Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1058/10.0TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 294/97 DE 4/10, LEI Nº24/2007 DE 18/7
Sumário: 1.- Perante o art. 12º da Lei 24/2007, de 18.7, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária, de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai, não cabendo ao lesado demonstrar que tais obrigações não foram observadas;
2.- Recaindo sobre tais entidades uma obrigação de meios reforçada, o cumprimento do ónus de prova de cumprimento das obrigações de segurança relativamente à entrada e permanência de um animal na faixa de rodagem não se mostra satisfeito com a alegação e prova genérica de passagens de equipas de assistência;

3.- A concessionária só afastará aquela presunção de culpa se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade que lhe não deixou realizar o cumprimento.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. R (…), Juiz de Direito, residente em Gondomar, veio propor contra Brisa, S.A. com sede em São Domingos de Rana, e Companhia de SEguros A... S.A., com sede em Lisboa, acção declarativa de condenação, pedindo a condenação destas a pagar-lhe a quantia 5.140,16 € acrescida de juros desde a data de citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no dia 29.10.2008 pelas 16.55 h, na A1, ao km 113,5, sentido Sul/Norte ocorreu um acidente de viação tendo como interveniente o veículo ligeiro de passageiros, matrícula DT (...), por si conduzido, e propriedade de T (...) – Rent-a-Car. Que o dito acidente se concretizou pelo embate do DT num cão que se encontrava na faixa de rodagem, tendo-lhe sido impossível evitar tal embate. Em virtude do embate do DT com o dito cão resultaram para este veículo danos, cuja reparação orçou em 5.391,14 €, suportando o autor o pagamento da franquia contratualmente estabelecida com a T (...), no montante de 5040 €. Suportou ainda o custo da sua deslocação em táxi até a sua residência que custou 100 € a que acresce o montante de 0,16 euros pela emissão da certidão atinente ao acidente ocorrido. Que a ré Brisa é responsável pelo acidente ocorrido, posto que violou culposamente as condições emergentes do contrato de concessão celebrado com o Estado Português, permitindo a presença do dito cão na faixa de rodagem. Uma vez que a mesma ré celebrou com a ré A..., S.A. contrato de seguro impende sobre ambas o dever de o indemnizar nos moldes peticionados.

A ré Fidelidade contestou, confirmando a existência de contrato de seguro e alegando que a ré Brisa cumpriu na íntegra os deveres de fiscalização que sobre ela impendem alegando ser impossível concretizar por onde terá ocorrido a entrada do dito cão.

A ré Brisa também contestou, afirmando ter cumprido todos os seus deveres de fiscalização do traçado da auto-estrada, afiançando estar em bom estado de conservação a vedação da dita auto-estrada. Concluiu pela improcedência da acção.

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Foi, a final, proferida sentença que julgou improcedente a acção.

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2. O A. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. A R. Brisa contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

(…)

II – Factos Provados

1. Em 29.10.2008, o A. conduzia o veículo Marca MERCEDES, Modelo E220 com a matrícula DT (...) na Auto-Estrada A1, no interior do concelho de Leiria [al. A dos Factos Assentes].

2. A viatura sobredita é propriedade de T (...), Rent-a-Car, SA, sociedade comercial sob forma anónima, pessoa colectiva n.º 502 214 902, com sede social T (...)Lisboa [al. B dos Factos Assentes] .

3. T (...), SA entregou o sobredito automóvel ao A. para que este o utilizasse nas suas deslocações enquanto a sua viatura própria se encontrava em reparações, acordando que, uma vez findas estas, o demandante lho devolveria [al. C dos Factos Assentes].

4. Nos termos do acordo firmado entre T (...), SA e o A., em caso de acidente, o demandante ficaria responsável pelo pagamento do valor de € 5.040,00 a título de franquia quando a reparação da viatura excedesse este montante [al. D dos Factos Assentes].

5. A 1.ª R. é Concessionária da Auto-Estrada A1, tendo-lhe sido cometida pelo Estado Português a sua exploração, conservação e manutenção nos termos dispostos nos Decretos-Leis 315/91, 294/97 e 247-C/2008 [al. E dos Factos Assentes].

6. De acordo com o disposto nos citados diplomas, a 1.ª R. encontra-se vinculada a manter a estrada em plenas condições de segurança, rodeando-a de cercas e vedações que impeçam a intrusão no troço viário de qualquer elemento estranho à circulação automóvel [al. F dos Factos Assentes].

7. Em 29.10.2008, o A. conduzia o veículo supra descrito pela Auto-Estrada A1, perto do Km 113,5, no sentido Sul/Norte e em direcção à cidade do Porto [al. G dos Factos Assentes].

8. Constatando que a viatura havia ficado danificada, o A. imobilizou-a então junto à berma, em local seguro, tendo convocado para o local a Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana [de ora em diante GNR-BT] e os serviços de assistência da 1.ª R [al. H dos Factos Assentes].

9. Os agentes da GNR-BT levantaram o Auto respectivo, junto aos autos a fls. 13/16- e que aqui se tem por reproduzido para todos os legais efeitos [al. I dos Factos Assentes].

10. Um trabalhador da 1.ª R. em funções no seu Serviço de Assistência removeu o cadáver do animal [al. J dos Factos Assentes].

11. No dia 30.10.2008, o A. apresentou Reclamação junto da 1.ª R. nos termos constantes do doc. junto aos autos a fls. 29 que aqui se tem por reproduzido para todos os legais [al. K dos Factos Assentes].

12. A Ré respondeu nos termos do doc. de fls. 30 que aqui se tem por reproduzido para todos os efeitos legais [al. L dos Factos Assentes].

13. O A. enviou em 23.04.2009 à 2.ª R. a carta que faz fls. 31 a 33 dos autos e que aqui se tem por reproduzido para todos os legais efeitos [al. M dos Factos Assentes].

14. O Autor Reclamou pelo pagamento do valor de € 5.140,16 [al. N dos Factos Assentes].

15. Em 03.07.2009, a 2.ª R. respondeu pela carta que junta aos autos a fls. 38 – aqui dada por integralmente reproduzida [al. O dos Factos Assentes].

16. Em 18.09.2009, a 2.ª R. dirigiu ao A. a carta junta aos autos a fls. 39 – aqui dada por integralmente reproduzida [al. P dos Factos Assentes].

17. Na data e hora referidas, o A. regressava de Lisboa, onde participara em reunião do Conselho Superior, para o Porto, onde vive [resposta dada ao quesito 3.º].

18. Enquanto conduzia no indicado dia, hora e lugar, o A. foi surpreendido por um cão de grandes dimensões, de cor beije, que circulava na via de trânsito da esquerda, em sentido contrário ao da marcha de trânsito [resposta dada ao quesito 4.º].

19. O A. executava na altura manobra de ultrapassagem de um veículo pesado que circulava na via de trânsito da direita [resposta dada ao quesito 5.º].

20. O cão procurava atravessar a estrada e, não lho permitindo o separador, dirigiu-se para o interior da faixa de rodagem onde embateu na viatura do A., frontalmente e com violência [resposta dada ao quesito 6.º].

21. O animal foi projectado pela violência do embate, ficando cadáver junto à berma direita da faixa de rodagem [resposta dada ao quesito 7.º].

22. O A. travou a fundo, sem conseguir evitar a colisão [resposta dada ao quesito 8.º].

23. O A. não teve possibilidade de se desviar do animal por se encontrar encurralado entre os rails de protecção, à esquerda, e o camião que circulava à sua direita [resposta dada ao quesito 9.º].

24. Sob escolta da GNR-BT, o A. deslocou a viatura até à Estação de Serviço mais próxima, onde se constatou que a mesma não poderia prosseguir viagem [resposta dada ao quesito 11.º].

25. A viatura tinha a grelha de protecção e o pára-choques partidos do lado do condutor, largava fumo pelo escape de forma anormal, produzia ruídos estranhos ao funcionamento do veículo e apresentava problemas de desenvolvimento na condução [resposta dada ao quesito 12.º].

26. A viatura não podia prosseguir viagem nas condições que apresentava [resposta dada ao quesito 13.º].

27. Deslocou-se ao local um reboque da sociedade REBOQUES LEIRIENSE, Lda., sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva n.º 504267485, com sede social em R Virgílio Pereira, Lote 20, R/C, Zona Industrial dos Pousos, 2410 Leiria [resposta dada ao quesito 14.º].

28. O funcionário desta empresa, Sr. (…), avistou os restos mortais do animal que embateu o A. junto à berma direito da estrada, tendo confirmado o estado da viatura, que rebocou [resposta dada ao quesito 15.º].

29. O A. contratou serviço de táxi com a empresa B (...), Lda., sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva n.º 500 549 141, com sede social em (...) Leiria que o transportou até à sua morada de residência, no Porto, pelo preço de € 100,00, que o Autor demandante pagou [resposta dada ao quesito 16.º].

30. O custo da reparação dos danos provocados na viatura pelo acidente supra descrito ascendeu a € 5.391,14 (pelo que o A. teve que desembolsar o valor da franquia acertada com T (...), SA, que pagou no montante de € 5.040,00 resposta dada ao quesito 17.º].

31. Pela emissão da Certidão referente ao Acidente de Viação, o A. pagou ainda o valor de € 0,16 [resposta dada ao quesito 18.º].

32. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------

33. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------

34. A brigada de fiscalização que havia passado no local, pela via da auto-estrada de sentido inverso àquela em que ocorreu o acidente, pouco tempo antes não vislumbrou qualquer cão [resposta dada ao quesito 22.º].

35. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------

36. A auto-estrada é patrulhada pela Brisa e pela GNR/BT 24 sobre 24 horas por dia [resposta dada ao quesito 24.º].

37. No dia do sinistro os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados [resposta dada ao quesito 25.º].

38. A Brisa efectua vigilância constante permanente e cadenciada da sua área concessionada através das suas patrulhas de oficiais mecânicos na detecção e verificação de situações anómalas [resposta dada ao quesito 26.º].

39. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Existência de responsabilidade civil das rés Brisa e Fidelidade relativamente à ocorrência do acidente.

- Na afirmativa, determinar o montante indemnizatório.

2.1.

(…)

Tudo visto, procede a impugnação da matéria de facto, nesta parte. E por via da mesma, altera-se a resposta aos indicados quesitos que passam a ter a resposta de não provado, eliminando-se dos factos provados tal matéria (que passará a ser assinalada a negrito e com traço intermitente).

3. O acidente em análise ocorreu na Auto-Estrada A1, cuja conservação e exploração está concessionada à R., nos termos consignados no DL 294/97, de 4.10 e nas Bases a ele anexas. Do contrato de concessão nascem obrigações, das quais se realça o que consta nas seguintes Bases:

”Base XXXIII “Conservação das auto-estradas 1 — A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente.”.

Base XXXVI Manutenção e disciplina de tráfego “2 — A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem.”.

Base XXXVII “Assistência aos utentes 1 — A concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem o objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação.”.

Base XLIX “Indemnizações a terceiros 1 — Serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão.”.

Assim, por via da sua qualidade de concessionária da conservação e exploração das auto-estradas a R. Brisa está pois obrigada a zelar pela segurança da circulação nas mesmas, devendo tomar todas as medidas necessárias e possíveis para que se cumpra esse objectivo.

Através da publicação da Lei 24/2007, de 18.7., tendo por objecto, conforme consta do art. 1.º, definir “direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis aos utentes estabelecidos ou a estabelecer”, estipula-se no art. 12.º, subordinado a epígrafe “Responsabilidade”, o seguinte: “1 — Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: …b) Atravessamento de animais;…”.

Ficou, assim, claro que provada a existência de acidente em auto-estrada, sem culpa do condutor do veículo, devido a obstáculo existente na faixa de rodagem (por exemplo, um animal), recai sobre o concessionária o ónus de provar o cumprimento das obrigações de segurança para se eximir da responsabilidade civil.

No nosso caso provou-se que o A., sem culpa sua, colidiu com um cão que se atravessou inesperadamente à sua frente, na A1, concessionada à R. Brisa. Cabia à R., conforme exposto, demonstrar que cumprira as obrigações de segurança destinadas a evitar eventos como o ocorrido. 

Ora, na perspectiva da alegação da R. Brisa, a mesma não provou que as vedações estavam em perfeitas condições (quesito 19º), que só tomou conhecimento da existência do cão aquando do acidente (quesito 21º), que nenhuma outra pessoa comunicou a existência do cão (quesito 23º), e que no dia do acidente não foi detectada qualquer anomalia no local da vedação nem posteriormente como a mesma tinha sido reparada no local nesse mesmo dia (quesito 27º).

Apenas provou que a brigada de fiscalização que havia passado no local, pela via da auto-estrada de sentido inverso àquela em que ocorreu o acidente, pouco tempo antes não vislumbrou qualquer cão (facto provado 34.), que a auto-estrada é patrulhada pela Brisa e pela GNR/BT 24 sobre 24 horas por dia (facto 36.), que no dia do sinistro os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados (facto 37.), e que a Brisa efectua vigilância constante permanente e cadenciada da sua área concessionada através das suas patrulhas de oficiais mecânicos na detecção e verificação de situações anómalas (facto 38.).

Entendemos, todavia, que no caso concreto da entrada de animais na via para ilidir a presunção prevista no referido art. 12º, nº 1, b), não basta que a concessionária prove o cumprimento genérico das suas obrigações de vigilância e de conservação, sendo necessário que prove as circunstâncias concretas que levaram à introdução do animal da via.

Segundo dispõe o art. 350º, nº 2 do CC, as presunções legais só podem ser ilididas mediante prova em contrário, prova em contrário que só pode ser feita mediante a demonstração de que o facto ou a situação jurídica presumida não ocorreram, não bastando, por isso, a simples demonstração de factos que coloquem em dúvida a existência desse facto ou dessa situação. Daí que a ilisão da presunção de culpa estabelecida no apontado art. 12º, nº 1, b), não possa ser feita pela simples prova do cumprimento genérico pela concessionária das medidas destinadas a evitar a presença de animais na faixa de rodagem, mesmo que esse cumprimento abranja o tempo e o espaço em que ocorreu o acidente. Esta conduta genérica não importa a prova do contrário, ou seja, de que a culpa do acidente não lhe é imputável, objectivo que só podia ser atingido pela prova de que na situação concreta a presença do animal na via não foi devida ao incumprimento pela concessionária da obrigação de impedir essa presença.

Na verdade, são os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devidos a obstáculos na via de circulação. Por isso, como gestora dos meios humanos e materiais necessários ao desempenho das múltiplas tarefas decorrentes da concessão, pertencia à R. o controlo ou domínio da situação, designadamente no que respeita à verificação da probabilidade, frequência, identificação ou localização dos perigos para a circulação segura de veículos por parte dos respectivos utentes.

Com o estabelecimento da presunção prevista no falado art. 12º, nº 1, b, visou-se que o ónus da prova recaia sobre quem está em melhores condições para fornecer os elementos de prova relativos às circunstâncias que permitiram que um animal atravessasse a faixa de rodagem, assim como se visou um incentivo ao reforço por parte das concessionárias das medidas tendentes a evitar que este tipo de ocorrências se verifiquem, pois é a concessionária quem mais facilmente pode provar a proveniência do animal. Só ela tem ou deve ter os meios idóneos à monitorização do tráfego e da circulação viária e da segurança, meios que lhe devem permitir detectar a introdução de animais na via. O utilizador da via não tem meios que lhe permitam detectar a causa da proveniência do animal.
No caso de acidentes causados pela presença de animais na via, a conduta adequada da concessionária a preveni-los, dessa forma garantindo as boas condições de utilização da via, é primordialmente a de evitar a entrada dos mesmos, ou então de remover rapidamente os animais, logo que a sua presença seja detectada.

Considerando que os animais podem entrar na via, em regra, através da vedação, se esta estiver danificada ou tiver uma malha suficientemente larga para permitir a passagem do animal, por cima da vedação, se esta não tiver altura suficiente para impedir a passagem, pelos sítios que não têm vedação, nomeadamente, pelos nós de acesso à auto-estrada, ou por terem sido deixados na via por alguém que ali circule, caberá à concessionária provar em concreto a ocorrência verificada para se eximir à sua responsabilidade (salvo casos de força maior que a lei também prevê no referido artigo, seu nº 3, que no caso não ocorrem).

No nosso caso, os factos apurados, atrás mencionados, são insuficientes para que se possa concluir que o cão que provocou o acidente entrou na A1 por facto não imputável à ré, e consequentemente para se considerar ilidida a indicada presunção de culpa relacionada com a existência do animal num local onde, por razões de segurança, não poderia encontrar-se.

Em suma apenas é legítimo afirmar a verificação de diligências de pendor genérico, já não sendo possível asseverar, contra o ónus da prova que impendia sobre a R., que tivessem sido esgotadas as possibilidades que razoavelmente estavam ao seu alcance no sentido de evitar a entrada do animal na faixa de rodagem ou de ser detectada a tempo a sua presença, que esta introdução/presença na faixa de rodagem fosse devida a um circunstancialismo que a R., agindo com a diligência acrescida, não pudesse impedir a tempo de se evitar o embate.

Face ao apurado, tendo-se a R. Brisa limitado a efectuar a prova genérica de cumprimento das suas obrigações, mas não logrando provar que naquele dia e hora cumpriu efectivamente tais obrigações, resultantes do contrato de concessão celebrado, as recorridas são responsáveis civilmente perante o recorrente (vide neste sentido os Acds., citados pelo recorrente, do STJ, de 9.9.2008, Proc.08P1856, da Rel. Lisboa de 16.11.2010, Proc.1719/05.5TBALQ, da Rel. Porto, de 9.12.2010, Proc.251/09.2TBPVZ, da Rel. Coimbra de 15.3.2011, Proc.77/09.3T2ALB (em que foram 1º e 2º adjuntos o ora relator e 1º adjunto), e ainda do mesmo STJ, o de 15.11.2011, Proc.1633/05.4TBALQ todos disponíveis em www.dgsi.pt). 

4. No caso concreto, o embate ocorrido com o cão causou ao apelante - face aos factos provados 4., 25., 29. a 31. - um dano de 5.140,16 €. É este o montante, assim, que as apeladas estão obrigadas a indemnizar, nos termos dos arts. 562º, 563º, 564º, nº 1, e 566º, nº 1 e 2, do CC, acrescido dos peticionados juros.  

5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Perante o art. 12º da Lei 24/2007, de 18.7, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária, de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai, não cabendo ao lesado demonstrar que tais obrigações não foram observadas;

ii) Recaindo sobre tais entidades uma obrigação de meios reforçada, o cumprimento do ónus de prova de cumprimento das obrigações de segurança relativamente à entrada e permanência de um animal na faixa de rodagem não se mostra satisfeito com a alegação e prova genérica de passagens de equipas de assistência;

iii) A concessionária só afastará aquela presunção de culpa se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto alheio ao mundo da sua imputabilidade que lhe não deixou realizar o cumprimento.

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o presente recurso, assim se revogando a decisão recorrida, e em consequência condena-se as RR Brisa e Fidelidade a pagar ao A. a quantia de 5.140,16 €, acrescida de juros legais a contar da citação até integral cumprimento.

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Custas pelas RR.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro