Relativamente a si e a seu irmão C...o comportamento era o mesmo, não existindo qualquer ligação afectiva ou diálogo, não havia propriamente conflito, simplesmente o relacionamento era distanciado, não falavam em casa, já que o arguido e seu irmão procuravam afastar-se e não falar com ele; para além de que seu pai os mantinha afastados da família de sua mãe, com quem proibira os contactos; tinha comportamentos que desagradavam a todos, já que havia contraído inúmeras dívidas na aquisição de bens cujo interesse não viam, causando grandes dificuldades financeiras em casa.
Concretamente e relativamente a si, refere que até aos seus 10/11 anos pode dizer que eram felizes, altura a que reporta episódios de abuso sexual por parte de seu pai (diz que aquele o obrigava a masturbá-lo, mas que nunca o penetrou), ocorridos, nas suas palavras, uma a duas vezes por mês, durante cerca de um ano. E que, simplesmente, como começaram, assim terminaram, sem que o arguido se opusesse ou tivesse contado a alguém por receio, sendo que o seu relacionamento com seu pai a partir de então, se transformou completamente, tendo cessado.
Esclarece que seu pai nunca agrediu fisicamente nem a si, nem a seus irmãos, nem a sua mãe, nem se recorda que este lhes tenha feito quaisquer ameaças (embora o fizesse relativamente aos familiares da mãe), as agressões eram meramente verbais.
Que o seu relacionamento com a sua mãe e seu irmão C...(já que o Ricardo à data já havia saído de casa) era bom, conversavam os três, e que o pai ficava fora desse relacionamento. Que o pai insistia em falar com eles, mas estes afastavam-se: "tudo por culpa dele", que nas suas palavras, "destruiu a sua família".
Nas declarações finais que efectuou expressou a preocupação pelo seu futuro, assumindo a morte do pai como "libertadora" da família, conforme aliás nos vem expresso pela psicóloga que o acompanha neste momento, conforme veremos infra, tudo conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético.
Feito o bosquejo das declarações do arguido, extrai-se das mesmas a admissão da factualidade atinente ao acto em si, que o arguido acaba por admitir ter sido consciente, aliás, compatível com o por si referido "querer parar" e bem assim do circunstancialismo que rodeou a prática daquele acto. Todavia, o arguido nega que o tivesse premeditado. Que dizer:
Relativamente a esta situação, impõe-se-nos algumas considerações: Se por um lado, se nos afigura inexistir prova que sustente, que logo no decurso do jantar, o arguido formulou o propósito de matar seu pai, já o mesmo não poderemos dizer relativamente àquilo que o arguido designou de período em que esteve a pensar na sua vida, porquanto, pese embora refira que não pensou tirar a vida a seu pai, é tal afirmação contrariada por todos os actos que se lhe sucedem. Na verdade, a tratar-se de um acto impulsivo, impensado e fora de controlo não há explicação para que o arguido tivesse ido procurar e buscar um objecto que se encontrava guardado, apto a tal fim, a catana que estava num armário da cozinha, e se tivesse dirigido a seu pai vendo que este estava a dormir e desferisse com a catana os golpes da maneira que o fez, referindo ademais que queria parar e que não conseguia! Atente-se, outrossim, no facto de que naquele dia, naquela hora, naquele momento, nada existia que pudesse justificadamente desencadear aquele acto e sobretudo, um acto com a extrema violência como aquele com que nos deparamos na situação em apreço. Por outro lado, não poderá deixar de se salientar o comportamento inabitual do arguido naquela noite ao permanecer na sala, sozinho com o pai, quando o habitual era procurar fugir da presença deste, e ausentar-se para o quarto após o jantar. Porque o fez naquela noite?
Qual a justificação para um acto impulsivo, impensado? Não a vislumbramos. Não existe qualquer facto imediato que faça despoletar a sequência de actos praticados pelo arguido. Antes temos, que este esteve a reflectir sobre a sua vida, pensou nesta e na raiva que tinha de seu pai e actuou. E actuou diligenciando pela obtenção do meio adequado ao fim, levantou-se da cadeira onde estava sentado, dirigiu-se ao armário da cozinha, pegou na catana que sabia ali encontrar-se guardada e dirigiu-se a seu pai, que entretanto deixara adormecer, desferindo-lhe por trás, e sem qualquer possibilidade de reacção por parte deste, com a catana na cabeça, em golpes vários.
A actuação subsequente é também reveladora da reflexão e aceitação/conformação do arguido ao resultado visado. Veja-se que cai completamente fora dos parâmetros em termos de normalidade de comportamentos a sua actuação posterior. Uma pessoa que pratica um acto irreflectido por impulso, incontrolável, quando se apercebe do resultado, sobretudo um resultado como o em causa, seria expectável que ficasse totalmente desesperada, em pânico, que chorasse, gritasse, pedisse ajuda à pessoa que se encontrava mais perto! Não foi isso que aconteceu. O arguido manteve-se em silêncio (veja-se que ninguém em casa se apercebeu do sucedido) poisou a catana numa cadeira e saiu de casa. Percorreu cerca de 30 Kms a pé e dirigiu-se directamente à casa do comandante do posto da GNR (cuja localização conhecia por uma anterior visita da sua escola) tendo as primeiras palavras por si proferidas sido: "O que é que acontece a um rapaz de 16 anos que acabou de matar o pai?", conforme nos foi relatado pela testemunha D..., comandante do Posto da GNR da WW..., que esclareceu as circunstâncias em que o arguido se apresentou à sua porta, àquela hora da noite, a expressão por aquele utilizada, referindo-nos ainda que o arguido estava calmo e sereno e apenas deitou uma ou duas lágrimas. Vide a tal propósito o teor da participação criminal de fls. 7 a 9.
À compreensão de tudo o que deixamos referido quanto à motivação da convicção do tribunal não é alheia, antes a conforma, a análise daquilo que nos vem dito quer pela psicóloga, que acompanha particularmente o arguido desde Abril de 2011, E…, quer pelo que resulta do depoimento do irmão do arguido, testemunha acima referida C..., relativamente á visão/associação que o arguido faz da morte de seu pai, ligando-a à sua felicidade e da sua família, e à sua assunção como "salvador da família"!
Se é certo que estamos perante um jovem, com cara de menino, estamos também perante uma pessoa claramente estruturada a nível psicológico/emocional, com um nível intelectual e funcionamento cognitivo com padrões bastante superiores à média em geral, que lhe garantem capacidade de actuar finalizadamente, pensar em termos racionais e proceder com eficácia em relação ao meio circundante, com capacidade de auto-critica, de reacção ao stress (com maior vulnerabilidade ao factor subjugação) e com uma elevada auto-estima, conforme se depreende do relatório de avaliação psicológica junto aos autos a fls. 353 a 359.
Aqui chegados e conforme referíamos acima, não temos outrossim apurado nos autos qualquer evento, qualquer comportamento agressivo ou mesmo discussão mais acesa, qualquer comportamento da infeliz vítima, naquela noite, ou nos dias imediatamente anteriores, que pudesse sustentar a invocada impulsividade/imponderação do acto, ainda que no designado "culminar de situações". Nem mesmo a invocada, pelo arguido, existência de abusos sexuais, que como passaremos a referir, não logra consistência em termos probatórios, poderia, atento o distanciamento temporal para a qual é apontada, sustentar, naquele momento e concretas circunstâncias, a actuação violenta do arguido.
Na verdade, e especificamente quanto a tal alegação, confrontados com as declarações do arguido sob tal conspecto, não poderemos deixar de salientar, que não resulta dos autos prova suficiente e consistente, nem as suas declarações permitem por si só sustentar o alegado abuso sexual perpetrado pelo pai do arguido quando este tinha 10/11 anos de idade.
Com efeito, a situação relatada, surge-nos eivada de algumas incongruências e falta de consistência, face aos demais dados objectivos resultantes dos autos.
Se por um lado nunca existiu um mínimo indício da sua ocorrência para qualquer um dos membros do agregado familiar, conforme nos é relatado por seu irmão C..., facto que, por si só, à partida, não seria estranho, não fora a circunstância de o arguido ter dois irmãos, sobretudo um deles, o Jorge, com quem refere sempre ter tido uma óptima relação, assim como com sua mãe, sem que o arguido alguma vez tenha feito qualquer pequena referência a esse facto, ainda que os três, nos últimos tempos, conversassem e se queixassem entre si sobre o comportamento do pai relativamente a cada um deles. Não seria expectável, que nessas conversas o arguido tivesse feito referência ao que o pai lhe havia feito a si? Por outro, não resultam apurados quaisquer dados objectivos que permitam indiciar essa situação, designadamente, não foi exteriorizado qualquer comportamento por parte do arguido que pudesse, de alguma forma, indiciar a existência de qualquer problema, pelo contrário, do teor dos documentos de fls. 269 a 340 (processo individual do aluno) extrai-se que o arguido manteve o seu aproveitamento escolar no período em que tal situação alegadamente ocorreu, subindo-o até no ano 2005/2006, não existindo outrossim lesões traumáticas ou seus vestígios, conforme se extrai do teor do relatório de perícia forense de natureza sexual de fls. 632 a 633. Por último, parece-nos algo inusitada a cessação de tal alegado comportamento sem a existência de qualquer facto que a despoletasse. O arguido não se opunha, nunca se queixou, ninguém descobriu, e o pai parou simplesmente!
Decorreram vários anos e nunca essa situação foi aflorada ou de algum modo houve suspeitas relativamente a ela, por qualquer membro da família.
Tudo ponderado não poderemos deixar de concluir inexistirem quaisquer elementos indiciadores da realidade daquilo que nos vem transmitido pelo arguido, o que conduziu à sua não prova.
Também foi relevante à percepção do ocorrido naquela noite, o depoimento prestado pela testemunha F..., assistente operacional na Escola da WW..., o qual nos esclareceu que tendo estado com o pai do arguido na escola, onde aquele se havia dirigido no dia em que ocorreram os factos para falar com a directora de turma do arguido, lhe disse que achava que o arguido andava a fumar.
Por seu turno, a testemunha G..., directora de turma do arguido, à data, esclareceu as circunstâncias e razão pela qual o pai do arguido se havia dirigido à escola naquele dia.
Referiu-nos ainda ter tido pouco contacto com o arguido, já que ele apenas havia ingressado na turma a partir do mês de Outubro e que este era um aluno mediano, com aproveitamento razoável, um jovem extremamente educado, sem problemas de comportamento.
Valorado ainda na sua objectividade, o documento de fls. 10 (verificação de óbito), as fotografias de fls. 48 a 51 (as quais são notoriamente reveladoras da extrema violência e agressividade da actuação do arguido), o relatório de exame de fls. 54 a 64. E aditamento de fls. 249, o auto de reconstituição dos factos de fls. 255 a 260, na sua conjugação com as declarações prestadas pelo arguido em audiência, bem como o relatório pericial de fls. 385 a 387 e 421 (estudo comparativo de vestígios biológicos), relatório de autópsia de fls. 415 a 418 e assento de nascimento de fls. 425.
No que se refere às circunstâncias em que os factos ocorreram e dinâmica familiar, foram ainda valorados os depoimentos prestados pela mãe do arguido B... e seu irmão C..., de 19 anos de idade, os quais confirmaram, no essencial, o que nos foi relatado pelo arguido.
Relativamente ao relacionamento familiar e designadamente entre o pai e os três restantes membros, mãe e os filhos A... e Jorge, foi confirmado o distanciamento e frieza existente, as palavras que aquele dirigia sobretudo a sua mãe, os problemas económicos, bem como, relataram sobretudo, conforme nos foi explicitado pela testemunha C..., o facto de que desagradava aos filhos o autoritarismo do pai, e especialmente o facto de o pai querer controlar e dominar todos os passos que davam, de lhes tirar a liberdade, facto que no entender desta testemunha terá, num acumular de situações, desencadeado a actuação do arguido. Esclareceu ainda que o seu irmão era mais destemido e corajoso do que a testemunha, o que o levava a contrariar as ordens do pai, designadamente, quanto aos contactos com os familiares matemos, com os quais estavam proibidos de falar.
Por seu turno, as testemunhas J... e K…, respectivamente tio e prima do arguido, confirmaram o distanciamento criado pelo falecido ... entre a família materna do arguido e o arguido, seus irmãos e mãe, decorrente de conflitos familiares pelo alegado uso indevido, pelo falecido, de dinheiro da sogra. Referiu-nos ainda sobre o reatamento do relacionamento após a morte do pai do arguido.
No que confere ao elemento subjectivo este ressalta da conjugação de todos os elementos probatórios acima escalpelizados, tendo em conta e para além do mais já referido, a forma de actuação, o meio empregue, a localização das mesmas em órgãos vitais, a intensidade/violência das catanadas e sua necessária aptidão a causar a morte.
No que se refere à personalidade e situação pessoal do arguido foram valorados os relatórios juntos aos autos, designadamente o relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido e junto a fls. 353 a 359, o relatório social junto aos autos a fls. 764 a 767, os depoimentos testemunhais prestados por E…, psicóloga, que acompanha particularmente o arguido após os factos; G..., directora de turma do arguido e as próprias declarações do arguido.
No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, no C.R.C. junto aos autos a fls. 424.
*
No que se refere à factualidade dada como não provada a sua consignação deveu-se essencialmente à falta de prova consistente e suficiente no que tange à confirmação da mesma, conforme ressalta já da motivação acima explanada.
(…)”.

D) A seguinte fundamentação de direito quanto à qualificação dos factos:
“ (…).
O arguido encontra-se acusado como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. a), i) e j), todos do Código Penal.
Apreciemos:
Dispõe o artigo 131 ° do Código Penal: "Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos". Nos termos do artigo 132° n. 1 do C. Penal: "1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos. 2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;... i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;..."
Por último, dispõe o artigo 14º do C. Penal, nos seus nºs. 1 e 3 que: "Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.".
Conforme salienta Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense, na respectiva anotação, o crime de homicídio descrito no artigo 131°, constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida. É a partir, deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra a vida, designadamente, qualificando-o.
O bem jurídico protegido é a vida de outra pessoa, e o tipo objectivo do ilícito consiste em matar outra pessoa. O tipo subjectivo do ilícito exige o dolo em qualquer uma das suas modalidades, directo, necessário ou eventual.
Por último, cumprirá referir que a qualificação do crime de homicídio mostra-se prevista no art.º 132.° e aí o legislador não quis organizá-la de uma forma taxativa, antes optou por uma fórmula aberta, embora cingida a certos parâmetros, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a casuisticamente determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.
Como se diz no Acórdão do STJ de 1996/12/11, in proc. n.º 188/97 (www.dgsi.pt). "A qualificação do crime de homicídio qualificado não é consequência irrevogável da existência de qualquer das circunstâncias constantes do n.º 2 do artigo 132.º do CP. Essencial, é que, as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas (pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria de um homicídio simples".
Para Figueiredo Dias, in "Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial", tomo I, pgs. 29, mesmo relativamente a esta circunstância qualificativa não basta para a sua verificação que o agente tenha consciência da sua relação de parentesco com a vítima é, pelo contrário, necessário que ainda nestas hipóteses se exija que a prática do homicídio revele uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, indiciada (mas não "automaticamente" verificada) por aquele ter vencido "as contra-motivações éticas relacionadas com os laços básicos de parentesco".
No que tange à alínea qualificadora atinente à utilização de meio insidioso, refere Figueiredo Dias, in obra citada, "todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno – do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto." ou como refere Maia Gonçalves in Código Penal, Anotado a fls. 466 da l0ª ed., "os meios aleivosos, traiçoeiros e ou desleais", que dessa forma tomam especialmente difícil a defesa da vítima.
Por último e relativamente à circunstância qualificadora prevista na al. j), refere-nos este ilustre professor a fls. 467, que: "É, certamente, esta uma das circunstâncias mais fortemente indiciadoras da especial censurabilidade ou perversidade do autor do crime de homicídio voluntário... Note-se que a premeditação pode agora existir independentemente de reflexão e de persistência no tempo durante período definido, como se fazia no art. 352º do CP de 1886. Basta, para que ela exista, que o agente actue com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados. Nisto se encontra a essência da premeditação. Nesta formulação teve manifesta influência a lição do Prof. Eduardo Correia, autor do Projecto, in Direito Criminal, II, 1965, pags. 301-303: "... É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal maneira intensa que o agente, largo tempo depois de tomar a resolução, pratica o respectivo crime sem hesitação como mero déclencher da decisão tomada prévia e longinquamente. Certo que o critério referido envolve uma relativa margem de incerteza, na medida em que o tempo de permanência de uma resolução previamente tomada, até à sua execução, considerado necessário para revelar uma especial perigosidade ou a possibilidade de uma normal intervenção de contra-motivos, só pode ser fixado por apelo às regras da experiência. Mas isto corresponde à natural fragilidade de todos os conceitos que se relacionam com os factos humanos e pode ser corrigido pela existência formal da fixação de um certo lapso de tempo, especialmente quando à premeditação correspondam efeitos agravantes particularmente graves".
Aqui chegados, cumprirá agora, na subsunção dos conceitos e tipo legal de crime atrás descrito à factualidade provada, fazer os seguintes considerandos:
Da análise da factual idade provada constata-se que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados o arguido A... encontrando-se o seu pai ... adormecido no sofá da sala, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características (…). E, acto contínuo, munido do aludido objecto, dirigiu-se para o sofá onde se encontrava seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir-lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto daquele ....
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia e designadamente (…).
Tais lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais, causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, feitas de cima para baixo, e da frente para trás, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
Analisado o bosquejo factual acabado de descrever, parece-nos clara a imputação ao arguido do crime de homicídio que lhe vem imputado. Porquanto, actuou com o propósito concretizado e por forma idónea a produzir o resultado morte, através do desferimento de repetidos golpes com uma catana na cabeça de seu pai (utensílio adequado à produção do resultado) e da forma como os efectuou (posicionamento e direccionamento dos mesmos), querendo a morte, a nível subjectivo, que efectivamente se verificou de imediato, em resultado das lesões causadas pela sua actuação, o que tudo fez de forma livre, voluntária e consciente.
Assim, incorreu o arguido na prática de um crime de homicídio, com dolo directo.
A questão que se coloca de seguida, é a de saber se se mostram preenchidas, na situação vertente, as qualificativas que vêm imputadas à conduta do arguido.
E desde logo, não poderemos deixar de concluir em sentido afirmativo, ainda que não em relação a todas elas.
Concretizemos, fazendo apelo mais uma vez à factual idade provada nos autos:
Resulta indubitável a verificação objectiva da primeira alínea, o arguido é filho da vítima .... Mas será que da factualidade exposta se pode concluir em concreto pela verificação de um juízo de culpa especialmente agravado, decorrente da não inibição pelas contra-motivações éticas decorrentes do laço de parentesco de filiação existentes.
Entendemos que sim. Efectivamente, escalpelizada toda a factualidade que vem apurada nos presentes autos não encontramos subjacente à conduta do arguido uma motivação fundada que nos permita julgar "justificada" a extrapolação dos motivos inibitórios em causa na qualificativa em apreço.
Não nos podemos esquecer do contexto situacional/vivencial desta família e de alguma disfuncionalidade claramente percepcionada dos factos provados. Todavia, estamos no âmbito da vivência num meio mal, serrano, onde os valores e conceitos de autoridade da figura paterna, disciplina, respeito e educação assumem ainda hoje uma valorização e intensificação diversa daquela que é percepcionada e vivida no meio citadino.
Esta percepção revela-se importante à exacta compreensão dos vínculos familiares em causa e da razão pela qual entendemos que no caso em apreço a conduta do arguido se mostra reveladora de uma especial censurabilidade pelo não respeito dos motivos inibidores dos laços parentais existentes. Senão vejamos: No fatídico dia dos factos a família jantou normalmente. Apenas uma ocorrência veio alterar o rumo daquela noite. A interpelação que a vítima fez a seu filho e ora arguido, na sequência de uma deslocação à escola, onde havia sido informado que este tinha começado a fumar e a advertência, ainda que tida como ameaçadora, diremos, de que a partir dali iria haver um controlo mais intenso da actuação deste. O arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
Naquela noite, nada mais de relevante se passou. Não há relato de agressões físicas ou mesmo de uma discussão mais acesa.
Sabemos que o relacionamento do arguido com seu pai não era próximo, era mesmo distante e frio, que este criticava frequentemente a mãe do arguido o que era factor de descontentamento do arguido, e que havia desentendimentos frequentes pelas críticas que seu pai lhe fazia, considerando-o o arguido uma pessoa autoritária e controladora. Que a família se havia posicionado em duas facções, de um lado o arguido, a mãe e seu irmão C...e do outro seu pai, em cuja presença o arguido evitava estar. Todavia, o quadro descrito e mesmo o conflito latente não permite apresentar motivação susceptível de abalar os laços filiais que estão subjacentes na protecção visada pela circunstância qualificadora em apreciação.
Terminado o jantar, o arguido manteve-se na sala onde seu pai via televisão, o que fez, não obstante a subida aos quartos de sua mãe e seu irmão, manteve-se sentado numa cadeira à mesa, a reflectir sobre a sua vida, altura em que formula o propósito de matar seu pai. Para o efeito, espera que aquele adormeça e assim que tal sucede, dirige-se ao armário da cozinha e daí retira uma catana, que tinha ponderado e decido utilizar para aquele efeito. Munido de tal objecto, dirige-se para o sofá onde o pai se encontrava adormecido e colocando-se em pé, atrás da cabeça daquele, empunha a catana com a mão direita e desfere-lhe diversos golpes na cabeça de cima para baixo, não reagindo sequer à reacção daquele, única que teve, de levar a mão à cabeça. Tais golpes desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto de seu pai ..., conduzindo à sua morte.
O bosquejo factual referido é elucidativo da intensidade da violência na agressão perpetrada, aliás claramente evidenciada nas fotografias juntas aos autos, fora de qualquer contexto de normalidade face ao acto de matar. A actuação do arguido foi violentíssima.
Mas, compulsado o quadro factual apurado, qual o motivo que a desencadeou? A verdade é que, independentemente de existir um ambiente familiar disfuncional, não vislumbramos qualquer razão justificativa contemporânea da sua actuação, capaz de permitir justificar tão violento acto.
O descontentamento do arguido pelo maior controlo que o pai se lhe propunha efectuar, o cerceamento da sua liberdade fora de casa, a frieza e distanciamento existentes, a autoridade e autoritarismo exercidos por aquele, não são e não podem ser no caso concreto, a nosso ver, susceptíveis de abalar o vínculo filial e justificar o não respeito dos motivos inibitórios do crime daquele decorrentes.
É por tudo isto que não poderemos deixar de considerar verificada a especial censurabilidade da conduta do arguido por este ser descendente da vítima.
Mostra-se assim verificada a qualificativa prevista na alínea a) do artigo 132º do Código Penal.
No que se refere a meio insidioso, circunstância qualificadora prevista na alínea i) do artigo 132º e fazendo apelo às considerações que supra tecemos, entendemos que também esta alínea se mostra verificada concretamente na situação em apreço.
Na verdade, atentando na concreta actuação do arguido na perpetração dos factos, não poderemos deixar de considerar que o arguido ao actuar do modo descrito, o fez, de modo a não deixar à infeliz vítima, seu pai, qualquer possibilidade de defesa, de reacção, ao acto violento por si perpetrado. Actuando por trás e enquanto seu pai dormia, desferindo-lhe golpes violentos na cabeça, de cima para baixo, com uma catana, actuou o arguido de modo oculto, encoberto, à falsa fé, de forma sub-reptícia e dissimulada, que não pode, a nosso ver, deixar de considerar-se especialmente censurável, no contexto em questão.
Já no que se refere à última alínea imputada, o nosso juízo valorativo é diferenciado.
Na verdade, estando na base da frieza de ânimo e da reflexão sobre os meios empregues a firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada, atentando nos factos provados, afigura-se-nos que no caso em apreciação não podemos concluir pela verificação de tal qualificativa.
Com efeito, o circunstancialismo em que tudo ocorre é temporalmente limitado àquela noite e local. Os factos sucedem-se, desencadeiam-se na sequência da discussão/interpelação ocorrida, sem que se possa extravasar para uma reflexão temporalmente alongada sobre a decisão tomada pelo arguido, que lhe permitisse avocar motivos inibidores susceptíveis de o fazer desistir dos seus desígnios.
Não existem quaisquer factos provados que nos permitam concluir que o arguido formulou a sua resolução antes daquele momento, antes daquela fatídica noite, e que portanto tivesse a oportunidade de reflectir e inverter o seu caminho.
E, se bem julgamos, é nessa possibilidade não aproveitada de desistir do desígnio e de sendo-lhe facultada essa oportunidade não se deixar influenciar pelos contra-motivos sociais e ético jurídicos, que está a base da especial censurabilidade vertida na qualificativa em apreço, reveladora de uma maior intensidade da vontade criminosa.
Mas, para o efeito, exige-se que temporalmente se conceda ao agente um período entre a resolução e a execução do acto, capaz de lhe proporcionar o tempo necessário a reflectir de modo a possibilitar a desistência da decisão previamente tomada.
Ora e pese embora se verifique da factualidade provada que o arguido congeminou a morte de seu pai e decidiu os meios aptos a esse fim, é esse tempo necessário de avaliação dos contra-motivos e de se poder determinar por eles que entendemos não se verificar no presente caso. Já que conforme começámos por salientar o desencadeamento do acto, decisão e desfecho foram sucessivos e temporalmente próximos.
Entendemos, assim, não se mostrarem reunidos os pressupostos para considerar verificada, no caso em apreço, uma especial censurabilidade pela verificação da circunstância qualificadora prevista na alínea j) do artigo 132°, do Código Penal.
Em sede conclusiva e perante todo o exposto, temos por verificada a prática pelo arguido de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132° n.º e 2. alíneas a) e i), todos do Código Penal.
(…)”.
E) E a seguinte fundamentação de direito quanto à determinação da medida concreta da pena:
“ (…).
Feito o enquadramento jurídico dos factos haverá que proceder à escolha e determinação da medida da pena a aplicar.
O artigo 40° do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Na ponderação da pena a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios consignados no artigo 71º do C. Penal e, designadamente, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio "nulla poena sine culpa" e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana. A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena. Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
Conforme referimos supra, o crime homicídio qualificado é punível com pena de prisão de 12 a 25 anos.
Vertendo agora a nossa atenção sobre os concretos factores de medida da pena, previstos no nº 2 do artigo 71° do Código Penal, há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é bastante acentuada, tendo em conta o interesse protegido – a vida, bem supremo; a concreta forma de actuação do arguido, reiterada e determinada e a sua violentíssima execução; o meio empregue, a catana, meio particularmente perigoso e apto à finalidade visada; o contexto em que os factos foram praticados e os motivos que lhe estiveram imediatamente subjacentes, que no contexto apurado são insusceptíveis de se apresentar como de algum modo justificadores ou compreensíveis de tão violenta conduta.
Ao dolo, na sua forma de dolo directo, o arguido conhecendo o carácter ilícito da sua conduta quis praticar os factos.
Deverá atender-se, outrossim, ao contexto intra-familiar no qual os actos são praticados, à evidenciada disfuncionalidade no relacionamento entre os seus membros, conotado com alguma frieza e afastamento, e conflitualidade latente resultante da não aceitação do autoritarismo e controle exercido pela vítima sobre o arguido. De salientar ainda que o arguido sentia-se com o relacionamento distante existente entre sua mãe e seu pai e pelas críticas que este frequentemente fazia àquela, o que permite de algum modo atenuar o juízo de culpa.
Em favor do arguido a sua boa e manifesta inserção social e escolar, na qual tem vindo a ter um bom desempenho curricular, tendo concluído, entretanto, o 10° ano de escolaridade.
É bem considerado por aqueles que com ele privam, tido como bem educado, pessoa reservada e ordeira.
Ainda em seu favor, a confissão que dos factos fez em audiência, embora, conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético, não se possa afirmar que o arguido sinta verdadeiro arrependimento pelo acto cometido, ou de algum modo, expresse sentimento de sofrimento pela morte de seu pai, que considera libertadora da família.
Em favor do arguido, ainda o facto de não ter antecedentes criminais.
A considerar, por último, as acentuadas necessidades em termos de prevenção geral, atentas as fortes exigências de tutela do bem jurídico violado, a vida, bem supremo e mais precioso, em termos de reforçar a confiança da comunidade na validade e vigência das normas que a protegem, e que atenta a relação de filiação existente, se fazem sentir ainda com mais intensidade, sobretudo em tempos como os que vivenciamos hoje em dia, em que se assiste a um crescente desvalor e desrespeito pela vida humana. É outrossim, um crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, o que intensifica as exigências de reafirmação da norma violada.
Antes de avançarmos cumpre referir que à data dos factos o arguido contava 16 anos de idade.
Cumpre assim e antes de mais, aferir da aplicação do Dec. Lei n. 401/82 de 23 de Setembro relativo aos jovens adultos.
Dispõe o seu artigo 4º que "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73° e 74° do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado."
O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial da pena centra-se fundamentalmente na importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do jovem condenado.
Nesse juízo deve começar por se ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável; depois, o tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem. Haverá, assim, que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
Atendendo a que o arguido à data dos factos tinha perfeito 16 anos há poucos meses, que este não tinha antecedentes criminais, é um jovem socialmente inserido, bem considerado, tido como educado, pessoa reservada e ordeira, atento ainda o circunstancialismo concreto que rodeou a prática dos factos, poderemos concluir que in casu a aplicação de tal regime traz sérias vantagens para a sua ressocialização e reinserção social, a que não se sobrepõe a indiscutível gravidade dos factos em que interveio.
Pelo exposto, entendemos aplicável ao arguido o regime penal especial para Jovens.
Tendo em conta a sua aplicação e o disposto pelos artigos 72° e 73° do C. Penal, temos que a moldura penal do crime em apreciação, passa a ser de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão.
Tudo ponderado, considerando o que da generalidade dos factos sobressai sobre a personalidade do arguido, bem como a necessidade de prevenir a prática de futuras infracções e os limites fixados na lei, atendendo às circunstâncias dos factos, desvalor da conduta e suas consequências, bem como aos demais factores referidos, o tribunal considera ajustada a aplicação ao arguido da pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)”.
*
*
*

Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Como se disse, o arguido discorda da decisão do tribunal do júri proferida sobre a matéria, relativamente aos pontos 3, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 18 e 19 dos factos provados, ao ponto vertido na alínea b) dos factos não provados, e pretendendo ainda que seja considerada provada a confissão integral e o arrependimento.

A modificação da decisão de facto pelo tribunal de recurso depende, além do mais, de a prova ter sido impugnada nos termos do art. 412º, nº 3, do C. Processo Penal (art. 431º, b), do mesmo código). O recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus da tripla especificação, previsto neste nº 3, a saber: deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; deve especificar as provas que devem ser renovadas [quando disso for caso]. Tratando-se de provas gravadas, as duas primeiras especificações são feitas por referência ao consignado na acta, com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação (nº 4 do art. 412º, do C. Processo Penal).
O arguido deu cumprimento a este ónus, ainda que deva reconhecer-se que de forma não modelar. Com efeito, quer no corpo da motivação, quer nas suas conclusões, indicou especificadamente os factos, provados e não provados, que considera incorrectamente julgados, indicou outros factos que entende terem-se provado, e indicou as concretas provas em que fundam a sua dissensão, mas nem sempre ou melhor, quase nunca, fez constar, quer do corpo da motivação, quer das conclusões, os segmentos das declarações e dos depoimentos que considerou relevantes, com referencia aos respectivos tempos de gravação. Sendo, no entanto, claro, o sentido da impugnação apresentada, entendeu-se dispensar o convite previsto no art. 417º, nº 3, do C. Processo Penal, atenta a natureza dos autos, e por não subsistirem quaisquer dúvidas relativamente ao conteúdo da especificação omitida.
Nada obsta portanto, ao conhecimento do recurso amplo da matéria de facto, com o objecto e limites fixados pelo arguido, supra expostos.

2. Atentemos então no segmento da impugnação relativa aos factos provados.

2.1. O ponto 3 dos factos provados tem o seguinte teor:
- No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar. Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar.

O arguido discorda apenas de se ter considerado provado ter-lhe o pai dito, no decurso do jantar, que iria passar a controlá-lo diariamente, vigiando-o mesmo na escola, alegando que nem por si, nem por sua mãe e irmão tal havia sido dito. Por outro lado, resulta da motivação de facto do acórdão que a convicção do tribunal do júri foi alcançada com fundamento nas declarações do arguido.

Pois bem, ouvidas as declarações do arguido produzidas na audiência de julgamento [registadas no CD que acompanha os autos] delas resulta que, quanto a este concreto aspecto, por si foi afirmado, a interpelação da Mma. Juíza Presidente [entre os minutos 16:00 e 17:00, e sem qualquer dificuldade de audição], e em síntese, que durante o jantar, iniciado pelas 18h, o pai lhe disse que um terceiro lhe havia comunicado que o declarante andava a fumar, facto este que negou, apesar de ser verdadeiro, tendo a conversa sobre este assunto ficado por aí e que depois do jantar, já passava das 19h, é que o pai começou de novo a falar no assunto e lhe disse que ia passar a ir à escola para o controlar. Já a instâncias do seu Ilustre Defensor [entre 01:00:15 e 01:00:50].
Ouvido o depoimento da testemunha B..., mãe do arguido, dele resulta ter apenas um conhecimento vago do teor da conversa havida durante ao jantar [o marido tinha ido à escola e aí disseram-lhe que o filho se tinha portado mal], e nada saber o que aconteceu logo a seguir ao jantar por se ter ido logo deitar, deixando o marido e os dois filhos na sala.
Finalmente, ouvido o depoimento da testemunha C..., irmão do arguido, dele resulta ter a testemunha descrito o que designou de uma discussão entre o seu pai e o irmão por causa do mau comportamento deste na escola mas, para além de uma referência vaga a pretender o pai vigiar o arguido, nada mais de concreto disse.
Assim, se é certo que nenhuma das testemunhas mencionadas referiu o aspecto impugnado, acabou por ser o próprio arguido quem afirmou o declarado propósito do pai em passar a controlá-lo, com idas à escola, por não concordar com os seus hábitos de consumo de tabaco.

Em conclusão, o ponto 3 dos factos provados tem pois pleno apoio na prova produzida pelo que se mantém nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.2. Os pontos 6, 7, 8 e 15 dos factos provados têm o seguinte teor:
- [6] Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto à mesa, a reflectir na sua vida, altura em que formulou o propósito de lhe tirar a vida;
- [7] Na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse;
- [8] Logo que o arguido se apercebeu que aquele ... adormecera no sofá, cerca das 22 horas, na concretização do desígnio já formulado de lhe tirar a vida, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 11,5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lamina de 33,5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão;
- [15] O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada, o que quis fazer na prossecução de um desígnio previamente congeminado, para cuja execução reflectiu e ponderou os meios a utilizar, bem como o local e o momento adequado para actuar.

O arguido discorda do que vem provado quanto ao momento em que formou o propósito de tirar a vida ao pai (pontos 6 e 7), quanto a ter aguardado que este adormecesse (ponto 8) e quanto à prossecução de um desígnio previamente congeminado (ponto 16), apoiando-se no teor das suas próprias declarações e na dinâmica da sua actuação, no período que mediou entre o jantar e o cometimento do homicídio.
Resulta da motivação de facto do acórdão recorrido que a convicção do tribunal do júri, quanto a estes concretos pontos de facto, foi alcançada com base nas declarações do arguido, conjugadas com a apreciação crítica feita de tais declarações à luz dos sentimentos manifestados e de alguns dados objectivos concorrentes, e com os traços da sua revelada personalidade.

Ouvidas as declarações do arguido produzidas na audiência de julgamento [registadas no CD que acompanha os autos, também sem qualquer dificuldade de audição] quanto a estes concretos aspectos, delas resulta, em síntese, ter o mesmo dito:
[A perguntas da Mma. Juíza Presidente]
- A mãe e o irmão estavam a ver televisão e o pai fazia o mesmo sentado no sofá; a cozinha e a sala da casa são ligadas; o declarante e a mãe estavam sentados à mesa e o irmão junto à lareira; estiveram assim algum tempo, tendo subido primeiro, para o quarto, o irmão e depois, a mãe;
- O declarante, que costumava deitar-se pelas 23h ficou a ver televisão e começou a pensar na vida, no que já tinha passado, no que o pai tinha feito a todos, à família, e foi uma espécie de explosão de sentimentos que acabou da pior forma;
- Supõe que, enquanto pensava o pai ainda estava acordado, mas quando deu por si, por volta das 22h30, já tinha aquilo na mão, queria parar e não foi capaz; na altura, não pensou em nada, só se lembra de ter a catana na mão; a catana pertencia ao pai, estava num armário na cozinha, mas não se lembra de a ter ido buscar;
- Não esperou que o pai adormecesse, ele acabou por adormecer; os pensamentos que teve foi de raiva para com o pai, mas não o de o matar, isso não era solução, nunca pensou nisso mas foi o que aconteceu; quando se viu com a catana na mão dirigiu-se ao pai, não sabia que ele estava a dormir, mas ele estava quieto e parecia que dormia, e foi quando começou, queria parar e não foi capaz, tinha consciência do que estava a acontecer e não conseguiu parar; o pai levantou o braço mas baixou-o logo, deu-lhe com a catana na cabeça quatro ou cinco vezes;
- Hoje, não consegue dar uma explicação para ao sucedido; quando terminou ficou com medo, estava com sangue, queria sair dali, pousou a catana numa cadeira e saiu a correr; o pai não gritou, o declarante não gritou, só a televisão estava a trabalhar e quem estava na casa não se apercebeu; não sabe as horas a que saiu de casa, mas foi para o posto da GNR, a mais de 20 km, onde chegou depois das 2h da manhã [sensivelmente, de 17:46 a 35:00];
[A perguntas do Digno Procurador da República]
- Depois da mãe e de o irmão se terem ido deitar o declarante e o pai não voltaram a falar e assim ficaram uma ou duas horas, estava sentado a pensar e foi ao armário buscar a catana que a mãe usava para cortar carne;
- O pai estava sentado, de costas para si, e foi de costas que dele se aproximou, ele não se mexia e pensa que estava a dormir;
- O declarante costumava estudar no quarto mas nesse dia, como o pai se tinha queixado do seu aproveitamento escolar e para ele ver que estudava, ficou ali a fazer os trabalhos; era frequente o pai ficar a ver televisão e adormecer [sensivelmente, de 52:00 a 57:30];
[A perguntas do Ilustre Defensor]
- Demorou cerca de uma hora a concluir os trabalhos; foi depois disto, quando começou a ver televisão, no intervalo do que estava a dar, que lhe vieram as emoções ao de cima [sensivelmente, de 58:40 a 59:50].
Enquanto meio de prova, as declarações do arguido estão sujeitas ao princípio da livre apreciação, previsto no art. 127º, do C. Processo Penal, sendo portanto apreciadas, de acordo com as regras da experiência, com as presunções naturais, e a livre, mas fundamentada, convicção do julgador.
A formação do propósito ou da resolução criminosa é um facto interior ou subjectivo, um mero processo psíquico e, nessa medida, não é directamente percepcionável ou apreensível por terceiros. Por isso, a sua demonstração dependente da existência de declarações processualmente valoráveis, de uma confissão, e ou conjugada com factos exteriores, com factos objectivos e com as regras da experiência.
Como se viu, o arguido admitiu ter atingido o pai na cabeça, diversas vezes, com uma catana. Não obstante a compreensível relutância, tendo em conta na data dos factos tinha 16 anos de idade e que a vítima era o seu progenitor, em admitir a intenção de causar a morte do pai, considerando a zona corporal repetidamente atingida, onde se aloja, como é do conhecimento geral, o cérebro, órgão essencial à vida, e o concreto instrumento usado – uma catana com 33,5 cm de comprimento – é evidente, à luz das regras da experiência, que o arguido quis causar a morte do pai.
Ao fazer o exame crítico da prova, o tribunal do júri, discorrendo sobre as circunstâncias em que o arguido formou este propósito, avisadamente alertou para nada, no relato feito pelo arguido do sucedido apontar para um acto impulsivo e impensado, fruto de um momentâneo descontrolo. Como dissemos, compreende-se a dificuldade do arguido em verbalizar os momentos que antecederam a agressão, mas o facto de, estando sentado à mesa da cozinha, se ter levantado para ir ao armário buscar a catana, só pode significar, neste contexto, que esta sua conduta era já direccionada para aquele propósito criminoso. Ora, tendo o arguido afirmado que, depois de terminados os trabalhos escolares, começou a pensar na vida, no mal que o pai lhe tinha feito a si e a toda a família, e que teve então uma explosão de sentimentos, o de raiva incluído, tudo isto, como também precisou, quando começou o intervalo do programa a que assistia na televisão, a que se seguiu ir buscar a catana, é lógico e completamente razoável, à luz das regras do normal acontecer, a conclusão tirada pelo tribunal a quo, de que formou o seu desígnio criminoso precisamente quando, no decurso daquele intervalo, começou a pensar na vida.
O arguido referiu também, como vimos, que era frequente o pai ficar a ver televisão e adormecer. Mas negou sempre que tivesse aguardado que o pai adormecesse para actuar, antes dizendo que lhe parecia que o pai estava a dormir porque não se mexia.
É muito provável que o adormecimento da vítima facilitasse a prática do crime, fosse pela impossibilidade de antever a agressão, fosse pela menor exigência imposta à conduta do arguido.
Porém, em nosso entender, os elementos objectivos disponíveis não permitem concluir pela espera do arguido, relativamente ao adormecimento do pai. Em primeiro lugar, embora se reconheça a fragilidade do argumento, porque, formulado que estava o propósito de lhe tirar a vida, não podia o arguido ter a certeza de que, naquela noite, o pai adormeceria. Em segundo lugar, e é o que temos por mais relevante, porque não é possível estabelecer, com um mínimo de rigor, o tempo que mediou entre o formular do propósito criminoso, o momento em que este se tornou irrevogável, e o momento em que o arguido executa a acção, munindo-se da catana, como não é sequer possível saber se a vítima estava, efectivamente adormecida, e se, estando-o, quando entrou nesse estado, se antes ou depois da resolução do arguido.
Esta zona menos clara das circunstâncias que rodearam a actuação do arguido só pode ser decidida a seu favor, o que significa que, por se entender não ter o ponto 7 dos factos provados suficiente respaldo na prova produzida, se elimina dos factos provados, passando a constar dos não provados.
Quanto ao mais, os pontos 8 e 15 dos factos provados, nos segmentos, «desígnio já formulado» e «desígnio previamente congeminado», respectivamente, deverão ser referidos apenas ao ponto 6 dos mesmos factos e, mais precisamente, ao segmento, «formulou o propósito de lhe tirar a vida».

Em conclusão, o ponto 7 dos factos provados passa a facto não provado, e os pontos 6, 8 e 15 dos factos provados, porque têm pleno apoio na prova produzida, são mantidos nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.

2.3. O ponto 12 dos factos provados tem o seguinte teor:
- Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás.

Diz o arguido que o que ficou provado, das suas declarações e do relatório da autópsia, é que as lesões da vítima foram provocadas de cima para baixo, mas não da frente para trás, pois isso pressupunha que se tivesse interposto entre o pai e a televisão e assim, agido de frente para este, o que não sucedeu, e é contraditório com o ponto 16 dos factos provados.

Ressalvado sempre o devido respeito, o arguido incorreu em manifesto equívoco.
No ponto 12 sindicado não se diz que o arguido actuou colocado em posição frontal relativamente à vítima. O que se diz é que as lesões que a vítima apresentava, todas na face e no crânio, note-se, foram feitas da frente da vítima para trás da vítima ou seja, do rosto para o crânio. E fácil é perceber a razão de tal ter sucedido.
Com efeito, o arguido afirmou que o pai se encontrava sentado no sofá, quieto, adormecido ou não. Mais afirmou que, munido com a catana, se aproximou do pai pelas costas deste e foi nesta posição, que o atingiu repetidamente na cabeça, com o referido instrumento que tinha uma lâmina de mais de 30 cm de comprimento. Sendo uma evidência que o arguido, porque em pé, estava num nível bem superior ao da cabeça do pai, os golpes foram desferidos de cima para baixo, e da frente, do rosto da vítima, para trás, para o crânio, porque foi precisamente dessa forma que o arguido o atingiu, e é precisamente assim que alguns dos ferimentos se encontram descritos no relatório da autópsia, donde transitaram para o ponto 10 dos factos provados [(…) ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento (…)].
Face ao que fica dito, evidente se torna não existir qualquer contradição entre este ponto de facto, e o ponto 16 dos factos provados, pois que é inquestionável que o arguido se encontrava atrás do pai, quando o atingiu na cabeça.

Em conclusão, o ponto 12 dos factos provados tem pleno apoio na prova produzida pelo que se mantém nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.4. Os pontos 18 e 19 dos factos provados têm o seguinte teor:
- [18] O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era distante e frio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo frequente, procurando o arguido evitar estar na presença do mesmo, que considerava autoritário e controlador;
- [19] O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente, facto de descontentamento para o arguido.

Pretende o arguido que se considere provado que a violência doméstica a que a vítima sujeitava toda a família esteve na origem da sua actuação, indicando como meios de prova que a tanto impõem, as suas próprias declarações, os depoimentos da sua mãe e do seu irmão, e ainda o depoimento da psicóloga que o tem acompanhado.
Nesta sequência, entende que o ponto 8 dos factos provados deve passar a estar assim redigido: «Por razões não concretamente apuradas, mas a que não serão alheios o ambiente de violência doméstica que se vivia na casa e os abusos sexuais de que o arguido foi vítima anos antes, cerca das 22 horas, o arguido dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada (…)». E pretende também aditamentos aos pontos 18 e 19, passando a considerar-se como provado, no essencial, e para além do que destes já consta, que a vítima agredia verbalmente a mulher por ela ser doente, o que muito desgostava o arguido e o irmão, que a vítima não permitia o relacionamento da mulher e dos filhos com a restante família e outras pessoas da aldeia e que tudo isto, juntamente com os abusos sexuais de que foi vitima, levou a que os laços de filiação estivessem fortemente esbatidos.

Sem prejuízo do que adiante se dirá sobre os abusos sexuais, cabe desde já deixar claro que a violência doméstica não é um facto mas um conceito, e que o esbatimento dos laços de filiação será uma conclusão a extrair de factos, caso se provem. Por último, não vemos que as referidas características de personalidade da vítima possam ser atestadas pela testemunha E… a qual, embora psicóloga, foi muito clara quando, no depoimento que prestou, afirmou que tais características lhe foram transmitidas pelo arguido, pela mãe e pelos irmãos [sensivelmente, de 09:00 a 10:20], e não conhecer sequer a vítima [sensivelmente, de 29:40 a 31:00].

Quanto ao mais, o arguido afirmou que a mãe padece da doença de Parkinson há já vários anos, tendo crises que a impedem de caminhar, doença que o pai nunca aceitou e de que tinha vergonha e por isso, não só gritava com ela, como não a apoiava e também não a ajudava, e que o pai é que insistia em falar com ele, com a mãe e com o irmão, embora tivesse destruído a família e a deixasse em má situação económica. A testemunha B... confirmou padecer de Parkinson há dezassete anos sofrendo crises graves que a paralisam, disse que nessas ocasiões o marido, que era agressivo, lhe ralhava, dizendo que se tivesse dinheiro a mandava para longe, e que se queixava deste mau relacionamento com o marido aos filhos. Mais assertivo foi o depoimento da testemunha C... para quem o pai era uma pessoa maldosa que perdia as estribeiras, com excessos de linguagem para a mulher e os filhos, ainda que com o mais velho fosse diferente, que foram piorando com a evolução da doença daquela, e com o agravamento da situação financeira que tornou impossível o convívio familiar.
Por outro lado, o arguido e o irmão, C..., coincidiram em que a agressividade do pai era apenas verbal, pois nunca os agredira, nem agredira a mãe.
Finalmente, as declarações do arguido e os depoimentos da mãe, B..., e do irmão, C..., são coincidentes quanto à oposição da vítima em que contactassem com os irmãos e demais familiares da B... [a vítima não tinha ali família de origem, sendo natural de outro concelho], por razões que se prenderam com o uso dado a dinheiro da sogra da vítima e partilhas, mas nada foi referido quanto a contactos com outras pessoas.

Assim, determina-se que aos factos provados sejam aditados os pontos 19-A e 19-B, com as seguintes redacções, respectivamente:
- O ... não aceitava a doença – Parkinson – de que padecia a mulher, e por isso, tratava-a rudemente, gritando com ela e não a ajudando nas crises de que padecia, o que muito desgostava o arguido;
- O ... não permitia o relacionamento do arguido, do irmão e da mãe, com a demais família desta, por desentendimentos causados por dinheiros e partilhas.

3. Passemos agora ao segmento da impugnação relativa aos factos não provados.
O facto não provado b), tem o seguinte teor:
- Que o arguido fosse vítima de abusos sexuais pelo pai aos 10/11 anos de idade.
Pretende o arguido que se considere provado que, «Entre os anos de 2005 e 2006, durante vezes não concretamente apuradas, o ofendido abusou sexualmente do arguido A..., obrigando-o a práticas sexuais de masturbação e prática de acto sexual oral.», com fundamento nas suas declarações, no depoimento da testemunha E...Mendes, num muito limitado segmento do depoimento de sua mãe, B..., e na circunstância de esta ter sido a sua versão, desde que, na madrugada do dia 25 de Janeiro de 2011, se apresentou no posto da GNR, nada havendo que possa descredibilizar as suas declarações, por espontâneas e coerentes.

Relativamente a este concreto facto, o tribunal do júri, expôs o processo de formação da sua convicção – ausência de prova suficiente e consistente dos abusos – discorrendo sobre a inexistência de aparência da ocorrência dos abusos sexuais para os membros do agregado familiar – conforme o depoimento de C... – não obstante as óptimas relações existentes entre o arguido, aquele seu irmão e a mãe de ambos, sobre a ausência de dados objectivos que indiciassem a situação, v.g., a exteriorização comportamental do arguido, o deficit de aproveitamento escolar, ou lesões traumáticas os vestígios delas – negadas pelo relatório pericial de fls. 632 a 633, e sobre a inusitada cessação de tais comportamentos pela vítima, para concluir que as declarações do arguido, por si sós, não permitiam sustentar a prova do facto.

Já vimos que as declarações do arguido estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova. Por outro lado, é sabido que nos crimes sexuais as declarações do ofendido assumem, em regra, importância fundamental, dada a frequente inexistência de outros meios de prova. Tal não significa, porém, que baste a sua simples afirmação pelo ofendido para que se tenha o crime por provado. Bem pelo contrário, precisamente porque muitas vezes não existem outros meios de prova que as sustentem, as declarações da vítima devem ser escrupulosamente testadas, prevenindo o erro, que neste campo surge potenciado.
Pois bem, a mãe do arguido limitou-se a dizer que desde o início da sua doença deixou de existir relacionamento sexual entre o casal. O depoimento da testemunha E...é, quanto aos abusos sexuais, baseado no que lhe foi relatado pelo próprio arguido, mas não deixou de realçar a sua existência com a falta de relacionamento sexual do casal [sensivelmente, de 10:30 a 13:20]. Já a testemunha C... confirmou a relação muito próxima que tinha, e tem, com o arguido, e o seu desconhecimento de qualquer situação de abuso sexual que, aliás, o irmão nunca lhe confidenciou, nem dela desconfiou. Restavam as declarações do arguido, que situaram os abusos pelos 11 a 12 anos, durante cerca de um ano e uma a duas vezes por mês, nunca tendo contado o sucedido por ter medo e por o pai dizer para o não fazer, e tendo os abusos simplesmente terminado [sensivelmente, de 35:00a 46:00].
Perante a insuficiência da prova testemunhal, o tribunal a quo explicou de forma lógica e sustentada as razões que o levavam a desconsiderar as declarações do arguido. E se é certo que este manteve a mesma versão desde que se apresentou à autoridade policial, não deixa de impressionar que, num ambiente familiar disfuncional e profundamente fracturado, que colocava o pai, num lado, e a mãe e os filhos, no outro, ambiente que se agravava com o passar dos anos, o arguido, que tinha, e tem, um profundo relacionamento com a mãe e com o irmão C...nunca tenha contado a qualquer deles os ditos abusos. Para além disso, igualmente impressiona que só o tenha feito, e não aos familiares próximos, mas a terceiros, depois de ter morto o pai.
Em conclusão, porque foi o tribunal do júri quem beneficiou da imediação da prova e porque, quanto a este concreto aspecto de facto, a decisão proferida se mostra lógica e racionalmente motivada, e se não vislumbra a violação de qualquer regra da experiência comum, não merece a mesma censura.

4. Finalmente, atentemos na pretendida prova da confissão integral e do arrependimento.
A confissão é, enquanto parte integrante das declarações do arguido, um meio de prova. Ela pode ser integral, sem ou com reservas, quando abarca todos os factos imputados na acusação, e parcial.
A confissão, integral ou parcial, é também, em nosso entender, um facto, com relevo, se bem que, com diversa ponderação, para e escolha e determinação da medida da pena e, como tal, deve constar dos factos provados, quando tenha acontecido.

A confissão do arguido, integral ou parcial, não consta dos factos provados. Mas relevou para a determinação da medida da pena, como indubitavelmente resulta da motivação de facto do acórdão em crise.
Com efeito, o tribunal do júri começou por dizer que a sua convicção se B...rçou na confissão parcial do arguido que, na sua perspectiva, terá admitido o acto em si e a sua consciência do mesmo, bem como o circunstancialismo envolvente, mas negou que o tivesse premeditado. Já na determinação da medida da pena, se refere, sem restrição, «a confissão que dos factos fez em audiência».

Nas declarações que prestou em audiência de julgamento, o arguido admitiu ter efectivamente morto o pai, e descreveu a forma como o fez – vários golpes de catana na face e crânio, desferidos pelas costas da vítima – mas negou ter pensado em praticar o acto nos momentos que o antecederam. Entendida a referência feita à premeditação pelo tribunal do júri, neste sentido, e só neste sentido [aliás, o tribunal excluiu a condenação do arguido pela alínea j), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal que, como é sabido, prevê a circunstância qualificativa premeditação] deve admitir-se que, negando o processo de construção da resolução criminosa, não tenha feito uma confissão integral.
No entanto, mesmo parcial, a confissão do arguido teve manifesto relevo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e por isso, enquanto facto, deve constar do acórdão, no lugar que lhe compete.

Relativamente ao arrependimento, sabido que é que só o arrependimento sincero, objectivado em actos que inequivocamente o demonstrem, conduz, nos termos do art. 72º, nº 2, c), do C. Penal, à atenuação especial da pena, não só o arguido se limita à sua invocação, sem indicar os concretos factos que o demonstram e isto, independentemente da sua prova.
É claro que o arguido, nas declarações finais, disse estar arrependido do que fez e temer as consequências que daí adviriam para a sua vida, mas não mais do que isto.
Logo, não estando provados factos reveladores do arrependimento sincero do arguido, não pode tal circunstância modificativa ser considerada provada.

Assim, determina-se que aos factos provados seja aditado o ponto 25, com a seguinte redacção:
- O arguido confessou parcialmente a prática dos factos, com relevo para a descoberta da verdade, e declarou-se arrependido.

5. Face ao antecede, e porque também se não evidencia no acórdão recorrido qualquer dos vícios, de conhecimento oficioso, previstos no nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos que seguem:

A) Factos provados:
1. O arguido A... é filho de ... e de B... e sempre viveu com estes e com o seu irmão C..., numa residência sita na Rua … , no concelho de WW..., área desta comarca.
2. O arguido sempre teve um relacionamento próximo com todos os membros do agregado familiar, excepto com o seu pai, ..., com quem tinha desentendimentos frequentes motivados pelas críticas constantes que este lhe fazia.
3. No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar. Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar.
4. Ao ouvir o que o seu pai lhe dissera, o arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
5. Terminaram o jantar e após terem estado durante algum tempo na sala a ver televisão, o seu irmão C... e a sua mãe B... de ., subiram, respectivamente, ao primeiro e segundo andar da referida residência e dirigiram-se para os seus quartos para pernoitarem, o que veio a suceder cerca das 21h30m, altura em que o arguido ficou a sós com o seu pai, na sala do rés-do-chão.
6. Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto à mesa, a reflectir na sua vida, altura em que formulou o propósito de lhe tirar a vida.
8. Logo que o arguido se apercebeu que aquele ... adormecera no sofá, cerca das 22 horas, na concretização do desígnio já formulado de lhe tirar a vida, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 11,5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lamina de 33,5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão.
9. Acto contínuo, munido do aludido objecto, o arguido dirigiu-se para o sofá onde se encontrava adormecido o seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir-lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto daquele ....
10. Em consequência da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia de fls.415 e sgs., cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, ântero-inferior à previamente descrita, frontoparietal direita, com treze centímetros de comprimento; ferida corto- contundente rostrocaudal, ântero-inferior à previamente descrita, desde o terço médio do dorso do nariz (metade esquerda) até à região frontal (para mediana direita), passando pela glabela, com treze centímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal distando lateralmente uns milímetros da anteriormente descrita, desde o rebordo orbitário direito até a porção posterior da região frontal (para mediana direita) com onze centímetros de comprimento; várias feridas corto-contundentes na região nasogeniana esquerda, atingindo o dorso do nariz (metade direita), oblíquas de cima para baixo da direita para a esquerda, a maior com oito centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a parte média do lábio inferior até à região temporal direita com exteriorização da massa encefálica, com vinte e cinco centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a região bucal direita até ao pavilhão auricular direito alcançando o antihélix (terço superior), com cento e treze milímetros de comprimento, de bordo anterior afilado e com concavidade voltada para baixo, apresentando o bordo posterior um entalhe transversal milimétrico e existindo uma escoriação milimétrica no hélix correspondente; fractura de vários ossos do crânio e da face à direita; hematoma subdural e hemorragia subaracnóide à direita; laceração do parênquima encefálico à direita, rodeado de focos de contusão e presença de zonas hemorrágicas intraparenquimatosas à direita.
11. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais descritas (referidas no relatório de autópsia) causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
12. Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás.
13. Após, o arguido colocou a catana que utilizara para praticar os factos supra descritos numa cadeira, saiu da sua residência, caminhou pela rua principal daquela localidade, tendo largado os chinelos que calçava a cerca de 100 m de casa e percorreu, descalço, cerca de 30 km até ao Posto da GNR de WW..., onde chegou cerca das 3h00 da manhã do dia 25 de Janeiro de 2011 e contou que tinha morto o pai.
14. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito concretizado de tirar a vida a ..., bem sabendo que aquele era seu pai e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma catana – a repetição das pancadas, zona que visou no corpo da vítima, atingiria, como atingiu, órgãos vitais, sendo pois idóneos a produzir o resultado que pretendia.
15. O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada, o que quis fazer na prossecução de um desígnio previamente congeminado, para cuja execução reflectiu e ponderou os meios a utilizar, bem como o local e o momento adequado para actuar.
16. Sabia também o arguido que atacando ... da forma descrita (com uma catana enquanto este dormia no sofá, colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo) tomava impossível a defesa por parte daquele ....
17. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.
18. O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era distante e frio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo frequente, procurando o arguido evitar estar na presença do mesmo, que considerava autoritário e controlador.
19. O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente, facto de descontentamento para o arguido.
19-A. O ... não aceitava a doença – Parkinson – de que padecia a mulher, e por isso, tratava-a rudemente, gritando com ela e não a ajudando nas crises de que padecia, o que muito desgostava o arguido.
19-B. O ... não permitia o relacionamento do arguido, do irmão e da mãe, com a demais família desta, por desentendimentos causados por dinheiros e partilhas.
20. No relatório social elaborado ao arguido, foi consignado, para além do mais: "A... tem 18 anos, sendo o mais novo de três irmãos, O seu processo de desenvolvimento terá decorrido num ambiente educacional rígido, exigente e controlador, incutido por uma liderança autocrática do pai (vítima). Foi sempre considerado uma criança calma e adaptada, respeitadora, tal como os irmãos, das regras familiares e sociais, Iniciou com 5 anos um percurso escolar normativo em termos de comportamento e desempenho. Nunca reprovou ou lhe foram atribuídos comportamentos inadequados no relacionamento com colegas e professores, sendo-lhe reconhecida uma postura recatada, pacifica e bem aceite pelos pares. Por ter mudado de área curricular, à data dos factos encontrava-se a repetir o 10º ano de escolaridade, no ramo de Ciências e Tecnologia. No 1º período lectivo (imediatamente antes da data dos factos) tinha obtido um desempenho mediano, dentro do habitual. A sinalização de doença Parkinson à mãe do arguido, em 1998, veio a interferir na conjugalidade e na própria dinâmica familiar, acentuando um distanciamento afectivo já atribuído ao pai relativamente à mãe e contribuindo para uma certa cumplicidade/aliança afectiva entre esta e os filhos. Ao pai é apontada uma postura familiar de maior intolerância após a sua inactividade profissional por invalidez (2005), manifestada por atitudes de humilhação dirigidas sobretudo à mãe e ainda um controlo, entendido pelo arguido como excessivo, das actividades dos filhos (convivência, vigilância da proibição de uso de tabaco e álcool). Não indicia nem nunca lhe foi conhecidos quaisquer sintomas de perturbação psicológica ou psiquiátrica, conduta aditiva (álcool ou outras drogas) ou agressiva. Exibe uma postura calma, passiva e introvertida na relação interpessoal. Integra o agregado familiar de origem, coabitando com a mãe (de 56 anos, reformada por invalidez) e os dois irmãos (Ricardo. 21 anos, militar; Jorge, 1 9 anos, electricista). Beneficia de boas condições habitacionais em casa própria, sita num aglomerado pequeno, de características rurais. Existe um bom relacionamento familiar. Não são perceptíveis ressentimentos nem sentimentos de perda por parte dos elementos do agregado. Houve o reatamento de relações do agregado com os tios do arguido, que o visitam e têm apoiado regularmente. A actual situação económica é equilibrada, suportada pelos vencimentos dos irmãos do arguido (540 e 700 euros) e reforma da mãe (303 euros), totalizando um montante mensal líquido de cerca 1543 euros. As despesas fixas mensais (prestação de crédito habitação, água, electricidade, telefone e medicação da mãe) representam cerca de 420 euros. Desde a data dos factos que a mãe beneficia de apoio domiciliário assegurado pelo centro de dia local, consubstanciado em refeições diárias, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. No meio local persiste uma imagem positiva do arguido e ainda uma reacção de surpresa e ausência de explicação face aos factos dos presentes autos. O arguido sempre teve uma convivência social restrita, circunscrita ao espaço e ambiente escolar. Na actual medida de coacção (OPHVE) o arguido tem recebido visitas regulares por parte de colegas de escola e vizinhos. Iniciou neste contexto relação de namoro com uma colega de escola, facto que valoriza como experiência gratificante. Já na actual situação coactiva, através do regime "e-learning", concluiu com sucesso e classificações acima do habitual, o 10º ano. Presentemente encontra-se a frequentar em regime normal/presencial o 11º ano. Neste primeiro período lectivo tem revelado desinvestimento e um fraco desempenho escolar, apresentando resultados insuficientes a pelo menos 3 disciplinas, registando ainda demissão na execução dos trabalhos de casa. Já a nível de comportamento e assiduidade é referenciado como aluno exemplar."
21. Do relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido consta em sede conclusões, que: "– Estivemos perante um jovem adolescente sensível, com capacidade de se expressar e de se auto-analisar. – O seu nível intelectual e respectivo funcionamento cognitivo é compatível com padrões bastante superiores à média, garantindo a existência de raciocínio lógico e capacidade de adaptação. – Neste momento, parecer estar a revelar alguma vulnerabilidade emocional que se traduz em níveis de ansiedade-estado ligeiramente acima da média e presença de moderada sintomatologia depressiva. – Revelou possuir uma auto-estima conservada, bem como uma personalidade predominantemente introvertida e com estabilidade emocional. – Não foi detectada sintomatologia patológica que faça supor a existência de um transtorno de personalidade estrutural. – Para além de possuir uma personalidade que se pode considerar globalmente equilibrada, sem sintomatologia patológica que faça supor a existência de psicopatologia comportamental, o examinado evidenciou também possuir capacidade de auto-critica, sendo de prever que, no futuro, possa prosseguir adequadamente a sua história social, familiar e profissional."
22. O arguido não tinha antecedentes criminais.
23. O arguido é considerado um jovem educado, pessoa reservada e ordeira.
24. O arguido sente a morte do pai como "libertadora" da família.
25. O arguido confessou parcialmente a prática dos factos, com relevo para a descoberta da verdade, e declarou-se arrependido.

B) Factos não provados:
a) Que o arguido formulou o propósito de tirar a vida a seu pai no decurso do jantar, após ouvir o que o seu pai aí lhe dissera, e que na prossecução de tal desígnio aguardou quer terminassem o jantar e que sua mãe e irmão subissem aos quartos, para ficar a sós com o seu pai.
b) Que o arguido fosse vítima de abusos sexuais pelo pai aos 10/11 anos de idade.
c) Na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse.
*

Da incorrecta qualificação jurídica dos factos [face à modificação da matéria de facto]

6. Embora referindo a pretendida modificação da decisão da matéria de facto a uma diminuição da medida da pena aplicada, resulta da argumentação expendida pelo recorrente no corpo da motivação, que este, se bem o entendemos, questiona a própria qualificação do homicídio pela alínea a), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal, com fundamento na existência de violência doméstica que incluíam os próprios abusos sexuais, num quadro familiar de grande violência, que esbateram grandemente os laços filiais.

Como se viu, foi mantida a decisão de facto da 1ª instância quanto à não prova dos abusos sexuais. Por outro lado, os aditados pontos 19-A e 19-B dos factos provados ajudam a definir com mais precisão os contornos das crispações familiares existentes, mas não modificam, em grau e em intensidade, o que já resultava dos pontos 18 e 19 dos mesmos factos.
Posto isto.

A qualificação do homicídio no C. Penal é efectuada pela combinação da cláusula genérica de agravação, prevista no nº 1 do art. 132º – a especial censurabilidade ou perversidade do agente ou seja, um especial tipo de culpa – com a técnica dos exemplos-padrão, enunciados no nº 2 do mesmo artigo isto é, os exemplos padrão indiciam e explicitam o sentido da cláusula geral que, por sua vez, corrige o conteúdo objectivo daqueles.
É precisamente por isto que a verificação, no caso concreto, de um exemplo-padrão não significa, necessariamente, a realização do especial tipo de culpa e consequente qualificação do homicídio. Da mesma forma que a não verificação de qualquer exemplo-padrão não impede a qualificação do homicídio, desde logo porque o uso, no nº 2 do art. 132º, da expressão «entre outras» indica que não estamos perante um elenco taxativo. O que se exige é a verificação no caso concreto, de elementos substancialmente análogos aos tipicamente descritos que, embora não expressamente previstos na lei, correspondam ao sentido, desvalor e gravidade de um exemplo-padrão (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 26, Prof. Augusto Silva Dias, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, 2ª Ed., AAFDL, 2007, pág. 25 e ss., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 73, e Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, pág. 63). Nestas condições, porque se mostra plenamente respeitado o princípio da legalidade, é admissível o homicídio qualificado atípico.
Em suma, a qualificação do homicídio baseia-se num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade – atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas – ou perversidade – condutas que reflectem no facto concreto as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade – do agente, não sendo as circunstâncias qualificativas de funcionamento automático, nem o respectivo elenco taxativo.

Desta forma, em tese, é admissível que o agente que dolosamente causa a morte do progenitor, não veja a sua conduta qualificada como de homicídio qualificado pela alínea a), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal, designadamente quando, em concreto, existem situações que explicam e justificam que o agente tenha ultrapassado a barreira das contramotivações éticas inerentes aos laços mais apertados de parentesco, fazendo desaparecer a distância entre a determinação normal pelos valores e a determinação do agente que fundamenta a qualificação do crime.

6.1. Ora, in casu, e concordando com o decidido pela 1ª instância, reconhecendo-se embora a desarmonia, a disfuncionalidade, a indiferença, o desamor existente no agregado familiar, que afastava a mãe e os filhos – ou, pelo menos, dois – para um lado, e o pai, para o outro, não vemos que existam motivos suficientemente fortes para, justificando a conduta do arguido, afastar a qualificação. Não tanto, como parece ter entendido o tribunal do júri, por não vislumbrar qualquer razão justificativa contemporânea justificadora do acto, pois não raras vezes a conduta humana é o resultado de um acumular de tensões, mas porque pura e simplesmente não se provou a razão de o arguido assim ter actuado, sendo certo que, de todo o modo, nunca o descrito ambiente familiar seria por si só suficiente para afastar a qualificação.

6.2. Pretende ainda o arguido que também se não verificou a premeditação. Aqui, para além do que já sobre este aspecto se referiu, basta apenas dizer que, vindo acusado e pronunciado, também pela circunstância prevista na alínea j), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal, o tribunal do júri afastou esta circunstância, não sendo o arguido, a final, por ela sancionado.

6.3. Em conclusão, não obstante as alterações determinadas na matéria de facto, a conduta do arguido continua a ser qualificada como homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a) e i), do C. Penal.
*
Da excessiva medida da pena decretada, e da suspensão da respectiva execução

7. Pretende o arguido que a pena que lhe foi aplicada seja reduzida, invocando, para além do esbatimento dos laços familiares e da violência doméstica, o seu arrependimento e ainda a aplicação do regime penal dos jovens para, devendo a pena situar-se abaixo do patamar dos cinco anos de prisão e, ao que parece [face à referência ao juízo de prognose favorável e ao art. 50º do C. Penal como norma violada], suspensa na sua execução.

Antes de mais cumpre esclarecer que no acórdão recorrido foi entendido dever o arguido beneficiar do regime penal para jovens, previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, razão pela qual a pena decretada resultou de uma moldura penal abstracta especialmente atenuada.
Por isso, e ressalvado sempre o devido respeito, parece resultar de lapso o teor da conclusão LXIX.
Mas se assim não for ou seja, caso pretenda o arguido beneficiar de uma dupla atenuação especial da pena, em consequência do pretendido arrependimento, carece tal pretensão de fundamento porque, como vimos, não se encontra demonstrado o arrependimento sincero do arguido, e só este permite desencadear o mecanismo previsto no art. 72º, nºs 1 e 2, c), do C. Penal.

7.1. O tribunal do júri entendeu, e bem, aplicável ao arguido o regime penal para jovens, previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, na sequência do que, depois de ter determinado a moldura penal abstracta resultante da atenuação especial da pena ali prevista – 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses – lhe aplicou a pena de 9 anos e 6 meses de prisão.

Prevenção geral [protecção de bens jurídicos] e especial [reintegração social do agente], e culpa constituem as balizas a ter em conta na aplicação da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal). A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. A culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 214 e ss.).
A medida concreta da pena é dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização], mas sempre com o limite inultrapassável da medida da culpa. Podemos dizer, citando o Prof. Figueiredo Dias que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 81).

O critério de escolha da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal. Quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Escolhida a pena, há que fixar a sua medida concreta. A moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena. Tendo em conta estes limites, a determinação da medida concreta da pena é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).
Entre outras circunstâncias, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).
Posto isto.

7.2. É elevado o grau de ilicitude do facto e foi particularmente violento o modo da sua execução.
É elevada a intensidade do dolo com que o arguido actuou.

Militam a favor do arguido, a confissão que, ainda que parcial, teve relevo manifesto para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a ausência de antecedentes criminais, se bem que de escassíssimo valor atenuativo, quer porque é o que se espera de qualquer cidadão, quer pela sua pouca idade, e a sua inserção familiar, escolar e social.

A revelada personalidade do arguido – equilibrada, com estabilidade emocional, sem indícios de transtorno estrutural –, a sua capacidade intelectual acima da média, a sua capacidade de auto-crítica e a sua auto-estima, aliadas à assunção da sua culpa – como resulta quer da confissão, quer da declaração de arrependimento – fazem baixar significativamente as necessidades de prevenção especial.

Por outro lado, embora se reconheçam as elevadas exigências de prevenção geral que o caso requer, não pode esquecer-se que estamos perante um arguido que quando pratica o facto tem apenas 16 anos de idade e vivia há já alguns anos um ambiente familiar deveras desfavorável.
Tendo tudo isto em conta, sobretudo a extrema juventude do arguido e a sua personalidade, entendemos que expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada ainda serão respeitadas com a aplicação de uma pena que se situe sensivelmente abaixo do ponto médio da moldura considerada.

Assim, consideramos adequada às exigências de prevenção e perfeitamente suportada pela culpa do arguido a pena de 8 anos de prisão.

7.3. Fixada a pena nos termos sobreditos, excluída fica, por impossibilidade legal, a sua substituição pela pena de suspensão da execução da prisão.
*
*
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:

A) Modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
1. Eliminando o ponto 7 dos factos provados, e aditando o respectivo conteúdo aos factos não provados;
2. Aditando os pontos 19-A, 19-B e 25 aos factos provados.
*
B) Revogar a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão imposta ao arguido A..., condenando-o agora, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos 131º e 132º, nºs 1 e 2, a) e i), do C. Penal, com referência aos arts. 72º e 73º do mesmo código e aos arts. 1º e 4º, do Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, na pena de 8 (oito) anos de prisão.
*
C) Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.
*

Sem tributação, atenta a parcial procedência do recurso (art. art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).
*
(Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário.)

Coimbra, 7 de Novembro de 2012



______________________________
(Calvário Antunes)



______________________________
(Vasques Osório)
Requerida a instrução, veio o arguido a ser pronunciado pelos factos e incriminação constantes da acusação pública.

O julgamento foi realizado com tribunal do júri que, por acórdão de 17 de Abril de 2012, condenou o arguido, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a), e i), do C. Penal, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.
*

Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
I. Em causa nos autos está um crime de "Homicídio qualificado", previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.°, n.ºs 1 e 2, alíneas a), i) e j) dos do Código Penal.
II. No presente recurso coloca-se em apreço a Fundamentação de facto do Acórdão, com a reapreciação da prova produzida em audiência e, ainda, a apreciação jurídica que é efectuada no acórdão, suscitando-se, consequentemente, a medida da pena de prisão aplicada ao Arguido.
III. No que respeita à matéria de facto dada por provada, as discordâncias do Arguido situam-se ao nível dos pontos 3, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 18 e 19 da Fundamentação de Facto e, ainda, alínea b) dos factos considerados como não provados.
IV. Para a reapreciação desta matéria de facto releva, sobretudo e essencialmente, o depoimento do Arguido e, com menor grau de relevância, os depoimentos da mãe do Arguido, B..., (gravação a 11:46:54 a 12:03:67) do irmão do Arguido, C..., (gravação 12:04:52 a 12:45:21, do Comandante do Posto da GNR de WW..., D... (gravação 14:51:49 a 15:02:19) e da Psicóloga que o tem acompanhado desde que está em prisão domiciliária, no caso a Dr.ª E... (gravação 15:59:37 a 16:51:57).
V. A demais prova, designadamente a que resulta dos depoimentos de F..., vigilante da escola, (gravação 12:48:09 a 12:57:22), de G..., Directora de turma (gravação 14:34:28 a 14:51:13) H..., Inspector da Polícia Judiciária (gravação 15:05:36 a 15:32:52), J... (gravação 15:40:29 a 15:59:04) e K..., prima do Arguido (gravação 16:57:03 a 17:07:11), acabam por relevarem em aspectos circunstanciados e, por isso, menos relevantes para o que é central no processo. ORA,
VI. O tribunal a quo considerou apenas a confissão como parcial, o que, no modesto entendimento do Arguido, não corresponderá aquilo que, de facto, se verificou, pois o Arguido manteve desde o primeiro momento uma atitude colaborante e, além disso, entende que confessou integralmente os factos, só não confessando a subsunção destes factos à ordem jurídica, em termos de premeditação, o que, diga-se, veio a ser dada como não provada.
VII. Para esta apreciação da colaboração e da confissão dos factos pelo Arguido relevam, além das partes do seu depoimento em audiência, a actuação deste desde que, imediatamente após a prática dos factos, decidiu entregar-se à GNR de WW..., percorrendo, durante a noite, cerca de trinta quilómetros, a pé e descalço.
VIII. E, bem assim, a conduta que manteve no decurso do primeiro interrogatório, no interrogatório judicial e, ainda, no decurso da instrução.
IX. Quanto ao depoimento que releva para esta confissão, importa atender ao depoimento do Arguido a 10:34:52 até 11:45:13 e, ainda, de 18:33:39 a 18:40:12, de onde resulta a assunção integral dos factos pelos quais vem acusado.
X. Quanto a esta questão, é modesto entendimento do Arguido que o acórdão deveria ter considerado a confissão integral dos factos e, por isso, valorado mais acentuadamente esta colaboração, que foi activa e decisiva no decurso de todo o processo, desde o primeiro momento.
XI. Entende, ainda, o Recorrente que merece reparo a resposta e que consta do ponto 3 da fundamentação de facto, quando, in fine deste ponto, que "Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar".
XII. Quanto a este facto, é modesto entendimento do Arguido que não resultou provado que em algum momento da conversa, no decurso do jantar, a vítima tenha referido que a partir daí o iria controlar diariamente, relevando, para esta convicção, o depoimento do arguido, constante de 14:15 a 17:15.
XIII. Quanto a este ponto, os demais depoimentos, designadamente o depoimento da mãe do arguido e do irmão deste são meramente circunstanciais.
XIV. Quanto aos pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto dada por provada, a discordância do recorrente prende-se, essencialmente, com o que vem considerado como provado relativamente ao momento em que o arguido terá formulado o propósito de tirar a vida à vítima (facto 6 e 7) e quando vem considerado em 8 que o Arguido esperou que a vítima adormecesse para concretização de tal desígnio, e, ainda, em 15, quando se refere à prossecução de um desígnio previamente congeminado.
XV. Uma vez mais, a única prova produzida em audiência, com relevância para esta matéria de facto é o depoimento do arguido e, bem assim, a dinâmica da sua actuação no decurso do tempo que mediou entre o jantar, em que estiveram presentes além do arguido e da vítima, o irmão e a mãe, a subida destes (mãe e irmão) ao andar superior, e a actuação do arguido sobre a vítima, já depois destes terem subido.
XVI. Relevará, ainda, em certa medida o auto de reconstituição, no qual o arguido e recorrente colaborou de forma decisiva e activa, ajudando, assim, a esclarecer as circunstâncias em que ocorreram os factos.
XVII. O Arguido situou os factos atinentes à sua actuação sobre a vítima cerca das 11 horas da noite (gravação a 20:20), quando refere que ficou a ver televisão após o que a gravação, no tocante ao depoimento do Arguido é imperceptível de 20:46 a 20:59.
XVIII. Refere o Arguido que "começou a pensar na vida" (gravação a 21:05), que "pensou no mal que ele (vítima) fez a esta família e a mim" (gravação 21:55) e refere que "sentiu uma explosão de sentimentos" (gravação a 21:55) e refere que "quando dei por mim estava com aquilo na mão" (gravação 22:40) e "queria parar e não conseguia" (gravação 22:50)
XIX. Depois, inquirido pela M.ma Juiz Presidente a 24:57, se os pensamentos que teve foram de matar o seu pai, referiu que "não!".
XX. A páginas tantas, o Arguido refere a "raiva que sentia" (gravação a 25:10) e que " ... nunca me lembrei de fazer isso ... foi algo que aconteceu, sendo as demais palavras, nesta parte do depoimento, são imperceptíveis (gravação a 25:24).
XXI. Resulta, ainda, do depoimento do arguido, a instâncias da M.ma Juiz Presidente que só viu que o pai estava a dormir quando se dirige a ele (gravação 25:55), que só neste momento percebe que está a dormir (gravação 26:00); no tocante a esta questão, já anteriormente, no início do depoimento do Arguido, ele refere que não ficou à espera que a vítima adormecesse (gravação a 10:20).
XXII. Em face da prova produzida é modesto entendimento do Arguido que não resultou provado qual o momento exacto em que este formula o propósito de tirar a vida ao arguido (ponto 6 da matéria de facto dada por provada) e nada há dos autos que contrarie a versão do arguido de que esta decisão é contemporânea aos factos em que actua com a catana sobre o seu pai, no contexto referido de explosão de sentimentos a que se referiu, e em que pretendia parar e não conseguia...
XXIII. Que não resultou provado, contrariamente ao que vem dado por provado no ponto 7, que na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse, até porque, conforme notado, o arguido esclareceu em diversas partes do respectivo depoimento não saber que o seu pai estava a dormir;
XXIV. Consequentemente, é modesto entendimento do arguido que não há qualquer prova material nos autos de onde se extraia ou possa concluir que a sua actuação tenha sido na prossecução de um desígnio previamente congeminado.
XXV. Por outro lado e ainda no tocante à matéria de facto, é modesto entendimento do arguido, ora Recorrente, que não resultou provado que vem referido em 12, que "as lesões foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás", até em face do que vem referindo in fine do ponto 16, onde refere (...) colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo), sob pena de, a manterem-se as duas versões, constantes daqueles pontos, existir uma contradição entre os mesmos.
XXVI. O que resulta provado, quer do seu depoimento, quer do relatório da autópsia, é que as lesões foram provocadas, unicamente de cima para baixo, nunca da frente para traz.
XXVII. Se tivessem sido provocadas da frente para traz isso pressupunha que o Arguido se havia dirigido para o local entre o sofá e a televisão e que teria agido nesse local. E, do depoimento do Arguido, que é consentâneo com o que resulta do relatório da autopsia e, ainda, do auto de reconstituição, em que o Arguido colaborou, resulta que este, em momento algum, esteve de frente para a vítima!
XXVIII. Vide, acerca desta dinâmica dos factos, a reprodução do depoimento do Arguido de 25:12 a 28:00.
XXIX. Por último, quanto à matéria de facto dada por provada, é modesto entendimento do Arguido que resultou provado mais do que vem reflectido nos pontos 18 e 19, quanto ao ambiente que se vivia dentro daquelas quatro paredes e que, em face da prova produzida em audiência, o tribunal a quo deveria ter considerado a violência doméstica subjacente aos diversos comportamentos da vitima, relatados pelo arguido, pelo seu irmão C...e pela mãe de ambos.
XXX. Resultou provado que o relacionamento dos elementos do agregado familiar era praticamente inexistente, que a vítima ...tratava mal e molestava a esposa com palavras, a quem criticava frequentemente devido à doença que a incapacitava e incapacita e que este facto era gerador de grande descontentamento e desconforto para o arguido;
XXXI. Por outro lado, e igualmente com relevância, resulta também dos depoimentos do arguido, ora Recorrente e do seu irmão C... que entre o arguido e a vítima ...(e entre este ...e o irmão do arguido, C...) inexistia um relacionamento pai – filho.
XXXII. O que comporta um evidente esbatimento da relação de filiação, o que, como, aliás, adiante se concretizará, acaba por ter reflexos na análise de uma das agravantes constantes do artigo 132.º do CP.
XXXIII. Releva para a apreciação desta matéria de facto o depoimento do Arguido a 13:10, quando refere que ele, arguido, e a vítima, não tinham uma relação normal pai – filho, quando refere um relacionamento distante, frio (gravação 14:15) e, sobretudo, quando refere os episódios de abuso sexual por parte do pai (gravação 11:21), que adiante serão analisados.
XXXIV. Releva, ainda, para esta análise o depoimento do irmão do arguido, C... (gravação 12:04:51 a 12:45:21) de onde resulta o relacionamento com o pai foi piorando ao longo do tempo (14:80), que este "incutia medo" (15.10) que chegou a uma altura em que era praticamente impossível viver com ele (gravação a 16:20), que basicamente ele já não queria saber de nós para nada (16:31)...imperceptível... já não queríamos ter um relacionamento com ele! Os muitos anos sem relacionamento com a demais família (20:10), mal tratava a mãe (22.30), o que custava muito a toda a família, incluindo ao arguido, o que se vinha a acentuar nos últimos tempos, em que a vítima os acusava (aos filhos e à mulher) de serem a origem de todos os infortúnios (23:00), referindo que "cortou com ele! Ele já não era meu pai" (gravação 24:07) "ele também não nos tratava como filhos (14:17) "só aguentava a situação por causa da minha mãe e dos meus irmãos", refere diversas vezes os maus tratos verbais (entre outros, vide gravação 27:14); refere que se estava a chegar a extremos que era praticamente impossível aguentar (gravação a 28:19) que a mãe dizia que era impossível aguentar, mas ficavam sempre todos juntos (28:58); ele era uma pessoa muito violenta (gravação 29:51),concretizando essa violência como psicológica, (…) foi essa a marca que ele deixou! Existia o receio de a qualquer momento poder passar à agressão física (31:49) estava a chegar a extremos, mesmo (31:57) estava com o medo que rebentasse, entre aspas e que isso …(gravação 32:04).
XXXV. E, ainda, inquirido pela M.ma Juiz Presidente (gravação 34:00 em diante até 40:20) refere que o A... (o arguido e ora Recorrente) sempre foi mais destemido, falava com os tios mesmo contra vontade do pai, sempre foi mais aberto, quando saia fora das portas de casa ele era uma pessoa completamente diferente...
XXXVI. E, ainda, questionado porque é que a determinada altura referiu que não dava para aguentar mais: Em que é que isso de traduzia? (36:29) Refere que a gota de água foi querer cortar a liberdade do meu irmão... quilo... foi o acumular daqueles anos todos! (37:38) Já não dava para aguentar mais! Aquele ambiente em casa era insuportável (38:19) Não foi só um episódio ou outro, foi o culminar de muitos anos (38:40).
XXXVII. Relevarão, ainda, para estes pontos da matéria de facto o depoimento da Dr.ª Isabel dos Santos Mendes, (gravação 15:59:38 a 16:51:57) do qual resulta, relativamente a esta questão, as características do pai como Autoritário; dominador do mais fraco (relativamente a todo o agregado familiar); hostil; comportamentos dos filhos e esposa dependentes do comportamento/exigências do pai Violador das regras sociais e papéis familiares (abusos não apenas sexuais e agressões familiares – que não necessariamente físicas).
XXXVIII. E, ainda, no tocante ao relacionamento pai filho, releva deste depoimento da testemunha, que é psicóloga e tem acompanhado o Arguido que, relativamente ao denominado processo de vinculação, como a inexistência de proximidade entre o pai e o arguido; o Pai não proporcionava um refúgio seguro (não existia um sentimento de segurança e conforto por parte do A... no que respeitava ao Pai;
XXXIX. Importa, pois, no modesto entendimento do Arguido que a violência doméstica seja considerada como estando na origem da actuação do Arguido e não apenas o "relacionamento frio e distante" entre os membros da família e a vítima referidos no acórdão.
XL. A este respeito, importa referir que a violência doméstica não se pode resumir à violência física.
XLI. "A violência doméstica compreende todas as formas de abuso, temporário ou permanente, que incluem comportamentos de uma das partes que, por omissão ou acção, provocam danos físicos e/ou psicológicos à outra parte e que ocorrem nas relações intrafamiliares: o mau trato infantil, o mau trato de idosos e a violência conjugal" [Noção de Violência doméstica perfilhada pelo Conselho da Europa].
XLII. Esta (violência doméstica), no caso dos autos, é fruto de uma relação assimétrica de poder no seio familiar;
XLIII. O impacto pessoal, familiar, profissional e social do ambiente de violência domestica é enorme e atingiu, com especial gravidade, o mais novo na casa, no caso o arguido, que por ser o mais destemido enfrentou a vítima da pior forma.
XLIV. Refere-se este ponto porque em certa medida, o arguido além de ser, ainda, uma criança, é de facto este ambiente, que é de violência doméstica, que o moldou;
XLV. E que foi determinante na sua actuação, que ainda que reprovável e censurável, foi uma actuação tendente a libertar a família desta opressão e violência.
XLVI. E não se diga que esta violência doméstica não existia, pois segundo o Conselho da Europa, violência doméstica é:
"Qualquer acto, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaças, coacção ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objectivo e como eleito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais."
XLVII. Mesmo segundo o Conselho de Ministros [Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2010, de 17 de Dezembro de 2010], é:
"Toda a violência física, sexual ou psicológica, que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a maus tratos, abuso sexual de mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais, mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças, privação de liberdade e exploração sexual e económica"
XLVIII. Já em 2003, a Organização Mundial da Saúde considerou que a violência doméstica é um grave problema de saúde pública e que as consequências que lhe estão associadas «[…] são devastadoras para a saúde e para o bem-estar de quem a sofre […] comprometendo o desenvolvimento da criança, da família, da comunidade e da sociedade em geral».
XLIX. É, pois, este contexto de violência familiar [A questão da violência intrafamiliar foi abordada no Conselho da Europa que no Anexo II – Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família – elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984). especificou o conceito de violência no seio da família, excluindo a violência sexual, como «Qualquer acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (cf. BMJ n.º 335, págs. 5-22)] que determina a actuação do Arguido; violência esta que não sendo violência física concreta e extrema, nem por isso deixava de ser violência, traduzida na violência verbal, ameaças, privações de liberdade ocorridas em contexto intra-familiar e que importa dar por provado em sede de matéria de facto dada por provada, com relevância para a apreciação da actuação do Arguido e determinação da medida da pena.
L. Relevante é, ainda, que em face do quadro de violência doméstica, que não sendo uma violência extrema em termos físicos, não deixava de ser violência, associada ao quadro de abusos sexuais referenciada pelo arguido, o que, conjuntamente, provoca um esbatimento dos laços filiais entre o arguido e a vítima.
LI. Por último, e ainda no que respeita à apreciação da matéria de facto, a questão que se coloca à consideração do Tribunal prende-se com o facto do Tribunal a quo não ter considerado a ofensa sexual de que o Arguido referiu ter sido vítima. Está em causa a alínea b) da matéria de facto dada por provada.
LII. Releva para este ponto todo o depoimento do Arguido e o facto de este ter relatado este facto e circunstância desde o primeiro momento do seu depoimento. Trata-se de um relato que fez e manteve em diversas ocasiões ao longo do processo, desde logo quando foi ouvido pelos órgãos de polícia criminal (no caso pelos Inspectores da Polícia Judiciária e, antes de ser ouvido por estes, quando se apresentou no Posto da GNR de WW... e referenciou estes ao senhor Comandante do Posto – nessas duas ocasiões, ainda antes, sequer, de ser acompanhado por defensor.
LIII. Quanto a este, nada há que possa descredibilizar o depoimento do Arguido e, no modesto entendimento deste, o facto de nos períodos de tempo referidos como tendo ocorrido os abusos o Arguido não ter tido uma quebra nos resultados escolares, destes abusos terem parado sem razão aparente e, ainda, o facto de nunca ter contado esses abusos a ninguém, não lhe retiram consistência e não são suficientes para abalar a versão do Arguido.
LIV. Em primeiro lugar, importa referir que se está perante um relato do Arguido que é um espontâneo, que ocorre desde o primeiro momento em que este é ouvido por um órgão de polícia criminal, ainda antes de qualquer contacto com defensor ou ter tempo de preparar qualquer defesa, que o arguido manteve ao longo dos seus depoimentos, incluindo na fase de instrução e perante a Polícia Judiciária e, ainda, que tem suporte nos relatórios médico legais, que admitem a possibilidade da sua verificação e, sobretudo, na apreciação que a psicóloga (gravação 15:59:37 a 16:51:57) fez acerca do Arguido, já que esta circunstanciou as revelações desses factos, que terão decorrido durante o período do verão de 2005 e verão de 2006.
LV. E para este comportamento da vítima não é de todo indiferente a inexistência de relacionamento sexual conjugal (vide, acerca deste, o depoimento de B... a 11:58.00 a 12:03:02). ORA,
LVI. Os abusos sexuais contra menores são todas as situações em que crianças e adolescentes são utilizados pelos adultos para ter prazer sexual, através de violência, sedução ou chantagem.
LVII. Em face do exposto, é modesto entendimento do Recorrente que a apreciação efectuada pelo acórdão quanto à matéria de facto merecem os reparos que lhe são efectuados supra e que, por isso, o exame crítico das provas efectuado no presente recurso aproxima-se, mais, da verdade material e traduz mais fielmente a prova produzida em audiência.
LVIII. Por um lado, da prova produzida não há factos que autorizem a ilação tirada quanto à premeditação da actuação e dos meios utilizados, e, por outro lado, resultaram provados outros – como a violência doméstica, os abusos sexuais e, bem assim, o arrependimento do arguido, que não foram considerados na fundamentação de facto.
LIX. Deve, no modesto entendimento do Recorrente, ser considerada a seguinte Fundamentação de Facto:
1. O arguido A... é filho de ... e de B... e sempre viveu com estes e com o seu irmão C..., numa residência site na Rua … , no concelho de WW..., área desta comarca.
2. O arguido sempre teve um relacionamento próximo com todos os membros do agregado familiar, excepto com o seu pai, ..., com quem tinha desentendimentos frequentes motivados pelas críticas constantes que este lhe fazia e pelo ambiente familiar que se vivia.
3. No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar.
4. Ao ouvir o que o seu pai lhe dissera, o arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
5. Terminado o jantar após terem estado algum tempo na sala a ver televisão, o seu irmão C... e a sua mãe B... de ., subiram, respectivamente, ao primeiro e segundo andar da referida residência e dirigiram-se para os seus quartos para pernoitarem, o que veio a suceder cerca das 21h30m, altura em que o arguido ficou a sós com o seu pai … , na sala do rés-do-chão.
6. Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto da mesa, a reflectir na sua vida, tendo recordado "quanto mal o pai representava para a família" e o mal que lhe fizera a ele.
7. Devido ao adiantado da hora, o arguido admitia que o seu pai, aquela hora e naquele momento, já se encontrasse a dormir.
8. Por razões não concretamente apuradas, mas a que não serão alheios o ambiente de violência doméstica que se vivia na casa e os abusos sexuais de que o arguido foi vitima anos antes, cerca das 22 horas, o arguido dirigiu-se ao armário da cozinha e dai retirou uma catana, que sabia ali estar guardada, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 1, 5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lâmina de 33, 5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão.
9. Acto contínuo, munido do aludido objecto, o arguido dirigiu-se para o sofá onde se encontrava adormecido o seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e rosto daquele ....
10. Em consequência da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia de fls. 415 e Sgs., cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, oblíqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, ântero-inferior à previamente descrita, frontoparietal direita, com treze centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal inferior à previamente descrita, desde o terço médio do dorso do nariz (metade esquerda) até à região frontal (para mediana direita), passando pela glabela, com treze centímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal distando lateralmente uns milímetros da anteriormente descrita, desde o rebordo orbitário direito até à porção posterior da região frontal (para mediana direita) com onze centímetros de comprimento; várias feridas corto-contundentes na região nasogeniana esquerda, atingindo o dorso do nariz (metade direita), obliquas de cima para baixo da direita para a esquerda, a maior com oito centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a parte média do lábio interior até à região temporal direita com exteriorização massa encefálica, com vinte e cinco centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a região bucal direita até ao pavilhão auricular direito alcançando o antihélix (terço superior), com cento e treze milímetros de comprimento, de bordo anterior afilado e com concavidade voltada para baixo, apresentando o bordo posterior um entalhe transversal milimétrica e existindo uma escoriação milimétrica no hélix correspondente, fractura de vários ossos do crânio e da face à direita; hematoma subdural e hemorragia subaracnóide à direita; laceração do parênquima encefálico à direita, rodeado de focos de contusão e presença de zonas hemorrágicas intra-parenquimatosas à direita.
11. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais descritas (referidas no relatório de autópsia) causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
12. Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo.
13. Após, o arguido colocou a catana que utilizara para praticar os factos supra descritos numa cadeira, saiu da sua residência, caminhou pela rua principal daquela localidade de Esteiro, tendo largado os chinelos que calçava a cerca de 100 m de casa e percorreu, descalço, cerca de 30 km até ao Posto da GNR de WW..., onde chegou cerca das 3h00 da manhã do dia 25 de Janeiro de 2011 e contou que tinha morto o pai.
14. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito concretizado de tirar a vida a ..., bem sabendo que aquele era seu pai e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma catana – a repetição das pancadas, zona que visou no corpo da vitima, atingiria, como atingiu, órgãos vitais, sendo pois idóneos a produzir o resultado que pretendia.
15. O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada.
16. Sabia também o arguido que atacando ... da forma descrita (com uma catana enquanto este dormia no sofá, colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo) tornava difícil a defesa por parte daquele ....
17. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
18. O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era praticamente inexistente.
18.B) O Pai do arguido agredia verbalmente a mãe, por esta ser doente e o arguido e o irmão deste C..., a quem criticava considerando-os a razão de ser das desgraças da família.
18.C) A vítima, pai do Arguido, era controlador e não permitia o relacionamento do arguido, da mãe e dos irmãos do Arguido com a demais família ou com quaisquer outras pessoas da aldeia.
18.D) O relacionamento entre os membros do agregado familiar desde há algum tempo que e distante e trio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo,
18.D) O arguido considerava o pai autoritário, controlador, a origem dos males da família e a razão de ser de grande parte do sofrimento da mãe.
19. O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente e ofendia verbalmente pelo facto de ser doente, facto de enorme descontentamento para o arguido e para o irmão, que se sentiam impotentes perante estes comportamentos do ofendido.
19.B) Entre os anos de 2005 e 2006, durante vezes não concretamente apuradas, o ofendido abusou sexualmente do arguido A..., obrigando-o a práticas sexuais de masturbação e prática de acto sexual oral.
19.C) O referido em 18, 18B, 18C, 18D, 19 e 19B levou a que os laços de filiação entre o arguido e o pai deste estivessem fortemente esbatidos.
20. No relatório social elaborado ao arguido foi consignado, para além do mais: "A... tem 18 anos, sendo o mais novo de três irmãos. O seu processo de desenvolvimento terá decorrido num ambiente educacional rígido, exigente e controlador, incutido por uma liderança autocrática do pai (vítima). Foi sempre considerado uma criança calma e adaptada, respeitadora, tal como os irmãos, das regras familiares e sociais. Iniciou com 5 anos um percurso escolar normativo em termos de comportamento e desempenho. Nunca reprovou ou lhe foram atribuídos comportamentos inadequados no relacionamento com colegas e professores, sendo-lhe reconhecida uma postura recatada, pacífica e bem aceite pelos pares. Por ter mudado de área curricular, data dos factos encontrava-se a repetir o 10.º ano de escolaridade, no ramo de Ciências e Tecnologia. No 1.º período lectivo (imediatamente antes da data dos factos) tinha obtido um desempenho mediano, dentro do habitual. A sinalização de doença Parkinson à mãe do arguido, em 1998, veio a interferir na conjugalidade e na própria dinâmica familiar, acentuando um distanciamento afectivo já atribuído ao pai relativamente à mãe e contribuindo para uma certa cumplicidade/aliança afectiva entre esta e os filhos. Ao pai é apontada uma postura familiar de maior intolerância após a sua inactividade profissional por invalidez (2005), manifestada por atitudes de humilhação dirigidas sobretudo à mãe e ainda um controlo, entendido pelo arguido como excessivo, das actividades dos filhos (convivência, vigilância da proibição de uso de tabaco e álcool) Não indicia nem nunca lhe foi conhecidos quaisquer sintomas de perturbação psicológica ou psiquiátrica, conduta aditiva (álcool ou outras drogas) ou agressiva. Exibe uma postura calma, passiva e introvertida na relação interpessoal, integra o agregado familiar de origem, coabitando com a mãe (de 56 anos, reformada por invalidez) e os doisirmãos.) Beneficia de boas condições habitacionais em caso própria, sita num aglomerado pequeno, de características rurais. Existe um bom relacionamento familiar. Não são perceptíveis ressentimentos nem sentimentos de perda por parte dos elementos do agregado. Houve o reatamento de relações do agregado com os tios do arguido, que o visitam e tem apoiado regularmente, A actual situação económica é equilibrada, suportada pelos vencimentos dos irmãos do arguido (540 e 700 euros) e reforma da mãe (303 euros), totalizando um montante mensal liquido de cerca 1.543 euros. As despesas fixas mensais (prestação de crédito habitação, água, electricidade, telefone e medicação da mãe) representam cerca de 420 euros. Desde a data dos factos que a mãe beneficia de apoio domiciliário assegurado pelo centro de dia local, consubstanciado em refeições diárias, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. No meio local persiste uma imagem positiva do arguido e ainda uma reacção de surpresa e ausência de explicação face aos factos dos presentes autos. O arguido sempre teve uma convivência social restrita, circunscrita ao espaço e ambiente escolar. Na actual medida de coacção (OPHVE) o arguido tem recebido visitas regulares por parte de colegas de escola e vizinhos. Iniciou neste contexto relação de namoro com uma colega de escola facto que valoriza como experiência gratificante. Já na actual situação coactiva através do regime "e-learning", concluiu com sucesso e classificações acima do habitual, o 10.º ano. Presentemente encontra-se a frequentar em regime normal/presencial o 11.º ano. Neste primeiro período lectivo tem revelado desinvestimento e um fraco desempenho escolar, apresentando resultados insuficientes a pelo menos 3 disciplinas, registando ainda demissão na execução dos trabalhos de casa. Já a nível de comportamento e assiduidade é referenciado como aluno exemplar."
21. Do relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido consta em sede conclusões, que: "- Estivemos perante um jovem adolescente sensível, com capacidade de se expressar e de se auto-analisar. - O seu nível intelectual e respectivo funcionamento cognitivo é compatível com padrões bastante superiores à média, garantindo a existência de raciocínio lógico e capacidade de adaptação. Neste momento, parecer estar a revelar alguma vulnerabilidade emocional que se traduz em níveis de ansiedade – estado ligeiramente acima da média e presença de moderada sintomatologia depressiva. - Revelou possuir uma auto-estima conservada, bem como uma personalidade predominantemente introvertida e com estabilidade emocional. Não foi detectada sintomatologia patológica que faça supor a existência de um transtorno de personalidade estrutural. - Para além de possuir uma personalidade que se pode considerar globalmente equilibrada, sem sintomatologia patológica que faça supor a existência de psicopatologia comportamental, o examinado evidenciou também possuir capacidade de auto-critica, sendo de prever que, no futuro, possa prosseguir adequadamente a sua historie social e profissional."
22. O arguido não tem antecedentes criminais.
23. O arguido é considerado um jovem educado, pessoa reservada e ordeira.
24. O arguido mostrou arrependimento referindo factos demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta e sente a morte do pai como "libertadora" da família.
LX. Resulta do exposto que no presente recurso está em causa, desde logo e por um lado o que se considera ser a total falta de prova consistente quanto à premeditação ou a qualquer congeminação por parte do arguido, no tocante aos factos que praticou.
LXI. Refere o acórdão, que o arguido agiu com dolo directo e se mostram preenchidas as qualificativas que vêm imputadas à conduta do arguido, o que não é de todo correcto.
LXII. Quanto a esta qualificativa e, conforme já notado supra, é modesto entendimento do Recorrente que não foi considerada, como deveria, o quadro de violência doméstica e intra-familiar, que apesar de não se traduzir em agressões físicas concretas, não era por isso que deixava de ser um quadro de uma grande violência.
LXIII. Conforme já notado, está em causa a falta de apreciação do clima de violência doméstica vivida dentro daquelas quatro paredes, que o acórdão recorrido se limita a considerar com um relacionamento frio o distante entre os membros da família. ALIÁS,
LXIV. Analisando a contextualização e incriminação que é efectuada pelo Código Penal Português [Mesmo a realização do crime de maus tratos (lei antiga) verificava-se pela acção plúrima e reiterada, com uma proximidade temporal entre os vários actos ofensivos, embora não se exigisse uma situação de habitualidade] e o que vem sendo a jurisprudência mais recente acerca do conceito de violência doméstica, verifica-se que esta não se limita à violência física e que a demais violência, incluindo a verbal, pode ser tão ou mais violenta que a física, até porque o que se pretende proteger com a incriminação dos comportamentos subjacentes a este tipo de ilícito é um bem complexo ou plural, que abrange não exclusivamente a integridade corporal, e saúde física, mas igualmente a integridade psíquica e, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.
LXV. Depois, está em causa a falta de apreciação do clima de violência doméstica vivida dentro daquelas quatro paredes, que o acórdão recorrido se limita a considerar com um relacionamento frio o distante entre os membros da família.
LXVI. Está em causa, ainda, o esbatimento dos laços filiais entre o arguido e a vítima, fruto da violência doméstica vivida no seio familiar e da actuação opressiva e controladora da vítima perante os demais membros do agregado familiar;
LXVII. E está em causa, por fim, o arrependimento manifestado pelo Arguido, apesar da associação que foi feita entre este arrependimento e o que o arguido referiu ser a felicidade da família.
LXVIII. E para este arrependimento, importa notar que tão importante como serem proferidas palavras sacramentais de "dizer que se está arrependido" é, de facto, manifestar esse arrependimento através de factos demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta e foi isso que o Arguido demonstrou em diversos momentos.
LXIX. Depois, em termos jurídicos, está ainda em apreço a aplicação do regime penal dos jovens [Actualmente, vem sendo entendido que "Pela sua natureza e fundamentos, a aplicação do regime penal dos jovens não constitui uma faculdade, mas antes um dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, devendo considerar no juízo de prognose positiva imposto tanto pela globalidade da actuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, o que implica um conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime". Neste sentido, vide, entre outros, Ac do STJ, processo 1659/07.3GTABF.81, de 13 de Julho de 2011, do qual é relator o Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar], já que no modesto entendimento do arguido verificam-se todos os pressupostos, designadamente os de prognose positiva, que devem levar a uma atenuação da pena a aplicar [Neste sentido, vide. entre outros. o Ac do STJ, Processo 169/09.9SYLSB.Sl de 31 de Março de 2011, do qual foi Relator o senhor Juiz Conselheiro Raul Borges, "…como resulta do art. 4.°, fundando-se o regime penal destinado aos jovens em razões de prevenção especial, a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas, enquanto na medida prevista no CP, a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Ou seja, para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4.° do DL 401/82, basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição de ilicitude ou de culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime especifico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões de a ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas. Por isso, sempre que se prove a vantagem da atenuação especial da pena para a ressocialização do jovem condenado, aquela atenuação não pode ser denegada com base em considerações de prevenção geral ou de retribuição].
LXX. Que, no modesto entendimento do Recorrente, atendendo-se aos limites mínimo e máximo da pena em face do estabelecido neste regime penal, se deve situar abaixo dos cinco anos de prisão.
LXXI. Isto até em face da sua actuação, activamente colaborante do arguido, no decurso das diversas fases do processo; do juízo de prognose que é favorável relativamente á pessoa do arguido; do seu comportamento anterior ao crime de que vem acusado e, sobretudo, em face do seu comportamento posterior.
LXXII. Verificando-se, in casu, que o processo de ressocialização está, já, em curso, com a prisão domiciliária do arguido e com a possibilidade deste continuar a frequentar a escola, com aproveitamento escolar digno de realce, para o que releva o apoio que teve da família, que o acolheu, da comunidade (incluindo a escolar) que não os hostilizou e da entidades locais (incluindo as municipais e as ligadas ao Ministério da Educação) que ajudaram a proporcionar este processo de ressocialização e recuperação para a vida.
LXXIII. É modesto entendimento do Recorrente que se mostram violados os seguintes artigos:
a) Artigos 132.º 133.º, do C. Penal;
b) Artigo 32.º da C.R.P;
c) Artigos 127.º, 374.º, 379.º, e 410.º, n.º 2, todos do C.P.P.;
d) Artigos 40.º, 41.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 70.º, 71.º, 72.º, n.º 1, todos do C. Penal.
TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente Recurso e o douto Acórdão do Tribunal a quo ora recorrido, revogado e, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as ser proferido douto acórdão, com todas as consequências legais, designadamente condenando o Arguido numa pena de prisão que, atento ao referido e à prognose favorável de ressocialização do mesmo, não deve ser superior a cinco anos de prisão, pois assim é de DIREITO e se faz a habitual e costumada JUSTIÇA!
(…)”.
*
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que a confissão do arguido foi parcial e atendida na determinação da medida da pena, que a decisão da matéria de facto foi correcta, face à prova produzida, incluindo as declarações do arguido, que na determinação da medida concreta da pena foi considerado o regime penal dos jovens delinquentes, e que a diminuição da medida da pena encontrada frustraria as necessidades de prevenção, concluindo pelo não provimento do recurso.
*
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer, subscrevendo a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluiu pelo não provimento do recurso.
*
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).
Assim, atentas as extensas conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto provada [pontos 3, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 18 e 19] e não provada [alínea b), confissão integral e arrependimento];
- A incorrecta qualificação jurídica dos factos [face à modificação da matéria de facto];
- A excessiva medida da pena decretada, e a suspensão da respectiva execução.
*
Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevo consta do acórdão recorrido. Assim:
A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:
“ (…).
1. O arguido A... é filho de ... e de B... de . e sempre viveu com estes e com o seu irmão C..., numa residência sita na Rua … , no concelho de WW..., área desta comarca.
2. O arguido sempre teve um relacionamento próximo com todos os membros do agregado familiar, excepto com o seu pai, ..., com quem tinha desentendimentos frequentes motivados pelas críticas constantes que este lhe fazia.
3. No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar. Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar.
4. Ao ouvir o que o seu pai lhe dissera, o arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
5. Terminaram o jantar e após terem estado durante algum tempo na sala a ver televisão, o seu irmão C... e a sua mãe B..., subiram, respectivamente, ao primeiro e segundo andar da referida residência e dirigiram-se para os seus quartos para pernoitarem, o que veio a suceder cerca das 21h30m, altura em que o arguido ficou a sós com o seu pai, … , na sala do rés-do-chão.
6. Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto à mesa, a reflectir na sua vida, altura em que formulou o propósito de lhe tirar a vida.
7. Na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse.
8. Logo que o arguido se apercebeu que aquele ... adormecera no sofá, cerca das 22 horas, na concretização do desígnio já formulado de lhe tirar a vida, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 11,5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lamina de 33,5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão.
9. Acto contínuo, munido do aludido objecto, o arguido dirigiu-se para o sofá onde se encontrava adormecido o seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir-lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto daquele ....
10. Em consequência da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia de fls.415 e sgs., cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, ântero-inferior à previamente descrita, frontoparietal direita, com treze centímetros de comprimento; ferida corto- contundente rostrocaudal, ântero-inferior à previamente descrita, desde o terço médio do dorso do nariz (metade esquerda) até à região frontal (para mediana direita), passando pela glabela, com treze centímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal distando lateralmente uns milímetros da anteriormente descrita, desde o rebordo orbitário direito até a porção posterior da região frontal (para mediana direita) com onze centímetros de comprimento; várias feridas corto-contundentes na região nasogeniana esquerda, atingindo o dorso do nariz (metade direita), oblíquas de cima para baixo da direita para a esquerda, a maior com oito centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a parte média do lábio inferior até à região temporal direita com exteriorização da massa encefálica, com vinte e cinco centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a região bucal direita até ao pavilhão auricular direito alcançando o antihélix (terço superior), com cento e treze milímetros de comprimento, de bordo anterior afilado e com concavidade voltada para baixo, apresentando o bordo posterior um entalhe transversal milimétrico e existindo uma escoriação milimétrica no hélix correspondente; fractura de vários ossos do crânio e da face à direita; hematoma subdural e hemorragia subaracnóide à direita; laceração do parênquima encefálico à direita, rodeado de focos de contusão e presença de zonas hemorrágicas intraparenquimatosas à direita.
11. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais descritas (referidas no relatório de autópsia) causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
12. Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás.
13. Após, o arguido colocou a catana que utilizara para praticar os factos supra descritos numa cadeira, saiu da sua residência, caminhou pela rua principal daquela localidade, tendo largado os chinelos que calçava a cerca de 100 m de casa e percorreu, descalço, cerca de 30 km até ao Posto da GNR de WW..., onde chegou cerca das 3h00 da manhã do dia 25 de Janeiro de 2011 e contou que tinha morto o pai.
14. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito concretizado de tirar a vida a ..., bem sabendo que aquele era seu pai e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma catana – a repetição das pancadas, zona que visou no corpo da vítima, atingiria, como atingiu, órgãos vitais, sendo pois idóneos a produzir o resultado que pretendia.
15. O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada, o que quis fazer na prossecução de um desígnio previamente congeminado, para cuja execução reflectiu e ponderou os meios a utilizar, bem como o local e o momento adequado para actuar.
16. Sabia também o arguido que atacando ... da forma descrita (com uma catana enquanto este dormia no sofá, colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo) tomava impossível a defesa por parte daquele ....
17. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.
18. O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era distante e frio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo frequente, procurando o arguido evitar estar na presença do mesmo, que considerava autoritário e controlador.
19. O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente, facto de descontentamento para o arguido.
20. No relatório social elaborado ao arguido, foi consignado, para além do mais: "A... tem 18 anos, sendo o mais novo de três irmãos, O seu processo de desenvolvimento terá decorrido num ambiente educacional rígido, exigente e controlador, incutido por uma liderança autocrática do pai (vítima). Foi sempre considerado uma criança calma e adaptada, respeitadora, tal como os irmãos, das regras familiares e sociais, Iniciou com 5 anos um percurso escolar normativo em termos de comportamento e desempenho. Nunca reprovou ou lhe foram atribuídos comportamentos inadequados no relacionamento com colegas e professores, sendo-lhe reconhecida uma postura recatada, pacifica e bem aceite pelos pares. Por ter mudado de área curricular, à data dos factos encontrava-se a repetir o 10º ano de escolaridade, no ramo de Ciências e Tecnologia. No 1º período lectivo (imediatamente antes da data dos factos) tinha obtido um desempenho mediano, dentro do habitual. A sinalização de doença Parkinson à mãe do arguido, em 1998, veio a interferir na conjugalidade e na própria dinâmica familiar, acentuando um distanciamento afectivo já atribuído ao pai relativamente à mãe e contribuindo para uma certa cumplicidade/aliança afectiva entre esta e os filhos. Ao pai é apontada uma postura familiar de maior intolerância após a sua inactividade profissional por invalidez (2005), manifestada por atitudes de humilhação dirigidas sobretudo à mãe e ainda um controlo, entendido pelo arguido como excessivo, das actividades dos filhos (convivência, vigilância da proibição de uso de tabaco e álcool). Não indicia nem nunca lhe foi conhecidos quaisquer sintomas de perturbação psicológica ou psiquiátrica, conduta aditiva (álcool ou outras drogas) ou agressiva. Exibe uma postura calma, passiva e introvertida na relação interpessoal. Integra o agregado familiar de origem, coabitando com a mãe (de 56 anos, reformada por invalidez) e os dois irmãos (Ricardo. 21 anos, militar; Jorge, 1 9 anos, electricista). Beneficia de boas condições habitacionais em casa própria, sita num aglomerado pequeno, de características rurais. Existe um bom relacionamento familiar. Não são perceptíveis ressentimentos nem sentimentos de perda por parte dos elementos do agregado. Houve o reatamento de relações do agregado com os tios do arguido, que o visitam e têm apoiado regularmente. A actual situação económica é equilibrada, suportada pelos vencimentos dos irmãos do arguido (540 e 700 euros) e reforma da mãe (303 euros), totalizando um montante mensal líquido de cerca 1543 euros. As despesas fixas mensais (prestação de crédito habitação, água, electricidade, telefone e medicação da mãe) representam cerca de 420 euros. Desde a data dos factos que a mãe beneficia de apoio domiciliário assegurado pelo centro de dia local, consubstanciado em refeições diárias, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. No meio local persiste uma imagem positiva do arguido e ainda uma reacção de surpresa e ausência de explicação face aos factos dos presentes autos. O arguido sempre teve uma convivência social restrita, circunscrita ao espaço e ambiente escolar. Na actual medida de coacção (OPHVE) o arguido tem recebido visitas regulares por parte de colegas de escola e vizinhos. Iniciou neste contexto relação de namoro com uma colega de escola, facto que valoriza como experiência gratificante. Já na actual situação coactiva, através do regime "e-learning", concluiu com sucesso e classificações acima do habitual, o 10º ano. Presentemente encontra-se a frequentar em regime normal/presencial o 11º ano. Neste primeiro período lectivo tem revelado desinvestimento e um fraco desempenho escolar, apresentando resultados insuficientes a pelo menos 3 disciplinas, registando ainda demissão na execução dos trabalhos de casa. Já a nível de comportamento e assiduidade é referenciado como aluno exemplar."
21. Do relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido consta em sede conclusões, que: "– Estivemos perante um jovem adolescente sensível, com capacidade de se expressar e de se auto-analisar. – O seu nível intelectual e respectivo funcionamento cognitivo é compatível com padrões bastante superiores à média, garantindo a existência de raciocínio lógico e capacidade de adaptação. – Neste momento, parecer estar a revelar alguma vulnerabilidade emocional que se traduz em níveis de ansiedade-estado ligeiramente acima da média e presença de moderada sintomatologia depressiva. – Revelou possuir uma auto-estima conservada, bem como uma personalidade predominantemente introvertida e com estabilidade emocional. – Não foi detectada sintomatologia patológica que faça supor a existência de um transtorno de personalidade estrutural. – Para além de possuir uma personalidade que se pode considerar globalmente equilibrada, sem sintomatologia patológica que faça supor a existência de psicopatologia comportamental, o examinado evidenciou também possuir capacidade de auto-critica, sendo de prever que, no futuro, possa prosseguir adequadamente a sua história social, familiar e profissional."
22. O arguido não tinha antecedentes criminais.
23. O arguido é considerado um jovem educado, pessoa reservada e ordeira.
24. O arguido sente a morte do pai como "libertadora" da família.
(…)”.

B) Nele foram considerados não provados os seguintes factos:
“ (…).
a) Que o arguido formulou o propósito de tirar a vida a seu pai no decurso do jantar, após ouvir o que o seu pai aí lhe dissera, e que na prossecução de tal desígnio aguardou quer terminassem o jantar e que sua mãe e irmão subissem aos quartos, para ficar a sós com o seu pai.
b) Que o arguido fosse vítima de abusos sexuais pelo pai aos 10/11 anos de idade.
(…)”.

C) Dele consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
A convicção do tribunal para dar os factos como provados B...rçou-se na ponderada conjugação e análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em audiência, conjugada com os relatórios, documentos e elementos clínicos juntos aos autos e as regras da experiência comum e normalidade das coisas tendo em conta a inferência que desta se tira para chegar aos factos que foram dados como provados.
Com efeito, e antes de avançar, impõe-se-nos referir que os factos em apreço no que se refere à concreta actuação do arguido não foram presenciados por quaisquer testemunhas, restando-nos as declarações deste e a ponderação e valoração que destas se pode extrair em termos de normalidade de comportamentos face às regras da experiência comum e normalidade da vida atentos os demais dados objectivos apurados nos autos.
Concretizando, a convicção do tribunal B...rçou-se na confissão parcial que dos factos o arguido efectuou, nas declarações que prestou em sede de audiência, esclarecendo a interpelação que lhe foi efectuada durante o jantar pela vítima seu pai, pelo facto de aquele ter tido conhecimento nesse dia de que o mesmo andaria a fumar e do maior controlo que passaria a exercer sobre os seus passos no futuro, situação que não teve naquele momento qualquer outro desenvolvimento. Refere-nos, que contrariamente ao que sucedia habitualmente, ficou a fazer os deveres escolares na sala, onde se encontrava seu pai a ver televisão, justificando tal comportamento com a intenção de lhe mostrar que ia fazer os trabalhos e que a dada altura, depois de seu irmão e sua mãe se terem ausentado para o andar superior, onde se situavam os quartos, para ir dormir, estando ainda seu pai acordado, começou a pensar na sua vida e na vida familiar e no que seu pai havia feito desta. Reporta a este momento uma "explosão de sentimentos", assente na imensa raiva que tinha por seu pai, e quando deu por si, tinha a catana na mão. Descreve ter-se dirigido a ele, e vendo que estava quieto e a dormir, fez o que fez, que confessa na forma descrita na pronúncia, sem conseguir parar, embora o quisesse fazer, dando com a catana na cabeça do pai por 4 ou 5 vezes, na primeira das quais aquele ainda levantou a mão, que baixou, sem fazer qualquer outra reacção.
Diz não se recordar do momento em que vai buscar a catana, começando por acentuar ter-se tratado de um acto inconsciente, embora, posteriormente, refira que tinha a consciência do que estava a acontecer. Que vendo muito sangue parou, ficou com muito medo daquilo que tinha feito, colocou a catana numa cadeira e saiu a correr de casa. Refere não se ter aproximado do pai e não ter ido ver o estado deste, não tendo chamado sua mãe ou irmão por receio da reacção dos mesmos. Saiu de imediato de casa e deslocou-se, pela estrada para o posto da G.N.R. mais próximo, situado a vinte e tal Kms dali, que percorreu a pé e descalço, aí chegando algum tempo depois das duas da madrugada. Explica-nos que a aposição de "Fuhrer" na sua mão, que se visualiza na imagem de fls. 63, foi efectuada por causa da leitura de uma obra que lia na escola e que tinha que apresentar aos colegas sendo o significado de tal palavra "líder".
Refere que a vida familiar se tinha tomado insustentável, porque seu pai gritava frequentemente com sua mãe, que sofre da doença de Parkinson, doença que este não aceitava, não a apoiando ou ajudando quando a mesma necessitava. Relativamente a si e a seu irmão C...o comportamento era o mesmo, não existindo qualquer ligação afectiva ou diálogo, não havia propriamente conflito, simplesmente o relacionamento era distanciado, não falavam em casa, já que o arguido e seu irmão procuravam afastar-se e não falar com ele; para além de que seu pai os mantinha afastados da família de sua mãe, com quem proibira os contactos; tinha comportamentos que desagradavam a todos, já que havia contraído inúmeras dívidas na aquisição de bens cujo interesse não viam, causando grandes dificuldades financeiras em casa.
Concretamente e relativamente a si, refere que até aos seus 10/11 anos pode dizer que eram felizes, altura a que reporta episódios de abuso sexual por parte de seu pai (diz que aquele o obrigava a masturbá-lo, mas que nunca o penetrou), ocorridos, nas suas palavras, uma a duas vezes por mês, durante cerca de um ano. E que, simplesmente, como começaram, assim terminaram, sem que o arguido se opusesse ou tivesse contado a alguém por receio, sendo que o seu relacionamento com seu pai a partir de então, se transformou completamente, tendo cessado.
Esclarece que seu pai nunca agrediu fisicamente nem a si, nem a seus irmãos, nem a sua mãe, nem se recorda que este lhes tenha feito quaisquer ameaças (embora o fizesse relativamente aos familiares da mãe), as agressões eram meramente verbais.
Que o seu relacionamento com a sua mãe e seu irmão C...(já que o Ricardo à data já havia saído de casa) era bom, conversavam os três, e que o pai ficava fora desse relacionamento. Que o pai insistia em falar com eles, mas estes afastavam-se: "tudo por culpa dele", que nas suas palavras, "destruiu a sua família".
Nas declarações finais que efectuou expressou a preocupação pelo seu futuro, assumindo a morte do pai como "libertadora" da família, conforme aliás nos vem expresso pela psicóloga que o acompanha neste momento, conforme veremos infra, tudo conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético.
Feito o bosquejo das declarações do arguido, extrai-se das mesmas a admissão da factualidade atinente ao acto em si, que o arguido acaba por admitir ter sido consciente, aliás, compatível com o por si referido "querer parar" e bem assim do circunstancialismo que rodeou a prática daquele acto. Todavia, o arguido nega que o tivesse premeditado. Que dizer:
Relativamente a esta situação, impõe-se-nos algumas considerações: Se por um lado, se nos afigura inexistir prova que sustente, que logo no decurso do jantar, o arguido formulou o propósito de matar seu pai, já o mesmo não poderemos dizer relativamente àquilo que o arguido designou de período em que esteve a pensar na sua vida, porquanto, pese embora refira que não pensou tirar a vida a seu pai, é tal afirmação contrariada por todos os actos que se lhe sucedem. Na verdade, a tratar-se de um acto impulsivo, impensado e fora de controlo não há explicação para que o arguido tivesse ido procurar e buscar um objecto que se encontrava guardado, apto a tal fim, a catana que estava num armário da cozinha, e se tivesse dirigido a seu pai vendo que este estava a dormir e desferisse com a catana os golpes da maneira que o fez, referindo ademais que queria parar e que não conseguia! Atente-se, outrossim, no facto de que naquele dia, naquela hora, naquele momento, nada existia que pudesse justificadamente desencadear aquele acto e sobretudo, um acto com a extrema violência como aquele com que nos deparamos na situação em apreço. Por outro lado, não poderá deixar de se salientar o comportamento inabitual do arguido naquela noite ao permanecer na sala, sozinho com o pai, quando o habitual era procurar fugir da presença deste, e ausentar-se para o quarto após o jantar. Porque o fez naquela noite?
Qual a justificação para um acto impulsivo, impensado? Não a vislumbramos. Não existe qualquer facto imediato que faça despoletar a sequência de actos praticados pelo arguido. Antes temos, que este esteve a reflectir sobre a sua vida, pensou nesta e na raiva que tinha de seu pai e actuou. E actuou diligenciando pela obtenção do meio adequado ao fim, levantou-se da cadeira onde estava sentado, dirigiu-se ao armário da cozinha, pegou na catana que sabia ali encontrar-se guardada e dirigiu-se a seu pai, que entretanto deixara adormecer, desferindo-lhe por trás, e sem qualquer possibilidade de reacção por parte deste, com a catana na cabeça, em golpes vários.
A actuação subsequente é também reveladora da reflexão e aceitação/conformação do arguido ao resultado visado. Veja-se que cai completamente fora dos parâmetros em termos de normalidade de comportamentos a sua actuação posterior. Uma pessoa que pratica um acto irreflectido por impulso, incontrolável, quando se apercebe do resultado, sobretudo um resultado como o em causa, seria expectável que ficasse totalmente desesperada, em pânico, que chorasse, gritasse, pedisse ajuda à pessoa que se encontrava mais perto! Não foi isso que aconteceu. O arguido manteve-se em silêncio (veja-se que ninguém em casa se apercebeu do sucedido) poisou a catana numa cadeira e saiu de casa. Percorreu cerca de 30 Kms a pé e dirigiu-se directamente à casa do comandante do posto da GNR (cuja localização conhecia por uma anterior visita da sua escola) tendo as primeiras palavras por si proferidas sido: "O que é que acontece a um rapaz de 16 anos que acabou de matar o pai?", conforme nos foi relatado pela testemunha D..., comandante do Posto da GNR da WW..., que esclareceu as circunstâncias em que o arguido se apresentou à sua porta, àquela hora da noite, a expressão por aquele utilizada, referindo-nos ainda que o arguido estava calmo e sereno e apenas deitou uma ou duas lágrimas. Vide a tal propósito o teor da participação criminal de fls. 7 a 9.
À compreensão de tudo o que deixamos referido quanto à motivação da convicção do tribunal não é alheia, antes a conforma, a análise daquilo que nos vem dito quer pela psicóloga, que acompanha particularmente o arguido desde Abril de 2011, E…, quer pelo que resulta do depoimento do irmão do arguido, testemunha acima referida C..., relativamente á visão/associação que o arguido faz da morte de seu pai, ligando-a à sua felicidade e da sua família, e à sua assunção como "salvador da família"!
Se é certo que estamos perante um jovem, com cara de menino, estamos também perante uma pessoa claramente estruturada a nível psicológico/emocional, com um nível intelectual e funcionamento cognitivo com padrões bastante superiores à média em geral, que lhe garantem capacidade de actuar finalizadamente, pensar em termos racionais e proceder com eficácia em relação ao meio circundante, com capacidade de auto-critica, de reacção ao stress (com maior vulnerabilidade ao factor subjugação) e com uma elevada auto-estima, conforme se depreende do relatório de avaliação psicológica junto aos autos a fls. 353 a 359.
Aqui chegados e conforme referíamos acima, não temos outrossim apurado nos autos qualquer evento, qualquer comportamento agressivo ou mesmo discussão mais acesa, qualquer comportamento da infeliz vítima, naquela noite, ou nos dias imediatamente anteriores, que pudesse sustentar a invocada impulsividade/imponderação do acto, ainda que no designado "culminar de situações". Nem mesmo a invocada, pelo arguido, existência de abusos sexuais, que como passaremos a referir, não logra consistência em termos probatórios, poderia, atento o distanciamento temporal para a qual é apontada, sustentar, naquele momento e concretas circunstâncias, a actuação violenta do arguido.
Na verdade, e especificamente quanto a tal alegação, confrontados com as declarações do arguido sob tal conspecto, não poderemos deixar de salientar, que não resulta dos autos prova suficiente e consistente, nem as suas declarações permitem por si só sustentar o alegado abuso sexual perpetrado pelo pai do arguido quando este tinha 10/11 anos de idade.
Com efeito, a situação relatada, surge-nos eivada de algumas incongruências e falta de consistência, face aos demais dados objectivos resultantes dos autos.
Se por um lado nunca existiu um mínimo indício da sua ocorrência para qualquer um dos membros do agregado familiar, conforme nos é relatado por seu irmão C..., facto que, por si só, à partida, não seria estranho, não fora a circunstância de o arguido ter dois irmãos, sobretudo um deles, o Jorge, com quem refere sempre ter tido uma óptima relação, assim como com sua mãe, sem que o arguido alguma vez tenha feito qualquer pequena referência a esse facto, ainda que os três, nos últimos tempos, conversassem e se queixassem entre si sobre o comportamento do pai relativamente a cada um deles. Não seria expectável, que nessas conversas o arguido tivesse feito referência ao que o pai lhe havia feito a si? Por outro, não resultam apurados quaisquer dados objectivos que permitam indiciar essa situação, designadamente, não foi exteriorizado qualquer comportamento por parte do arguido que pudesse, de alguma forma, indiciar a existência de qualquer problema, pelo contrário, do teor dos documentos de fls. 269 a 340 (processo individual do aluno) extrai-se que o arguido manteve o seu aproveitamento escolar no período em que tal situação alegadamente ocorreu, subindo-o até no ano 2005/2006, não existindo outrossim lesões traumáticas ou seus vestígios, conforme se extrai do teor do relatório de perícia forense de natureza sexual de fls. 632 a 633. Por último, parece-nos algo inusitada a cessação de tal alegado comportamento sem a existência de qualquer facto que a despoletasse. O arguido não se opunha, nunca se queixou, ninguém descobriu, e o pai parou simplesmente!
Decorreram vários anos e nunca essa situação foi aflorada ou de algum modo houve suspeitas relativamente a ela, por qualquer membro da família.
Tudo ponderado não poderemos deixar de concluir inexistirem quaisquer elementos indiciadores da realidade daquilo que nos vem transmitido pelo arguido, o que conduziu à sua não prova.
Também foi relevante à percepção do ocorrido naquela noite, o depoimento prestado pela testemunha F..., assistente operacional na Escola da WW..., o qual nos esclareceu que tendo estado com o pai do arguido na escola, onde aquele se havia dirigido no dia em que ocorreram os factos para falar com a directora de turma do arguido, lhe disse que achava que o arguido andava a fumar.
Por seu turno, a testemunha G..., directora de turma do arguido, à data, esclareceu as circunstâncias e razão pela qual o pai do arguido se havia dirigido à escola naquele dia.
Referiu-nos ainda ter tido pouco contacto com o arguido, já que ele apenas havia ingressado na turma a partir do mês de Outubro e que este era um aluno mediano, com aproveitamento razoável, um jovem extremamente educado, sem problemas de comportamento.
Valorado ainda na sua objectividade, o documento de fls. 10 (verificação de óbito), as fotografias de fls. 48 a 51 (as quais são notoriamente reveladoras da extrema violência e agressividade da actuação do arguido), o relatório de exame de fls. 54 a 64. E aditamento de fls. 249, o auto de reconstituição dos factos de fls. 255 a 260, na sua conjugação com as declarações prestadas pelo arguido em audiência, bem como o relatório pericial de fls. 385 a 387 e 421 (estudo comparativo de vestígios biológicos), relatório de autópsia de fls. 415 a 418 e assento de nascimento de fls. 425.
No que se refere às circunstâncias em que os factos ocorreram e dinâmica familiar, foram ainda valorados os depoimentos prestados pela mãe do arguido B... e seu irmão C..., de 19 anos de idade, os quais confirmaram, no essencial, o que nos foi relatado pelo arguido.
Relativamente ao relacionamento familiar e designadamente entre o pai e os três restantes membros, mãe e os filhos A... e Jorge, foi confirmado o distanciamento e frieza existente, as palavras que aquele dirigia sobretudo a sua mãe, os problemas económicos, bem como, relataram sobretudo, conforme nos foi explicitado pela testemunha C..., o facto de que desagradava aos filhos o autoritarismo do pai, e especialmente o facto de o pai querer controlar e dominar todos os passos que davam, de lhes tirar a liberdade, facto que no entender desta testemunha terá, num acumular de situações, desencadeado a actuação do arguido. Esclareceu ainda que o seu irmão era mais destemido e corajoso do que a testemunha, o que o levava a contrariar as ordens do pai, designadamente, quanto aos contactos com os familiares matemos, com os quais estavam proibidos de falar.
Por seu turno, as testemunhas J... e K…, respectivamente tio e prima do arguido, confirmaram o distanciamento criado pelo falecido ... entre a família materna do arguido e o arguido, seus irmãos e mãe, decorrente de conflitos familiares pelo alegado uso indevido, pelo falecido, de dinheiro da sogra. Referiu-nos ainda sobre o reatamento do relacionamento após a morte do pai do arguido.
No que confere ao elemento subjectivo este ressalta da conjugação de todos os elementos probatórios acima escalpelizados, tendo em conta e para além do mais já referido, a forma de actuação, o meio empregue, a localização das mesmas em órgãos vitais, a intensidade/violência das catanadas e sua necessária aptidão a causar a morte.
No que se refere à personalidade e situação pessoal do arguido foram valorados os relatórios juntos aos autos, designadamente o relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido e junto a fls. 353 a 359, o relatório social junto aos autos a fls. 764 a 767, os depoimentos testemunhais prestados por E…, psicóloga, que acompanha particularmente o arguido após os factos; G..., directora de turma do arguido e as próprias declarações do arguido.
No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, no C.R.C. junto aos autos a fls. 424.
*
No que se refere à factualidade dada como não provada a sua consignação deveu-se essencialmente à falta de prova consistente e suficiente no que tange à confirmação da mesma, conforme ressalta já da motivação acima explanada.
(…)”.

D) A seguinte fundamentação de direito quanto à qualificação dos factos:
“ (…).
O arguido encontra-se acusado como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. a), i) e j), todos do Código Penal.
Apreciemos:
Dispõe o artigo 131 ° do Código Penal: "Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos". Nos termos do artigo 132° n. 1 do C. Penal: "1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos. 2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;... i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;..."
Por último, dispõe o artigo 14º do C. Penal, nos seus nºs. 1 e 3 que: "Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.".
Conforme salienta Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense, na respectiva anotação, o crime de homicídio descrito no artigo 131°, constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida. É a partir, deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra a vida, designadamente, qualificando-o.
O bem jurídico protegido é a vida de outra pessoa, e o tipo objectivo do ilícito consiste em matar outra pessoa. O tipo subjectivo do ilícito exige o dolo em qualquer uma das suas modalidades, directo, necessário ou eventual.
Por último, cumprirá referir que a qualificação do crime de homicídio mostra-se prevista no art.º 132.° e aí o legislador não quis organizá-la de uma forma taxativa, antes optou por uma fórmula aberta, embora cingida a certos parâmetros, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a casuisticamente determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.
Como se diz no Acórdão do STJ de 1996/12/11, in proc. n.º 188/97 (www.dgsi.pt). "A qualificação do crime de homicídio qualificado não é consequência irrevogável da existência de qualquer das circunstâncias constantes do n.º 2 do artigo 132.º do CP. Essencial, é que, as circunstâncias em que o agente comete o crime revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas (pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria de um homicídio simples".
Para Figueiredo Dias, in "Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial", tomo I, pgs. 29, mesmo relativamente a esta circunstância qualificativa não basta para a sua verificação que o agente tenha consciência da sua relação de parentesco com a vítima é, pelo contrário, necessário que ainda nestas hipóteses se exija que a prática do homicídio revele uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, indiciada (mas não "automaticamente" verificada) por aquele ter vencido "as contra-motivações éticas relacionadas com os laços básicos de parentesco".
No que tange à alínea qualificadora atinente à utilização de meio insidioso, refere Figueiredo Dias, in obra citada, "todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno – do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto." ou como refere Maia Gonçalves in Código Penal, Anotado a fls. 466 da l0ª ed., "os meios aleivosos, traiçoeiros e ou desleais", que dessa forma tomam especialmente difícil a defesa da vítima.
Por último e relativamente à circunstância qualificadora prevista na al. j), refere-nos este ilustre professor a fls. 467, que: "É, certamente, esta uma das circunstâncias mais fortemente indiciadoras da especial censurabilidade ou perversidade do autor do crime de homicídio voluntário... Note-se que a premeditação pode agora existir independentemente de reflexão e de persistência no tempo durante período definido, como se fazia no art. 352º do CP de 1886. Basta, para que ela exista, que o agente actue com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados. Nisto se encontra a essência da premeditação. Nesta formulação teve manifesta influência a lição do Prof. Eduardo Correia, autor do Projecto, in Direito Criminal, II, 1965, pags. 301-303: "... É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal maneira intensa que o agente, largo tempo depois de tomar a resolução, pratica o respectivo crime sem hesitação como mero déclencher da decisão tomada prévia e longinquamente. Certo que o critério referido envolve uma relativa margem de incerteza, na medida em que o tempo de permanência de uma resolução previamente tomada, até à sua execução, considerado necessário para revelar uma especial perigosidade ou a possibilidade de uma normal intervenção de contra-motivos, só pode ser fixado por apelo às regras da experiência. Mas isto corresponde à natural fragilidade de todos os conceitos que se relacionam com os factos humanos e pode ser corrigido pela existência formal da fixação de um certo lapso de tempo, especialmente quando à premeditação correspondam efeitos agravantes particularmente graves".
Aqui chegados, cumprirá agora, na subsunção dos conceitos e tipo legal de crime atrás descrito à factualidade provada, fazer os seguintes considerandos:
Da análise da factual idade provada constata-se que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados o arguido A... encontrando-se o seu pai ... adormecido no sofá da sala, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características (…). E, acto contínuo, munido do aludido objecto, dirigiu-se para o sofá onde se encontrava seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir-lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto daquele ....
Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia e designadamente (…).
Tais lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais, causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, feitas de cima para baixo, e da frente para trás, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
Analisado o bosquejo factual acabado de descrever, parece-nos clara a imputação ao arguido do crime de homicídio que lhe vem imputado. Porquanto, actuou com o propósito concretizado e por forma idónea a produzir o resultado morte, através do desferimento de repetidos golpes com uma catana na cabeça de seu pai (utensílio adequado à produção do resultado) e da forma como os efectuou (posicionamento e direccionamento dos mesmos), querendo a morte, a nível subjectivo, que efectivamente se verificou de imediato, em resultado das lesões causadas pela sua actuação, o que tudo fez de forma livre, voluntária e consciente.
Assim, incorreu o arguido na prática de um crime de homicídio, com dolo directo.
A questão que se coloca de seguida, é a de saber se se mostram preenchidas, na situação vertente, as qualificativas que vêm imputadas à conduta do arguido.
E desde logo, não poderemos deixar de concluir em sentido afirmativo, ainda que não em relação a todas elas.
Concretizemos, fazendo apelo mais uma vez à factual idade provada nos autos:
Resulta indubitável a verificação objectiva da primeira alínea, o arguido é filho da vítima .... Mas será que da factualidade exposta se pode concluir em concreto pela verificação de um juízo de culpa especialmente agravado, decorrente da não inibição pelas contra-motivações éticas decorrentes do laço de parentesco de filiação existentes.
Entendemos que sim. Efectivamente, escalpelizada toda a factualidade que vem apurada nos presentes autos não encontramos subjacente à conduta do arguido uma motivação fundada que nos permita julgar "justificada" a extrapolação dos motivos inibitórios em causa na qualificativa em apreço.
Não nos podemos esquecer do contexto situacional/vivencial desta família e de alguma disfuncionalidade claramente percepcionada dos factos provados. Todavia, estamos no âmbito da vivência num meio mal, serrano, onde os valores e conceitos de autoridade da figura paterna, disciplina, respeito e educação assumem ainda hoje uma valorização e intensificação diversa daquela que é percepcionada e vivida no meio citadino.
Esta percepção revela-se importante à exacta compreensão dos vínculos familiares em causa e da razão pela qual entendemos que no caso em apreço a conduta do arguido se mostra reveladora de uma especial censurabilidade pelo não respeito dos motivos inibidores dos laços parentais existentes. Senão vejamos: No fatídico dia dos factos a família jantou normalmente. Apenas uma ocorrência veio alterar o rumo daquela noite. A interpelação que a vítima fez a seu filho e ora arguido, na sequência de uma deslocação à escola, onde havia sido informado que este tinha começado a fumar e a advertência, ainda que tida como ameaçadora, diremos, de que a partir dali iria haver um controlo mais intenso da actuação deste. O arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
Naquela noite, nada mais de relevante se passou. Não há relato de agressões físicas ou mesmo de uma discussão mais acesa.
Sabemos que o relacionamento do arguido com seu pai não era próximo, era mesmo distante e frio, que este criticava frequentemente a mãe do arguido o que era factor de descontentamento do arguido, e que havia desentendimentos frequentes pelas críticas que seu pai lhe fazia, considerando-o o arguido uma pessoa autoritária e controladora. Que a família se havia posicionado em duas facções, de um lado o arguido, a mãe e seu irmão C...e do outro seu pai, em cuja presença o arguido evitava estar. Todavia, o quadro descrito e mesmo o conflito latente não permite apresentar motivação susceptível de abalar os laços filiais que estão subjacentes na protecção visada pela circunstância qualificadora em apreciação.
Terminado o jantar, o arguido manteve-se na sala onde seu pai via televisão, o que fez, não obstante a subida aos quartos de sua mãe e seu irmão, manteve-se sentado numa cadeira à mesa, a reflectir sobre a sua vida, altura em que formula o propósito de matar seu pai. Para o efeito, espera que aquele adormeça e assim que tal sucede, dirige-se ao armário da cozinha e daí retira uma catana, que tinha ponderado e decido utilizar para aquele efeito. Munido de tal objecto, dirige-se para o sofá onde o pai se encontrava adormecido e colocando-se em pé, atrás da cabeça daquele, empunha a catana com a mão direita e desfere-lhe diversos golpes na cabeça de cima para baixo, não reagindo sequer à reacção daquele, única que teve, de levar a mão à cabeça. Tais golpes desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto de seu pai ..., conduzindo à sua morte.
O bosquejo factual referido é elucidativo da intensidade da violência na agressão perpetrada, aliás claramente evidenciada nas fotografias juntas aos autos, fora de qualquer contexto de normalidade face ao acto de matar. A actuação do arguido foi violentíssima.
Mas, compulsado o quadro factual apurado, qual o motivo que a desencadeou? A verdade é que, independentemente de existir um ambiente familiar disfuncional, não vislumbramos qualquer razão justificativa contemporânea da sua actuação, capaz de permitir justificar tão violento acto.
O descontentamento do arguido pelo maior controlo que o pai se lhe propunha efectuar, o cerceamento da sua liberdade fora de casa, a frieza e distanciamento existentes, a autoridade e autoritarismo exercidos por aquele, não são e não podem ser no caso concreto, a nosso ver, susceptíveis de abalar o vínculo filial e justificar o não respeito dos motivos inibitórios do crime daquele decorrentes.
É por tudo isto que não poderemos deixar de considerar verificada a especial censurabilidade da conduta do arguido por este ser descendente da vítima.
Mostra-se assim verificada a qualificativa prevista na alínea a) do artigo 132º do Código Penal.
No que se refere a meio insidioso, circunstância qualificadora prevista na alínea i) do artigo 132º e fazendo apelo às considerações que supra tecemos, entendemos que também esta alínea se mostra verificada concretamente na situação em apreço.
Na verdade, atentando na concreta actuação do arguido na perpetração dos factos, não poderemos deixar de considerar que o arguido ao actuar do modo descrito, o fez, de modo a não deixar à infeliz vítima, seu pai, qualquer possibilidade de defesa, de reacção, ao acto violento por si perpetrado. Actuando por trás e enquanto seu pai dormia, desferindo-lhe golpes violentos na cabeça, de cima para baixo, com uma catana, actuou o arguido de modo oculto, encoberto, à falsa fé, de forma sub-reptícia e dissimulada, que não pode, a nosso ver, deixar de considerar-se especialmente censurável, no contexto em questão.
Já no que se refere à última alínea imputada, o nosso juízo valorativo é diferenciado.
Na verdade, estando na base da frieza de ânimo e da reflexão sobre os meios empregues a firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada, atentando nos factos provados, afigura-se-nos que no caso em apreciação não podemos concluir pela verificação de tal qualificativa.
Com efeito, o circunstancialismo em que tudo ocorre é temporalmente limitado àquela noite e local. Os factos sucedem-se, desencadeiam-se na sequência da discussão/interpelação ocorrida, sem que se possa extravasar para uma reflexão temporalmente alongada sobre a decisão tomada pelo arguido, que lhe permitisse avocar motivos inibidores susceptíveis de o fazer desistir dos seus desígnios.
Não existem quaisquer factos provados que nos permitam concluir que o arguido formulou a sua resolução antes daquele momento, antes daquela fatídica noite, e que portanto tivesse a oportunidade de reflectir e inverter o seu caminho.
E, se bem julgamos, é nessa possibilidade não aproveitada de desistir do desígnio e de sendo-lhe facultada essa oportunidade não se deixar influenciar pelos contra-motivos sociais e ético jurídicos, que está a base da especial censurabilidade vertida na qualificativa em apreço, reveladora de uma maior intensidade da vontade criminosa.
Mas, para o efeito, exige-se que temporalmente se conceda ao agente um período entre a resolução e a execução do acto, capaz de lhe proporcionar o tempo necessário a reflectir de modo a possibilitar a desistência da decisão previamente tomada.
Ora e pese embora se verifique da factualidade provada que o arguido congeminou a morte de seu pai e decidiu os meios aptos a esse fim, é esse tempo necessário de avaliação dos contra-motivos e de se poder determinar por eles que entendemos não se verificar no presente caso. Já que conforme começámos por salientar o desencadeamento do acto, decisão e desfecho foram sucessivos e temporalmente próximos.
Entendemos, assim, não se mostrarem reunidos os pressupostos para considerar verificada, no caso em apreço, uma especial censurabilidade pela verificação da circunstância qualificadora prevista na alínea j) do artigo 132°, do Código Penal.
Em sede conclusiva e perante todo o exposto, temos por verificada a prática pelo arguido de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132° n.º e 2. alíneas a) e i), todos do Código Penal.
(…)”.
E) E a seguinte fundamentação de direito quanto à determinação da medida concreta da pena:
“ (…).
Feito o enquadramento jurídico dos factos haverá que proceder à escolha e determinação da medida da pena a aplicar.
O artigo 40° do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Na ponderação da pena a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios consignados no artigo 71º do C. Penal e, designadamente, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio "nulla poena sine culpa" e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana. A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena. Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
Conforme referimos supra, o crime homicídio qualificado é punível com pena de prisão de 12 a 25 anos.
Vertendo agora a nossa atenção sobre os concretos factores de medida da pena, previstos no nº 2 do artigo 71° do Código Penal, há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é bastante acentuada, tendo em conta o interesse protegido – a vida, bem supremo; a concreta forma de actuação do arguido, reiterada e determinada e a sua violentíssima execução; o meio empregue, a catana, meio particularmente perigoso e apto à finalidade visada; o contexto em que os factos foram praticados e os motivos que lhe estiveram imediatamente subjacentes, que no contexto apurado são insusceptíveis de se apresentar como de algum modo justificadores ou compreensíveis de tão violenta conduta.
Ao dolo, na sua forma de dolo directo, o arguido conhecendo o carácter ilícito da sua conduta quis praticar os factos.
Deverá atender-se, outrossim, ao contexto intra-familiar no qual os actos são praticados, à evidenciada disfuncionalidade no relacionamento entre os seus membros, conotado com alguma frieza e afastamento, e conflitualidade latente resultante da não aceitação do autoritarismo e controle exercido pela vítima sobre o arguido. De salientar ainda que o arguido sentia-se com o relacionamento distante existente entre sua mãe e seu pai e pelas críticas que este frequentemente fazia àquela, o que permite de algum modo atenuar o juízo de culpa.
Em favor do arguido a sua boa e manifesta inserção social e escolar, na qual tem vindo a ter um bom desempenho curricular, tendo concluído, entretanto, o 10° ano de escolaridade.
É bem considerado por aqueles que com ele privam, tido como bem educado, pessoa reservada e ordeira.
Ainda em seu favor, a confissão que dos factos fez em audiência, embora, conforme se pode aquilatar do respectivo registo magnético, não se possa afirmar que o arguido sinta verdadeiro arrependimento pelo acto cometido, ou de algum modo, expresse sentimento de sofrimento pela morte de seu pai, que considera libertadora da família.
Em favor do arguido, ainda o facto de não ter antecedentes criminais.
A considerar, por último, as acentuadas necessidades em termos de prevenção geral, atentas as fortes exigências de tutela do bem jurídico violado, a vida, bem supremo e mais precioso, em termos de reforçar a confiança da comunidade na validade e vigência das normas que a protegem, e que atenta a relação de filiação existente, se fazem sentir ainda com mais intensidade, sobretudo em tempos como os que vivenciamos hoje em dia, em que se assiste a um crescente desvalor e desrespeito pela vida humana. É outrossim, um crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, o que intensifica as exigências de reafirmação da norma violada.
Antes de avançarmos cumpre referir que à data dos factos o arguido contava 16 anos de idade.
Cumpre assim e antes de mais, aferir da aplicação do Dec. Lei n. 401/82 de 23 de Setembro relativo aos jovens adultos.
Dispõe o seu artigo 4º que "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73° e 74° do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado."
O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial da pena centra-se fundamentalmente na importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do jovem condenado.
Nesse juízo deve começar por se ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável; depois, o tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem. Haverá, assim, que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
Atendendo a que o arguido à data dos factos tinha perfeito 16 anos há poucos meses, que este não tinha antecedentes criminais, é um jovem socialmente inserido, bem considerado, tido como educado, pessoa reservada e ordeira, atento ainda o circunstancialismo concreto que rodeou a prática dos factos, poderemos concluir que in casu a aplicação de tal regime traz sérias vantagens para a sua ressocialização e reinserção social, a que não se sobrepõe a indiscutível gravidade dos factos em que interveio.
Pelo exposto, entendemos aplicável ao arguido o regime penal especial para Jovens.
Tendo em conta a sua aplicação e o disposto pelos artigos 72° e 73° do C. Penal, temos que a moldura penal do crime em apreciação, passa a ser de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão.
Tudo ponderado, considerando o que da generalidade dos factos sobressai sobre a personalidade do arguido, bem como a necessidade de prevenir a prática de futuras infracções e os limites fixados na lei, atendendo às circunstâncias dos factos, desvalor da conduta e suas consequências, bem como aos demais factores referidos, o tribunal considera ajustada a aplicação ao arguido da pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)”.
*
*
*

Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Como se disse, o arguido discorda da decisão do tribunal do júri proferida sobre a matéria, relativamente aos pontos 3, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 18 e 19 dos factos provados, ao ponto vertido na alínea b) dos factos não provados, e pretendendo ainda que seja considerada provada a confissão integral e o arrependimento.

A modificação da decisão de facto pelo tribunal de recurso depende, além do mais, de a prova ter sido impugnada nos termos do art. 412º, nº 3, do C. Processo Penal (art. 431º, b), do mesmo código). O recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus da tripla especificação, previsto neste nº 3, a saber: deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; deve especificar as provas que devem ser renovadas [quando disso for caso]. Tratando-se de provas gravadas, as duas primeiras especificações são feitas por referência ao consignado na acta, com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação (nº 4 do art. 412º, do C. Processo Penal).
O arguido deu cumprimento a este ónus, ainda que deva reconhecer-se que de forma não modelar. Com efeito, quer no corpo da motivação, quer nas suas conclusões, indicou especificadamente os factos, provados e não provados, que considera incorrectamente julgados, indicou outros factos que entende terem-se provado, e indicou as concretas provas em que fundam a sua dissensão, mas nem sempre ou melhor, quase nunca, fez constar, quer do corpo da motivação, quer das conclusões, os segmentos das declarações e dos depoimentos que considerou relevantes, com referencia aos respectivos tempos de gravação. Sendo, no entanto, claro, o sentido da impugnação apresentada, entendeu-se dispensar o convite previsto no art. 417º, nº 3, do C. Processo Penal, atenta a natureza dos autos, e por não subsistirem quaisquer dúvidas relativamente ao conteúdo da especificação omitida.
Nada obsta portanto, ao conhecimento do recurso amplo da matéria de facto, com o objecto e limites fixados pelo arguido, supra expostos.

2. Atentemos então no segmento da impugnação relativa aos factos provados.

2.1. O ponto 3 dos factos provados tem o seguinte teor:
- No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar. Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar.

O arguido discorda apenas de se ter considerado provado ter-lhe o pai dito, no decurso do jantar, que iria passar a controlá-lo diariamente, vigiando-o mesmo na escola, alegando que nem por si, nem por sua mãe e irmão tal havia sido dito. Por outro lado, resulta da motivação de facto do acórdão que a convicção do tribunal do júri foi alcançada com fundamento nas declarações do arguido.

Pois bem, ouvidas as declarações do arguido produzidas na audiência de julgamento [registadas no CD que acompanha os autos] delas resulta que, quanto a este concreto aspecto, por si foi afirmado, a interpelação da Mma. Juíza Presidente [entre os minutos 16:00 e 17:00, e sem qualquer dificuldade de audição], e em síntese, que durante o jantar, iniciado pelas 18h, o pai lhe disse que um terceiro lhe havia comunicado que o declarante andava a fumar, facto este que negou, apesar de ser verdadeiro, tendo a conversa sobre este assunto ficado por aí e que depois do jantar, já passava das 19h, é que o pai começou de novo a falar no assunto e lhe disse que ia passar a ir à escola para o controlar. Já a instâncias do seu Ilustre Defensor [entre 01:00:15 e 01:00:50].
Ouvido o depoimento da testemunha B..., mãe do arguido, dele resulta ter apenas um conhecimento vago do teor da conversa havida durante ao jantar [o marido tinha ido à escola e aí disseram-lhe que o filho se tinha portado mal], e nada saber o que aconteceu logo a seguir ao jantar por se ter ido logo deitar, deixando o marido e os dois filhos na sala.
Finalmente, ouvido o depoimento da testemunha C..., irmão do arguido, dele resulta ter a testemunha descrito o que designou de uma discussão entre o seu pai e o irmão por causa do mau comportamento deste na escola mas, para além de uma referência vaga a pretender o pai vigiar o arguido, nada mais de concreto disse.
Assim, se é certo que nenhuma das testemunhas mencionadas referiu o aspecto impugnado, acabou por ser o próprio arguido quem afirmou o declarado propósito do pai em passar a controlá-lo, com idas à escola, por não concordar com os seus hábitos de consumo de tabaco.

Em conclusão, o ponto 3 dos factos provados tem pois pleno apoio na prova produzida pelo que se mantém nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.2. Os pontos 6, 7, 8 e 15 dos factos provados têm o seguinte teor:
- [6] Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto à mesa, a reflectir na sua vida, altura em que formulou o propósito de lhe tirar a vida;
- [7] Na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse;
- [8] Logo que o arguido se apercebeu que aquele ... adormecera no sofá, cerca das 22 horas, na concretização do desígnio já formulado de lhe tirar a vida, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 11,5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lamina de 33,5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão;
- [15] O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada, o que quis fazer na prossecução de um desígnio previamente congeminado, para cuja execução reflectiu e ponderou os meios a utilizar, bem como o local e o momento adequado para actuar.

O arguido discorda do que vem provado quanto ao momento em que formou o propósito de tirar a vida ao pai (pontos 6 e 7), quanto a ter aguardado que este adormecesse (ponto 8) e quanto à prossecução de um desígnio previamente congeminado (ponto 16), apoiando-se no teor das suas próprias declarações e na dinâmica da sua actuação, no período que mediou entre o jantar e o cometimento do homicídio.
Resulta da motivação de facto do acórdão recorrido que a convicção do tribunal do júri, quanto a estes concretos pontos de facto, foi alcançada com base nas declarações do arguido, conjugadas com a apreciação crítica feita de tais declarações à luz dos sentimentos manifestados e de alguns dados objectivos concorrentes, e com os traços da sua revelada personalidade.

Ouvidas as declarações do arguido produzidas na audiência de julgamento [registadas no CD que acompanha os autos, também sem qualquer dificuldade de audição] quanto a estes concretos aspectos, delas resulta, em síntese, ter o mesmo dito:
[A perguntas da Mma. Juíza Presidente]
- A mãe e o irmão estavam a ver televisão e o pai fazia o mesmo sentado no sofá; a cozinha e a sala da casa são ligadas; o declarante e a mãe estavam sentados à mesa e o irmão junto à lareira; estiveram assim algum tempo, tendo subido primeiro, para o quarto, o irmão e depois, a mãe;
- O declarante, que costumava deitar-se pelas 23h ficou a ver televisão e começou a pensar na vida, no que já tinha passado, no que o pai tinha feito a todos, à família, e foi uma espécie de explosão de sentimentos que acabou da pior forma;
- Supõe que, enquanto pensava o pai ainda estava acordado, mas quando deu por si, por volta das 22h30, já tinha aquilo na mão, queria parar e não foi capaz; na altura, não pensou em nada, só se lembra de ter a catana na mão; a catana pertencia ao pai, estava num armário na cozinha, mas não se lembra de a ter ido buscar;
- Não esperou que o pai adormecesse, ele acabou por adormecer; os pensamentos que teve foi de raiva para com o pai, mas não o de o matar, isso não era solução, nunca pensou nisso mas foi o que aconteceu; quando se viu com a catana na mão dirigiu-se ao pai, não sabia que ele estava a dormir, mas ele estava quieto e parecia que dormia, e foi quando começou, queria parar e não foi capaz, tinha consciência do que estava a acontecer e não conseguiu parar; o pai levantou o braço mas baixou-o logo, deu-lhe com a catana na cabeça quatro ou cinco vezes;
- Hoje, não consegue dar uma explicação para ao sucedido; quando terminou ficou com medo, estava com sangue, queria sair dali, pousou a catana numa cadeira e saiu a correr; o pai não gritou, o declarante não gritou, só a televisão estava a trabalhar e quem estava na casa não se apercebeu; não sabe as horas a que saiu de casa, mas foi para o posto da GNR, a mais de 20 km, onde chegou depois das 2h da manhã [sensivelmente, de 17:46 a 35:00];
[A perguntas do Digno Procurador da República]
- Depois da mãe e de o irmão se terem ido deitar o declarante e o pai não voltaram a falar e assim ficaram uma ou duas horas, estava sentado a pensar e foi ao armário buscar a catana que a mãe usava para cortar carne;
- O pai estava sentado, de costas para si, e foi de costas que dele se aproximou, ele não se mexia e pensa que estava a dormir;
- O declarante costumava estudar no quarto mas nesse dia, como o pai se tinha queixado do seu aproveitamento escolar e para ele ver que estudava, ficou ali a fazer os trabalhos; era frequente o pai ficar a ver televisão e adormecer [sensivelmente, de 52:00 a 57:30];
[A perguntas do Ilustre Defensor]
- Demorou cerca de uma hora a concluir os trabalhos; foi depois disto, quando começou a ver televisão, no intervalo do que estava a dar, que lhe vieram as emoções ao de cima [sensivelmente, de 58:40 a 59:50].
Enquanto meio de prova, as declarações do arguido estão sujeitas ao princípio da livre apreciação, previsto no art. 127º, do C. Processo Penal, sendo portanto apreciadas, de acordo com as regras da experiência, com as presunções naturais, e a livre, mas fundamentada, convicção do julgador.
A formação do propósito ou da resolução criminosa é um facto interior ou subjectivo, um mero processo psíquico e, nessa medida, não é directamente percepcionável ou apreensível por terceiros. Por isso, a sua demonstração dependente da existência de declarações processualmente valoráveis, de uma confissão, e ou conjugada com factos exteriores, com factos objectivos e com as regras da experiência.
Como se viu, o arguido admitiu ter atingido o pai na cabeça, diversas vezes, com uma catana. Não obstante a compreensível relutância, tendo em conta na data dos factos tinha 16 anos de idade e que a vítima era o seu progenitor, em admitir a intenção de causar a morte do pai, considerando a zona corporal repetidamente atingida, onde se aloja, como é do conhecimento geral, o cérebro, órgão essencial à vida, e o concreto instrumento usado – uma catana com 33,5 cm de comprimento – é evidente, à luz das regras da experiência, que o arguido quis causar a morte do pai.
Ao fazer o exame crítico da prova, o tribunal do júri, discorrendo sobre as circunstâncias em que o arguido formou este propósito, avisadamente alertou para nada, no relato feito pelo arguido do sucedido apontar para um acto impulsivo e impensado, fruto de um momentâneo descontrolo. Como dissemos, compreende-se a dificuldade do arguido em verbalizar os momentos que antecederam a agressão, mas o facto de, estando sentado à mesa da cozinha, se ter levantado para ir ao armário buscar a catana, só pode significar, neste contexto, que esta sua conduta era já direccionada para aquele propósito criminoso. Ora, tendo o arguido afirmado que, depois de terminados os trabalhos escolares, começou a pensar na vida, no mal que o pai lhe tinha feito a si e a toda a família, e que teve então uma explosão de sentimentos, o de raiva incluído, tudo isto, como também precisou, quando começou o intervalo do programa a que assistia na televisão, a que se seguiu ir buscar a catana, é lógico e completamente razoável, à luz das regras do normal acontecer, a conclusão tirada pelo tribunal a quo, de que formou o seu desígnio criminoso precisamente quando, no decurso daquele intervalo, começou a pensar na vida.
O arguido referiu também, como vimos, que era frequente o pai ficar a ver televisão e adormecer. Mas negou sempre que tivesse aguardado que o pai adormecesse para actuar, antes dizendo que lhe parecia que o pai estava a dormir porque não se mexia.
É muito provável que o adormecimento da vítima facilitasse a prática do crime, fosse pela impossibilidade de antever a agressão, fosse pela menor exigência imposta à conduta do arguido.
Porém, em nosso entender, os elementos objectivos disponíveis não permitem concluir pela espera do arguido, relativamente ao adormecimento do pai. Em primeiro lugar, embora se reconheça a fragilidade do argumento, porque, formulado que estava o propósito de lhe tirar a vida, não podia o arguido ter a certeza de que, naquela noite, o pai adormeceria. Em segundo lugar, e é o que temos por mais relevante, porque não é possível estabelecer, com um mínimo de rigor, o tempo que mediou entre o formular do propósito criminoso, o momento em que este se tornou irrevogável, e o momento em que o arguido executa a acção, munindo-se da catana, como não é sequer possível saber se a vítima estava, efectivamente adormecida, e se, estando-o, quando entrou nesse estado, se antes ou depois da resolução do arguido.
Esta zona menos clara das circunstâncias que rodearam a actuação do arguido só pode ser decidida a seu favor, o que significa que, por se entender não ter o ponto 7 dos factos provados suficiente respaldo na prova produzida, se elimina dos factos provados, passando a constar dos não provados.
Quanto ao mais, os pontos 8 e 15 dos factos provados, nos segmentos, «desígnio já formulado» e «desígnio previamente congeminado», respectivamente, deverão ser referidos apenas ao ponto 6 dos mesmos factos e, mais precisamente, ao segmento, «formulou o propósito de lhe tirar a vida».

Em conclusão, o ponto 7 dos factos provados passa a facto não provado, e os pontos 6, 8 e 15 dos factos provados, porque têm pleno apoio na prova produzida, são mantidos nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.

2.3. O ponto 12 dos factos provados tem o seguinte teor:
- Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás.

Diz o arguido que o que ficou provado, das suas declarações e do relatório da autópsia, é que as lesões da vítima foram provocadas de cima para baixo, mas não da frente para trás, pois isso pressupunha que se tivesse interposto entre o pai e a televisão e assim, agido de frente para este, o que não sucedeu, e é contraditório com o ponto 16 dos factos provados.

Ressalvado sempre o devido respeito, o arguido incorreu em manifesto equívoco.
No ponto 12 sindicado não se diz que o arguido actuou colocado em posição frontal relativamente à vítima. O que se diz é que as lesões que a vítima apresentava, todas na face e no crânio, note-se, foram feitas da frente da vítima para trás da vítima ou seja, do rosto para o crânio. E fácil é perceber a razão de tal ter sucedido.
Com efeito, o arguido afirmou que o pai se encontrava sentado no sofá, quieto, adormecido ou não. Mais afirmou que, munido com a catana, se aproximou do pai pelas costas deste e foi nesta posição, que o atingiu repetidamente na cabeça, com o referido instrumento que tinha uma lâmina de mais de 30 cm de comprimento. Sendo uma evidência que o arguido, porque em pé, estava num nível bem superior ao da cabeça do pai, os golpes foram desferidos de cima para baixo, e da frente, do rosto da vítima, para trás, para o crânio, porque foi precisamente dessa forma que o arguido o atingiu, e é precisamente assim que alguns dos ferimentos se encontram descritos no relatório da autópsia, donde transitaram para o ponto 10 dos factos provados [(…) ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento (…)].
Face ao que fica dito, evidente se torna não existir qualquer contradição entre este ponto de facto, e o ponto 16 dos factos provados, pois que é inquestionável que o arguido se encontrava atrás do pai, quando o atingiu na cabeça.

Em conclusão, o ponto 12 dos factos provados tem pleno apoio na prova produzida pelo que se mantém nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.4. Os pontos 18 e 19 dos factos provados têm o seguinte teor:
- [18] O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era distante e frio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo frequente, procurando o arguido evitar estar na presença do mesmo, que considerava autoritário e controlador;
- [19] O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente, facto de descontentamento para o arguido.

Pretende o arguido que se considere provado que a violência doméstica a que a vítima sujeitava toda a família esteve na origem da sua actuação, indicando como meios de prova que a tanto impõem, as suas próprias declarações, os depoimentos da sua mãe e do seu irmão, e ainda o depoimento da psicóloga que o tem acompanhado.
Nesta sequência, entende que o ponto 8 dos factos provados deve passar a estar assim redigido: «Por razões não concretamente apuradas, mas a que não serão alheios o ambiente de violência doméstica que se vivia na casa e os abusos sexuais de que o arguido foi vítima anos antes, cerca das 22 horas, o arguido dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada (…)». E pretende também aditamentos aos pontos 18 e 19, passando a considerar-se como provado, no essencial, e para além do que destes já consta, que a vítima agredia verbalmente a mulher por ela ser doente, o que muito desgostava o arguido e o irmão, que a vítima não permitia o relacionamento da mulher e dos filhos com a restante família e outras pessoas da aldeia e que tudo isto, juntamente com os abusos sexuais de que foi vitima, levou a que os laços de filiação estivessem fortemente esbatidos.

Sem prejuízo do que adiante se dirá sobre os abusos sexuais, cabe desde já deixar claro que a violência doméstica não é um facto mas um conceito, e que o esbatimento dos laços de filiação será uma conclusão a extrair de factos, caso se provem. Por último, não vemos que as referidas características de personalidade da vítima possam ser atestadas pela testemunha E… a qual, embora psicóloga, foi muito clara quando, no depoimento que prestou, afirmou que tais características lhe foram transmitidas pelo arguido, pela mãe e pelos irmãos [sensivelmente, de 09:00 a 10:20], e não conhecer sequer a vítima [sensivelmente, de 29:40 a 31:00].

Quanto ao mais, o arguido afirmou que a mãe padece da doença de Parkinson há já vários anos, tendo crises que a impedem de caminhar, doença que o pai nunca aceitou e de que tinha vergonha e por isso, não só gritava com ela, como não a apoiava e também não a ajudava, e que o pai é que insistia em falar com ele, com a mãe e com o irmão, embora tivesse destruído a família e a deixasse em má situação económica. A testemunha B... confirmou padecer de Parkinson há dezassete anos sofrendo crises graves que a paralisam, disse que nessas ocasiões o marido, que era agressivo, lhe ralhava, dizendo que se tivesse dinheiro a mandava para longe, e que se queixava deste mau relacionamento com o marido aos filhos. Mais assertivo foi o depoimento da testemunha C... para quem o pai era uma pessoa maldosa que perdia as estribeiras, com excessos de linguagem para a mulher e os filhos, ainda que com o mais velho fosse diferente, que foram piorando com a evolução da doença daquela, e com o agravamento da situação financeira que tornou impossível o convívio familiar.
Por outro lado, o arguido e o irmão, C..., coincidiram em que a agressividade do pai era apenas verbal, pois nunca os agredira, nem agredira a mãe.
Finalmente, as declarações do arguido e os depoimentos da mãe, B..., e do irmão, C..., são coincidentes quanto à oposição da vítima em que contactassem com os irmãos e demais familiares da B... [a vítima não tinha ali família de origem, sendo natural de outro concelho], por razões que se prenderam com o uso dado a dinheiro da sogra da vítima e partilhas, mas nada foi referido quanto a contactos com outras pessoas.

Assim, determina-se que aos factos provados sejam aditados os pontos 19-A e 19-B, com as seguintes redacções, respectivamente:
- O ... não aceitava a doença – Parkinson – de que padecia a mulher, e por isso, tratava-a rudemente, gritando com ela e não a ajudando nas crises de que padecia, o que muito desgostava o arguido;
- O ... não permitia o relacionamento do arguido, do irmão e da mãe, com a demais família desta, por desentendimentos causados por dinheiros e partilhas.

3. Passemos agora ao segmento da impugnação relativa aos factos não provados.
O facto não provado b), tem o seguinte teor:
- Que o arguido fosse vítima de abusos sexuais pelo pai aos 10/11 anos de idade.
Pretende o arguido que se considere provado que, «Entre os anos de 2005 e 2006, durante vezes não concretamente apuradas, o ofendido abusou sexualmente do arguido A..., obrigando-o a práticas sexuais de masturbação e prática de acto sexual oral.», com fundamento nas suas declarações, no depoimento da testemunha E...Mendes, num muito limitado segmento do depoimento de sua mãe, B..., e na circunstância de esta ter sido a sua versão, desde que, na madrugada do dia 25 de Janeiro de 2011, se apresentou no posto da GNR, nada havendo que possa descredibilizar as suas declarações, por espontâneas e coerentes.

Relativamente a este concreto facto, o tribunal do júri, expôs o processo de formação da sua convicção – ausência de prova suficiente e consistente dos abusos – discorrendo sobre a inexistência de aparência da ocorrência dos abusos sexuais para os membros do agregado familiar – conforme o depoimento de C... – não obstante as óptimas relações existentes entre o arguido, aquele seu irmão e a mãe de ambos, sobre a ausência de dados objectivos que indiciassem a situação, v.g., a exteriorização comportamental do arguido, o deficit de aproveitamento escolar, ou lesões traumáticas os vestígios delas – negadas pelo relatório pericial de fls. 632 a 633, e sobre a inusitada cessação de tais comportamentos pela vítima, para concluir que as declarações do arguido, por si sós, não permitiam sustentar a prova do facto.

Já vimos que as declarações do arguido estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova. Por outro lado, é sabido que nos crimes sexuais as declarações do ofendido assumem, em regra, importância fundamental, dada a frequente inexistência de outros meios de prova. Tal não significa, porém, que baste a sua simples afirmação pelo ofendido para que se tenha o crime por provado. Bem pelo contrário, precisamente porque muitas vezes não existem outros meios de prova que as sustentem, as declarações da vítima devem ser escrupulosamente testadas, prevenindo o erro, que neste campo surge potenciado.
Pois bem, a mãe do arguido limitou-se a dizer que desde o início da sua doença deixou de existir relacionamento sexual entre o casal. O depoimento da testemunha E...é, quanto aos abusos sexuais, baseado no que lhe foi relatado pelo próprio arguido, mas não deixou de realçar a sua existência com a falta de relacionamento sexual do casal [sensivelmente, de 10:30 a 13:20]. Já a testemunha C... confirmou a relação muito próxima que tinha, e tem, com o arguido, e o seu desconhecimento de qualquer situação de abuso sexual que, aliás, o irmão nunca lhe confidenciou, nem dela desconfiou. Restavam as declarações do arguido, que situaram os abusos pelos 11 a 12 anos, durante cerca de um ano e uma a duas vezes por mês, nunca tendo contado o sucedido por ter medo e por o pai dizer para o não fazer, e tendo os abusos simplesmente terminado [sensivelmente, de 35:00a 46:00].
Perante a insuficiência da prova testemunhal, o tribunal a quo explicou de forma lógica e sustentada as razões que o levavam a desconsiderar as declarações do arguido. E se é certo que este manteve a mesma versão desde que se apresentou à autoridade policial, não deixa de impressionar que, num ambiente familiar disfuncional e profundamente fracturado, que colocava o pai, num lado, e a mãe e os filhos, no outro, ambiente que se agravava com o passar dos anos, o arguido, que tinha, e tem, um profundo relacionamento com a mãe e com o irmão C...nunca tenha contado a qualquer deles os ditos abusos. Para além disso, igualmente impressiona que só o tenha feito, e não aos familiares próximos, mas a terceiros, depois de ter morto o pai.
Em conclusão, porque foi o tribunal do júri quem beneficiou da imediação da prova e porque, quanto a este concreto aspecto de facto, a decisão proferida se mostra lógica e racionalmente motivada, e se não vislumbra a violação de qualquer regra da experiência comum, não merece a mesma censura.

4. Finalmente, atentemos na pretendida prova da confissão integral e do arrependimento.
A confissão é, enquanto parte integrante das declarações do arguido, um meio de prova. Ela pode ser integral, sem ou com reservas, quando abarca todos os factos imputados na acusação, e parcial.
A confissão, integral ou parcial, é também, em nosso entender, um facto, com relevo, se bem que, com diversa ponderação, para e escolha e determinação da medida da pena e, como tal, deve constar dos factos provados, quando tenha acontecido.

A confissão do arguido, integral ou parcial, não consta dos factos provados. Mas relevou para a determinação da medida da pena, como indubitavelmente resulta da motivação de facto do acórdão em crise.
Com efeito, o tribunal do júri começou por dizer que a sua convicção se B...rçou na confissão parcial do arguido que, na sua perspectiva, terá admitido o acto em si e a sua consciência do mesmo, bem como o circunstancialismo envolvente, mas negou que o tivesse premeditado. Já na determinação da medida da pena, se refere, sem restrição, «a confissão que dos factos fez em audiência».

Nas declarações que prestou em audiência de julgamento, o arguido admitiu ter efectivamente morto o pai, e descreveu a forma como o fez – vários golpes de catana na face e crânio, desferidos pelas costas da vítima – mas negou ter pensado em praticar o acto nos momentos que o antecederam. Entendida a referência feita à premeditação pelo tribunal do júri, neste sentido, e só neste sentido [aliás, o tribunal excluiu a condenação do arguido pela alínea j), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal que, como é sabido, prevê a circunstância qualificativa premeditação] deve admitir-se que, negando o processo de construção da resolução criminosa, não tenha feito uma confissão integral.
No entanto, mesmo parcial, a confissão do arguido teve manifesto relevo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e por isso, enquanto facto, deve constar do acórdão, no lugar que lhe compete.

Relativamente ao arrependimento, sabido que é que só o arrependimento sincero, objectivado em actos que inequivocamente o demonstrem, conduz, nos termos do art. 72º, nº 2, c), do C. Penal, à atenuação especial da pena, não só o arguido se limita à sua invocação, sem indicar os concretos factos que o demonstram e isto, independentemente da sua prova.
É claro que o arguido, nas declarações finais, disse estar arrependido do que fez e temer as consequências que daí adviriam para a sua vida, mas não mais do que isto.
Logo, não estando provados factos reveladores do arrependimento sincero do arguido, não pode tal circunstância modificativa ser considerada provada.

Assim, determina-se que aos factos provados seja aditado o ponto 25, com a seguinte redacção:
- O arguido confessou parcialmente a prática dos factos, com relevo para a descoberta da verdade, e declarou-se arrependido.

5. Face ao antecede, e porque também se não evidencia no acórdão recorrido qualquer dos vícios, de conhecimento oficioso, previstos no nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos que seguem:

A) Factos provados:
1. O arguido A... é filho de ... e de B... e sempre viveu com estes e com o seu irmão C..., numa residência sita na Rua … , no concelho de WW..., área desta comarca.
2. O arguido sempre teve um relacionamento próximo com todos os membros do agregado familiar, excepto com o seu pai, ..., com quem tinha desentendimentos frequentes motivados pelas críticas constantes que este lhe fazia.
3. No dia 24 de Janeiro de 2011, cerca das 18.30m, durante o jantar, na residência supra referida, o arguido, na presença da mãe e do irmão, foi confrontado pelo pai, o qual lhe disse que na sequência de se ter dirigido à sua escola para falar com a Directora de Turma, lhe haviam referido que o mesmo tinha começado a fumar. Acrescentou que, por isso, a partir dali o iria controlar diariamente, dispondo-se a deslocar-se à escola para o vigiar.
4. Ao ouvir o que o seu pai lhe dissera, o arguido contrapôs que não era verdade, não tendo havido qualquer outra reacção.
5. Terminaram o jantar e após terem estado durante algum tempo na sala a ver televisão, o seu irmão C... e a sua mãe B... de ., subiram, respectivamente, ao primeiro e segundo andar da referida residência e dirigiram-se para os seus quartos para pernoitarem, o que veio a suceder cerca das 21h30m, altura em que o arguido ficou a sós com o seu pai, na sala do rés-do-chão.
6. Uma vez aí, o arguido, verificando que o seu pai estava sentado no sofá a ver televisão, ficou durante algum tempo sentado numa cadeira junto à mesa, a reflectir na sua vida, altura em que formulou o propósito de lhe tirar a vida.
8. Logo que o arguido se apercebeu que aquele ... adormecera no sofá, cerca das 22 horas, na concretização do desígnio já formulado de lhe tirar a vida, dirigiu-se ao armário da cozinha e daí retirou uma catana, que sabia ali estar guardada e que tinha ponderado e decidido utilizar, com as seguintes características: 45 cm de comprimento, com cabo tronco cónico, medindo 11,5 cm de comprimento e 3,2 cm na sua parte média, com uma lamina de 33,5 cm de comprimento e com largura entre 5 cm junto ao punho e 8 cm na sua maior dimensão.
9. Acto contínuo, munido do aludido objecto, o arguido dirigiu-se para o sofá onde se encontrava adormecido o seu pai, colocou-se em pé, atrás da cabeça daquele, e empunhando a catana com a mão direita desferiu-lhe um primeiro golpe de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, ao qual aquele ...reagiu, levando a mão à cabeça. Ignorando a reacção do seu pai, que não mais resistiu, o arguido continuou a desferir-lhe diversos golpes, de cima para baixo, na parte de cima e direita da cabeça, golpes esses que desfiguraram, por completo, a cabeça e o rosto daquele ....
10. Em consequência da conduta do arguido, ... sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da autópsia de fls.415 e sgs., cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, ferida corto contundente rostro-caudal, biparietal, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com cento e sete milímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, anterior à previamente descrita, frontoparietal direita, obliqua da esquerda para a direita e da frente para trás, com dez centímetros e meio de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal, ântero-inferior à previamente descrita, frontoparietal direita, com treze centímetros de comprimento; ferida corto- contundente rostrocaudal, ântero-inferior à previamente descrita, desde o terço médio do dorso do nariz (metade esquerda) até à região frontal (para mediana direita), passando pela glabela, com treze centímetros de comprimento; ferida corto-contundente rostro-caudal distando lateralmente uns milímetros da anteriormente descrita, desde o rebordo orbitário direito até a porção posterior da região frontal (para mediana direita) com onze centímetros de comprimento; várias feridas corto-contundentes na região nasogeniana esquerda, atingindo o dorso do nariz (metade direita), oblíquas de cima para baixo da direita para a esquerda, a maior com oito centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a parte média do lábio inferior até à região temporal direita com exteriorização da massa encefálica, com vinte e cinco centímetros de comprimento; ferida corto contundente rostro-caudal, desde a região bucal direita até ao pavilhão auricular direito alcançando o antihélix (terço superior), com cento e treze milímetros de comprimento, de bordo anterior afilado e com concavidade voltada para baixo, apresentando o bordo posterior um entalhe transversal milimétrico e existindo uma escoriação milimétrica no hélix correspondente; fractura de vários ossos do crânio e da face à direita; hematoma subdural e hemorragia subaracnóide à direita; laceração do parênquima encefálico à direita, rodeado de focos de contusão e presença de zonas hemorrágicas intraparenquimatosas à direita.
11. As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e faciais descritas (referidas no relatório de autópsia) causadas pelos golpes desferidos pelo arguido, utilizando a catana, foram causa directa e adequada da morte daquele ..., que ocorreu de imediato, no local onde se encontrava.
12. Tais lesões encontradas ao nível da cabeça, que foram causa directa e adequada da morte de ..., foram feitas de cima para baixo, e da frente para trás.
13. Após, o arguido colocou a catana que utilizara para praticar os factos supra descritos numa cadeira, saiu da sua residência, caminhou pela rua principal daquela localidade, tendo largado os chinelos que calçava a cerca de 100 m de casa e percorreu, descalço, cerca de 30 km até ao Posto da GNR de WW..., onde chegou cerca das 3h00 da manhã do dia 25 de Janeiro de 2011 e contou que tinha morto o pai.
14. O arguido agiu do modo supra descrito com o propósito concretizado de tirar a vida a ..., bem sabendo que aquele era seu pai e que o instrumento que utilizou para o efeito – uma catana – a repetição das pancadas, zona que visou no corpo da vítima, atingiria, como atingiu, órgãos vitais, sendo pois idóneos a produzir o resultado que pretendia.
15. O arguido quis usar a catana nas condições supra descritas, bem sabendo que assim tirava a vida a ..., seu pai, actuando de forma brutal, fria e determinada, o que quis fazer na prossecução de um desígnio previamente congeminado, para cuja execução reflectiu e ponderou os meios a utilizar, bem como o local e o momento adequado para actuar.
16. Sabia também o arguido que atacando ... da forma descrita (com uma catana enquanto este dormia no sofá, colocando-se atrás da cabeça deste e desferindo-lhe as pancadas de cima para baixo) tomava impossível a defesa por parte daquele ....
17. Agiu o arguido, em todas as circunstâncias descritas, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.
18. O relacionamento entre os membros da família e designadamente entre o pai do arguido, de um lado, o arguido, seu irmão C...e sua mãe, do outro, era distante e frio, não havendo entre o pai e os restantes membros do agregado familiar convívio ou diálogo frequente, procurando o arguido evitar estar na presença do mesmo, que considerava autoritário e controlador.
19. O ... tratava friamente a sua esposa a quem criticava frequentemente, facto de descontentamento para o arguido.
19-A. O ... não aceitava a doença – Parkinson – de que padecia a mulher, e por isso, tratava-a rudemente, gritando com ela e não a ajudando nas crises de que padecia, o que muito desgostava o arguido.
19-B. O ... não permitia o relacionamento do arguido, do irmão e da mãe, com a demais família desta, por desentendimentos causados por dinheiros e partilhas.
20. No relatório social elaborado ao arguido, foi consignado, para além do mais: "A... tem 18 anos, sendo o mais novo de três irmãos, O seu processo de desenvolvimento terá decorrido num ambiente educacional rígido, exigente e controlador, incutido por uma liderança autocrática do pai (vítima). Foi sempre considerado uma criança calma e adaptada, respeitadora, tal como os irmãos, das regras familiares e sociais, Iniciou com 5 anos um percurso escolar normativo em termos de comportamento e desempenho. Nunca reprovou ou lhe foram atribuídos comportamentos inadequados no relacionamento com colegas e professores, sendo-lhe reconhecida uma postura recatada, pacifica e bem aceite pelos pares. Por ter mudado de área curricular, à data dos factos encontrava-se a repetir o 10º ano de escolaridade, no ramo de Ciências e Tecnologia. No 1º período lectivo (imediatamente antes da data dos factos) tinha obtido um desempenho mediano, dentro do habitual. A sinalização de doença Parkinson à mãe do arguido, em 1998, veio a interferir na conjugalidade e na própria dinâmica familiar, acentuando um distanciamento afectivo já atribuído ao pai relativamente à mãe e contribuindo para uma certa cumplicidade/aliança afectiva entre esta e os filhos. Ao pai é apontada uma postura familiar de maior intolerância após a sua inactividade profissional por invalidez (2005), manifestada por atitudes de humilhação dirigidas sobretudo à mãe e ainda um controlo, entendido pelo arguido como excessivo, das actividades dos filhos (convivência, vigilância da proibição de uso de tabaco e álcool). Não indicia nem nunca lhe foi conhecidos quaisquer sintomas de perturbação psicológica ou psiquiátrica, conduta aditiva (álcool ou outras drogas) ou agressiva. Exibe uma postura calma, passiva e introvertida na relação interpessoal. Integra o agregado familiar de origem, coabitando com a mãe (de 56 anos, reformada por invalidez) e os dois irmãos (Ricardo. 21 anos, militar; Jorge, 1 9 anos, electricista). Beneficia de boas condições habitacionais em casa própria, sita num aglomerado pequeno, de características rurais. Existe um bom relacionamento familiar. Não são perceptíveis ressentimentos nem sentimentos de perda por parte dos elementos do agregado. Houve o reatamento de relações do agregado com os tios do arguido, que o visitam e têm apoiado regularmente. A actual situação económica é equilibrada, suportada pelos vencimentos dos irmãos do arguido (540 e 700 euros) e reforma da mãe (303 euros), totalizando um montante mensal líquido de cerca 1543 euros. As despesas fixas mensais (prestação de crédito habitação, água, electricidade, telefone e medicação da mãe) representam cerca de 420 euros. Desde a data dos factos que a mãe beneficia de apoio domiciliário assegurado pelo centro de dia local, consubstanciado em refeições diárias, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. No meio local persiste uma imagem positiva do arguido e ainda uma reacção de surpresa e ausência de explicação face aos factos dos presentes autos. O arguido sempre teve uma convivência social restrita, circunscrita ao espaço e ambiente escolar. Na actual medida de coacção (OPHVE) o arguido tem recebido visitas regulares por parte de colegas de escola e vizinhos. Iniciou neste contexto relação de namoro com uma colega de escola, facto que valoriza como experiência gratificante. Já na actual situação coactiva, através do regime "e-learning", concluiu com sucesso e classificações acima do habitual, o 10º ano. Presentemente encontra-se a frequentar em regime normal/presencial o 11º ano. Neste primeiro período lectivo tem revelado desinvestimento e um fraco desempenho escolar, apresentando resultados insuficientes a pelo menos 3 disciplinas, registando ainda demissão na execução dos trabalhos de casa. Já a nível de comportamento e assiduidade é referenciado como aluno exemplar."
21. Do relatório de avaliação psicológica efectuada ao arguido consta em sede conclusões, que: "– Estivemos perante um jovem adolescente sensível, com capacidade de se expressar e de se auto-analisar. – O seu nível intelectual e respectivo funcionamento cognitivo é compatível com padrões bastante superiores à média, garantindo a existência de raciocínio lógico e capacidade de adaptação. – Neste momento, parecer estar a revelar alguma vulnerabilidade emocional que se traduz em níveis de ansiedade-estado ligeiramente acima da média e presença de moderada sintomatologia depressiva. – Revelou possuir uma auto-estima conservada, bem como uma personalidade predominantemente introvertida e com estabilidade emocional. – Não foi detectada sintomatologia patológica que faça supor a existência de um transtorno de personalidade estrutural. – Para além de possuir uma personalidade que se pode considerar globalmente equilibrada, sem sintomatologia patológica que faça supor a existência de psicopatologia comportamental, o examinado evidenciou também possuir capacidade de auto-critica, sendo de prever que, no futuro, possa prosseguir adequadamente a sua história social, familiar e profissional."
22. O arguido não tinha antecedentes criminais.
23. O arguido é considerado um jovem educado, pessoa reservada e ordeira.
24. O arguido sente a morte do pai como "libertadora" da família.
25. O arguido confessou parcialmente a prática dos factos, com relevo para a descoberta da verdade, e declarou-se arrependido.

B) Factos não provados:
a) Que o arguido formulou o propósito de tirar a vida a seu pai no decurso do jantar, após ouvir o que o seu pai aí lhe dissera, e que na prossecução de tal desígnio aguardou quer terminassem o jantar e que sua mãe e irmão subissem aos quartos, para ficar a sós com o seu pai.
b) Que o arguido fosse vítima de abusos sexuais pelo pai aos 10/11 anos de idade.
c) Na prossecução de tal desígnio esperou que o mesmo adormecesse.
*

Da incorrecta qualificação jurídica dos factos [face à modificação da matéria de facto]

6. Embora referindo a pretendida modificação da decisão da matéria de facto a uma diminuição da medida da pena aplicada, resulta da argumentação expendida pelo recorrente no corpo da motivação, que este, se bem o entendemos, questiona a própria qualificação do homicídio pela alínea a), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal, com fundamento na existência de violência doméstica que incluíam os próprios abusos sexuais, num quadro familiar de grande violência, que esbateram grandemente os laços filiais.

Como se viu, foi mantida a decisão de facto da 1ª instância quanto à não prova dos abusos sexuais. Por outro lado, os aditados pontos 19-A e 19-B dos factos provados ajudam a definir com mais precisão os contornos das crispações familiares existentes, mas não modificam, em grau e em intensidade, o que já resultava dos pontos 18 e 19 dos mesmos factos.
Posto isto.

A qualificação do homicídio no C. Penal é efectuada pela combinação da cláusula genérica de agravação, prevista no nº 1 do art. 132º – a especial censurabilidade ou perversidade do agente ou seja, um especial tipo de culpa – com a técnica dos exemplos-padrão, enunciados no nº 2 do mesmo artigo isto é, os exemplos padrão indiciam e explicitam o sentido da cláusula geral que, por sua vez, corrige o conteúdo objectivo daqueles.
É precisamente por isto que a verificação, no caso concreto, de um exemplo-padrão não significa, necessariamente, a realização do especial tipo de culpa e consequente qualificação do homicídio. Da mesma forma que a não verificação de qualquer exemplo-padrão não impede a qualificação do homicídio, desde logo porque o uso, no nº 2 do art. 132º, da expressão «entre outras» indica que não estamos perante um elenco taxativo. O que se exige é a verificação no caso concreto, de elementos substancialmente análogos aos tipicamente descritos que, embora não expressamente previstos na lei, correspondam ao sentido, desvalor e gravidade de um exemplo-padrão (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 26, Prof. Augusto Silva Dias, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, 2ª Ed., AAFDL, 2007, pág. 25 e ss., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 73, e Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, pág. 63). Nestas condições, porque se mostra plenamente respeitado o princípio da legalidade, é admissível o homicídio qualificado atípico.
Em suma, a qualificação do homicídio baseia-se num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade – atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas – ou perversidade – condutas que reflectem no facto concreto as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade – do agente, não sendo as circunstâncias qualificativas de funcionamento automático, nem o respectivo elenco taxativo.

Desta forma, em tese, é admissível que o agente que dolosamente causa a morte do progenitor, não veja a sua conduta qualificada como de homicídio qualificado pela alínea a), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal, designadamente quando, em concreto, existem situações que explicam e justificam que o agente tenha ultrapassado a barreira das contramotivações éticas inerentes aos laços mais apertados de parentesco, fazendo desaparecer a distância entre a determinação normal pelos valores e a determinação do agente que fundamenta a qualificação do crime.

6.1. Ora, in casu, e concordando com o decidido pela 1ª instância, reconhecendo-se embora a desarmonia, a disfuncionalidade, a indiferença, o desamor existente no agregado familiar, que afastava a mãe e os filhos – ou, pelo menos, dois – para um lado, e o pai, para o outro, não vemos que existam motivos suficientemente fortes para, justificando a conduta do arguido, afastar a qualificação. Não tanto, como parece ter entendido o tribunal do júri, por não vislumbrar qualquer razão justificativa contemporânea justificadora do acto, pois não raras vezes a conduta humana é o resultado de um acumular de tensões, mas porque pura e simplesmente não se provou a razão de o arguido assim ter actuado, sendo certo que, de todo o modo, nunca o descrito ambiente familiar seria por si só suficiente para afastar a qualificação.

6.2. Pretende ainda o arguido que também se não verificou a premeditação. Aqui, para além do que já sobre este aspecto se referiu, basta apenas dizer que, vindo acusado e pronunciado, também pela circunstância prevista na alínea j), do nº 2, do art. 132º, do C. Penal, o tribunal do júri afastou esta circunstância, não sendo o arguido, a final, por ela sancionado.

6.3. Em conclusão, não obstante as alterações determinadas na matéria de facto, a conduta do arguido continua a ser qualificada como homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a) e i), do C. Penal.
*
Da excessiva medida da pena decretada, e da suspensão da respectiva execução

7. Pretende o arguido que a pena que lhe foi aplicada seja reduzida, invocando, para além do esbatimento dos laços familiares e da violência doméstica, o seu arrependimento e ainda a aplicação do regime penal dos jovens para, devendo a pena situar-se abaixo do patamar dos cinco anos de prisão e, ao que parece [face à referência ao juízo de prognose favorável e ao art. 50º do C. Penal como norma violada], suspensa na sua execução.

Antes de mais cumpre esclarecer que no acórdão recorrido foi entendido dever o arguido beneficiar do regime penal para jovens, previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, razão pela qual a pena decretada resultou de uma moldura penal abstracta especialmente atenuada.
Por isso, e ressalvado sempre o devido respeito, parece resultar de lapso o teor da conclusão LXIX.
Mas se assim não for ou seja, caso pretenda o arguido beneficiar de uma dupla atenuação especial da pena, em consequência do pretendido arrependimento, carece tal pretensão de fundamento porque, como vimos, não se encontra demonstrado o arrependimento sincero do arguido, e só este permite desencadear o mecanismo previsto no art. 72º, nºs 1 e 2, c), do C. Penal.

7.1. O tribunal do júri entendeu, e bem, aplicável ao arguido o regime penal para jovens, previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, na sequência do que, depois de ter determinado a moldura penal abstracta resultante da atenuação especial da pena ali prevista – 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses – lhe aplicou a pena de 9 anos e 6 meses de prisão.

Prevenção geral [protecção de bens jurídicos] e especial [reintegração social do agente], e culpa constituem as balizas a ter em conta na aplicação da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal). A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. A culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 214 e ss.).
A medida concreta da pena é dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização], mas sempre com o limite inultrapassável da medida da culpa. Podemos dizer, citando o Prof. Figueiredo Dias que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 81).

O critério de escolha da pena encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal. Quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Escolhida a pena, há que fixar a sua medida concreta. A moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena. Tendo em conta estes limites, a determinação da medida concreta da pena é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).
Entre outras circunstâncias, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).
Posto isto.

7.2. É elevado o grau de ilicitude do facto e foi particularmente violento o modo da sua execução.
É elevada a intensidade do dolo com que o arguido actuou.

Militam a favor do arguido, a confissão que, ainda que parcial, teve relevo manifesto para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a ausência de antecedentes criminais, se bem que de escassíssimo valor atenuativo, quer porque é o que se espera de qualquer cidadão, quer pela sua pouca idade, e a sua inserção familiar, escolar e social.

A revelada personalidade do arguido – equilibrada, com estabilidade emocional, sem indícios de transtorno estrutural –, a sua capacidade intelectual acima da média, a sua capacidade de auto-crítica e a sua auto-estima, aliadas à assunção da sua culpa – como resulta quer da confissão, quer da declaração de arrependimento – fazem baixar significativamente as necessidades de prevenção especial.

Por outro lado, embora se reconheçam as elevadas exigências de prevenção geral que o caso requer, não pode esquecer-se que estamos perante um arguido que quando pratica o facto tem apenas 16 anos de idade e vivia há já alguns anos um ambiente familiar deveras desfavorável.
Tendo tudo isto em conta, sobretudo a extrema juventude do arguido e a sua personalidade, entendemos que expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada ainda serão respeitadas com a aplicação de uma pena que se situe sensivelmente abaixo do ponto médio da moldura considerada.

Assim, consideramos adequada às exigências de prevenção e perfeitamente suportada pela culpa do arguido a pena de 8 anos de prisão.

7.3. Fixada a pena nos termos sobreditos, excluída fica, por impossibilidade legal, a sua substituição pela pena de suspensão da execução da prisão.
*
*
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:

A) Modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
1. Eliminando o ponto 7 dos factos provados, e aditando o respectivo conteúdo aos factos não provados;
2. Aditando os pontos 19-A, 19-B e 25 aos factos provados.
*
B) Revogar a pena de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão imposta ao arguido A..., condenando-o agora, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos 131º e 132º, nºs 1 e 2, a) e i), do C. Penal, com referência aos arts. 72º e 73º do mesmo código e aos arts. 1º e 4º, do Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, na pena de 8 (oito) anos de prisão.
*
C) Confirmar, quanto ao mais, o acórdão recorrido.
*

Sem tributação, atenta a parcial procedência do recurso (art. art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).
*
(Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário.)

Coimbra, 7 de Novembro de 2012



______________________________
(Calvário Antunes)



______________________________
(Vasques Osório)