Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
151/10.3TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RÉPLICA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
DOAÇÃO
NULIDADE
REDUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
POSSUIDOR DE MÁ FÉ
RESTITUIÇÃO
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.195, 584, 607 CPC, 240, 246, 292, 956 CC
Sumário: 1. A réplica inadmissível constitui a prática de um ato que a lei proibe, o que consubstancia(va) a nulidade dos artºs 195º e (201º) do CPC, que não é do conhecimento oficioso, pelo que, se não for atempadamente arguida, fica sanada, e, assim, sendo ilegal e extemporâneo o seu conhecimento em sede de sentença; porém, se desta decisão não resultar, em concreto, uma afetação irremediável da posição da parte, deve ter-se por inócua, sem dela decorrer a anulação de atos.

2- O dado como provado em sentenças anteriores, mesmo que livremente apreciadas, deve merecer uma valoração e relevo especiais e acrescidos.

3 - Não sendo os relatórios médico-psiquiátricos unívocos e conclusivos no sentido de que a examinada padecesse de perturbações mentais ou transtorno de personalidade que a impedissem de gerir a sua pessoa e os seus bens, não pode dar-se como provado que ela fazia o que o R. lhe mandava fazer, sem que tivesse a consciência do que fazia e das respetivas consequências e sem que tivesse liberdade para tomar qualquer decisão.

4 - A redução do negócio jurídico inválido – artº 292º do CC - é possível em relação ao negócio unitário, posto que seja divisível, ou seja, a parte válida assuma, juridicamente, existência autónoma e própria, não sendo prejudicada pela parte nula; o que se verifica em caso de doação de prédio em que a doadora não tendo legitimidade para doar uma metade, a tem para doar a outra metade, subsistindo, pois, a doação, reduzida nesta medida.

5.- Conhecendo o donatário do prédio tal ilegitimidade e não tendo título na parte atinente por a doação ser nula, é equiparado ao possuidor de má fé, devendo restituir os frutos, vg. rendas, percebidos.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

M (…) e A (…) instauraram contra AP (…), ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediram:

1. Que seja reconhecido e declarado que, à data da celebração da escritura de doação mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, o prédio urbano nela identificado como sendo seu objecto era propriedade não só de (…)como também da herança aberta por óbito de seu marido, (…)de que são seus herdeiros legitimários, os autores, a interveniente M (…) e a mesma (…) ou, caso assim se não entenda, para além da Inabilitada (…), os autores, a interveniente M (…) e a Inabilitada (…) todos estes em comum e sem determinação de parte ou direito.

2. Que seja reconhecido e declarado que a doação, objecto da escritura de compra e venda mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, é nula, com a consequente condenação do Réu a reconhecê-lo para todos os efeitos;

ou, para o caso de assim se não entender,

3.  que seja reconhecido e declarado que a doação objecto da escritura mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, é ineficaz em relação à herança aberta por óbito de (…), falecido marido de (…) ou, caso assim se não entenda, aos Autores e à interveniente M (…), com a consequente condenação do Réu;

e, em qualquer caso,

4. que seja decretado o cancelamento de quaisquer registos prediais, já efectuados, pendentes e ou futuros, relacionados, sob qualquer forma, com a escritura de doação mencionada.

5. Que o réu seja condenado a, de imediato, restituir e entregar aos autores, si e como representantes e ou gestores de negócios da Inabilitada (…) e da herança aberta por óbito de seu pai (…), o identificado prédio urbano com todos os frutos e benfeitorias contados desde 22 de Janeiro de 1999, até sua efectiva restituição e entrega.

6. Que o réu seja condenado a pagar à herança aberta por óbito de (…), aos autores, à interveniente M (…) e à inabilitada (…) a título de indemnização, o valor de todos e quaisquer danos que, em consequência, da outorga da escritura mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial e do subsequente à mesma, estes, individualmente ou não, e sob qualquer título ou forma, desde então sofreram, sofram, e ou venham de futuro a sofrer, a liquidar nos termos do n.º 2 do art.º 661.º do Cód. Proc. Civil.

E ainda que seja admitida a intervenção principal provocada de M (…) e, em consequência, ordenada a sua citação.

Para tanto alegaram, em síntese:

Sendo filhos, juntamente com M (…), de (…), esta última, em 22.01.1999, doou ao réu, por conta da sua quota disponível, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº 30882 da freguesia de (...) , actualmente descrito sob o nº 10374/109561024.

Tal prédio fazia parte da herança aberta por óbito de (…), de quem os autores, a requerida interveniente M (…) são herdeiros legitimários, não tendo sido efectuada a competente partilha, pelo que foi doado bem alheio.

A doação feita foi simulada, na medida em que nenhuma das partes teve a intenção ou vontade de proceder a qualquer doação.

O réu não apenas sabia que o prédio não era (…), como que esta não se encontrava, desde há vários anos, capaz de reger convenientemente a sua pessoa e património, dependendo daquele no campo sentimental e material, fazendo o que este queria ou mandava fazer, sem consciência das respectivas consequências ou liberdade para tomar a decisão ou deixar de fazer o que quer que fosse, actuando aquele com o intuito de se apropriar do património de M (...).

O réu contestou.

Negou que (…) fosse incapaz de reger a sua pessoa e património.

Esta (…) confiava nele, nunca tendo actuado de má-fé ou com intenção de se apropriar dos bens daquela.

A doação foi feita de livre vontade e de boa-fé, por si aceite, sendo que era amigo de longa data de (…) e que foi em função dessa amizade que foi feita a doação.

 A (…) era a proprietária de todo o prédio e, como tal, tinha legitimidade para doar, por si só, o mesmo.

 Os autores replicaram reiterarando a posição por si já vertida no seu articulado inicial.

Foi admitida a requerida intervenção principal de M (…)

Por requerimento de fls. 732 e ss. e na sequência de despacho proferido, o réu veio invocar a excepção dilatória da ilegitimidade processual activa da autora M(…) na medida em que está em causa uma indemnização por danos, entendendo dever ser a própria (…), assistida pela sua curadora, a referida autora, a formular o pedido.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi julgada a legitimidade activa.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Declaro que a doação objecto da escritura de compra e venda mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial é nula parcialmente por a doadora não poder transmitir metade do prédio objecto de tal doação e, consequentemente, ineficaz, nessa parte, relativamente aos autores e à interveniente principal e condena-se o réu a reconhecê-lo;

 b) Determino o cancelamento parcial da inscrição de aquisição a favor do réu – Ap. 4385 de 2009/09/02 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10374/19561025;

c) Absolvo o réu do demais peticionado.

 Condeno os autores e o réu no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em ¾ para os primeiros e ¼ para o segundo (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).»

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegou o réu pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

Por despacho da anterior relatora foi ordenada a baixa do processo para que fosse emitida pronuncia sobre a arguida nulidade, no recurso, da não consideração da réplica apenas em sede de sentença – artº 617º nº5 do CPC

Tal arguição de nulidade foi indeferida.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da decisão que declarou que a réplica apresentada pelos A.A. “não pode ser atendida e, como tal, não é considerada na presente sentença”.

2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª - (Im)procedência do pedido.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Clamam os recorrentes que a decisão que desconsiderou a réplica é nula.

Quer porque ofende o caso julgado decorrente da declaração  dos autores como partes legítimas para formularem o pedido efetivado no ponto 6; quer porque, tendo a prova produzida incidido também sobre factos alegados na réplica, a desconsideração implicou a anulação desta prova.

Mas, em tese, e inclusivé como os recorrentes a definem, a questão não é de nulidade da decisão, mas antes da sua ilegalidade, ou seja, se ela decidiu, ou não, contra o estatuido em norma legal.

Atentemos.

A decisão desconsiderou a réplica no entendimento que, no caso vertente, o réu, na contestação, não se defendeu por exceção, mas apenas por impugnação motivada, pelo que tal peça processual era inadmissível, nos termos do artº 502º do pretérito CPC.

E, vista a contestação, concluiu-se que efetivamente, no que tange ao pedido e ao cerne da causa de pedir, o réu apenas se defendeu por impugnação, ainda que, por vezes, não apenas simplesmente negatória, mas antes explicativa ou motivada.

Destarte, vedado estava aos autores replicarem.

Na verdade, e como é consabido, as sucessivas reformas processuais têm vindo a intensificar a redução dos articulados, em abono do princípio da concentração do pedido e da defesa, tudo em benefício de um processo, -  e, consequentemente, de uma justiça - mais escorreito, leal e célere.

De tal sorte que, presentemente, o processo está tipicamente gizado apenas, e por via de regra, para a existência de dois articulados: petição inicial e contestação – cfr. Artº 573º do CPC.

E nesta senda se inserindo a proibição da réplica, mesmo que o autor se defenda por exceção, pois que tal articulado apenas é aceite quando o réu deduza reconvenção – artº 584º nº1 do NCPC.

Nesta conformidade, ao terem replicado, os autores praticaram um ato que a lei não admitia e, assim, cometeram uma nulidade prevista no artº 201º do código de antanho.

Porém, o conhecimento desta nulidade não era oficioso, devendo ela ser arguida por quem se mostrasse interessado, o que, in casu, seria o réu – artºs 202º, 203º e 205º do CPC anterior.

Ora o réu foi notificado da réplica, e não arguiu a sua inadmissibilidade, no prazo geral de dez dias, pelo que tal nulidade ficou sanada.

Vedado pois estava à julgadora pronunciar-se sobre a inadmissibilidade de tal articulado.

Quer porque versou sobre uma nulidade processual que já estava sanada, quer porque tal pronuncia se assume como claramente serôdia e consubstanciadora de um decisão surpresa, frustrante das expectativas legitimamente criadas pelas partes (mesmo do réu)  de que o ato – réplica - estava definitivamente firmado/sedimentado.

Não obstante a ilegalidade formal da decisão, importa apurar se ela, efetivamente, se repercutiu negativamente na defesa dos direitos dos recorrentes, pois que apenas neste caso está legitimada uma intervenção que altere – e, por decorrencia, retarde e complexize – o iter processual; tudo, aliás, em consonância com estatuido para o deferimento da nulidade com base na qual ela foi proferida, o qual apenas pode ser concedido se ela influir no exame e decisão da causa.

Os recorrentes dizem que houve violação do caso julgado. Mas tal argumentação não colhe: a decisão sobre a legitimidade dos autores nada tem a ver com a nulidade cometida nem com a decisão que sobre ela foi proferida.

Mais aduzem que tal decisão implicou a anulação da prova que sobre a matéria da réplica foi produzida.

Mais uma vez, e sdr., fenece esta motivação.

Por um lado, e bem vistas as coisas, o objeto da ação ficou delineado com a petição e a contestação.

Sendo que na réplica os autores limitam-se, nuclearmente, a reiterar a sua posição inicial e a rebater os argumentos aduzidos pelo réu na contestação.

Por outro lado, os autores aproveitaram, essencialmente, tal articulado, para convocarem e reproduzirem sentenças conexas com o caso – vg. de inabilitação da M (...) e de anulação das procurações por ela emitidas -  apresentando-as, bem como outros documentos, como meios de prova da causa petendi da petição.

Ora tais meios probatórios, e versus o defendido pelos insurgentes, não foram, ex vi da desconsideração da réplica, postergados nas respostas dadas à matéria de facto.

Na verdade, vista a fundamentação destas respostas alcança-se que nela se plasmou, além do mais:

«a prova produzida e examinada noutros processos que não o presente, não pode ser considerada neste, atento o princípio da livre apreciação do julgador, sendo certo que também não pode atender a documentos que não se mostram juntos aos presentes autos...

…a factualidade dada como provada noutros processos não tem no presente força de caso julgado...

…a certidão judicial relativa à condenação do ora réu no âmbito do processo comum colectivo n.º 193/06.3PBCTB …não tem o alcance, no caso concreto, que é conferido no art.º 623.º do Código de Processo Civil.

 É certo que da mencionada certidão, bem como das restantes que se mostram juntas aos autos, é possível concluir que (…) dissipou grande parte do seu património, o que, levou, inclusivamente, à sua inabilitação, não, conforme resulta da sentença que a decretou, pela existência de qualquer anomalia psíquica, mas tão só por prodigalidade, sendo que, em alguns dos actos de dissipação, participou o ora réu.

Contudo, naturalmente e sobretudo atendendo a que se tratam de actos jurídicos e negócios jurídicos celebrados posteriormente à escritura de doação em causa nos presentes autos, não pode o tribunal com base neles, por si só, dar como provada qualquer da factualidade em análise.»

Ou seja, a julgadora não desconsiderou, e muito menos anulou, a prova apresentada com a réplica: ponderou-a, mas valorou-a num sentido que não vai de encontro à pretensão dos recorrentes.

Se bem, se menos bem, é aspeto que vai ser dilucidado na questão subsequente, sendo certo que este tribunal ad quem tem ao seu dispor todos os meios probatórios produzidos.

Mas tudo servindo para concluir que a decisão ora em análise, posto que ilegal, é, na economia do objeto do processo, máxime a pretensão dos recorrentes, inócua.

 Ela não afetou, ou, o que vale o mesmo, não afetou irremedivelmente, os direitos dos recorrentes, pelo que da mesma não devem/podem retirar-se consequências no sentido da anulação de atos, o que contenderia com o princípio geral do dever de boa gestão processual, com o fito da célere decisão, plasmado no artº 6º do NCPC.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Ademais, e em termos de direito positivo, urge atentar que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto tem de cumprir, desde logo liminarmente e com o maior rigor possível, as exigências formais do artº 640º do CPC.

Das mesmas sobressai a indicação – nº 1 al. b) - dos «concretos meios probatórios constantes no processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão… diversa…»

Sendo que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem julga é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma concreta e discriminada análise objetiva, crítica, logica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.

Sendo que, repete-se, a intolerabilidade destas tem de ser demonstrada pelo recorrente através de uma concreta e dilucidada análise hermenêutica de todo o acervo probatório produzido ou, ao menos, no qual se fundamentou a resposta.

5.2.3.

(…)

5.2.4.

Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes:

1. M (…), A (..:) e M (…) , são filhos de M (…) e J (…).

 2. M (…) nasceu a 12 de Janeiro de 1924.

3. M (…)  casou com J (…) em 7 de Junho de 1948, em primeiras e únicas núpcias de ambos, casamento esse dissolvido por óbito do último.

4. J (…) faleceu em 29 de Agosto de 1981.

 5. Por sentença proferida a 23 de Fevereiro de 2009, no âmbito da acção especial de inabilitação que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco sob o n.º 568/2002, transitada em julgado em 25/03/2010,  foi M (…) declarada inabilitada, por prodigalidade, ficando-lhe vedado praticar actos de administração e disposição de bens e assunção de quaisquer responsabilidades.

6. Na sentença referida em 5., foi nomeada curadora, M (…), a quem foi entregue, na totalidade, a administração do património da inabilitada, sendo que, por despacho proferido em 16 de Agosto de 2002, foi, no âmbito de tal processo, nomeada curadora provisória e determinado que providenciasse pela administração do património de M (…) até ser proferida decisão definitiva.

 7. Por escritura pública intitulada de “Doação”, outorgada no dia 22 de Janeiro de 1999, no Primeiro Cartório Notarial de Castelo Branco, perante a Sra. Notária Dra. M (...), outorgada por M (…), como primeiro outorgante e (…), como segundo outorgante, aquela declarou que “pelas forças da sua quota disponível, doa ao segundo outorgante, um prédio urbano, sito no Largo da Sé, na freguesia e concelho de Castelo Branco, a confrontar do norte rua Postiguinho Valadares, do sul e poente com a proprietária e do nascente com o Largo da Sé, composto de um edifício de rés do chão e primeiro andar, com a superfície coberta de trezentos e seis metros e noventa decímetros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo 3.937, com o valor patrimonial de 5.608.980$00 e declarado de seis milhões de escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o número trinta mil oitocentos e oitenta e dois do Livro B-oitenta e dois, com o registo de transmissão a favor da doadora pela inscrição oito mil duzentos e dezassete do Livro G-treze.

 Que, o prédio estava anteriormente inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1851, sendo a divergência entre a descrição e matriz, na parte respeitante à sua situação, derivado pelo facto do prédio formar gaveto entre a Rua do Postiguinho, Largo da Sé e Rua de S. Sebastião, sendo certo que a entrada principal é actualmente pelo Largo da Sé.”, tendo o segundo outorgante declarado “que aceita a presente doação”.

 8. Na sequência da celebração da escritura pública referida em 7., pela Ap. 4385 de 2009/09/02, efectuada na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova, o réu obteve o registo de aquisição a seu favor, do identificado prédio urbano.

9. O identificado prédio urbano encontra-se, actualmente, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10374/19561024 da freguesia de Castelo Branco.

10. M (…) adquirira metade indivisa do identificado prédio por partilha judicial por óbito de seu avô (…)

11. E, posteriormente, por escritura pública de compra e venda celebrada em 16 de Agosto de 1956, no Cartório Notarial de Idanha-a-Nova, de fls. 29 v. a fls. 32 do Livro de Notas para Actos e Contratos entre Vivos n.º A-284, em que foi seu procurador o seu então marido J (…)comprou, livre de ónus e encargos, a (…) a metade de que este era proprietário em cada um dos prédios descritos na relação anexa à mesma escritura.

12. Entre os quais faz parte o prédio urbano descrito na verba número quatro da sua relação anexa: “uma casa de andar e lojas, sita na Rua Machado dos Santos, limite e freguesia de Castelo Branco, que confina do norte com o Largo da Sé, sul e nascente com bens dos herdeiros de MV(...) e do poente com a rua, inscrito todo o prédio na respectiva matriz sob o artigo mil oitocentos e cinquenta e um”.

13. Tal prédio corresponde ao prédio urbano actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10374/19561024 da freguesia de Castelo Branco.

14. M (…) e J (…) celebraram, em 5 de Junho de 1948, no Cartório Notarial de Castelo Branco, de fls. 55 a fls. 58 do Livro para actos e contratos entre vivos n.º 248 do Cartório Notarial de Castelo Branco de F (...), escritura antenupcial, onde convencionaram, além do mais, o seguinte:

“Primeiro: O seu casamento é com separação de bens.

Segundo: A separação abrange tanto os bens que eles esposados actualmente possuem e levam para o casal, como os que durante o casamento lhes advierem por sucessão, ou por outro qualquer título gratuito, ou por direito próprio anterior.

Terceiro: Os bens a que se refere o precedente artigo ficam e serão considerados a todo o tempo próprios do cônjuge a quem pertencem ou por cuja … advierem.

Quarto: Entre eles futuros cônjuges só haverá a comunhão dos bens adquiridos por título oneroso.

 Quinto: Não entrarão, porém, na comunhão os bens advindos por trocas ou subrogações dos bens próprios de qualquer deles futuros cônjuges, pois esses ficarão no lugar dos alheados. (…)

Declarou ela esposada que os bens que actualmente possui e leva para o casamento são os seguintes: Primeiro: Todos os bens que lhe foram … no inventário orfanológico por óbito de seu avô, (…) (…)” – cfr. certidão junta de fls. 159 a 166, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

 15. Por escritura intitulada “Habilitação”, outorgada no dia 5 de Janeiro de 1982, na Secretaria Notarial de Castelo Branco, perante o Sr. Notário do Segundo Cartório, compareceram como outorgantes (…) que declararam “que têm conhecimento de que no dia vinte e nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e um, na freguesia de Benfica, em Lisboa, faleceu sem testamento ou outra disposição de última vontade, J (…), natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos no regime de comunhão de adquiridos com M (…) também conhecida por (…)s, M (…), M (…), , presentemente viúva, natural da freguesia de Lousa, concelho de Castelo Branco, com residência habitual em Castelo Branco, na Quinta da Feiteira.

 Que o autor da herança deixou como únicos herdeiros legitimários, além da sua referida mulher, os três seguintes filhos do seu matrimónio:

M (…), solteira, maior, natural da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, com residência habitual na Quinta da Cortiça, em Leira; M (…) casada no regime de comunhão de adquiridos com (…) natural da freguesia dos Olivais, concelho de Coimbra, com residência habitual na Quinta da Feiteira, freguesia e concelho de Castelo Branco e (…), casado no regime de comunhão de adquiridos com (…), natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, com residência habitual na Quinta do Rocado, no povo e freguesia dita de Lousa.

 Que não há quem prefira aos indicados herdeiros ou com eles concorra na sucessão. (…)”. – cfr. certidão junta de fls. 956 a 965, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. Desde 1995 que (..) passou a frequentar o bar “D. Sebastião”, o que era do conhecimento do réu.

 17. (…) outorgou as seguintes procurações irrevogáveis:

- em 11 de Agosto de 1999, a favor de (…);

- em 02 de Dezembro de 1999, a favor de (…)

 - em 10 de Maio de 2000, a favor do ora réu.

18. Na sentença referida em 5., foram dados como provados, além do mais, os seguintes factos:

- A Requerida M(…), em 9 de Maio de 1998, celebrou com a «Sociedade comercial (…) Lda representada por A (...), um contrato promessa de compra e venda dos prédios urbanos sitos na Rua S. Sebastião, n.os 39 a 51, em Castelo Branco, pelo valor global de Esc. 60.000.000$00, não tendo, pelo menos até Agosto de 2002, sido celebrada a respectiva escritura pública de compra e venda por o registo dos identificados prédios na Conservatória de Registo Predial não se encontrar regularizado.

- Este prédio valia, em 1998, € 761.790,00.

 - A requerida não dispõe de qualquer outro imóvel onde possa residir se eventualmente efectuar a prometida venda.

- Pelo menos em 14.03.2003, encontrava-se inscrito a favor de (…), mediante a apresentação n.º 47/170898, a propriedade, por compra, de duas fracções, do prédio urbano descrito na matriz predial respectiva, da freguesia e concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº 00192/110385, sendo a anterior titular do direito de propriedade constante a descrição predial a aqui Requerida, mediante a apresentação nº 14/181095, por compra.

- Por escritura pública outorgada no 1.º Cartório Notarial de Castelo Branco, em 22 de Janeiro de 1999, a Requerida M (…) declarou doar, pelas forças da sua quota disponível, a (…) o prédio urbano sito no largo da Sé, em Castelo Branco, composto de um edifício de rés do chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 306,90 m2, tendo então sido atribuído a essa doação valor de seis milhões de escudos.

- (…), através de um gestor de negócios, em 29 de Novembro de 1999, pagaram uma sisa pela compra em comum e partes iguais, pelo preço de Esc. 65.000.000$00, do dito prédio sito na Rua de S. Sebastião, n.os 49-51, em Castelo Branco, inscrito na matriz predial da freguesia de Castelo Branco sob o art. 883.º.

- Com data inscrita de 15 de Março de 2000, a Requerida, na qualidade de primeira outorgante, (…), como segundos outorgantes, e (…), como terceiro outorgante, subscreveram o que designaram de «contrato particular», nos termos seguintes, parcialmente transcritos: 1 – Em 30 de Dezembro de 1984, a primeira outorgante deu o seu aval à subscritora P (…), Limitada, numa livrança que titulou um financiamento (…) na importância de 146.000.000$00 (…)

O BCP apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – 2º Juízo Cível – o processo de execução ordinária a que foi atribuído o nº 208/96

(…)

9 – Insatisfeita com o inexplicável rumo dado ao referido processo judicial de execução e porque de há muito que a sua aspiração passava pela transformação da sua casa de habitação sita na Rua de S. Sebastião, em instância turística-hoteleira, a ora primeira outorgante contratou, então, com os segundos e terceiro outorgantes o clausulado seguinte:

1 - Prédio rústico e urbano denominado “Quinta do Rocado”, no limite da freguesia de Lousa (…)

2 - Prédio urbano sito na Rua de S. Sebastião (…) inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.os 382 e 883;

 3 - Prédio urbano sito na Rua dos Ferreiros (…) inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 395;

4 - Prédio urbano sito na Rua 5 de Outubro, da cidade, freguesia e concelho de Castelo Branco ( … ) inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3111;

5 - Prédio rústico denominado “Herdade do Vale do Paio”, sito no limite da freguesia de Malpica do Tejo (…);

6 - Prédio urbano (fracção autónoma denominada pela letra X), que corresponde ao primeiro andar esquerdo do prédio sito na Rua Postiguinho de Valadares (…)

 2ª

Declara que todos estes seus imóveis se encontram onerados com a penhora a que se refere no preâmbulo deste contrato e o identificado no nº 5 da precedente cláusula, ainda com uma hipoteca a favor da C (...) e com o arrendamento rural a (…).

 Declara ainda que, nessa sua qualidade, promete vender:

1 - ao segundo outorgante, os imóveis identificados nos n.os 1, 3, 4, 5 e 6;e

 2 - Aos segundo e terceiro outorgantes, em partes iguais, o imóvel identificado no n.º 2, da precedente cláusula 1ª;

 Declara também que o preço desta sua prometida venda ao segundo outorgante, dos imóveis indicados no nº 1, da precedente cláusula 3ª, é de 300.000.000$00 (…) cujo pagamento será feito por compensação com o pagamento que esse mesmo segundo outorgante deverá fazer para que venha a verificar-se a extinção da execução identificada no nº 5 do «Preâmbulo» deste contrato.

 Declara mais a referida primeira outorgante que o preço da prometida venda do imóvel indicado no nº 2 da cláusula 3ª é de 35.000.000$00 (…) cujo pagamento será feito:

 1 - com o usufruto duma quota equivalente a 20% do capital social inicial da sociedade que vier a ser constituída para a exploração turística-hoteleira;

 2 - Com o direito de uso da primeira outorgante, relativamente ao imóvel identificado no nº 6 da predita cláusula 1ª; e, ainda,

 3 – Com o direito de uso da primeira outorgante, relativamente à casa de habitação que, presentemente, se encontra em mau estado de conservação e que faz parte integrante do imóvel identificado no nº 1, da referida cláusula 1ª;

 (…)

A usufrutuária referida no nº 2 do precedente cláusula 7ª obriga-se desde já a renunciar ao respectivo usufruto na data em que venha a extinguir-se o (usufruto) que pertencerá à ora primeira outorgante e referido no nº 3 daquela referida cláusula 7ª.

11ª

Todos os outorgantes declaram que, independentemente da possível existência de sinal ou de cláusula penal, aceitam, para todos os efeitos legais, o recurso à execução específica.

- Por procuração outorgada, no dia 10 de Maio de 2000, no 6º Cartório Notarial de Lisboa, a requerida M (…) constituiu seu bastante procurador (…), a quem concedeu poderes necessários para prometer vender e vender os seguintes prédios:

a) Fracção autónoma individualizada pela letra A, correspondente à garagem n.º 1, da cave do prédio urbano sito na Rua do Postiguinho e Rua dos Ferreiros, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº 1438, inscrito na matriz sob o art. 8684;

b) Prédio urbano sito na Rua 5 de Outubro, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco, sob o n.º 24 464, inscrito na matriz sob o art. 3111;

 c) Prédio urbano sito na Rua de S. Sebastião, freguesia e concelho de Castelo Branco, sob os n.os 30 879 e 30 881, inscrito na matriz sob o art. 883;

 d) prédio misto denominado Boneco, sito em Santo André, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco, sob o n.º 165, inscrito na matriz rústica sob o art. 41 e na matriz urbana sob o art. 2002; mais lhe foram concedidos poderes para outorgar e assinar os competentes contratos promessa de compra e venda e as respectivas escrituras, pelos preços e termos que entender convenientes, recebendo os preços e deles dando quitação; mais fiou o mesmo mandatário autorizado a celebrar negócio consigo mesmo, ficando pela mandante dado consentimento previsto no nº 1, do art. 261º, do C.Civil.

Ficou ainda consignado que a dita procuração era conferida no interesse do mandatário, nos ermos dos arts. 265º, nº 3, e 1170º, nº 2, do C.Civil, e não caducava por morte, interdição ou inabilitação da mandante, conforme o art. 1175º, do C.Civil.

 - A Requerida M (…) mantém desde 1995 uma relação amorosa com (…), homem com cerca de menos 30 anos de idade que a Requerida M (…), é sócio-gerente da sociedade A(…), Lda., exploradora do bar chamado “D. Sebastião” sito no n.os 45 e 47 do prédio urbano sito na Rua D. Sebastião, em Castelo Branco, propriedade da Requerida M (…)

- Em virtude da referida relação, a Requerida M (…) depende, pelo menos, emocionalmente do referido (…), razão pela qual se explica que, tanto de Inverno, com frio e chuva, como de Verão, com as elevadas temperaturas que se fazem sentir em Castelo Branco, a Requerida M (…) atravesse a pé a cidade à procura do referido (…), o que faz de dia e de noite.

 - Por escritura de compra e venda datada de 1 de Outubro de 2007, no Cartório Notarial de Covilhã, perante o Notário Lic. J(…), na qualidade de procurador da Requerida, declarou vender a (…) metade do prédio urbano sito na Rua de S. Sebastião, nº 39- 51, em Castelo Branco, pelo valor de € 500.000,00.

- A Requerida M (…), desde, pelo menos, 1995, começou a demonstrar graves perturbações mentais e a ter uma vida pessoal degradante e escandalosa, fazendo-se acompanhar por pessoas conhecidas na cidade de Castelo Branco por prostitutas, drogados, bêbados, com antecedentes criminais, que frequentam amiúde a residência da Requerida.

- A Requerida é vista pela rua e em cafés em estado de embriaguez, frequenta bares e discotecas, revela ter fome, tendo emagrecido bastante nos últimos meses.

- À data da propositura desta acção, a Requerida M (…) não tinha dinheiro.

- Por isso, a mesma Requerida M (…) levava uma vida de pobreza, de miséria e com fome.

- A requerida (…) passava os dias na rua a andar de um lado para o outro, percorrendo cidade a pé, e pedindo dinheiro emprestado às pessoas que conhece, designadamente, pedia aos arrendatários dinheiro avançado por conta do pagamento das rendas mensais.

- o assente em RRR) devia-se ao facto de não ter recebido o dinheiro das vendas efectuadas e das rendas ou, tendo-os recebido, desfez-se desses valores, gratuitamente, a favor de terceiros.

- A Requerida M (…) facilmente assina e assinará qualquer documento que, para o efeito, lhe for ou seja apresentado, não tendo nem tomando consciência do assunto de que se trata, nem das consequências, designadamente jurídicas, fiscais e económicas, de tais actos. – cfr. certidão junta de fls. 622 a fls. 730 cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

19. Após a celebração da escritura referida em 7., o requerimento para inscrição da aquisição a favor do réu do identificado prédio, mereceu o seguinte despacho por parte da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco:

“Ap. 17/09022005:

 Recusado – Art. 69º nº 2 do Código do Registo Predial – por não ser o acto, por natureza, susceptível de ser efectuado como provisório, obstando ao registo definitivo:

a) Constar da inscrição a actualizar (n.º 8217 fl.98 do livro G-13 e não apenas “G 13”) o regime de bens da titular inscrita “separação de bens” – designação do código civil anterior então vigente, que corresponde ao que actualmente se designa de “comunhão de adquiridos”; consta do requerimento desse registo, mais precisamente, ser o regime da separação de bem com comunhão de adquiridos por título oneroso.

b) A aquisição registada, quanto ao prédio nº’ 30882 a fl. 112 vº do B-82, tem causa, quanto a ½, em partilha em inventário por óbito (…), avô da registante, e, quanto ao outro ½ em compra a (…) irmão da registante.

c) Do que resulta ser o direito adquirido na partilha bem próprio da titular inscrita e o adquirido por compra bem comum ao casal (Art. 1722º c 1724º do Código Civil)

 d) Assim a inscrição só poderia ser actualizada na parte respeitante ao direito que provém da partilha, que se mantém no património da titular inscrita (art. 100º do Código do Registo Predial)

e) O direito que pertencia ao casal transmitiu-se, por óbito do marido, ao conjunto dos interessados na respectiva partilha: conjure sobrevivo e sucessores do cônjuge falecido, sendo tal transmissão registável apenas em nova inscrição (art. 91º e 100º nº 2 do Código do Registo Predial)

 Obsta à actualização parcial, referida na alínea d) do despacho, não se acharem sanadas as deficiências relativas aos elementos de identificação do prédio, conforme adiante se refere no despacho do 2º acto – art. 68º, 90º, 38º nº 1 e 43º do mesmo código.

Em 23/02/2005

 A Conservadora

 DESPACHO

Ap.18/09022005:

 Recusado – Art° 69º nº 2 do Código do Registo Predial - por não ser o acto, por natureza, susceptível de ser efectuado como provisório, obstando ao registo definitivo:

a) Não se esclarecer, quanto às confrontações, a contradição entre a descrição: “Norte, Largo da Sé; poente, rua” (presumivelmente a da situação, única mencionada, “Rua de S. Sebastião”); as demais com pessoas;

 e a declaração: “norte. Rua Postiguinho de Valadares; nascente, Largo da Sé”; restantes com a declarante.

b) E, do mesmo modo, não se esclarecer a contradição com a descrição, quanto a situação “Largo da Sé”, a qual se declara corresponder a antiga “Rua Machado Santos, actual Rua de S. Sebastião” resultando da descrição serem designações distintas – como, aliás, também se afirma noutro ponto da declaração: “A Rua de S. Sebastião e o largo da Sé são contíguos” para concluir que o prédio “não se situa, nem confronta com a Rua de 5. Sebastião” ao contrário do que consta na descrição.

c) Por (estranhamente) nem a certidão municipal ser clara quanto à alteração das designações das vias públicas em causa, da sua competência, uma vez que se limita a afirmar, sob a forma de certidão, que o prédio “que se situava… confrontava … se situa actualmente… e confronta….” de forma que o Largo da Sé “salta” de norte para nascente, “aparece” a Rua Postiguinho de Valadares a norte e “desaparece” a Rua de S. Sebastião, quer das confrontações quer da situação! Art. 43º, 46º nº 1 b), 33º e 68º do Código do Registo Predial.

 Em 23-2-2005

A Conservadora

 DESPACHO

Ap. 49/09022005:

 Recusado – Art. 69° nº 1 e) do Código do Registo Predial – por o mesmo o facto já ter sido antes registado como provisório por dúvidas e as mesmas não e acharem removidas no presente pedido – confrontar ap 37/290399 anexa.

Acresce, na sequência do que foi exposto na recusa ao 1º acto não estar a totalidade do prédio alienado inscrito em nome da alienante, no respectivo património próprio – Art. 34° nº 2 do Código referido.

Em 23-2-2005

A Conservadora”.

 20. O réu nasceu a 17 de Abril de 1951.

 21. M (…) residia por cima do café-bar D. Sebastião.

22. Desde 1995 que M (…) passou a descuidar da sua aparência física, com roupas sujas, estragadas e desapropriadas para a estação do ano em que as vestia.

23. Consta da escritura pública identificada em 11., além do mais, o seguinte: “(…) o senhor Doutor J (…), (…) que intervém por si e como procurador da sua esposa Dona (…) (…), casado sob o regime de separação de bens. (…)

Que, pela presente escritura, vende o referido direito que possui nos mencionados prédios constantes da aludida relação, à esposa e constituinte do segundo outorgante, pela quantia de um milhão e oitocentos mil escudos, que declara ter já recebido da compradora. (…)

Pelo segundo outorgante foi dito: que aceita para a sua constituinte esposa, a venda, quitação do preço (…), que de acordo com a presente compra feita por sua esposa, lhe presta o seu consentimento e dá a sua outorga. (…)”. – cfr. certidão junta de fls. 142 a 156, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

24. M (…) faleceu no dia 25 de Fevereiro de 2012, no estado de viúva de J (…). – cfr. certidão do assento de óbito junto a fls. 746 e 747, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

25. Por sentença proferida a 21 de Outubro de 2009, transitada em julgado em 29 de Abril de 2013, no âmbito do acção ordinária n.º 1649/07.6TBCTB do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em que são autores (…)  e réus (…), foi declarado, para todos os efeitos legais, que a compra e venda, objecto da escritura referida em GG) (escritura pública de compra e venda celebrada em 01 de Outubro de 2007), é nula, condenando-se os réus a reconhecê-lo; declarado que, à data da celebração da escritura de compra e venda referida em GG), o prédio urbano nela identificado como sendo seu objecto era propriedade não só de (…), como também da herança aberta por óbito do seu marido, (…), de que são seus herdeiros legitimários os aqui AA., a interveniente (…) e determinado o cancelamento de quaisquer registos prediais, já efectuados, pendentes e/ou futuros, relacionados sob qualquer forma com a escritura de compra e venda mencionada em GG). – cfr. certidão judicial junta de fls. 827 e ss., cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

26. O prédio identificado em 7. encontrava-se inscrito a favor de (…), casada com (…), na separação de bens, por aquisição de metade por partilha e de metade por compra. – cfr. certidão predial junta de fls. 805 a 813, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

27. Aquando da outorga referida no nº 7 dos factos provados, o R. sabia que o prédio objecto dessa escritura, não pertencia apenas a (..), mas também à herança aberta por óbito do falecido marido desta.

 28. Desde 1995 que (…) se fazia acompanhar por pessoas conhecidas na cidade de Castelo Branco por prostitutas, drogados, bêbados e com antecedentes criminais, os quais, inclusivamente, frequentavam a sua residência.

29.  Desde 1995 que (…) passou a frequentar bares e discotecas e a consumir bebidas alcoólicas, encontrando-se, por vezes , em público, em estado de embriaguez.

 30. A partir da mesma altura, (…) iniciou uma relação amorosa com o R.

 31. Os filhos de (…) discordavam com o referido em 28 a 30.

 32. O referido em 30. motivou que (…) se tivesse afastado dos filhos, recusando-se a ter contactos com estes e a que os mesmos lhe administrassem os bens.

 33. (…)  tomava, ou deixava de tomar, decisões, influenciada, relevantemente,  pelo réu.

34. Nenhuma importância foi paga a (…) a título de preço, no todo ou em parte, relativamente à venda ou promessa de venda dos prédios objecto das procurações referidas em 17., por qualquer um dos referidos procuradores.

 35. O prédio identificado em 7. valia,  cerca de € 375.000,00.”

36. Mesmo após a supra mencionada doação, e uma vez que o prédio urbano tinha inquilinos, a inabilitada continuou a receber as rendas.

37. Rendas essas que, o Réu só passou a receber algum tempo depois deter sido notificado de que a Autora tinha sido nomeada curadora provisória da Sra. (…).

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Os recorrentes continuam a pugnar, em sede recursiva, e em função da alteração da factualidade que impetraram, a declaração da nulidade da doação, com três fundamentos: por ter como objeto bem alheio, por simulação e/ou por falta de consciência e/ou vontade da outorgante (…)..

A Srª Juíza, decidiu a causa, em função dos factos por ela fixados, no seguintes, nucleares,  termos:

«Dispõe o art.º 240.º n.º 1 do Código Civil que “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado” e o n.º 2 acrescenta que “o negócio simulado é nulo”.

O art.º 246.º do mesmo diploma legal, por seu turno, estabelece que “a declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial ou for coagido pela força física a emiti-la; mas se a falta de consciência da declaração for devida a culpa, fica o declarante obrigado a indemnizar o declaratário”.

Finalmente importa ainda atender, no caso concreto, ao disposto no art.º 257.º, aplicável “ex vi” do art.º 150.º “ex vi” do art.º 156.º, todos do Código Civil, atendendo a que M (...) foi declarada inabilitada por prodigalidade.

 Dispõe o mencionado art.º 257.º n.º 1 que “a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”, sendo que o n.º 2, por seu turno, estabelece que “o facto é notório quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar”.

Da factualidade dada como provada não resultam nenhum dos pressupostos referidos em nenhum dos supra citados preceitos legais, sendo certo que não ficou sequer provado que aquando da celebração da escritura pública de doação, (…) já descuidasse da sua aparência física, com roupas sujas, estragadas e desapropriadas para a estação do ano em que as vestia.

 Assim sendo e sem necessidade de tecer mais considerações, a doação em causa não padece de qualquer um dos invocados vícios.

 Vejamos agora se se trata de uma doação de bem alheio.

A propósito, dispõe o art.º 956.º n.º 1 do Código Civil que “é nula a doação de bens alheios; mas o doador não pode opor a nulidade ao donatário de boa fé”.

A doação de bens alheios mais não é do que aquela em que o doador doa como próprio um bem pertencente a outrem ou sobre a qual possui um direito que não lhe permite essa actuação. Trata-se pois de um problema que assenta na falta de legitimidade. A nulidade opera porém em relação ao doador e ao donatário e não em relação ao proprietário da coisa doada, já que, quanto a este, o contrato é ineficaz, por força do disposto no art.º 406.º n.º 2 do Código Civil...

Aquando da celebração da escritura pública de doação, o prédio dela objecto encontrava-se inscrito unicamente a favor de (…)…Assim sendo, perante a presunção de registo de que a mesma beneficiava, nada parecia obstar a que doasse o prédio referido.

Sucede porém que…M (…) e J (…)  casaram a 7 de Junho de 1948 e celebraram convenção antenupcial onde convencionaram como regime do casamento a separação de bens... Mais convencionaram que os bens adquiridos por título oneroso durante o casamento, seriam bens comuns…Resulta ainda da factualidade dada como provada que metade do prédio em causa foi precisamente adquirido por (…)

 na partilha havida por óbito do seu avô e que a outra metade foi por ela adquirida já na constância do casamento, por compra.

Segundo dispõe o art.º 1698.º do Código Civil …O art.º 1714.º n.º 1 do mesmo diploma legal …(que) correspondem ao disposto nos art.º 1096.º e 1105.º do Código de Seabra, em vigor ao tempo da celebração da convenção antenupcial …Uma vez que os esposados celebraram convenção antenupcial é o que nela convencionaram que rege o regime de bens do seu casamento, …forçoso é de concluir que, perante o regime de bens vigente entre o casal, a metade do prédio adquirida por compra na constância do casamento é um bem comum e integra o património comum do casal.

 Entende o réu que assim não é por força do disposto no art.º 1727.º do Código Civil actualmente em vigor, segundo o qual, “a parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas prestadas para a respectiva aquisição”…

Dispõe o art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 47344 de 25/11/1966 que aprovou o Código Civil: “o preceituado nos artigos 1717.º a 1752.º só é aplicável aos casamentos celebrados até 31 de Maio de 1967, na medida em que for considerado como interpretativo do direito vigente…

O Código de Seabra não previa, como se disse, norma legal semelhante, mas apenas algo semelhante do disposto actualmente no art.º 1722.º do Código Civil, razão pela qual, em meu entender, o disposto no art.º 1727.º do Código Civil é uma norma inovadora e, como tal, não pode ser aplicada a casamentos celebrados na vigência do Código de Seabra. E a verdade é que, no caso concreto, entendo que nunca poderia ter aplicação, uma vez que, como se disse supra, o casamento de M (…) e J (…) rege-se, quanto aos bens, pela convenção antenupcial que celebraram.

 Afastada que fica assim a aplicação do disposto no art.º 1727.º do Código Civil, forçoso é de concluir que M (…) não tinha legitimidade para doar, como doou, ao réu, metade do prédio, por o mesmo pertencer inicialmente ao património comum do casal e, após a morte do marido, a meação dele no património comum integrar herança aberta por óbito deste. M (…) apenas poderia ter doado metade do prédio, seu direito próprio, e o direito à sua meação e à herança aberta por óbito do marido. Conforme dispõe o art.º 1408.º n.º 1 do Código Civil aplicável “ex vi” do art.º 1404.º do mesmo diploma legal, “o comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum”, sendo que o n.º 2 acrescenta que “a disposição ou oneração de parte especificada sem o consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia”. Assim sendo, dúvidas não existem que se trata de uma doação de coisa alheia, sendo certo que não resulta da factualidade dada como provada o desconhecimento sem culpa do réu, sendo certo que o ónus da prova competia a este.

Sucede porém que, conforme se referiu supra, nem todo o negócio é inválido, já que metade do prédio pertencia, em exclusivo, a M (…) e, como tal, dela podia dispor.

Dispõe o art.º 292.º do Código Civil que “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”. Conforme refere Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., pág. 626, “determina-se, em princípio, a redução dos negócios jurídicos parcialmente nulos ou anuláveis. A invalidade total só poderá ter lugar, se se provar, que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada”.

 Ora não resulta da factualidade dada como provada que a doação não teria sido concluída sem a parte viciada….

Em face do exposto, a nulidade de que padece a doação em causa nos presentes autos em relação à doadora não gera a nulidade de todo o negócio, mas tão só da metade de que M (…) não podia dispor, sendo, como se disse, ineficaz relativamente aos herdeiros de J (…), sendo que esta ineficácia não tem, obviamente, tradução a nível registral.»

Coloca-se, agora, a questão de, perante a alteração dos factos operada neste tribunal ad quem, se concluir, ou não, pela manutenção do decidido.

Assim:

5.3.2.

Quanto à nulidade, por simulação, nos termos do artº 240º do CC, os recorrentes pugnam pela sua verificação.

E, tanto quanto se alcança – conclusão 23ª – com invocação dos factos ora dados como provados nos pontos 36 e 37, ou seja:

«36. Mesmo após a supra mencionada doação, e uma vez que o prédio urbano tinha inquilinos, a inabilitada continuou a receber as rendas. 37. Rendas essas que, o Réu só passou a receber algum tempo depois deter sido notificado de que a Autora tinha sido nomeada curadora provisória da Sra. M (…).».

Ora, na simulação existe uma desconformidade entre a vontade manifestada na declaração negocial, e a vontade real.

Sendo que, muitas vezes, a simulação não é absoluta, ou seja, as partes apenas criam a aparência de um negócio, mas é relativa.

Nesta, as partes convencionam entre si celebrar certo negócio (negócio real ou dissimulado), que é mantido secreto e só vale para elas; mas declaram exteriormente que celebraram um outro diferente negócio (negócio aparente ou simulado), que vale e é exigido apenas perante terceiros.

Em qualquer caso, sempre com o intuito de enganar – não necessariamente prejudicar –  estes terceiros.

Sendo ainda de notar que não basta a constatação daquela divergência de vontades, antes ainda sendo exigível a prova de que a mesma resultou de um acordo, de um conluio, entre os intervenientes.

São, pois, requisitos da simulação: a) uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada,  normalmente consubstanciada na existência de um negócio real e dissimulado e outro negócio aparente e simulado; b) o intuito de enganar terceiros com este último negócio; c) um acordo simulatório. – cfr. Ac. Do STJ de 01.04.2014, p. 1363/09.8TBSTR.C1.S1, in dgsi.pt.

A simulação, pela dificuldade da sua prova direta, há de resultar de factos que, normalmente, segundo as regras da lógica e da experiencia comum, a façam presumir.

No caso vertente os factos que, de algum modo, relevam, são os apurados em 27, 36 e 37.

Mas os mesmos não são os bastantes para se  poderem dar como provados  todos os requisitos da simulação.

O facto de o réu saber que o prédio doado não pertencia exclusivamente à M (…) não significa que ele não tivesse ficcionado a doação em conluio com esta.

Antes pelo contrário, existiam motivos para se concluir que ele efetivamente a queria, pois que, com a sua real efetivação, sempre existiria, pelo menos, a possibilidade de beneficiar da parte que aquela pertencesse.

Quanto ao recebimento das rendas pela M (…) durante algum tempo após a escritura de doação, tal outrossim, não indicia suficientemente o conluio sobre um negócio fictício.

 Trata-se de rendimentos, de frutos do prédio, que são autónomos da nua propriedade; assim, é perfeitamente admissível, porque legal e até natural em casos como o presente em que a doadora não trabalha e necessita das rendas, que ela - na prática, e mesmo que tal não conste formalmente no negócio jurídico - aliene a propriedade do prédio e anua com o donatário ao recebimento dos rendimentos do mesmo.

5.3.3.

No atinente à nulidade por falta de consciência da declaração ou falta de vontade.

Releva a qui o disposto no artº 246º  nos termos mencionados na sentença.

Este artigo reporta-se não ao engano do declarante sobre o conteúdo da declaração, mas antes à falta de consciência da emissão da declaração em si mesma, ie., à total e absoluta falta de interiorização de que está a emitir uma declaração: ele nem sequer chega a aperceber-se de que a está a emitir.

Estamos, bem vistas as coisas, perante um caso de vontade para a ação, mas de falta de vontade para a declaração na primeira hipótese nele prevista, e  perante um caso de  total falta de vontade para a hipótese de coação física – Cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2ª ed. P.215.

A consequência, nas palavras da lei, é a não produção de qualquer efeito da declaração, o que, para uns, significa a inexistência jurídica e, para outros, e no mínimo, acarreta a nulidade do ato – cfr. L. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983,  2º, p. 397 e Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, 3º, p.289.

No caso vertente, e como é fácil de atingir, não se provaram factos que tenham a virtualidade de subsumir a atuação da M (…) nesta previsão legal.

Pois que, a um tempo, nada se apurou quanto à sua falta de consciência da declaração, tout court, ou da sua falta de vontade aquando da outorga da escritura de doação.

E, a outro tempo, nada se provou no sentido de que ela tenha sido coagida fisicamente a produzir a declaração que consubstanciou a doação.

Certo é que se apurou que ela era condicionada pelo réu na tomada das suas decisões.

Mas tal não tem, nitidamente, força bastante para fazer emergir a estatuição deste preceito na parte atinente.

Nem, sequer, para despoletar a aplicação dos artºs 255º e 257º do CC, cujo efeito, aliás, é a mera anulabilidade do ato, a arguir em tempo delimitado – artº 256º e 287º do CC.

5.3.4.

Finalmente, a nulidade decorrente de venda de coisa alheia.

Neste particular conspeto corrobora-se o entendimento da Srª Juíza a quo quando entende que M (…) «não tinha legitimidade para doar ao réu, metade do prédio, por o mesmo pertencer inicialmente ao património comum do casal e, após a morte do marido, a meação dele no património comum integrar herança aberta por óbito deste», pelo que a doação, nesta parte, e apenas nesta parte, deve ser tida por disposição de bem alheio, e, assim, ser declarada nula.

Nem, aliás, os recorrentes se insurgem contra este entendimento.

O que eles querem é mais: que a doação seja declarada nula relativamente a todo o seu  objeto.

Está, pois, em causa, a aplicação no caso vertente do disposto no artº 292º do CC que estatui:

«a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada».

No tribunal recorrido entendeu-se aplicar tal normativo porque: «não resulta da factualidade dada como provada que a doação não teria sido concluída sem a parte viciada….».

Já os recorrentes pugnam no sentido da sua não aplicação no pressuposto de: «o R. ser donatário de má fé bem como por estarmos perante um negócio indivisível, pois não é possível dividir o prédio em duas partes e concluir uma parte está viciada e a outra é válida».

Citando, em seu abono, e nesta última vertente, o Ac. da RL de 19.05.2009, proc. nº 2090/06.3TVLSB.

 Atentemos.

O artº 292º do CC é a emanação legal do princípio da conservação dos negócios jurídicos, ou, noutra nuance, do princípio da manutenção, até, e na medida em que, onde/for possível, dos mesmos.

O que, à partida, implica a sua redução sem necessidade de prova da vontade de limitação dos efeitos do negócio.

Sendo, inclusive, tal invalidade parcial e consequente redução, do conhecimento oficioso – Cfr. Ac. do STJ de 08.01.2015, p. 991/10.3TBESP.P1.S1 in dgsi.pt.

Pelo que, sobre aquele que pretenda a sua invalidade total, impende o ónus de provar que a mesma é de decretar, porque preenchido se encontra o seu requisito legal: a parte viciada foi conditio sine qua non do todo anuído, pelo que as partes nunca teriam celebrado o negócio sem consideração desta parte, o que, naturalmente, clama a conclusão de que a sua nulidade acarreta, necessariamente, a invalidade, in totum, do acordado.

Se não se faz esta prova, ou em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a total – Cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2ª ed., p.247 e Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 370.

Por outro lado cumpre ter presente que a redução é possível, tanto em relação a negócios coligados, ou seja, a uma pluralidade de negócios relacionados entre si por força da lei ou da vontade das partes, como em relação a negócios unitários.

Posto é que o negócio jurídico seja divisível, possa ser dividido em partes, ou seja, poderem uma ou mais partes manterem-se válidas, sem a outra, ou as outras, partes inválidas – Cfr. RLJ, 103º, 316º e 108º, 291 e M Brito, CC Anotado, 1º, 369, apud Abílio Neto, CC Anotado, 13ªed. p.216 e sgs.

Ora no que para o presente caso releva, temos por bom o conceito de (in)divisibilidade  assumido no Acordão citado pelos recorrentes - apoiando-se em Galvão Telles in Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, pág. 373 - em abono da sua tese, a saber:

«O negócio é indivisível quando não se mostra reconduzível a uma parte nula, em razão de vício que a afecta, e a uma parte que em si seria válida, por esse vício não a atingir directamente, mas cuja existência autónoma não faria sentido, dado haver entre as duas uma ligação incindível

E tendo-se em tal aresto concluído pela indivisibilidade pois que, no caso que decidiu, os recorrentes não provaram, como alegaram, que: «sob o negócio simulado de compra e venda da totalidade do direito de propriedade as partes quiseram afinal a compra e venda da quota ideal de ½ ou mesmo de ¼ desse direito em cumprimento do contrato prometido.»

Ou seja, o conceito de (in)divisibilidade que aqui releva, não é, naturalmente, de jaez naturalístico-material, mas antes de cariz jurídico-formal.

E, assim sendo, no caso que nos ocupa, há que concluir pela divisibilidade do negócio.

Na verdade a fenecida M (…) era titular de metade da propriedade ou domínio do prédio em causa.

Da qual, obviamente poderia, legitimamente, dispor, como dispôs, mediante doação ao réu.

Estando definida a quota parte do seu direito sobre o bem, a indisponibilidade sobre a outra metade, por alheia, e a correspondente nulidade da doação deste quantum, não afeta a validade da doação na parte em que podia dispor.

É que as duas vertentes do ato global/unitário do negócio jurídico da doação - a vertente válida e a vertente inválida - têm, juridicamente, existência diferenciada e autónoma.

E inexistindo entre elas uma ligação incindível, rectius, uma relação de causa-efeito, ou de pressuposto ou consequência, inelutavelmente condicionante ou prejudicial.

Por conseguinte, e não provando os réus o supra aludido requisito previsto no artº 292º para obstar à sua aplicação, a redução da doação, nos termos determinados, é não apenas possível, como exigível.

 5.3.5.

Do pedido de restituição dos frutos e benfeitorias.

Quanto ao pedido por benfeitorias, ele não  é admissível, nem se entende.

Na verdade, tal direito assiste ao possuidor, no caso o réu – artº 1273º do CC.

No atinente à restituição dos frutos, a Julgadora desatendeu tal pedido nos seguintes termos:

«…sendo válida metade da doação efectuada, o réu é comproprietário do prédio e, como tal, tem direito a usá-lo.

Com efeito, conforme dispõe o art.º 1403.º n.º 2 do Código Civil, “os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”.

O art.º 1406.º n.º 1 do mesmo diploma legal estabelece que “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.»

Este entendimento mostra-se desadequado perante os factos apurados e a lei aplicável.

Provou-se agora que «o réu sabia que o prédio objecto dessa escritura, não pertencia apenas a (…), mas também à herança aberta por óbito do falecido marido desta.» - 27.

E, em função do que supra se expendeu, o réu apenas tinha título válido relativamente a metade do prédio doado.

Destarte, no concernente à outra metade, quer o aludido conhecimento do réu, quer a falta de título, clamam a conclusão de que ele deve ser considerado possuidor de má fé – artº 1260º nº1, a contrario sensu, e nº2, in fine do CC.

Ora o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse  e, ainda, responde pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido – artº 1271º do CC.

In casu os frutos do prédio consubstanciam-se nas rendas entregues ao réu pelos inquilinos e que se provou que este passou a receber algum tempo depois de ser notificado da nomeação da autora como curadora de sua mãe – 37.

Aos autores assiste, pois, jus a serem restituídos em metade do valor recebido pelo réu a tal título, atentos os factos apurados e os normativos citados, designadamente pela Srª Juíza, a liquidar, se necessário, em posterior incidente.

Já no atinente ao valor mais plasmado no artº 1271º, bem como na indemnização impetrada a liquidar em incidente futuro, os mesmos, como na sentença bem salientado no concernente a esta, têm de improceder.

Pois que apenas poderiam ser atendidos se, já em sede declarativa, eles provassem a sua existência.

Efetivamente, e como e consabido, a condenação em quantum a liquidar, implica a prévia verificação qualitativa do dano, sendo que apenas a sua delimitação quantitativa pode ser relegada para liquidação posterior.

 

(Im)procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando.

I - A réplica inadmissível constitui a pratica de um ato que a lei proibe, o que consubstancia(va) a nulidade dos artºs  195º e (201º) do CPC, que não é do conhecimento oficioso, pelo que, se não for atempadamente arguida, fica sanada, e, assim, sendo ilegal e extemporâneo o seu conhecimento em sede de sentença; porém, se desta decisão não resultar, em concreto, uma afetação irremediável da posição da parte, deve ter-se por inócua, sem dela decorrer a anulação de atos.

II - O dado como provado em sentenças anteriores, mesmo que livremente apreciadas, deve merecer uma valoração e relevo  especiais e acrescidos.

III - Não sendo os relatórios médico-psiquiátricos unívocos e conclusivos no sentido de que a examinada padecesse de perturbações mentais ou transtorno de personalidade que a impedissem de gerir a sua pessoa e os seus bens, não pode dar-se como provado que ela fazia o  que o R. lhe mandava fazer, sem que tivesse a consciência do que fazia e das respetivas consequências e sem que tivesse liberdade para tomar qualquer decisão.

IV - A redução do negócio jurídico inválido – artº 292º do CC -  é possível em relação ao negócio unitário, posto que seja divisível, ou seja, a parte válida assuma, juridicamente, existência autónoma e própria, não sendo prejudicada pela parte nula; o que se verifica em caso de doação de prédio em que a doadora não tendo legitimidade para doar uma metade, a tem para doar a outra metade, subsistindo, pois, a doação, reduzida nesta medida.

V -  Conhecendo o donatário do prédio  tal ilegitimidade e não tendo título na parte atinente por a doação ser nula, é equiparado ao possuidor de má fé, devendo restituir os frutos, vg. rendas,  percebidos.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condenar o réu a pagar aos autores o valor correspondente a metade das rendas recebidas a partir da data referida no ponto 37 dos factos apurados.

No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção de 60% para os autores e 40% para o réu.

Coimbra, 2015.07.08.

Carlos Moreira ( Relator)

Anabela Luna de Carvalho

Moreira do Carmo