Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
484/13.7TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCOMPETÊNCIA RELATIVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 110º, Nº 1, AL. A) DO CPC.
Sumário: I – Em processo de insolvência, a incompetência relativa decorrente da ofensa das regras respeitantes à competência territorial continua a ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal;

II – Resulta este entendimento da interpretação do artigo 110º, nº 1, alínea a) do CPC (casos de conhecimento oficioso da incompetência relativa), na redacção posterior à Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, que eliminou a referência ao artigo 82º do CPC (respeitava este aos processos especiais de falência), como não envolvendo o propósito de subtrair a insolvência ao conhecimento oficioso da incompetência territorial;

III – Com efeito, corresponde esse conhecimento oficioso a uma larga tradição histórica do nosso Direito adjectivo, a qual passou a operar, com a introdução da matéria no artigo 110º do CPC pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, através da remissão para a norma contendo os critérios de fixação da competência territorial nos processos de falência (que era, então, o artigo 82º do CPC);

IV – Tal remissão do artigo 110º caracterizava-se como “remissão dinâmica” (remissão para aquela matéria independentemente da norma), devendo, por isso, acompanhar as normas sucessoras desse artigo 82º, como sucedeu em 2004 com a edição do CIRE (Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março) que revogou o artigo 82º do CPC, substituindo-o pelo artigo 7º do CIRE;

V – Neste sentido, a posterior eliminação (pela Lei nº 14/2006) do artigo 82º do CPC do texto do artigo 110º, nº 1, alínea a) do mesmo Código, só revelou o propósito de eliminar a referência a uma disposição desactualizada, mas não implicou outro entendimento do acesso oficioso ao pressuposto processual da competência territorial nas insolvências;

VI – Os nºs 1 e 2 do artigo 7º do CIRE contêm, quanto à competência territorial para o processo de insolvência, elementos de conexão que actuam entre si fora de qualquer relação hierárquica (“[é] igualmente competente […]”, diz-se no nº 2 do artigo 7º);

VII – Assim, concorrendo na mesma situação os dois elementos de conexão, e optando os Requerentes da insolvência pelo critério do nº 2, deve o Tribunal atender a essa escolha na fixação da competência territorial.

Decisão Texto Integral: Decisão Sumária

(Artigo 705º do Código de Processo Civil)

1. Em 8 de Fevereiro, próximo passado, apresentaram-se, junto dos Juízos Cíveis de Coimbra (gerando a distribuição do processo ao 4º Juízo Cível), à insolvência, em coligação nos termos permitidos pelo artigo 264º, nº 1 do CIRE, A… e o seu marido, H… (Requerentes e aqui Apelantes), casados no regime de comunhão de adquiridos.

Logo no intróito do requerimento de apresentação, mencionaram os Requerentes como sua morada um local sito na Lousã, na freguesia de Vilarinho – logo, e é o que aqui interessa reter, indicaram os Requerentes como seu domicílio um local situado na Comarca da Lousã –, acrescentando mais à frente nesse mesmo articulado (está este integralmente certificado a fls. 5/17 deste recurso) o seguinte:
“[…]

Os requerentes residem com os seus filhos na morada supra indicada, sendo essa a sua casa de morada de família desde Dezembro[[1]], mês em que deixaram de residir na cidade de Coimbra, onde sempre habitaram.
[…]
12º
A requerente, que desempenha funções como auxiliar no …], auferindo pelo seu exercício a remuneração mensal líquida […].
[…]”.

            Ainda no mesmo articulado inicial, a respeito da competência territorial do Tribunal de Coimbra, referiram os Requerentes o seguinte:
“[…]

28º
Sendo o presente tribunal competente para apreciar e decidir a acção de insolvência em causa, nos termos do artigo 7º, nº 2 do CIRE.
[…]”.
            [desta feita transcreve-se de fls. 13].

            1.1. Confrontada com esta apresentação à insolvência em Coimbra, proferiu a Exma. Magistrada titular do respectivo 4º Juízo Cível o despacho certificado a fls. 58/60constitui este a decisão objecto do presente recursono qual, depois de considerar ser-lhe acessível (oficiosamente) a apreciação da excepção de incompetência territorial nos processos de insolvência, considerou ser competente, em função da localização da residência declarada pelos Requerentes[2], o Tribunal da Lousã, recusando a competência da Comarca de Coimbra. Disse a este respeito a Senhora Juíza a culminar tal despacho: “[…] julga-se este tribunal territorialmente incompetente para o conhecimento da presente acção especial de insolvência, afirmando-se a competência do Tribunal da Comarca da Lousã, e, consequentemente, determina-se a remessa dos autos a esta comarca” (fls. 59).

            1.1.1. A remessa dos autos de imediato à Comarca da Lousã levou este último Tribunal, paralelamente à admissão do recurso aqui em causa, a decretar desde logo a insolvência dos Requerentes.

            1.2. Estes, com efeito, interpuseram atempadamente recurso do despacho contendo essa declaração de incompetência territorial do Tribunal de Coimbra, concluindo o seguinte a rematar as respectivas alegações:
“[…]

            1.2.1. Como já se indicou, foi o recurso admitido – correctamente admitido, sublinhamos aqui[3] – no Tribunal da Lousã, a culminar a Sentença que declarou a insolvência dos Requerentes.

            2. Aqui chegados, relatado o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a apelação, sendo que o âmbito objectivo da mesma foi delimitado pelas conclusões acima transcritas (artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC). Como resulta da estrutura deste texto, adopta-se a forma singular e liminar – decisão sumária – decorrente do artigo 705º do CPC, considerando o ora relator abrangida no espírito desta previsão normativa situações em que a questão suscitada no recurso, particularmente num processo de natureza urgente, convoque uma operação relativamente simples de interpretação e aplicação de normas a dados de facto inquestionáveis e inquestionados nesse recurso. Entendemos que o espírito da norma prevendo a decisão sumária não bloqueia o uso de tal forma de apreciação do recurso numa situação como a que aqui se configura.

            Os dados de facto relevantes traduzem-se, fundamentalmente, em incidências processuais, são, pois, factos processuais, estando estes documentados nos autos e aqui devidamente certificados, nos exactos termos relatados ao longo do item 1. desta decisão. Chama-se a atenção, designadamente, para os trechos do requerimento inicial relevantes para determinar a competência territorial que transcrevemos supra no item 1. Será essencialmente com base neles que determinaremos a competência do Tribunal, encerrando os mesmos os elementos que à Senhora Juíza a quo se apresentavam, à partida, para aferição dos pressupostos formais da instância, concretamente quanto à questão da competência do Tribunal em razão do território[4].

            Trata-se aqui de determinar, pois, em função dos dados emergentes do requerimento de apresentação à insolvência e documentos a ele anexos – constitui, portanto, o fundamento da presente apelação –, se o Tribunal territorialmente competente para o processo concursal por apresentação dos Apelantes, era – é – o de Coimbra, por integração, face ao teor do requerimento de apresentação, da facti species do nº 2 do artigo 7º do CIRE, como entendem os Apelantes, ou se, pelo contrário, o Tribunal territorialmente competente seria – será – o da Lousã, por os termos da apresentação dos Requerentes apenas induzirem a aplicação ao caso da regra do nº 1 do mesmo artigo 7º: a regra do domicílio do devedor.

            Todavia, preliminarmente, tomaremos posição sobre a natureza oficiosa ou não do conhecimento pelo Tribunal da competência territorial nos processos concursais – nos processos especiais de insolvência regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas –, testando o entendimento que o Tribunal a quo adoptou a esse respeito, in itinere para a decisão oficiosamente tomada de se considerar territorialmente incompetente. Embora os Apelantes não ataquem no recurso esse pressuposto do processo argumentativo construído pela Senhora Juíza a quo, envolve esse elemento uma típica questão de Direito (v. o artigo 664º do CPC) e esta, se aqui for (fosse) resolvida diversamente – se afirmarmos (se afirmássemos) que o Tribunal não tinha acesso oficioso à apreciação da competência territorial nos processos de insolvência –, se considerássemos não ser possível essa apreciação oficiosa, dizíamos, a decisão recorrida cairia pela base, ficando prejudicada a ulterior apreciação dos fundamentos da alocação da competência territorial a outro Tribunal (v. o artigo 660º, nº 2 do CPC).

            2.1. Começando, assim, pela questão acabada de equacionar, estando em causa um problema de incompetência relativa (artigo 108º do CPC) e sendo esta subtraída, em princípio – pode-se dizer assim –, à apreciação oficiosa do tribunal (artigo 109º do CPC), existem situações de conhecimento oficioso da mesma, previstas no que aqui interessa no nº 1 do artigo 110º do CPC (vale aqui, por ser a vigente ao tempo da propositura desta acção, a redacção introduzida neste artigo 110º pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril):

Artigo 110º
Conhecimento oficioso da incompetência relativa
1 – A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes:
a) Nas causas a que se referem o artigo 73.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 74.º, os artigos 83.º, 88.º e 89.º, o n.º 1 do artigo 90.º, a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 94.º;
b) Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido;
c
) Nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo.

            Ora, verificando, através das situações indicadas na transcrita alínea a) deste preceito, quais os processos em que é estabelecida a apreciação oficiosa do pressuposto processual da competência em razão do território, constatamos a ausência, isto na actual redacção, de qualquer referência remetendo para o processo de insolvência – é esta técnica indirecta (a chamada remissão)[5] a utilizada no artigo 110º. Sucede assim (a falta de referência aos processos de insolvência) desde que o Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março (o diploma que aprovou o CIRE) revogou pura e simplesmente o artigo 82º do CPC (fê-lo no respectivo artigo 10º, nº 2)[6]. Este (o artigo 82º) sempre integrara o CPC como norma determinativa da competência territorial (e também internacional) para a declaração de falência – já o integrava no Código de 1939[7] –, caracterizando-se nele o universo processual abrangido, e interessa-nos aqui a redacção introduzida no CPC pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, como o dos “[p]rocesso[s] especia[ais] de recuperação da empresa e de falência”[8].

Ora, o artigo 110º do CPC, para o qual transitou em 1995 o regime de arguição da incompetência relativa nos casos de conhecimento oficioso (que até aí integrara o artigo 109º, nº 2[9]), incluiu até à Lei nº 14/2006 uma expressa referência ao artigo 82º do CPC[10] estabelecendo consequentemente, e seguia nesse particular, aliás, a tradição de sempre do nosso direito adjectivo falimentar, a apreciação oficiosa da incompetência territorial nos processos de insolvência[11].

Note-se que no trecho temporal situado entre o Decreto-Lei nº 53/2004, que aprovou o CIRE, e que revogou o artigo 82º do CPC, e a Lei nº 14/2006, que retirou a referência ao, anteriormente revogado, artigo 82º da previsão do artigo 110º do CPC, existia um claro espaço interpretativo para encarar dinamicamente a subsistente remessa, para a encarar como traduzindo o que usualmente se qualifica como “remissão dinâmica” (v. as notas 8 e 9 supra), actualizando-a para a nova norma sucedânea desse artigo 82º, que foi o artigo 7º do CIRE, contendo este, desde 2004, as regras de competência com incidência territorial nos processos de insolvência.

            Esta construção – e estamos aqui a argumentar apenas num plano formal e cingindo-nos à letra da lei, como se outros elementos interpretativos não existissem[12] –, tal construção, dizíamos, teria caído – dizemos “teria” por que se trata de uma mera aparência –, como que em dois tempos: com a revogação do artigo 82º do CPC (primeiro tempo, em 2004) e, depois (e seria o segundo tempo, em 2006), com a menos feliz actualização – referimo-nos ao pouco cuidado sistemático nela colocado –, do artigo 110º, nº 1 do CPC a essa suposta inexistência da norma anteriormente revogada, esquecendo-se o carácter dinâmico da remissão constante desse artigo 110º, nº 1, e que, por isso, existia – passara a existir – e deveria ser considerada a norma sucessora do artigo 82º do CPC, ou a situação em causa nessa remissão, como sucedera com o artigo 109º, nº 2 do CPC até 1995. Entendendo as coisas de outra forma, atendendo em exclusivo ao plano das formas, haveria que aceitar que o Legislador pretendera (estranhamente, na falta de qualquer indício dessa opção) fazer cessar o conhecimento oficioso da incompetência territorial nos processos de insolvência, no que representaria uma verdadeira inversão de um entendimento com larga projecção temporal.

            Interpretar a lei, todavia, não se resume a lê-la, implica, como decorre do artigo 9º, nº 1 do Código Civil (CC), reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei interpretada foi elaborada e as condições específicas do tempo em que esta é aplicada. Com efeito, corresponde a interpretação à actividade racional destinada a conferir um significado concreto ao texto legal, visando captar, através de procedimentos intelectuais comummente aceites pela ciência do Direito, a “mensagem normativa” contida nesse texto, num quadro relacional com determinados dados de facto disponíveis ao intérprete[13]. A letra da lei – a expressão semântica utilizada pelo legítimo criador desta, o Legislador – constitui o ponto de partida da interpretação e fixa os limites de tal actividade[14], havendo que colher nessa expressão (no texto) os elementos que nos permitem, percorrido um caminho, afirmar um determinado sentido e, em função deste, uma concreta relação de correspondência entre o texto interpretando e os tais dados de facto – rectius, o significado destes face ao sentido retirado da expressão verbal utilizada pelo Legislador.

            Porque a interpretação pressupõe, como dissemos, um percurso racional baseado em determinadas legis artis, e porque só percorrendo-o a norma adquire um estatuto operante – só interpretada ela actua no caso concreto – entendemos não existir num texto legal (referimo-nos aqui a uma norma jurídica) um significado “verdadeiro”, enquanto realidade pré-existente ou destacável da interpretação, mesmo quando esta se limita a afirmar, como sucede na classicamente designada “interpretação declarativa”, um sentido linguístico absolutamente coincidente com o pensar legislativo[15]. Mesmo neste caso, o que se obtém não deixa de corresponder a um significado interpretativamente expresso. É neste sentido que, como dissemos, não existe, enquanto categoria, uma interpretação “verdadeira”, enquanto realidade pré-exegética. O que existe – e isso passa necessariamente por percorrer o caminho da interpretação; aliás o aplicador é, sempre, um intérprete –, o que existe, dizíamos, é uma interpretação que poderemos qualificar de adequada ou não às legis artis que regem essa actividade[16].

Embora partindo do texto e balizada por ele, não deve a interpretação cingir-se ou esgotar-se no próprio texto, devendo procurar reconstituir aquilo a que se chama o “pensamento legislativo”, por referência a um conjunto de critérios – “unidade do sistema jurídico”, “circunstâncias em que a lei foi elaborada”, “condições específicas do tempo em que é aplicada” (artigo 9º, nº 1 do CC) – condutores dessa actividade intelectual. E nestes critérios avulta, como não poderia deixar de ser, a compreensão inteligente (pensante, logicamente estruturada) da dinâmica evolutiva da lei: “[e]nquanto a rectificação da lei seguir o rasto do próprio legislador, o pensamento jurídico não sai fora dos trilhos que nós aprendemos a reconhecer, nos seus diferentes meandros, como interpretação, compreensão, indagação do sentido, investigação dos interesses, analogia, argumento a contrario, etc.”[17]

            Valem estas considerações em apoio da determinação de um sentido actual para o artigo 110º, nº 1 do CPC, quanto à questão do conhecimento oficioso da incompetência territorial nos processos de insolvência, depois da revogação do artigo 82º do CPC e da actualização formal do primeiro (do artigo 100º, nº 1), em 2006, em função dessa anterior revogação. Aceitando nós que o elemento letra da lei, se esgotarmos a interpretação nele, parece sugerir ter cessado o acesso oficioso do Tribunal ao controlo deste pressuposto, fomos alertados pela decisão recorrida – uma excelente exposição da Senhora Juíza a quo, à qual não estamos aqui, em rigor, a acrescentar nada – para a circunstância de subsistirem fundamentos relevantes para manter, como solução logicamente mais consistente – aquela que se considerou adequada, praticamente desde sempre, no Direito adjectivo falimentar português –, o entendimento segundo o qual a apreciação da competência em razão do território, desse tipo de incompetência relativa, permanece como de acesso oficioso ao Tribunal.

            Trata-se a este respeito, fundamentalmente, de encarar o percurso legislativo, a tal “remissão dinâmica”, que conduziu à versão actual do artigo 110º, nº 1, alínea a) do CPC, como resultado não pensado (não pretendido) nas suas consequências, de uma espécie de “inércia em movimento” gerada pela simples eliminação do artigo 82º do CPC em 2004, esquecendo-se então a projecção deste na questão do conhecimento oficioso da excepção de incompetência relativa correspondente, sendo que esta espécie de “inércia”, posteriormente – em 2006 –, num simples efeito de arrastamento gerado pela anterior eliminação do artigo 82º, ocasionou a modificação do artigo 110º, nº 1, alínea a), sem que verdadeiramente se tivesse pretendido, como já em 2004 nada sugeria que se pretendesse, alterar o estatuto de pressuposto de conhecimento oficioso da incompetência territorial nos processos concursais. O Legislador nunca pretendeu, estamos convictos disso, alterar esse estatuto de conhecimento oficioso da incompetência relativa nas insolvências, porque nunca pretendeu cortar com um entendimento cuja projecção histórica era tão larga quanto esta e se havia formado e consolidado quando a lei não era expressa a respeito desse conhecimento oficioso[18].

É neste quadro interpretativo que se aceita – e consideramos, aliás, ser o entendimento correcto – que persista nestes processos, em função da cristalização do dinamismo da remissão anterior, mesmo depois do 2006, o conhecimento oficioso do correspondente pressuposto processual. Se em 2004 essa remissão se actualizou para o artigo 7º do CIRE – e é o que entendemos ter efectivamente sucedido –, isso não cessou em 2006, porque se tratou, porventura precipitadamente, de retirar uma referência que parecia desactualizada, mas que não deixava de ter todo o sentido. Com efeito, não existem elementos interpretativos exteriores ao próprio texto[19] que sugiram uma mudança da perspectiva geral do Legislador quanto à natureza dos processos em que se deverá conhecer oficiosamente, ou não, da incompetência relativa, em termos que destacassem do regime do artigo 110º do CPC os processos de insolvência. E, para além disto, o “trato sucessivo” da alteração do artigo 110º, sugerindo um efeito não assumidamente pensado nessa específica consequência, permite-nos a reconstituição de um pensamento legislativo que não encarou – que nunca pretendeu encarar – o efeito induzido pela actuação sobre letra deste. Parece-nos, pois, que a eliminação do artigo 82º do texto do CPC, assentou no simples propósito de transferir deste diploma (da matéria nele regulada) para o texto do CIRE, no respectivo artigo 7º (este reuniu o artigo 13º do revogado Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o CPEREF[20], e o artigo 82º do CPC), a questão da competência, num propósito que se esgotou nisso mesmo: na determinação do tribunal territorialmente competente e da estrutura deste e que nunca abrangeu o estatuto de acesso do Tribunal que fosse competente à apreciação desse pressuposto processual. Nesta lógica, a manutenção no artigo 110º do CPC dos processos de insolvência conservava todo o sentido e, enfim, só com base numa adaptação formal que ignorou os dados substanciais do problema e que, assentando verdadeiramente num erro, não expressou uma vontade efectiva do Legislador dirigida a essa consequência, se compreende a Lei nº 14/2006 na sua actuação sobre o artigo 110º do CPC, sendo neste contexto que continuamos a entender que uma interpretação dinâmica do actual texto deste artigo 110º permite continuar a extrair dele – se quisermos, a ver como não proibido por ele – a apreciação oficiosa do pressuposto processual atinente à competência em razão do território nos processos de insolvência[21].

Vale tudo o que se disse ao longo deste item 2.1. como confirmação do acesso autónomo do Tribunal a quo à apreciação da competência territorial nesta insolvência, confirmando-se aqui este entendimento desse Tribunal – aliás, e é justo mencioná-lo, muito bem defendido pela Senhora Juíza autora de decisão apelada – e, consequentemente, que na ulterior exposição, poderá este Tribunal de recurso controlar a aplicação ao caso dos critérios previstos no artigo 7º do CIRE, tomando por base os elementos que para esse efeito forem relevantes em função da introdução do feito em juízo pelos Requerentes ora Apelantes.

É o que passaremos a fazer.

2.2. Como ponto de partida interessa-nos ter presente o texto do artigo 7º do CIRE:

Artigo 7º
Tribunal competente
1 – É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2 – É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros.
3 – A instrução e decisão de todos os termos do processo de insolvência, bem como dos seus incidentes e apensos, compete sempre ao juiz singular.

            Existe um aspecto significativo na construção desta norma, quando encaramos os respectivos nºs 1 e 2 sequencialmente relacionados. Estamos a pensar no elemento de sobreposição – sobreposição dos critérios de competência territorial – decorrente do emprego no nº 2 do artigo 7º do advérbio “igualmente” (“[é] igualmente competente […]”). Este aspecto é caracterizado por Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, anotando esse artigo 7º, nos seguintes termos:
“[…]
Agora [com o CIRE] mantiveram-se a sede e o domicílio do devedor como critérios decisivos na atribuição da competência, como se vê do nº 1 do preceito. Acrescentou-se a referência ao domicílio do autor da herança para o caso de a insolvência respeitar a herança jacente, em conformidade com o que, agora, dispõe o nº 1, alínea b) do artigo 2º.
Mas, para lá do domicílio e da sede do devedor, passou também a ser elemento de conexão bastante o lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, quando, naturalmente, não coincida com nenhum daqueles.
Acontece que, à vista do que consta dos nºs 1 e 2 deste artigo, não parece haver razão para se concluir pela existência de qualquer hierarquia em função dos diversos elementos de conexão legalmente relevados, pelo que, no caso de disparidade entre o local de domicílio ou sede do devedor e o do centro dos seus principais interesses, a escolha caberá, livremente, ao autor.
[…]”[22] (sublinhado acrescentado).

            Neste caso, observamos que os Requerentes se apresentaram à insolvência pretendendo que a competência territorial do Tribunal (do Tribunal ao qual se apresentaram) fosse determinada com base no critério constante do nº 2 do artigo 7º do CIRE. Disseram-no expressamente – disseram-no enquanto asserção jurídica – no artigo 28º do requerimento inicial transcrito no item 1. desta decisão. Antecedentemente nesse mesmo requerimento (artigos 3º e 12º), haviam os Requerentes indicado que a mudança do respectivo domicílio para a Lousã ocorrera dois meses antes, que até então sempre haviam habitado e centrado a sua vida em Coimbra, aí continuando a trabalhar a Requerente – pelo menos a Requerente –, intuindo-se que esses elementos, associados à dita referenciação da competência territorial ao critério do nº2 do artigo 7º, significavam que face a uma situação de concurso ou verificação cumulativa, na situação dos Requerentes, dos dois critérios presentes na norma (o do nº 1: domicílio recente na Lousã; o do nº 2: centro de interesses da vida económica do casal conhecido por terceiros subsistentemente localizado em Coimbra), face a tal concurso, dizíamos, optavam os Requerentes por referenciar a competência territorial para a tramitação da insolvência à integração do critério do nº 2 do artigo 7º do CIRE.

            Aceitamos que os elementos indicados pelos Requerentes pudessem ter sido apresentados no requerimento inicial em termos algo mais expressivos (um pouco como agora o fizeram na motivação do recurso), mas não os deixamos de aceitar como tal: como exercício de uma opção relevante dos Requerentes, numa situação de concurso das duas previsões, em que existe fundamento para conferir relevância a essa opção. Poderia o Tribunal ter optado por suscitar uma melhor densificação pelos Requerentes da alegação relevante para a questão da competência, suprindo algum défice argumentativo, mas, enfim, nem por isso entende esta instância que se justificasse a recusa liminar de considerar suficientemente caracterizada a pretendida atribuição de competência territorial à Comarca de Coimbra.

            Consideramos assim, desta feita discordando do entendimento do Tribunal a quo, que se justificava, com base nos elementos alegados e na opção de enquadramento legal adiantada pelos Requerentes ora Apelantes (esta muito expressivamente no artigo 28º do requerimento inicial) a consideração positiva da competência em razão do território da Comarca de Coimbra, in casu do 4º Juízo Cível desta Comarca.

            Será esta competência, pois, que aqui afirmaremos na decisão do recurso – julgando-o, por isso, procedente –, depois de sintetizarmos os elementos estruturantes do antecedente percurso argumentativo.

            2.3. Assim, formulamos aqui, previamente à decisão, a seguinte síntese conclusiva (sumário):
I – Em processo de insolvência, a incompetência relativa decorrente da ofensa das regras respeitantes à competência territorial continua a ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal;
II – Resulta este entendimento da interpretação do artigo 110º, nº 1, alínea a) do CPC (casos de conhecimento oficioso da incompetência relativa), na redacção posterior à Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, que eliminou a referência ao artigo 82º do CPC (respeitava este aos processos especiais de falência), como não envolvendo o propósito de subtrair a insolvência ao conhecimento oficioso da incompetência territorial;
III – Com efeito, corresponde esse conhecimento oficioso a uma larga tradição histórica do nosso Direito adjectivo, a qual passou a operar, com a introdução da matéria no artigo 110º do CPC pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, através da remissão para a norma contendo os critérios de fixação da competência territorial nos processos de falência (que era, então, o artigo 82º do CPC);
IV – Tal remissão do artigo 110º caracterizava-se como “remissão dinâmica” (remissão para aquela matéria independentemente da norma), devendo, por isso, acompanhar as normas sucessoras desse artigo 82º, como sucedeu em 2004 com a edição do CIRE (Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março) que revogou o artigo 82º do CPC, substituindo-o pelo artigo 7º do CIRE;
V – Neste sentido, a posterior eliminação (pela Lei nº 14/2006) do artigo 82º do CPC do texto do artigo 110º, nº 1, alínea a) do mesmo Código, só revelou o propósito de eliminar a referência a uma disposição desactualizada, mas não implicou outro entendimento do acesso oficioso ao pressuposto processual da competência territorial nas insolvências;
VI – Os nºs 1 e 2 do artigo 7º do CIRE contêm, quanto à competência territorial para o processo de insolvência, elementos de conexão que actuam entre si fora de qualquer relação hierárquica (“[é] igualmente competente […]”, diz-se no nº 2 do artigo 7º);
VII – Assim, concorrendo na mesma situação os dois elementos de conexão, e optando os Requerentes da insolvência pelo critério do nº 2, deve o Tribunal atender a essa escolha na fixação da competência territorial.

            3. Face ao exposto, na procedência da apelação, revoga-se a decisão ora recorrida (a certificada a fls. 58/60), fixando-se como Tribunal territorialmente competente para o processamento desta insolvência o 4º Juízo Cível de Coimbra e não o Tribunal da Lousã (deste para aquele transitará o processo).

            Custas a cargo da massa insolvente (já que a insolvência foi decretada, v. artigos 304º e 303º do CIRE).

            Nas notificações desta decisão considere-se também o Administrador da insolvência e baixe o recurso à Comarca da Lousã.

           


(J. A. Teles Pereira)


[1] E anexaram a esse requerimento inicial o Contrato de Arrendamento de fls. 28/31, titulando este o arrendamento da morada indicada no requerimento inicial, com termo inicial em 1 de Dezembro de 2012.
[2] Diz-se nesse despacho:
“[…]

No caso, verifica-se que os requerentes residem em …, área da comarca da Lousã. Assim, e uma vez que os requerentes não alegam ter o centro dos seus principais interesses na área da comarca de Coimbra, a competência para a apreciação da presente acção cabe, não à comarca de Coimbra, mas ao Tribunal Judicial da comarca da Lousã.
[3] Com efeito, o erro de distribuição preambularmente corrigido não tem origem no despacho de admissão de fls. 105, que aqui confirmamos inteiramente (subida imediata, em separado e efeito devolutivo, cfr. artigo 14º, nº 5 do CIRE).
[4] Toda a apreciação destes pressupostos assenta nos elementos – em todos os elementos – à partida alegados por quem desencadeia a acção, numa espécie de tutela da aparência gerada por essa alegação face às normas processuais contendo a caracterização desses pressupostos (v., referindo-se ao pressuposto da legitimidade, o Acórdão desta Relação de 25/03/2010, proferido pelo ora relator no processo nº 35/10.5TBPMS-A.C1, disponível na base do ITIJ, directamente, no endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/007ac89b800f89e0802577000058792:

“[…]

I – O artigo 396º, nº 1, do CPC, ao referir à qualidade de sócio de uma associação ou sociedade a possibilidade de requerer a suspensão de deliberações sociais, estabelece uma condição legal de legitimidade para esse procedimento cautelar, sendo que esta deve ser justificada, por forma adequada, no requerimento inicial.

II – A apreciação liminar da legitimidade referida a esse elemento (ter a qualidade de sócio) deve tutelar a aparência invocada, para o efeito de possibilitar a ulterior determinação, no desenvolvimento desse procedimento, das circunstâncias por referência às quais se invoca e justifica a qualidade de sócio.

[…]”).


[5] “A remissão é [um] expediente técnico-legislativo de que o legislador se serve com frequência para evitar a repetição de normas. São normas remissivas (ou indirectas), de uma maneira geral, aquelas em que o legislador, em vez de regular directamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal (remissão intra-sistemática). Exactamente porque não regulam directamente a questão de direito, tais normas são também designadas por «normas indirectas»” (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, p. 105).
[6] Embora então (em 2004, aquando da edição do CIRE), mesmo operando dentro de uma lógica formal, pudéssemos entender que a subsistência no artigo 110º do CPC da referência ao revogado artigo 82º, se traduzia-se numa “remissão dinâmica” para a norma sucedânea deste, o artigo 7º do CIRE, então editado em substituição daquele. Constitui a “remissão dinâmica”, por oposição à “remissão estática”, aquela que “[…] segu[e] o rasto do próprio legislador” (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 2º ed., Lisboa, 1968, p. 279) e que, por isso, contrariamente ao que sucede com a chamada “remissão estática”, actualiza a remissão para os diplomas sucessores do que contém inicialmente as “normas indirectas” (J. Baptista Machado, in Introdução ao Direito…, cit., pp. 105/107).
[7] V. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1º, 2ª ed. Coimbra, 1960, p. 229.
[8] Ao tempo da sua revogação pelo Diploma que aprovou o CIRE, estabelecia esse preceito (na redacção entretanto introduzida pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro):


Artigo 82.º
Processo especial de recuperação da empresa e de falência

1 - Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência é competente o tribunal da situação do estabelecimento em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade.

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[9] Determinava este anteriormente à reforma de 1995 (consideramos aqui a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, v. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, p. 234):

Artigo 109º
Regime de arguição
1 – A incompetência relativa pode ser arguida pelo réu, sendo o prazo de arguição o fixado para a contestação, oposição ou resposta ou, quando não haja lugar a estas, para outro meio de defesa que tenha a faculdade de deduzir.
2 – A incompetência relativa deve, todavia, ser conhecida oficiosamente pelo tribunal até ao despacho saneador ou, não havendo saneador, até ao despacho subsequente ao termo dos articulados, nas acções a que se referem o artigo 73º e o nº 2 do artigo 74º, nos processos de falência e ainda nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
[10] Era esta a redacção do artigo 110º do CPC anteriormente à Lei nº 14/2006:
Artigo 110º
Conhecimento oficioso da incompetência relativa

1 – A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes:
a) Nas causas a que se referem o artigo 73.º, 74º, nº 2, 82º, 83º, 88º, 89º, 90º, nº 1, e 94º, nº 2;
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[11] Na caracterização do que chamamos a “tradição do nosso direito adjectivo falimentar”, remetemos para Pedro de Sousa Macedo, Manual de Direito das Falências, Vol. I, Coimbra, 1964, p. 442. Note-se que esta asserção (conhecimento oficioso da incompetência territorial nos processos falimentares) foi sempre sustentada entre nós, mesmo anteriormente ao trecho temporal aludido na nota 11 supra (v. também António Mota Salgado, Falência e Insolvência. Guia Prático, 2ª ed., Lisboa, 1987, p. 16).
[12] Estamos aqui a ficcionar – ou seja, considerando apenas a possibilidade num processo argumentativo mais complexo – uma simples “interpretação declarativa”, no sentido clássico atribuído à expressão, sentido que é definido por Francesco Ferrara nos termos seguintes: “[…] não se faz mais que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo” (Interpretação e Aplicação das Leis, antecedido de Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Manuel A. Domingues de Andrade, 2ª ed., Coimbra, 1963, p.147).
[13] Procedemos aqui, no essencial, a uma paráfrase da definição de interpretação jurídica fornecida por Ahron Barak: “A interpretação jurídica consiste na actividade racional destinada a conferir significado a um texto legal. O elemento racionalidade é fulcral na definição – a «moeda ao ar» não constitui actividade interpretativa. Interpretação é, neste sentido, uma actividade intelectual, destinada a captar a mensagem normativa que emerge de um texto legal” (Purposive Interpretation in Law, Princeton, Oxford, 2005, p. 3).
[14] “A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9º, nº 2 [CC]: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso» […]” (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito…, cit. p. 189).
[15] V. a nota 15, supra.
[16] Ahron Barak fala a propósito de “«True» intrepretation” e de “«Proper» interpretation”, considerando “fútil” a procura da primeira, enquanto categoria operante na actividade de um jurista visando a determinação do significado de um texto legal: “[m]any jurists embark on a futile search to discover what the legal meaning of a text «truly» is. A legal text has no «true» meaning. We have no hability to compare the meaning of a text before and after its interpretation by focusing on its «true» meaning. All understanding results from interpretation, because we can acess a text only after it has been interpreted. Ther is no pre-exegetic understanding. At best, we can compare different interpretations of a given text. The most to which we can aspire is the «proper» meaning – not the «true» meaning […]” (Purposive Interpretation…, cit., p. 9).
[17] Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, cit., pp. 279/280.
[18] Era o que sucedia nos Anos 60 do século anterior, quando Pedro de Sousa Macedo escreveu o seu Manual de Direito das Falências, e não existia lei expressa a tal respeito: “[…] pode o juiz conhecer oficiosamente da incompetência territorial. Como dominus litis que é, tem o dever de providenciar em favor do processamento regular do feito” (ob. cit. p. 442).
[19] E o texto actual parece ter resultado de uma sucessão de efeitos indirectos.
[20] Determinava este:
Artigo 13º
Tribunal competente

1 - Sem prejuízo do disposto quanto à competência territorial dos tribunais de competência especializada, é competente para os processos de recuperação da empresa ou de falência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor, cabendo sempre ao juiz singular a instrução e decisão de todos os seus termos, incidentes e apensos.

2 - Quando estiverem pendentes em diferentes tribunais ou juízos processos de recuperação da empresa ou de falência relativos a sociedades coligadas, efectuar-se-á a sua apensação ao processo respeitante à sociedade de maior valor do activo.

3 - Sempre que o devedor tenha sede ou domicílio no estrangeiro e actividade em Portugal, é competente o tribunal em cuja área se situe a sua representação permanente ou, não a tendo, qualquer espécie de representação ou o centro dos seus principais interesses, relativamente aos processos que derivem de obrigações contraídas em Portugal, ou que aqui devessem ser cumpridas, sendo a liquidação restrita, porém, aos bens existentes em território português.
[21] Como importante abonação doutrinária deste entendimento, sublinhamos a anotação de Luís A. Carvalho Fernandes e de João Labareda ao artigo 7º do CIRE, já posterior à edição da Lei nº 14/2006: “[o] regime de arguição do vício é o do artigo 109º do CPC e, quanto à possibilidade de apreciação oficiosa, deve aplicar-se o que dispõe o artigo 110º do mesmo diploma” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2º ed., Lisboa, 2009, p. 91).
[22] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas…, cit., p. 89.