Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/14.1GAIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 09/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DE IDANHA-A-NOVA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º E 410.º, N.º 2, DO CPP; ART. 32.º DA CRP
Sumário: I - Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade.

II - Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

III - A existência de duas versões contraditórias (a do ofendida e a vertida na acusação, acolhida pelo tribunal a quo que conjugou com outros elementos de prova e cujas factos foram apreciados e relacionados de forma crítica com as circunstância concretas em que os factos ocorreram e a versão do arguido que negou ter sido o autor dos crimes por que vem condenado) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dubio pro reo, dando como não provada a autoria dos crimes de furto e dano.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado, foi julgado o arguido A... , casado, professor, nascido a 05/11/1951, em Penha Garcia, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) Castelo Branco, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1 do Código Penal.


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A ofendida e demandante B... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido (fls. 185 a 187), peticionando a sua condenação no pagamento de 8070,75 € a título de danos patrimoniais causados pelo abate e poda das azinheiras.

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O tribunal decidiu condenar o arguido:

a) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, p. e p. art. 203.º, n.º 1 do CP, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 8,50 € (oito euros e cinquenta cêntimos), num total de 1020,00 € (mil e vinte euros).

b) Pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do CP, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 8,50 € (oito euros e cinquenta cêntimos), num total de 1020,00 € (mil e vinte euros).

c) Em cúmulo jurídico, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), num total de 1700,00 € (mil e setecentos euros).

d) Na procedência parcial do pedido de indemnização, pagamento à demandante B... , a título de danos patrimoniais, a quantia de 7387,86 €.


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Inconformado recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:

«1. Foi produzida prova bastante, em sede de audiência de julgamento, para considerar como responsável pelos crimes em apreço a testemunha D... .

2. Por conseguinte, o Recorrente deveria ter sido absolvido da prática dos crimes pelos quais vinha acusado.

3. Ainda que assim não se entenda, sempre a dúvida inicial relativa à responsabilidade do Recorrente quanto ao crimes em apreço terá permanecido a dúvida final, pese embora as tentativas para a superar mediante a produção da prova testemunhal em sede de audiência de julgamento.

4. Havendo dúvidas, sempre deverá o Recorrente ser absolvido, por violação do princípio in dubio pro reo.

5. De toda a factualidade supra exposta, resulta que existiu erro notório da apreciação da prova, decorrente da violação do princípio in dubio pro reo, nos termos do disposto no art. 410.°, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal.

6. Por todo o exposto, violou o douto acórdão recorrido o disposto no artigo 410.°, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal».


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Notificados o Ministério Público e assistente nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, sustentam que a sentença não sofre do vício apontado e que o recurso não merece provimento, devendo manter-se integralmente a decisão condenatória.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual afastou a existência do vício de erro notório na apreciação da prova, emitindo douto parecer no sentido de que acompanhava as contra-alegações do MP na 1.ª instância.

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Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não respondeu.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos provados:

1) A ofendida B... é proprietária de metade de um prédio rústico, denominado (...) , sito em Torre - freguesia de Monfortinho, concelho de Idanha-a-Nova, com o artigo matricial nº (...) 8, da Secção E, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova com o número (...) 1/270490, com 3,200 hectares de área.

2) O arguido A... é proprietário de outros terrenos, igualmente localizados em (...) , confinantes com a propriedade da ofendida.

3) A propriedade da ofendida encontra-se demarcada das restantes por marcos, sendo os limites conhecidos pelo arguido.

4) Ao arguido foram concedidas, pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, relativamente aos prédios 214c, 95d, 255d, 168e, 170e, 169e, 211c, 111e, e 146e, a licença 33966/2013/DCNF-C/DLAP, para corte de 30 azinheiras adultas, a licença 33948/2013/DCNF-C/DLAP para poda sanitária de azinheiras em cerca de 14,6 hectares, e a licença 23061/2013/DCNF-C/DLAP para corte de 50 azinheiras jovens.

5) Em data não concretamente apurada, mas em Novembro de 2013, o arguido celebrou com D... um contrato de compra e venda de lenha de azinheiras.

6) Nessa sequência, D... contactou com C... para que este procedesse ao corte das árvores, mediante as indicações facultadas pelo arguido.

7) Assim, seguindo as indicações fornecidas pelo arguido, em data não concretamente apurada, mas em Novembro de 2013, os trabalhadores de C... dirigiram-se ao terreno da ofendida e efectuaram o corte pela base 26 azinheiras verdes, e à poda de 15 azinheiras, pertencentes àquela.

8) Quatro dias depois, o arguido mandou cortar mais 04 azinheiras pertencentes à ofendida, que se encontravam a cerca de 300 metros do último corte.

9) Assim, foram abatidas do terreno da arguida 30 azinheiras, em bom estado vegetativo, com os seguintes diâmetros do cepo:

- 02 azinheiras jovens com 12 cm, com o valor de €12,04;

- 01 azinheira jovem com 13 cm, com o valor de €7,27;

- 01 azinheira jovem com 14 cm, com o valor de €8,63;

- 01 azinheira jovem com 15 cm, com o valor de €10,12;

- 01 azinheira jovem com 16 cm, com o valor de €11,71;

- 02 azinheiras jovens com 18 cm, com o valor de €30,51;

- 04 azinheiras adultas com 20 cm, com o valor de €77,03;

- 01 azinheira adulta com 21 cm, no valor de €21,43;

- 02 azinheiras adultas com 23 cm, no valor de €52,24;

- 05 azinheiras adultas com 24 cm, no valor de €143,20;

- 02 azinheiras adultas com 26 cm, no valor de €68,04;

- 01 azinheira adulta com 27 cm, no valor de €36,88;

- 01 azinheira adulta com 28 cm, no valor de €39,86;

- 02 azinheiras adultas com 29 cm, no valor de €85,89;

- 01 azinheira adulta com 30 cm, no valor de €46,15;

- 01 azinheira adulta com 36 cm, no valor de €67,76;

- 01 azinheira adulta com 37 cm, no valor de €71,76;

- 01 azinheira adulta com 38 cm, no valor de €75,88.

10) No valor total de €866,40.

11) Ainda foram podadas, no terreno da ofendida, 15 azinheiras, cujo diâmetro médio é de 36 cm, no valor de €375,58.

12) O corte e a poda das referidas árvores implicou a perda do potencial produtivo no valor de 6145,88 €, e a perda de património florestal num total de 7387,86 €.

13) O arguido agiu com o propósito concretizado de vender, cortar e de fazer suas as árvores referidas, delas se apropriando, bem sabendo que aquelas não lhe pertenciam e que, dessa forma, actuava contra a vontade da sua legítima proprietária.

14) O arguido agiu com o propósito concretizado de podar as azinheiras, apesar de saber que as mesmas não eram propriedade sua, e que actuava contra a vontade do seu proprietário.

15) O arguido, em todas as ocasiões, agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei como crime.

16) O corte e a poda das azinheiras importou um prejuízo total para a Demandante de 7387,86 € (866,40 + 375,58 + 6145,88 € = 7387,86 €).

17) O arguido é professor, auferindo 1350,00 € por mês.

18) Tem uma filha de 34 anos de idade.

19) Vive em casa própria com a mulher, a qual trabalha num lar, auferindo o salário mínimo nacional.

20) O arguido está a pagar um empréstimo cuja mensalidade ascende aos 450,00 € mensais.

21) O arguido não tem antecedentes criminais registados.

Factos não provados:

1) O corte e a poda das referidas árvores implicou a perda do potencial produtivo no valor de 6828,77 €, e a perda de património florestal num total de 8070,75 €.


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Motivação da matéria de facto:

A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, alicerçou-se na articulação de todos os meios de prova disponibilizados nos autos, devidamente combinados com as regras de experiência comum, bem como no depoimento das testemunhas ouvidas na audiência de discussão e julgamento. O Tribunal examinou criticamente:

As declarações do arguido, que afirmou ter adquirido licenças para proceder ao corte, poda e limpeza das azinheiras em vários terrenos seus localizados no sítio da (...) , que cobriam uma área total de mais de 10 hectares. Munido das referidas licenças, o arguido acordou com D... o corte e a limpeza das azinheiras nos finais do ano de 2013. O acordo não previa o pagamento de qualquer preço e a madeira cortada ficaria a pertencer ao referido D... .

Já depois de se terem iniciado os trabalhos de corte e limpeza das azinheiras – e na sequência de uma denúncia que já havia sido feita – o arguido assegurou ter indicado ao D... , ao C... e ao filho deste, os limites das suas propriedades, frisando que só possuía metade do prédio rústico n.º (...) 8, Secção E, situado na (...) , sendo que a outra metade pertencia à sua prima B... . Nessa altura até foram colocadas umas pedras a delimitar a sua metade do prédio. Mais referiu ter entregue ao C... um mapa onde estava delimitado a cor de laranja a área dos seus terrenos.

Segundo a versão do arguido, a responsabilidade pelo sucedido é daqueles que andaram a efectuar os trabalhos no terreno que, porventura, ter-se-ão enganado a verificar os limites do prédio quando estavam a efectuar os trabalhos, visto que, da sua parte, teve o cuidado de dizer que só possuía metade do referido prédio n.º (...) 8-E. Acrescenta que também nunca foi contactado para esclarecer qualquer dúvida que os trabalhadores pudessem ter em relação aos limites dos terrenos e que depois de entregar os trabalhos ao D... e ao C... só passou por lá umas duas ou três vezes, não tendo reparado em nada de anormal.

O certo é que foram cortadas 30 azinheiras na metade do prédio n.º (...) 8-E pertencente à assistente B... e podadas outras 15 azinheiras.

Quem fez essa contagem foi a testemunha H... , motorista, reformado, amigo do arguido e primo da assistente por afinidade, que também é proprietário de um terreno onde foram cortadas azinheiras sem o seu consentimento. Importa dizer que o terreno da testemunha se situa do lado direito do terreno da assistente na perspectiva de quem se encontra junto ao topo dos terrenos, onde existe uma armada (que no mapa de fls. 110 está identificado pela seta vermelha). A testemunha referiu, de forma séria, isenta e credível que, em Novembro de 2013, se apercebeu que andavam a cortar azinheiras no seu terreno sem que tivesse dado autorização para tal, tendo então constatado que também tinham sido cortadas azinheiras no terreno da sua prima B... . Para confirmar que assim era, a testemunha pediu a E... – pessoa que conhecia bem aquelas terras – que fosse até ao local para verificar se as azinheiras cortadas no prédio vizinho ao seu pertenciam ou não à sua prima B... . Confirmou-se que sim.

Mais referiu a testemunha que os terrenos do arguido e da assistente estão delimitados por marcos colocados ao cimo dos terrenos e também abaixo dos mesmos, mas não sabe se existem marcos a delimitar ao meio.

Depois que a situação foi denunciada, o arguido foi até ao local e, juntamente com a testemunha H... , E... e os dois trabalhadores que andavam a efectuar os cortes e a limpeza das azinheiras, procederam à indicação dos limites dos terrenos do arguido.

O certo é que depois disto voltaram a aparecer azinheiras cortadas no terreno da assistente.

A testemunha E... , trabalhador agrícola, amigo do arguido e da assistente, reconhecido pelas testemunhas como bom conhecedor daquelas terras, depois de ter sido chamado ao local pelo H... , confirmou que tinham sido cortadas azinheiras no terreno da assistente e por isso lhe telefonou para lhe dar conta do sucedido, pois esta vivia nos Açores e por isso não estava ciente do que se tinha passado.

Quando a testemunha se dirigiu ao local e interpelou os trabalhadores que lá andavam estes responderam que estavam a seguir as ordens do arguido e que se por acaso tivessem cometido alguma irregularidade tudo seria pago.

Em relação aos limites dos terrenos, a testemunha referiu que os terrenos estavam cheios de mato mas que existiam marcos a delimitar as extremas dos terrenos da assistente e do arguido. Ao meio do terreno também existiam marcos, embora, da última vez que os tenha visto tenha sido há mais de 10 anos.

A assistente/demandante B... , médica, teve conhecimento do sucedido através do telefonema de E... , pelo que não assistiu a quaisquer factos. Ainda assim, referiu que o seu terreno está demarcado com marcos colocados acima, abaixo e ao centro da extrema com o terreno do arguido. Também esclareceu que a identificação dos terrenos constante do mapa de fls. 110 dos autos se encontra trocada.

Importa salientar que a assistente tentou entrar em contacto por telefone com o arguido a fim de obter uma explicação para o sucedido e resolver o problema da melhor maneira, mas só à terceira tentativa conseguiu chegar à fala com o mesmo. No entanto, nada ficou resolvido porque o arguido lhe terá dito que lhe telefonaria mais tarde, o que que nunca veio a acontecer.

A testemunha I..., guarda florestal, foi chamado ao local em duas ocasiões, da primeira vez foi na sequência da denúncia de que andavam a cortar azinheiras no terreno do H... , e na segunda já foi por causa da denúncia de cortes no terreno da assistente. Na primeira vez que lá esteve, a testemunha notou que o arguido e o H... alcançaram um acordo no sentido de não ser apresentada queixa pelo corte das azinheiras no terreno deste último. Nesse dia também lá estava o C... e os dois rapazes que andavam a efectuar os trabalhos. Cerca de duas semanas depois, a testemunha voltou a receber uma denúncia de cortes de azinheiras em propriedade alheia, desta feita no terreno da assistente, tendo então entrado em contacto com o E... .

A testemunha D... , empregado de hotelaria, amigo do arguido e da assistente, revelou que comprou a madeira ao arguido pelo preço de 800,00 €, tendo pago 400,00 € pelo corte efectuado em 2012 e outros 400,00 € pelo corte de Novembro de 2013. Como a testemunha não conhecia aqueles terrenos, foi o arguido que lhe foi dizer quais os limites da área de terreno onde podia efectuar o corte. Então, junto ao cemitério – no outro topo do terreno, oposto à armada – o arguido colocou uma pedra para servir de referência ao limite do terreno. E apontou na direcção de uma área onde podiam efectuar o corte de lenha. A testemunha não sabia, porém, se o terreno da assistente estava abrangido por essa área e limitou-se a cortar na área indicada pelo arguido pois tinha confiança nele. O certo é que ao saber que tinha cortado azinheiras no terreno da assistente, a testemunha confrontou o arguido, o qual lhe respondeu que depois resolvia o problema com a prima.

Por fim, referiu que não lhe foi facultado qualquer mapa, apenas as licenças de corte e limpeza das azinheiras.

A testemunha C... , jardineiro, reiterou o que a testemunha D... havia dito em relação às indicações dadas pelo arguido sobre a área de terreno a intervencionar, visto que também ele se encontrava presente quando foi colocada a pedra junto ao cemitério. A testemunha recorda-se também de o arguido ter dito, junto à armada, e apontando em direcção ao cemitério, que toda aquela área era dele, sendo certo que, mais tarde, veio-se a descobrir que parte daquela área pertencia ao terreno da assistente. Nessa altura, o arguido terá dito que ia entender-se com a sua prima.

A testemunha ia ao local todos os dias, levar e buscar o seu filho F... e o G... que andavam a efectuar os trabalhos, e ao fim de semana ajudava nesses trabalhos. Em alguns desses fins de semana, o arguido passava pelo local para os levar a almoçar ao campo de tiro.

Este depoimento foi depois corroborado pelo seu filho F... , segurança privado, e G... , trabalhador agrícola, trabalhadores que efectuaram o corte e limpeza das azinheiras. Quem pagava a estes trabalhadores era o D... , mas quem lhes indicou o terreno para efectuar os trabalhos foi o arguido, mostrando-lhes os marcos junto ao cemitério e junto à armada. Com estes pontos de referência, o arguido ia dizendo se o seu terreno ficava para o lado direito ou esquerdo desses marcos. Depois das denúncias apresentadas, verificaram que parte do terreno indicado pelo arguido, afinal, não lhe pertencia.

Mais referiram não lhes ter sido entregue qualquer mapa com a área a intervencionar.

Por fim a testemunha J... , trabalhador agrícola, amigo do arguido, limitou-se a identificar no mapa de fls. 110, os terrenos pertencentes ao arguido e à assistente.

Feito um resumo do que cada testemunha relatou ao Tribunal, chega-se à conclusão que, contrariamente ao declarado pelo arguido, este recebeu um preço pela corte e limpeza das azinheiras, assumiu a responsabilidade pelo corte das azinheiras no terreno da testemunha H... , assegurou que iria resolver o problema das azinheiras cortadas no terreno da assistente, e deslocou-se ao local mais do que as duas ou três vezes que referiu. Todas estas circunstâncias conjugadas revertem em desfavor da versão do arguido, que assim pretendeu demonstrar saber menos do que aquilo que realmente sabia relativamente ao corte das azinheiras.

É legítimo concluir que, quando foram cortadas as azinheiras no terreno do H... , já alguma parte das azinheiras do terreno da assistente haviam sido cortadas e outras limpas, visto que o terreno da assistente se situava entre o terreno do arguido e terreno do H... , ou seja, para se entrar no terreno deste foi preciso passar primeiro pelo terreno daquela.

Por isso, quando o arguido se apresta a delimitar o seu terreno do terreno da assistente, já o corte havia sido efectuado.

Por outro lado, a assunção da responsabilidade pelo corte das azinheiras no terreno do H... demonstra que o arguido assumiu o erro das indicações que deu aos trabalhadores sobre os limites do seu terreno. Se se tivesse tratado de um engano por parte destes, então seria o D... que teria de responder pelo prejuízo.

De facto, a convicção do Tribunal, depois de analisar os depoimentos credíveis e sérios das testemunhas E... , H... e I... , e o relato coerente e das testemunhas D... , C... , F... e G... , é no sentido de que o arguido se enganou ao incluir o terreno do H... na área de corte das azinheiras, e por isso respondeu pelo erro que cometeu, mas sabia e quis incluir nessa área o terreno da assistente. Forçosamente temos que observar que o arguido sabia que o seu terreno só correspondia a metade da área onde foram cortadas as azinheiras. Portanto, se pelo menos aos fins de semana o arguido se deslocava ao local, então teria sido capaz de constatar que o corte das azinheiras estava a abranger uma área correspondente ao dobro do seu terreno.

Face ao exposto, deu o Tribunal como provados os factos constantes da acusação.

O Tribunal valorou ainda os seguintes documentos: licenças de fls. 10, 11, e 86; certidão de matriz predial de fls. 107 a 109; mapa cadastral de fls. 110; certidão do registo predial de fls. 115 e 116.

Quanto aos factos atinentes ao conhecimento e vontade com que o arguido actuou, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso.

Em relação ao valor dos danos emergentes da poda e abate das azinheiras e da perda do potencial produtivo o Tribunal valorou o parecer elaborado por engenheiro florestal, constante de fls. 103 a 105, e no depoimento prestado pela testemunha Vasco António Martins de Medeiros, autor do referido parecer, conhecido da assistente.

No entanto, por se tratar de um parecer técnico, e não de um relatório pericial – e daí não ter a força probatória da prova pericial, art. 163.º do Código de Processo Penal –, o Tribunal entendeu que, partindo das referências enunciadas no parecer relativamente ao diâmetro à altura do peito de uma azinheira adulta – 36 centímetros –, e considerando que três das azinheiras adultas que foram cortadas tinham já um diâmetro de 34 cm, 35 cm, e 36 cm, não devem estas azinheiras integrar o cálculo da perda do potencial produtivo uma vez que no momento em que foram cortadas já estavam a atingir o máximo da sua envergadura e diâmetro. Ou seja, para além do dano emergente do seu corte, como já não tinham mais margem de crescimento, não existe em relação a elas qualquer dano por lucros cessantes.

Assim, àquele valor de 6828,77 € estimado para trinta azinheiras adultas com um diâmetro de 36 cm, o Tribunal deduziu o valor de 682,89 €, correspondente a três azinheiras adultas com esse diâmetro (6828,77: 30 =227,63 € x 3 = 682,89 €).

Assim, o valor da perda de potencial produtivo que o Tribunal dá como provado é de 6145,88 € (6828,77 € - 682,89 € = 6145,88 €).

No concernente aos danos patrimoniais, o Tribunal valorou as declarações da demandante, o depoimento da testemunha Vasco de Medeiros e o parecer técnico por este elaborado, constante de fls. 103 a 105.

Relativamente às condições económicas e pessoais do arguido, o Tribunal considerou as suas declarações, já que as mesmas se revelaram sinceras e, por isso, dignas de crédito.

Para prova da inexistência de antecedentes criminais atendeu-se ao teor do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos a fls. 118.

Quanto aos restantes factos considerados como não provados, tal justifica-se por não ter sido produzida prova que corroborasse tais factos ou por se ter feito prova do contrário, nos termos acima expostos».


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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:

Apreciar se a sentença sofre do vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e se foi violado o princípio in dúbio pro reo.

Apreciando:

O tribunal a quo deu como provados os factos de 1 a 16, integradores da prática dos crimes de furto e dano pelos quais veio a ser condenado.

Está assente nos autos que a ofendida B... é proprietária de metade de um prédio rústico, denominado (...) , sito em Torre - freguesia de Monfortinho, concelho de Idanha-a-Nova, com 3,200 hectares de área.

Por sua vez o arguido A... é proprietário de outros terrenos, confinantes com a propriedade da ofendida.

A propriedade da ofendida encontra-se demarcada das restantes por marcos, sendo os limites conhecidos pelo arguido.

Ao arguido foram concedidas licença para corte de 30 azinheiras adultas, para poda sanitária de azinheiras em cerca de 14,6 hectares, e para corte de 50 azinheiras jovens.

Em Novembro de 2013, o arguido celebrou com D... um contrato de compra e venda de lenha de azinheiras, tendo este contactado com C... para que este procedesse ao corte das árvores, mediante as indicações facultadas pelo arguido.

E de acordo com as indicações fornecidas pelo arguido, em Novembro de 2013, os trabalhadores de C... dirigiram-se ao terreno da ofendida e efectuaram o corte pela base 26 azinheiras verdes, e à poda de 15 azinheiras, pertencentes àquela.

Quatro dias depois, o arguido mandou cortar mais 4 azinheiras pertencentes à ofendida, que se encontravam a cerca de 300 metros do último corte., com as características constantes do ponto 9 dos factos provados.

Consta dos autos que o arguido procedeu à venda de lenha a D... , tendo este procedido ao corte e poda das azinheira pertencentes à ofendia, por indicação daquele, o que o arguido fez de forma deliberada e consciente, bem sabendo que não lhe pertenciam, e como tal não podia dispor das árvores, com o intuito de obter proveito económico.

Alega o recorrente na sua motivação de recurso que nunca foi contactado para prestar esclarecimentos relativamente a dúvidas na delimitação do terreno e apenas após o corte de azinheiras que se encontravam no terreno da assistente e da testemunha H... e que segundo o depoimento desta testemunha ocorreu em Novembro de 2013, é que o arguido foi até ao local e constatou que a testemunha D... tinha procedido ao corte de azinheiras no terreno propriedade daqueles.

Após esse primeiro conhecimento de tal situação e após nova explicação à testemunha D... dos limites do terreno do arguido e como refere a testemunha H... , voltaram a aparecer azinheiras cortadas no terreno da assistente.

Atribui assim a responsabilidade pelo corte e poda de azinheiras da assistente ao dito D... , que era efectivamente quem conduzia e dava instruções aos seus trabalhadores quanto às árvores a cortar e podar, apesar de já ter sido previamente informado relativamente aos limites do terreno pertencente ao recorrente.

Segundo o arguido “todas as testemunhas que trabalharam no corte e poda das azinheiras, C... , F... e G... referem que seguiram as instruções do arguido, no entanto todas reiteraram, falsamente, que não lhes foi entre qualquer planta da área a intervencionar, o que é contrário aos usos e costumes deste tipo de intervenção em área florestal e seguramente para se desresponsabilizarem pelo corte e poda das azinheiras da assistente” – ponto 9 da motivação.

Depois conclui que sendo prática habitual a entrega de planta do terreno florestal a intervencionar e atendendo ao depoimento da testemunha H... , sempre a dúvida inicial relativa à responsabilidade do recorrente quanto à prática pelo mesmo dos crimes de furto e dano deveria ter permanecido a dúvida final, pese embora as tentativas para a superar mediante a produção da prova testemunhal em sede de audiência de julgamento, devendo por isso ser absolvido, por aplicação do princípio in dubio pro reo.

Pretende o arguido a procedência do recurso com o fundamento de ter existido erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo.

O recorrente confunde a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão do arguido, com violação do princípio in dubio pro reo.

Sustenta o arguido, que as declarações da ofendida, em seu entender deveriam ter sido valoradas de forma diferente, isto é, perante duas versões contraditórias, o tribunal, por respeito àquele princípio de presunção de inocência, deveria ter absolvido o arguido.

Importa apreciar se tem de ser assim mesmo.

Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.

Este princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.

Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, nº 2, do CPP.

A apreciação em sede de recurso da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

No caso dos autos o arguido e ofendida têm versões contraditórias.

Mas tal será bastante para se concluir pela ofensa do princípio in dúbio pro reo?

Necessariamente que não.

Aquele princípio não funciona de forma automática, perante duas versões contraditórias.

Isso seria negar a função do julgador que pautando-se pelas regras da experiência e do princípio da livre apreciação da prova deve ponderar todos os elementos probatórios e as circunstâncias em que os factos ocorreram, que deve ponderar com ponderação e bom senso.

A existência de duas versões contraditórias (a do ofendida e vertida na acusação, acolhida pelo tribunal a quo que conjugou com outros elementos de prova e cujas factos foram apreciados e relacionados de forma crítica com as circunstância concretas em que os factos ocorreram e a versão do arguido que negou ter sido o autor dos crimes por que vem condenado) não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a autoria dos crimes de furto e dano.

De facto acontece frequentemente em casos semelhantes a absolvição decorrer da dúvida quanto aos limites das propriedades ou em saber se a culpa se deve a quem vendeu ou quem cortou a lenha em propriedade contígua.

Vejamos o que se passou nos autos face à prova existente.

A aplicação do princípio in dúbio pro reo tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório.

Em conclusão diremos que a violação do in dúbio pro reo se pode traduzir em erro notório na apreciação da prova.

No seguimento das conclusões a que chegámos para enquadrar a motivação de recurso do arguido se pronunciou a seguinte jurisprudência: Ac. do STJ, de 12/03/2009 – Proc. 07P1769, in http://www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 3/04/2003 – Proc. 975/03, in http://www.pgdlisboa.pt/iure/stj; Ac. do TRC de 30/09/2009 – Proc. 195/07.2GBCNT.C1 e de 6/09/2009 – Proc. 363/08.00GACB.1, in http//www.trc.pt.

Do texto da sentença consta, em síntese, como provado, designadamente que o arguido forneceu erradamente os limites da sua propriedade, vendendo parte da lenha e poda de árvores que sabia não lhe pertencerem.

Fundamentou a senhora juíza a sua convicção para dar como provada a matéria de facto que importa considerar e que levou à condenação do arguido, designadamente com a conjugação dos seguintes elementos probatórios:

O arguido acordou com D... o corte e a limpeza das azinheiras nos finais do ano de 2013. Uma vez iniciados os trabalhos houve uma denúncia e o arguido assegurou ter indicado ao D... , ao C... e ao filho deste, os limites das suas propriedades, frisando que só possuía metade do prédio rústico n.º 278, Secção E, situado na (...) , sendo que a outra metade pertencia à sua prima B... , tendo até sido colocadas umas pedras a delimitar a sua metade do prédio.

Referiu ainda ter entregue ao C... um mapa onde estava delimitado a cor de laranja a área dos seus terrenos.

Porém, o arguido imputa totalmente a responsabilidade pelo sucedido àqueles que andaram a efectuar os trabalhos no terreno que, porventura, ter-se-ão enganado a verificar os limites do prédio quando estavam a efectuar os trabalhos, visto que, da sua parte, teve o cuidado de dizer que só possuía metade do referido prédio.

O mesmo diz que nunca foi contactado para esclarecer qualquer dúvida em relação aos limites dos terrenos e que no decurso dos trabalhos passou por lá umas duas ou três vezes, não tendo reparado em nada de anormal.

As coisas não se passaram bem como o arguido diz.

Se não vejamos.

A testemunha H... procedeu à contagem das árvores cortadas e podadas, sendo também proprietário de um terreno onde foram cortadas azinheiras sem o seu consentimento, situando-se o terreno da assistente entre o terreno da testemunha e o do arguido e mesmo assim também foi lesado, embora se tivesse entendido depois.

Não foi um mero lapso, pois não se entende como não pediu responsabilidades ao comprador da lenha e empregados deste que não só cortaram azinheira no prédio da assistente, contíguo ao prédio do arguido como ainda avançaram pelo prédio desta testemunha.

Sabe que os terrenos do arguido e da assistente estão delimitados por marcos colocados ao cimo dos terrenos e também abaixo dos mesmos, mas não sabe se existem marcos a delimitar ao meio.

Depois da denúncia da situação o arguido foi ao local e, juntamente com a testemunha H... , E... e os dois trabalhadores que andavam a efectuar os cortes e a limpeza das azinheiras, procederam à indicação dos limites dos terrenos do arguido, voltando mesmo assim a aparecer azinheiras cortadas no terreno da assistente.

A testemunha E... , reconhecido pelas testemunhas como bom conhecedor daquelas terras, depois de ter sido chamado ao local pelo H... , confirmou que tinham sido cortadas azinheiras no terreno da assistente e por isso lhe telefonou para lhe dar conta do sucedido, pois esta vivia nos Açores e por isso não estava ciente do que se tinha passado.

Os trabalhadores que procederam ao corte e podas das azinheiras apenas disseram que agiram de acordo com as ordens do arguido e que se por acaso tivessem cometido alguma irregularidade se responsabilizariam.

Também referiu que existiam marcos a delimitar as extremas dos terrenos da assistente e do arguido. Ao meio do terreno também existiam marcos, a dividir a propriedade do arguido e da assistente.

A assistente B... teve conhecimento do sucedido através do telefonema de E... e confirmou que o seu terreno está demarcado com marcos colocados acima, abaixo e ao centro da extrema com o terreno do arguido. Também esclareceu que a identificação dos terrenos, constante do mapa de fls. 110 dos autos se encontra trocada.

Disse que tento tentado entrar em contacto por telefone com o arguido a fim de obter uma explicação para o sucedido e resolver o problema da melhor maneira, só à terceira tentativa conseguiu chegar à fala com o mesmo. Porém, nada ficou resolvido porque o arguido ficou de telefonar mais tarde, o que não veio a acontecer.

Esta posição do arguido não é consentânea com a posição por si assumida, de que a culpa era de que cortou e podou as azinheiras.

A testemunha I... , guarda florestal, foi chamado ao local em duas ocasiões, da primeira vez foi na sequência da denúncia de que andavam a cortar azinheiras no terreno do H... , e na segunda já foi por causa da denúncia de cortes no terreno da assistente. Na primeira vez que lá esteve, a testemunha notou que o arguido e o H... alcançaram um acordo no sentido de não ser apresentada queixa pelo corte das azinheiras no terreno deste último. Cerca de duas semanas depois, a testemunha voltou a receber uma denúncia de cortes de azinheiras em propriedade alheia, desta feita no terreno da assistente, tendo então entrado em contacto com o E... .

A testemunha D... revelou que comprou a madeira ao arguido. Como a testemunha não conhecia aqueles terrenos, foi o arguido que lhe foi dizer quais os limites da área de terreno onde podia efectuar o corte. Ao saber que tinha cortado azinheiras no terreno da assistente, confrontou o arguido, o qual lhe respondeu que ele resolvia o problema com a prima.

Referiu que não lhe foi facultado qualquer mapa, apenas as licenças de corte e limpeza das azinheiras.

A testemunha C... reiterou o que a testemunha D... havia dito em relação às indicações dadas pelo arguido sobre a área de terreno a intervencionar, visto que também ele se encontrava presente quando foi colocada a pedra junto ao cemitério para delimitar as propriedades do arguido e da assistente.

As testemunhas F... e G... efectuaram o corte e limpeza das azinheiras, tendo referido que quem pagava a estes trabalhadores era o D... , mas quem lhes indicou o terreno para efectuar os trabalhos foi o arguido, mostrando-lhes os marcos junto ao cemitério e junto à armada. Com estes pontos de referência, o arguido ia dizendo se o seu terreno ficava para o lado direito ou esquerdo desses marcos. Depois das denúncias apresentadas, verificaram que parte do terreno indicado pelo arguido, afinal, não lhe pertencia.

Contrariamente ao declarado pelo arguido, este recebeu um preço pela corte e limpeza das azinheiras, assumiu a responsabilidade pelo corte das azinheiras no terreno da testemunha H... , assegurou que iria resolver o problema das azinheiras cortadas no terreno da assistente, e deslocou-se ao local mais do que as duas ou três vezes que referiu.

As circunstâncias em que os factos ocorreram conjugadas entre si revertem em desfavor da versão do arguido, que assim pretendeu demonstrar saber menos do que aquilo que realmente sabia relativamente ao corte das azinheiras.

Quando foram cortadas as azinheiras no terreno do H... , já alguma parte das azinheiras do terreno da assistente haviam sido cortadas e outras limpas, visto que o terreno da assistente se situava entre o terreno do arguido e terreno do H... , ou seja, para se entrar no terreno deste foi preciso passar primeiro pelo terreno daquela.

Por outro lado, a assunção da responsabilidade pelo corte das azinheiras no terreno do H... demonstra que o arguido indicou mal aos trabalhadores os limites do seu terreno.

Se por ventura se tivesse ocorrido um engano por parte destes, então seria o D... que teria de responder pelo prejuízo e não teria o arguido assumido a responsabilidade de resolver o problema com a assistente e com a testemunha H... , como acabou de resolver com este.

De facto, a convicção do tribunal, depois de analisar os depoimentos das testemunhas acima apontadas, tidos como sérios e credíveis são no sentido de que o arguido incluiu o terreno do H... na área de corte das azinheiras, e por isso assumiu resolver o problema com este, como também sabia e quis incluir na área de corte e poda das azinheiras, cuja lenha vendeu e não cedeu de graça, o terreno da assistente.

Temos de concluir que o arguido sabia e não ignorava que o seu terreno só correspondia a metade da área onde foram cortadas as azinheiras e o terreno do H... nem com ele confinava.

O nexo causal entre o corte abusivo das azinheiras da ofendida e a conduta do arguido conhecedor dos limites das propriedades, vendendo lenha que sabia não lhe pertencer está em consonância com a prova oral produzida em audiência de julgamento, à qual o tribunal a quo deu credibilidade apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, conforme o disposto do art. 127.º, do CPP.

Ora, sendo apreciada a prova segundo os princípios da livre apreciação da prova, com base na mediação e da oralidade, não pode o recorrente pôr em causa a valoração da prova e credibilidade que o tribunal deu aos depoimentos das testemunhas, designadamente o comprador da lenha D... e trabalhadores que o acompanharam no corte e poda das azinheiras em detrimento da versão do arguido, que perante eles assumiu a responsabilidade e depois negou os factos.

A dúvida do tribunal face à versão do arguido e ofendida foi dissipada, pois o tribunal interpretou e apreciou a prova com senso e ponderação, segundo as regras da experiência comum e da normalidade das circunstâncias, concluindo assim por imputar ao arguido a autoria dos crimes de furto e dano, cuja versão mereceu credibilidade, por ter apoio lógico nos elementos probatórios, designadamente da ofendida e das diversas testemunhas de acusação, em detrimento da versão do arguido.

E nesta conformidade a senhora juíza, no dever de procurar a verdade material, removeu a dúvida perante duas versões, quanto ao facto do arguido saber que o terreno não lhe pertencia, formulando um juízo de certeza, cujo processo lógico a que chegou devidamente fundamentou.

Como dissemos o recorrente não pode questionar a matéria de facto com base na credibilidade que o tribunal deu à prova que em seu entender deveria ter sido valorada de forma diferente, pois o vício de erro notório na apreciação da prova, não tem a ver com a credibilidade que o tribunal a quo deu à prova em que baseou a decisão, não podendo deste modo, e por si só, pôr-se em causa a factualidade dada como assente.

Como já referimos a apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termo

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não s do art. 127. ° do CPP.

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos. tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

A sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação crítica que fez da prova, credibilizando a versão da acusação, apoiada nos depoimentos das testemunhas ouvidas e elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com observância das regras da experiência e da livre convicção, dando como provada a factualidade imputada ao arguido, integradora da prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 em concurso efectivo com um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, ambos do CPP, fundamento do recurso que nos incumbia sindicar.

Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foi violado o princípio da inocência ou in dúbio pro reo, constante do art. 32.º, n.º 2, da CRP, e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos da sentença recorrida.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.


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Custas pela arguido, cuja taxe de justiça de fixa em 4 UCs.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.



Coimbra, 28 de Setembro de 2016


(Inácio Monteiro - Relator)


(Alice Santos - Adjunta)