Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
801/14.2TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CÚMULO DE PENAS
CONCURSO DE CRIMES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DO CONCURSO DE INFRACÇÕES
TRÂNSITO EM JULGADO
CONDENAÇÕES
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 77.º, 78.º E 472.º DO CP
Sumário: I – Com a nova redacção conferida ao n.º 2 do artigo 78.º pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, o cúmulo jurídico de penas, resultante de uma situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes, pressupõe que todas as condenações implicadas – e não só as anteriores – hajam transitado em julgado.

II Hodiernamente, o cúmulo é obrigatoriamente precedido de audiência especificamente designada para o efeito (cfr. artigo 472.º do CPP) em todos os casos de conhecimento superveniente, não mais sendo possível o conhecimento do concurso em audiência apenas destinada ao conhecimento de um dos crimes concorrentes.

Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do PCS n.º 801/14.2TACBR da Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Local – Secção Criminal – J1, mediante acusação pública foram os arguidos A... e B... , melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes, então, imputada a prática em coautoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por sentença de 27.06.2016 o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

Por todo o exposto, decido julgar a acusação procedente, por provada, e consequentemente:

a. Condenar o arguido A... pela prática de um crime de roubo agravado, previsto pelo artigo 210.º, nºs 1 e 2 b), por referência ao artigo 204º n.º 2 f), todos do Código Penal, aplicando-lhe, por força ada atenuação especial prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, uma pena de 18 (dezoito) meses de prisão;

b. Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... pelo período de tempo fixado para a prisão, subordinando-se a suspensão à observância de um regime de prova, com a obrigação de o arguido se apresentar periodicamente perante a DGRS e sujeitar-se às prescrições dos técnicos de reinserção social que deverão elaborar um plano de readaptação social adequado às suas necessidades de ressocialização;

c. Condenar o arguido B... pela prática de um crime de roubo agravado, previsto pelo artigo 210.º, nºs 1 e 2 b), por referência ao artigo 204º n.º 2 f), todos do Código Penal, aplicando-lhe uma pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

(…)

3. Inconformado recorreu o arguido B... , formulando as conclusões que seguem:

I. Pelo presente acórdão, foi o arguido, ora recorrente, condenado como coautor de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210.º, nº 1 e 2 b) por referência ao art. 204º, nº 2 f) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão para efetivo cumprimento e ainda, condenado em 2 UCs de taxa de justiça, nas custas do processo previsto nos arts. 513º e 514º do Código de Processo Penal e art. 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais.

II. O ora recorrente, não pode conformar-se com o Douto Acórdão do Tribunal a quo no tocante à condenação de coautor pela prática do crime de roubo agravado, pois, não assenta em qualquer facto provado, alegado ou suscitado nos presentes autos.

III. A condenação do arguido relativamente ao roubo agravado assenta numa construção, aparentemente lógico-dedutiva, completamente desfasada da realidade e sem qualquer prova que a suporte.

IV. Não resultando dos autos, prova através do depoimento da Vítima e das Declarações do arguido A... , matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente tenha praticado o crime de roubo agravado.

V. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorretamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida qualquer prova quanto ao arguido ter participado no referido crime, formando a sua convicção numa teoria lógico-dedutiva de que “os arguidos agiram em conjugação de esforços e de comum acordo, sempre na concretização do plano que antes tinham traçado, com o objetivo, concretiza-lo de se apoderarem de dinheiro ou outros bens de C... , que sabiam não lhes pertencer”, já desmontada pelo requerente no presente recurso.

VI. A prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo Tribunal a quo pelas seguintes razões:

VII. No depoimento da Vítima C... como nas declarações prestadas pelo arguido A... não se logrou apurar que o recorrente tivesse praticado o crime de roubo (cf. respetivos depoimentos supra transcritos).

VIII. Mais, o próprio arguido A... confessou que toda a prática ilícita foi apenas e tão só cometida por ele, assim como refere que o arguido B... “não fez nada” no âmbito do crime em apreço. Saliente-se também que a própria vítima C... quando foi à PSP fazer o reconhecimento dos indivíduos apenas foi reconhecido o arguido A... .

IX. O Tribunal de que se recorre decidiu com base em factos que não foram provados, tornando evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

X. A prova produzida relativamente ao ponto em questão impunha ao Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta do acórdão recorrido, violando o Principio in Dubio Pro Reo, o que justificaria a não condenação do recorrente ou quanto muito a condenação do arguido unicamente na cumplicidade do crime de roubo agravado p. e p. nos termos do art. 27º, nº 1 do C.P.

XI. Decidindo como decidiu, a fixação da pena foi efetuada com base na coautoria do crime de roubo agravado, devendo o mesmo ser absolvido, ou, no limite, com base na cumplicidade do mesmo.

XII. Neste sentido, saliente-se esta questão indubitavelmente importante no que concerne ao recurso em causa “o cúmplice será, portanto, “um colaborador não essencial”, ou seja, “o cúmplice apenas auxilia o autor, facilitando a execução do facto sem que detenha o seu domínio funcional, pelo que “o cúmplice não executa, não determina”. Por esta forma, subordina-se a cumplicidade ao princípio da acessoriedade, pelo que se exige que outrem pratique um facto dolosamente. Assim sendo, considera-se, que sem o auxílio do cúmplice, o autor sempre levaria a cabo a prática do facto” – que é o caso pelo qual assenta o presente recurso.

XIII. Mais acrescenta, Jorge de Figueiredo Dias que o cúmplice “não comete por qualquer forma o delito, não pratica a ação típica” (in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, p. 82).

XIV. O arguido B... , apesar de não ter prestado declarações, por iniciativa própria no terminus da audiência e julgamento, fez uma autocrítica dizendo: “queria dizer que, apesar de ter estado presente, com ele (arguido A... ) no mesmo dia, podia ter feito alguma coisa para evitar o sucedido” (Sublinhado nosso), não tendo o Tribunal a quo valorado a sua “pequena atitude” nem as declarações do arguido A... e depoimento da Vítima.

XV. É uma pessoa com capacidade para cumprir regras, até pelo comportamento institucional que tem mantido no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira.

XVI. Por tudo o que vai exposto impõe-se por isso a absolvição do recorrente, ou a redução da pena aplicada ao arguido, atento o disposto no n.º 2 do artigo 27º do Código Penal, de acordo com o qual “É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada”. Prevê, neste sentido, o artigo 72º do mesmo Código que o tribunal deverá atenuar especialmente a pena quando tal estiver expressamente previsto na lei. Atenuação especial esta determinada e concretizada no artigo 73ºdo referido diploma, no seu n.º 1, alíneas a) e b).

XVII. Justifica-se, pois, a revogação da sentença condenatória, devendo absolver o recorrente, ou no limite, fixar-se a pena privativa da liberdade, aplicada ao arguido, ora recorrente, em medida compreendida entre aproximadamente os 7 meses e dois dias e os 10 anos, por atenuação da moldura penal consagrada no artigo 210.º, n.º 2, do Código Penal, que compreendia entre 3 e 15 anos, porque se mostra adequada à culpa do agente e satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial.

XVIII. Mais se acrescenta que, à data da prática dos factos, o arguido e aqui recorrente tinha 19 anos de idade. Pelo que, atento o disposto no artigo 73º do Código Penal e o Decreto-Lei n.º 401/82 (Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes), conjugados, a pena aplicada ao arguido deveria ser, também por esse motivo, atenuada. Trata-se de um poder-dever que o tribunal tem sempre de usar desde que verificados os necessários pressupostos.

XIX. Ponderadas, pois, as razões de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto, entendemos que é, ainda, possível fazer um juízo de prognose favorável á atenuação especial da pena, juízo esse que assenta na expetativa razoável de que atenta a jovialidade do arguido a aplicação de uma pena de prisão demasiado gravosa impossibilita a sua ressocialização, visto o arguido se encontrar já a cumprir pena de prisão, o que preclude e adia em muito a sua saída em liberdade.

XX. Dispõe o n.º 1 do artigo 40º do Código Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Para além de que adianta o n.º 2 do mesmo preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

XXI. Resulta, pois, do caso vertente que o recorrente não teve qualquer intervenção no facto praticado, pelo que a pena que lhe foi aplicada de 3 anos e 3 meses de prisão considera-se manifestamente exagerada e desproporcional, devendo até o recorrente ser absolvido com base no princípio “in dúbio pro reo”, ou no limite ser-lhe aplicada uma pena especialmente atenuada na qualidade de cúmplice.

XXII. Assim, são dois os pressupostos para a atenuação especial da pena de prisão: um que assenta no facto de o recorrente ser considerado como cúmplice e não como coautor e outro que atenta na idade do recorrente à data da prática dos factos e que consiste em o tribunal concluir que, face às circunstâncias, a atenuação da pena, para além de justa, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XXIII. Verificam-se, portanto, dois dos pressupostos que fundamentam a atenuação especial da pena, vertida nos artigos 72º e 73º ambos do Código Penal.

XXIV. Além do mais, o arguido foi já condenado no Processo n.º 150/13.3PECBR, por factos praticados no dia 21.10.2013, em coautoria, nomeadamente pela prática de seis crimes de roubo simples, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão. Atentando na dúvida razoável quanto à determinação da data da prática dos factos no presente processo e na data e hora da prática dos factos referentes ao processo aqui referido, resulta que deveria ter sido julgado o crime aqui apreciado juntamente com os referidos nesse mesmo processo e já julgados, existindo, portanto, aqui um conhecimento superveniente do concurso.

XXV. Decorre, neste sentido, do artigo 78º do Código Penal que “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

XXVI. Resulta ainda do artigo 77º, n.º 1, do Código Penal, que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

XXVII. Por conseguinte, a lei exige que se cumpram dois pressupostos para a aplicação de uma pena única: - a prática de uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso de infrações, - que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. Pressupostos que se encontram cumpridos no caso em apreço. Na pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

XXVIII. Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça “que o momento relevante para a determinação do cúmulo jurídico de todas as penas é o trânsito em julgado da 1.ª condenação, ou seja, os crimes de que só houve conhecimento posterior terem sido cometidos antes dela” (António Rodrigues da Costa Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça).

Assim,

XXIX. O Douto Acórdão violou, entre outros, o princípio “in dúbio pro reo” tendo condenado o ora recorrente em coautor de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, n.º 1 e 2 b) por referência ao art. 204º, n.º 2, f) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão para efetivo cumprimento, quando deveria ter absolvido o mesmo ou máxime ter condenado o mesmo por cumplicidade no crime de roubo agravado p. e p. nos termos do art. 27º do Código Penal,

XXX. Devendo absolver o recorrente ou máxime fixar-se a pena privativa da liberdade, aplicada ao arguido, ora recorrente, em medida compreendida entre aproximadamente os 7 meses e dois dias e os 10 anos, por atenuação da moldura penal – artigo 210.º, n.º 2, do Código Penal, que compreendia entre 3 e 15 anos, porque se mostra adequada à culpa do agente e satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial.

XXXI. Assim como se deve atender que, à data da prática dos factos, o arguido e aqui recorrente tinha 19 anos de idade – como prescreve o artigo 73º do Código Penal e o Decreto-Lei n.º 401/82 (Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes), conjugados, a pena aplicada ao arguido deveria ser, também por este motivo, atenuada.

XXXII. E Finalmente, aplicar uma pena única devido há existência de concurso de crimes p. e p. nos termos do artigo 78º e artigo 77º, n.º 1 do Código Penal.

XXXIII. Porquanto: não se produziu prova em sede de julgamento de que o recorrente tenha participado no crime, mas apenas que se encontrava no local, pelo que não pode o mesmo ser condenado mas absolvido da autoria dos mesmos. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, a ser condenado apenas o deverá ser pela qualidade de cúmplice e não de coautor pelo que a pena aplicada deverá ser especialmente atenuada conforme descrição supra.

Termos em que,

Deve o presente recurso obter provimento por provado, e em consequência ser revogada a decisão de 1ª instância, absolvendo o recorrente ou, máxime, ser-lhe aplicada uma pena por cumplicidade no crime de roubo agravado atendendo-se à idade do mesmo na data da prática dos factos e aplicação de pena única devido ao concurso de crimes.

Vossas Excelências, porém, farão a esperada Justiça!

4. O recurso foi admitido com subida imediata e efeito suspensivo.

5. O Ministério Público, em resposta ao recurso, concluiu:

1º Inexiste vício de erro na apreciação da prova invocado pelo recorrente, nada devendo a censurar à matéria dada como provada;

2º Foi bem condenado o arguido pelo crime de roubo agravado, delito que foi objetiva e subjetivamente perfectibilizado claramente pelo seu comportamento em 2013;

3º A pena encontrada foi justa e equitativa, além de adequada, tendo sido pensada a aplicação do DL 401/82, mas legitimamente afastada pelo tribunal recorrido.

Termos em que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada Justiça!

6. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, acompanhando, no essencial a resposta apresentada em 1.ª instância pelo Ministério Público, se pronunciou pela improcedência do recurso.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417º do CPP, o recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, as questões a apreciar traduzem-se em saber se: (i) Ocorreu erro de julgamento; Se verifica o vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP; Foi violado o princípio in dúbio pro reo; (ii) Agiu o recorrente não a título de coautor, antes como cúmplice; (iii) Quer em função da participação como cúmplice, quer por via do regime especial dos jovens, devia a pena ter sido especialmente atenuada; (iv) Era de proceder à realização do cúmulo jurídico das penas.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

II.I – Matéria de facto provada

Da decisão da causa e com interesse para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1. Por ocasião da festa das latas de Coimbra do ano de 2013, os arguidos decidiram unir esforços para se apoderarem de bens pertença de indivíduos que se encontrassem nas ruas desta cidade.

2. Para concretizar os seus intentos, decidiram utilizar uma navalha e perpetrar agressões físicas.

3. Em data não concretamente apurada, mas situada entre os dias 21 e 22 de Outubro de 2013, por volta das 4:00 horas, quando C... caminhava na Rua da Sota, em Coimbra, os arguidos dirigiram-se a si, abordaram-no como se o conhecessem, e após, um deles desferiu-lhe, pelo menos, uma bofetada na face.

4. Nessa ocasião, um dos arguidos introduziu a mão num dos bolsos de C... e retirou do seu interior uma carteira que, após constatar não ter qualquer dinheiro no interior, devolveu ao mesmo.

5. De seguida, o arguido A... empunhou uma navalha na direção de C... , ao mesmo tempo que um dos arguidos se apoderou do seu telemóvel de marca LG, modelo P 920, de cor preta e com o IMEI 357116040852876, no valor de € 150,00, que se encontrava no interior do bolso das calças.

6. Após, arguidos abandonaram o local levando consigo o referido telemóvel.

7. Os arguidos agiram em conjugação de esforços e de comum acordo, sempre na concretização do plano que antes tinham traçado, com o objetivo, concretizado de se apoderarem de dinheiro ou outros bens de C... , que sabiam não lhes pertencer.

8. Para atingirem o seu propósito os arguidos não se abstiveram de recorrer à força física e exibição de uma navalha, atuação que sabiam ser adequada a provocar receio no ofendido, como efetivamente ocorreu, limitando a sua capacidade de reação.

9. Os arguidos agiram de modo livre, consciente e voluntário, sabendo que as condutas que adotavam eram proibidas e punidas por lei penal como crime.

Mais se provou que:

10. O arguido A... foi já condenado pela prática de seis crimes de roubo simples e dois crimes de roubo agravado, cometidos a 21 e 22 de Outubro de 2013, numa pena única de 3 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução mediante regime de prova, por sentença transitada em julgado a 30.09.203, no âmbito do processo n.º 150/13.3PECBR.

11. O processo de desenvolvimento do arguido A... decorreu num contexto familiar disfuncional, caracterizada por uma situação de violência familiar protagonizada pelo pai, vitimando a mãe e o próprio arguido até aos 4 anos de idade, altura em que o pai abandonou o lar e se desvinculou de quaisquer responsabilidades parentais.

12. Problemas depressivos, hábitos alcoólicos, inatividade profissional prolongada e ainda labilidade a nível de relacionamentos afetivos por parte da mãe, contribuíram para um ambiente educativo volátil, caracterizado globalmente pela anomia, permissividade e falta de autoridade e de supervisão parental.

13. O seu percurso escolar evidenciou primeiros comportamentos disruptivos. Entre os 6 e os 15 anos concluiu o 6º ano de escolaridade, registando 4 reprovações, mobilidade entre estabelecimentos de ensino (entre outros, Escola Primária de (...) ; Escola Primária de (...) ; Escola EB (...) ; Escola EB (...) ; Colégio de (...) ) num contexto de absentismo e problemas comportamentais entre os quais: insultos, humilhações, ameaças e agressões físicas a colegas, atitudes provocatórias de desafio da autoridade dos professores, associação a pares desviantes com assunção de papéis de liderança.

14. Com 9 anos o arguido já é referenciado por um quotidiano desregrado e por agredir a mãe, tendo sido sinalizado pela CPCJ e colocado com 10 anos aos cuidados duma tia materna residente em lisboa, constituindo esta a única referência de normalidade familiar. Ali permaneceu cerca de 6 meses em ambiente mais contentor e disciplinado mas manteve os comportamentos agressivos.

15. Entre várias medidas disciplinares aplicadas pelos estabelecimentos de ensino e relativamente às quais se revelou indiferente, com 12 anos de idade, teve medida de expulsão por agressão violenta a um colega. A sua integração no estabelecimento de ensino Colégio (...) , proporcionou momentaneamente ao arguido um enquadramento socioeducativo estável e securizante o que, juntamente com intimidação reflexo positivos no seu comportamento em meio escolar que passou a ser pautado por um maior respeito das regras e adesão às atividades.

16. No âmbito de processo de promoção e proteção, foi-lhe aplicada medida de acolhimento em instituição, concretizada entre Abril de 2011 e Junho de 2012, na Obra (...), de onde fugiu repetidas vezes e teve uma integração desestabilizadora, sendo-lhe atribuído protagonismo na iniciação de alguns menores no consumo de drogas que, conforme se suspeitava, o próprio trazia do exterior.

17. No âmbito de medida tutelar de guarda e para elaboração de perícia de personalidade, esteve internado em regime fechado no Centro Educativo dos (...) , entre 26Jun2012 e 24Dez2012 (15/16 anos). Cumpriu de forma funcional sistema normativo interno, evitando situações de confronto com adultos. Na relação com pares assumiu no geral um posicionamento de liderança. Frequentou curso de formação profissional de “instalador/reparador de computadores” do qual se desinteressou um mês antes do seu termo.

18. À data dos factos (Outubro de 2013) o arguido mantinha um estilo de vida desestruturado, sem vinculação a atividades prosociais, integrando grupo de pares desviantes, mantendo hábitos noturnos e uma gestão do quotidiano livre de condicionalismos e controlo.

19. O arguido reside com a mãe (D..., 54 anos, solteira, inativa) que tem hábitos alcoólicos, patologia depressiva e um funcionamento pessoal pouco convencional na gestão de um quotidiano, que se afigura anómico/desregrado.

20. Na perícia de personalidade efetuada ao arguido em 25Set2012 pela DGRS no âmbito de processo tutelar de menores, são àquele atribuídas evidentes dificuldades ao nível do autocontrolo, em especial em situações de tensão interna, autoperceção de necessidade de defesa, perceção de impunidade e motivação para envolvimento em situações de risco e de desafio. Apresenta ainda resultados que evidenciam traços de insensibilidade ao outro, impulsividade, egocentrismo e desconfiança.

21. O agregado do arguido ocupa um andar tipologia “T3”, próprio, sito na zona da baixa de Coimbra cujos sinais evidentes de deterioração (janelas, portas, mobiliário e objetos partidos) são atribuídos às explosões de agressividade do arguido. Em demarcação dos demais andares do prédio, o andar do arguido encontra-se degradado e oferece deficientes condições de conforto e salubridade, indiciando negligência a nível da conservação, arrumação e higiene.

22. O agregado sempre dependeu economicamente de prestações sociais do estado e do apoio regular duma tia materna (magistrada a residir em Lisboa) que assegura todas as despesas fixas (água, eletricidade, gás) e ainda comparticipa com cerca de 450 euros para despesas de alimentação e com 40 euros/semana para gastos pessoais do arguido. Por incumprimento a mãe viu cancelado recentemente o rendimento social de inserção.

23. O arguido B... foi já condenado:

a. Pela prática de um crime de furto qualificado, cometido a 11.06.2010, numa pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução, por sentença transitada em julgado a 19.11.2012, no âmbito do processo n.º 1039/10.3PBCBR;

b. Pela prática de um crime de roubo, cometido a 07.06.2010, numa pena de 6 meses de prisão substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença transitada em julgado a 08.01.2013, no âmbito do processo n.º 1039/10.3PBCBR;

c. Pela prática de um crime de roubo, cometido a 19.01.2010, numa pena de 3 anos e 3 meses de prisão, por sentença transitada em julgado a 13.03.2014, no âmbito do processo n.º 97/11.8PCCBR;

d. Pela prática de seis crimes de roubo simples e dois crimes de roubo agravado, cometidos a 21 e 22 de Outubro de 2013, numa pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por sentença transitada em julgado a 30.09.2013, no âmbito do processo n.º 150/13.3PECBR.

24. O arguido B... é o mais velho de três filhos do sexo masculino, tendo ainda outra irmã mais velha, todos fruto do relacionamento marital que o pai, de nacionalidade angolana, e a mãe, viúva, brasileira, estabeleceram em Portugal, após a chegada desta em 1991. Existe outra irmã uterina, fruto do casamento da mãe, que vive no Brasil.

25. O processo de desenvolvimento do arguido foi marcado por um ambiente familiar disfuncional e conflituoso, provocado pelo pai, pessoa referenciada por apresentar alterações bruscas de humor e agressividade, associados a stress pós traumático de guerra, hábitos alcoólicos e consumos de haxixe.

26. A situação económica do agregado familiar sempre foi precária, sendo a mãe referenciada como tendo sido a principal fonte de sustento, com o produto do seu trabalho como empregada doméstica, dado que as receitas variáveis que o pai auferia no fabrico e venda de artesanato e bijutaria eram canalizadas para o sustento da sua problemática aditiva.

27. O arguido iniciou a escolaridade na idade própria, tendo-se revelado, no 1º e 2º ciclos um aluno aplicado e com facilidade de aprendizagem. Posteriormente, esta situação alterou-se, quando num contexto escolar hostil, em que inicialmente começou por ser vítima de agressões de colegas, veio, posteriormente, a desinteressar-se pelos estudos, a faltar às aulas e a revelar comportamentos desadequados, provocando distúrbios e iniciando-se na prática de furtos no meio escolar. Paralelamente, começou a acompanhar indivíduos mais velhos e com comportamentos desviantes, tendo-se iniciado no consumo de haxixe aos 14 anos de idade e, dois anos depois, passou a consumir cocaína.

28. Abandonou a escola frequentava o 11º ano de escolaridade que não concluiu. Em 2012, com 18 anos de idade, foi integrado num curso profissional de pintura de automóveis, na Quinta da (...) , do qual veio a ser excluído, devido a comportamentos desajustados e agressivos para com colegas e por ter recusado a intervenção terapêutica e medicação prescrita pelo médico psiquiatra da instituição.

29. À data dos factos o arguido tinha sido integrado, há cerca de um mês, num curso de formação de técnico auxiliar médico, que lhe daria equivalência ao 12º de escolaridade, mas do qual foi excluído por faltas, na sequência de ter sido detido em 29.11.2013, sujeito a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que cumpriu em casa da mãe.

30. Durante o período que permaneceu sob esta medida de coação, até ter dado entrada, em 11.04.2014, no Estabelecimento Prisional de (...) para cumprir uma pena de 3 anos e 3 meses de prisão, em que foi condenado no processo 97/11.8PCCBR, o arguido integrou o agregado familiar de origem, constituído pela mãe e por um dos irmãos, de 18 anos de idade, estudante. O irmão mais novo, de 16 anos de idade, foi acolhido por familiares, visitando regularmente o agregado de origem.

31. O agregado é beneficiário do Rendimento Social de Inserção no valor de 260,00 €, tendo ainda como receitas uma remuneração que recebe por tratar de uma idosa no valor de 100,00 € e a bolsa de formação do filho do meio, no valor de 150,00 € mensais. A precariedade dos recursos é suprida com a ajuda em géneros alimentares, que recebe de instituições de solidariedade social.

32. O agregado beneficia ainda de habitação social, que lhe foi atribuída há três anos, no Bairro da Rosa, num apartamento T3 com condições adequadas de conforto.

II.2 – Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa, não ficaram quaisquer factos por provar.

II.3 – Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, conjugando nomeadamente o teor das declarações do arguido A... , do depoimento testemunhal prestado pelo ofendido C... e ainda os autos de apreensão e reconhecimento, e demais documentos juntos aos autos.

Com efeito, o ofendido C... , vítima do assalto descrito nos pontos 3 a 6 do elenco de factos provados, relatou a forma como foi abordado na situação em causa, cuja data disse não poder precisar ao certo mas ter ocorrido na festa das Latas de 2013, concretizando que se aproximaram dele dois indivíduos que de imediato o desapossaram dos bens que trazia consigo, concretamente o telemóvel supra identificado (que veio a recuperar mais tarde), já que não tinha qualquer dinheiro no interior da sua carteira ou dos bolsos. Para a consecução deste resultado contribuiu, segundo referiu aquela vítima, não só o facto de serem dois indivíduos 8que o levou a decidir não resistir ou tentar fugir) mas também o uso de violência por parte dos mesmos, esclarecendo que levou pelo menos uma bofetada e que um deles (que identificou como sendo o arguido A... ) lhe encostou uma navalha ao pescoço.

Quanto à identificação destes agentes, a testemunha referiu ter a certeza tratar-se do arguido A... , confirmando o auto de reconhecimento junto a fls. 62-63, por si efetuado, não podendo afirmar, com certeza a certeza absoluta, que o outro indivíduo era o arguido B... , pese embora as características fossem idênticas, acrescentando ainda recordar-se de eles terem falado entre si com pronúncia brasileira.

Ora, para além de o arguido A... ter sido reconhecido como um dos autores dos factos e de ter confessado integralmente a sua prática, também não restam dúvidas que aquele se encontrava acompanhado de outro indivíduo, sendo certo que o arguido B... tem ascendência brasileira e estes dois arguidos ( A... e B... ) foram condenados (por decisão já transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 150/13.3PECBR) pela prática, em coautoria, de vários outros roubos ocorridos nos dias 21 e 22 de Outubro de 2013 (ou seja, no decorrer da festa das Latas desse ano, conforme é facto público e notório).

Por outro lado, o ofendido C... referiu que imediatamente após a ocorrência destes factos, os agentes policiais a quem os denunciou disseram-lhe que já nadariam por ali precisamente à procura desses dois indivíduos por terem sido notícia doutros crimes idênticos, o que nos leva a concluir que os factos aqui em causa ocorreram também entre 21 e 22 de Outubro de 2013, datas em que foram denunciados os tais outros assaltos (cf. autos de fls. 2-4).

Assim, a convicção do tribunal acerca da participação conjunta destes dois arguidos nos factos supra descritos assentou, inevitavelmente, numa prova indireta, que impôs ao tribunal a tarefa de reconstruir a verdade processual partindo de factos indiciários – diretamente demonstrados – e relacionando-os entre si, com apelo às regras da experiência e do senso comum, de molde a completar uma linha de realidade suficientemente segura e de sentido lógico.

Com efeito, conforme sabiamente afirma Henriques Gaspar, nomeadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.10.2010, por si relatado, a verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. É a verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para tirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.

Daí que, fazendo uso das palavras de Paulo Sousa Mendes (in A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III, pág. 1002-1003) o juiz atual seja na verdade um “juiz historiador”, que tem que reconstruir um facto individual que ele mesmo não percecionou. Na melhor das hipóteses, o juiz historiador conseguirá ainda assim ter acesso a fragmentos da matéria de facto. Na maior parte das vezes o juiz historiador terá de lançar mão de um procedimento indiciário, recorrendo à perceção de meros factos probatórios através dos quais procurará provar o facto principal. Como se sabe, a prova indiciária é aquela que permite a passagem do facto conhecido ao facto desconhecido. É neste campo que as regras da experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização dessa passagem.

Nesse mesmo sentido, refere Santos Cabral, que a atividade probatória é constituída pelo complexo de atos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência, ou inexistência, de uma determinada situação factual. Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação direta dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir. E nessa medida, a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjetivo do crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova direta constante do testemunho (in Prova Indiciária e as novas formas de criminalidade, Revista Julgar nº 17).

Face ao exposto e cotejando os referidos elementos de prova, à luz das regras da experiência e mediante um raciocínio lógico-dedutivo, estamos em condições de concluir, com o grau de segurança necessário, que o ilícito aqui em causa ocorreu naquele mesmo contexto de acordo e conjugação de esforços levados a cabo pelos arguidos com vista à prática de roubos nos dias supra referidos, só não tendo sido julgado conjuntamente com os demais porque o proprietário do Telemóvel apreendido na posse do arguido A... a 22.10.2013, juntamente com outros objetos provenientes da prática de ilícitos (cf. fls. 53), só foi identificado alguns meses após a ocorrência dos mesmos.

Pelo que chegamos assim à demonstração dos factos descritos nos pontos I a 8 do elenco da matéria de facto.

No que concerne à componente subjetiva da conduta, descrita nos pontos 8 e 9, a prova de tal factualidade resultou desde logo da conjugação dos restantes factos exteriores, de caráter objetivo, suscetíveis de a revelar, já que, face às circunstâncias concretamente apuradas, o modo de atuação dos arguidos não podia ter outra intenção senão a que ali se descreve.

A respeito das condições sócio-económicas dos arguidos foram tidos em conta os factos provados no acórdão proferido no processo nº 150/13.3PECBR (cuja certidão se mostra junta aos autos) com base nos respetivos relatórios sociais elaborados, que se mantêm atuais, e relativamente aos seus antecedentes criminais foi valorado o teor dos CRC constantes dos autos, tendo sido, pois, nestes elementos que baseámos a demonstração dos factos descritos nos pontos 10 a 32.

3. Apreciação

a. Da impugnação da matéria de facto [erro de julgamento; vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP; violação do pro reo]

Sem que expressamente identifique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, manifesto se torna pretender o recorrente colocar em crise a sua participação no ilícito típico – que não já a sua presença no local, tão pouco a circunstância de, por ocasião dos factos, acompanhar o coarguido - ancorando-se, para tanto, nas declarações do A... , enquanto o excluiu das condutas objetivas descritas na acusação, e no depoimento da vítima C... , no essencial, enquanto o colocou, por ocasião dos factos, no confronto com a sua posição, «mais atrás» em relação ao coarguido e reportou ter sido a navalha empunhada por este.

A simplicidade da alegação leva-nos a contemporizar com um menor rigor na observância dos ónus de impugnação (artigo 412.º, n.º 3 do CPP), porquanto resulta de todo percetível quer os aspetos de facto que pretende contrariar, quer as provas que conduziriam à demonstração relativamente aos mesmos do erro do julgamento.

Sucede, porém, que havendo este tribunal procedido à audição integral dos registos concernentes à prova está em condições de sustentar o bem fundado da decisão recorrida já porque as declarações prestadas pelo arguido A... refletem uma grande preocupação, a miúdo verbalizada (ele não fez nada; fui eu que fiz tudo; ele ficou a ver, etc.), no sentido de isentar de responsabilidade o ora recorrente, revelando-se neste seu intenso exercício pouco natural, espontâneo e como tal nada credível, já porque do depoimento da vítima decorre uma intervenção conjunta nos factos por parte de ambos os arguidos – realidade que não equivale à circunstância de todos os atos terem sido executados pelos dois – só assim se justificando o uso, aquando do respetivo relato, do plural: Eles vieram ter comigo; abordaram-me os dois; aproximaram-se ambos; ambos agiram; puseram as mãos nos bolsos; deram-me chapadas; tiraram a carteira; fiquei mais preocupado com o facto de serem dois; a ideia que eu tenho é que estavam os dois juntos a colaborar; a ideia é que o A... estava mais à frente; estava a ser abordado pelos dois.

Não será pois a circunstância da vítima ter revelado uma mais que compreensível dificuldade, dado o lapso de tempo entretanto decorrido e o nervosismo que nesses momentos – resulta da experiência comum - se apodera das pessoas, na imputação de cada ato, de per si considerado, a este ou aquele arguido, que compromete o essencial do depoimento no sentido de uma atuação verdadeiramente conjunta.

Por outro lado, atento o período temporal em que os factos ocorreram e, bem assim, a circunstância de aquando da transmissão dos mesmos às autoridades, haver sido comunicado à vítima andarem à procura «desses dois indivíduos», porquanto já haviam recebido outras queixas no mesmo sentido, não descurando a condenação (transitada em julgado) sofrida pelos arguidos no âmbito do processo n.º 150/13.3PECBR, por condutas (crimes de roubo) levados a efeito, em coautoria, no decurso da festa das latas de Coimbra do ano de 2013, ocorridas precisamente entre 21 e 22 do Outubro de 2013, não é de desprezar a relevância que, no caso, assume a prova por inferência, resultante da consideração das regras da experiência comum, a apontar nas concretas circunstâncias, sem dúvida razoável, para uma atuação conjunta, em execução de esforços e intentos, por parte de ambos os arguidos.

Revela-se, assim, de todo ajustado o segmento da fundamentação da convicção quando reporta a influência da prova indireta na reconstrução da verdade processual, partindo de factos indiciários (diretamente demonstrados) relacionando-os entre si, com recurso às regras da experiência e do senso comum, a qual, no caso concreto, permitiu chegar a uma linha de realidade suficientemente segura e de sentido lógico.

Procedimento, de todo, compatível com as normas dos artigos 126.º e 127.º do CPP enquanto consentem uma leitura de forma a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova direta deles, satisfazendo-se, outrossim, com a prova indireta, conjugada e interpretada no seu todo, sem que nisso se veja a ofensa a quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, da garantia dos direitos de defesa, da presunção de inocência e do contraditório, com assento no artigo 32.º da CRP, posto que, como sucede no caso, haja uma fundamentação crítica dos diversos meios de prova produzidos e analisados em audiência, sem descurar a efetiva garantia concretizada num grau de recurso em matéria de facto.

Ainda no domínio do facto, a invocação do vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP (cf. ponto IX das conclusões), naturalmente que, vindo suportada pela alegação de ter o tribunal decidido com base em factos que não foram provados, está votada ao insucesso, revelando mesmo alguma confusão na conformação técnica da essência do dito vício.

Fica-nos, pois, a violação do in dúbio pro reo, princípio que respeita à matéria de facto, relevando na apreciação e valoração da prova e que só pode ser afirmado quando seguindo o processo decisório evidenciado na motivação da convicção for de concluir que o tribunal tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, «… ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja de forma suficiente quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção … Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio do in dubio pro reo, sendo que tal juízo factual não tem por fundamento uma inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resulta do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º n.º 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º n.º 1 da CRP» - [cf. Acórdão do STJ de 14.10.2009, Proc. n.º 101/08.7PAABT.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.]

No caso em apreço, seguindo o processo decisório refletido na sentença não se deteta ter sido o julgador assolado pela dúvida no que respeita ao acervo factual concernente ao recorrente, dúvida, essa, que este tribunal de recurso, debruçando-se sobre a prova produzida e analisada em sede de audiência de discussão e julgamento, também não tem, cabendo aqui relembrar que «A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido» - [cf. Acórdão do STJ de 14.04.2011, Proc. n.º 117/08.3PEFUN.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.]

Dito de modo mais incisivo, da análise e ponderação das provas no confronto com a matéria que vem posta em crise – questionando a participação nos factos do recorrente - ficou este tribunal seguro do juízo de convicção do julgador, o qual se corrobora, inexistindo margem para qualquer dúvida razoável e, consequentemente para fazer funcionar o in dubio pro reo.

Em suma, a sentença transparece devidamente sustentada, refletindo a dimensão correta do princípio da livre convicção, procedendo a uma interpretação ajustada das regras da experiência comum, em harmonia, portanto, com o artigo 127.º do CPP, sem que se detete violação do princípio em referência, ademais compatível com juízos de inferência, fundados em presunções naturais.

É, pois, de considerar, na ausência de vício que o impeça, definitivamente fixado, tal como decorre da decisão em crise, o acervo factual.

b. Da participação como cúmplice

No domínio da subsunção dos factos às normas defende o recorrente que sempre deveria ter sido encarado como cúmplice e não já como coautor.

Se não merecem reserva as considerações, designadamente doutrinárias, por si tecidas a respeito da distinção entre os dois níveis de participação no facto criminoso, é com referência à matéria de facto, agora definitivamente assente, que a questão tem de ser perspetivada.

Neste contexto, não é possível extrair do acervo factual uma conduta que se tenha quedado por um auxílio material ou moral à prática do crime, isto é que aponte para a participação do recorrente em facto alheio; pelo contrário resulta uma atuação conjunta, em comunhão de esforços e intentos, concretizada numa sequência de ações que vão desde a abordagem, por ambos, à vítima (de madrugada, cerca das 4 h, como se a conhecessem) até à apropriação (por ambos) do bem subtraído, com recurso à violência, certo que, como saberá o recorrente, não se torna exigível à coautoria a intervenção de cada um dos arguidos em todos os atos de execução, integrando-se nestes, para além dos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime, precisamente aqueles que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam os primeiros e, bem assim, os que forem idóneos a produzir o resultado típico (artigo 22.º do C. Penal).

Em síntese, não resultando que a conduta do recorrente se haja reconduzido um mero favorecimento ou prestação de auxílio à execução do crime, de modo a permitir assentar em que ficou de fora do facto típico; decorrendo, antes, possuir o mesmo o domínio do facto funcional, traduzido na prática de atos de execução, tal como definidos no artigo 22.º do C. Penal, dito de outra forma surgindo a sua contribuição material como exercício do domínio do facto e, por conseguinte, como parte do preenchimento do tipo, não merece censura a decisão recorrida enquanto o condenou como coautor do crime de roubo.

c. Da (não) atenuação especial da pena

Donde decorre não haver lugar, com fundamento na cumplicidade, à preconizada atenuação especial da pena, em consonância com o n.º 2 do artigo 27.º do C. Penal, restando, então, apurar se, ao contrário do decidido, deveria o recorrente ter beneficiado do regime penal dos jovens, aspeto ponderado na sentença, contudo objeto de um juízo que conduziu ao seu afastamento.

A propósito consignou o tribunal: Já no que concerne ao arguido B... , a existência de um passado criminal marcado por comportamentos ilícitos semelhantes ao presente, a cujas condenações o arguido se manteve indiferente, assim como o facto de aquele arguido em nada ter contribuído para se formular um juízo favorável relativamente à sua postura no futuro, já que não assumiu a prática dos factos, nem deu a conhecer qualquer circunstância suscetível de o favorecer em termos de prevenção especial, impede-nos de encontrar vantagens na aplicação deste regime especialmente previsto para os jovens adultos. Com efeito, o que nos é revelado pelo comportamento anterior e posterior aos factos é que este ostenta uma personalidade desconforme ao cumprimento de regras e indiferente às respetivas consequências jurídico-penais, sendo de recear a sua persistência na prática de novos ilícitos. Pelo que entendemos que as circunstâncias apuradas não aconselham a aplicação a este arguido do regime especial previsto no DL. N.º 401/82, de 23 de Setembro.

Posto isto.

Consubstanciando o regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e 21 anos uma opção de política criminal assente na necessidade de encontrar as respostas que melhor se adequam à prática por jovens adultos de factos considerados pela lei como crime, à qual, como aspeto essencial, subjaz o objetivo de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão [cf. a Proposta de Lei n.º 45/VIII, Diário da Assembleia da República, II série – A, de 21.09.2000, na passagem «comprovada a natureza criminógena da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos dessocializantes devastadores»], posição sistematicamente afirmada, quer ao nível da doutrina, quer no domínio da jurisprudência [cf. vg. acórdãos do STJ de 27.10.2004, CJ, STJ, ano XII, T. III, 213; de 18.06.2014 (proc. n.º 578/12.6JABRG.G1); de 31.03.2016 (proc. 499/14.8PWLSB.L1.S1], importa, pois, apurar se, de acordo com um juízo de razoabilidade, ocorrem motivos capazes de levar a concluir no sentido que da aplicação do regime especial ao arguido (recorrente) resultam vantagens para a sua ressocialização. 

Existirão, de facto, razões para crer que assim será?

Quer em função de um passado, não muito longínquo, em que ressalta uma grande instabilidade, manifesto desaproveitamento de oportunidades de trabalho que se foram sucedendo – impressionando a circunstância de cerca de um mês após haver ingressado num curso de formação técnica, que lhe daria equivalência ao 12º ano, ter, numa ocasião em que já contava com duas condenações (por furto qualificado e roubo), praticado os factos objeto dos presentes autos -, quer por via de uma total indiferença às várias condenações já sofridas por crimes de igual natureza, quer em consequência das condutas desajustadas e agressivas que foi protagonizando, numa primeira fase no meio escolar, onde escolhia os seu pares de entre indivíduos mais velhos com comportamentos desviantes, numa segunda fase no ambiente de trabalho, trilhando um percurso, a todos os níveis problemático com espaço para o consumo de drogas, primeiro haxixe, depois cocaína, afigura-se-nos que não.

Efetivamente, sendo, no caso, óbvias as exigências de socialização, não se vislumbra, de momento, nenhuma circunstância – anterior, contemporânea ou posterior aos factos - suscetível de, num exercício responsável e sustentado, incutir uma fresta de esperança quanto a um seu futuro comportamento e, assim, conduzir a um juízo de vantagem decorrente da aplicação do regime em questão na reinserção social do arguido.

É que a consideração dos benefícios que, em abstrato, decorrerão para o agente de um menor período de reclusão não se podem quedar num lugar-comum de boa retórica, antes tem de ser integrada por elementos concretos que (…) permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, se integrará num meio envolvente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados [cf. o já identificado acórdão do STJ de 31.03.2016], elementos, esses, que não conseguimos detetar.

d. Da (não) realização do cúmulo jurídico de penas

Afirmando a verificação de concurso de crimes entre o que constitui objeto dos presentes autos e aqueles outros pelos quais sofreu condenação no âmbito do PCC n.º 150/13.3PECBR [artigo 77.º do C. Penal] não se conforma o recorrente com o facto da sentença recorrida não ter procedido, ao arrepio do artigo 78.º do C. Penal [Conhecimento superveniente do concurso], ao cúmulo jurídico das penas por forma a aplicar-lhe uma pena conjunta.

Sem razão, embora.

Com efeito, apesar de se admitir diferente interpretação, não nos parece que a introdução pela Lei n.º 59/2007 do n.º 2 do artigo 78.º do C. Penal se revele, ao nível processual, inócua, olhando-a antes como a afirmação de que o cúmulo de penas, resultante de uma situação de conhecimento superveniente de concurso de crimes, pressupõe que todas as condenações implicadas – e não só as anteriores – hajam transitado em julgado.

A ser assim, porque de entre as penas a cumular se conta a aplicada por sentença, naturalmente não transitada, proferida no âmbito dos presentes autos, excluída sempre se mostraria a realização do cúmulo jurídico das penas.

Merece, pois, a nossa concordância a posição defendida por António João Latas, em O novo quadro sancionatório das pessoas singulares, in A Reforma do Sistema Penal de 2007, Garantias e Eficácia, pág. 136, quando, a respeito, escreve: Se bem a interpretamos, a nova redação do n.º 2 do art. 78.º não vem introduzir alterações ao nível substantivo em matéria de conhecimento superveniente do concurso, mas apenas do ponto de vista processual, conforme resulta da sua conjugação com o preceituado nos arts. 471.º e 472.º do CPP sobre a audiência nestes mesmos casos de conhecimento superveniente.

Ao determinar que a punição do concurso (a que se reporta o art. 77.º) só é aplicável aos crimes cuja condenação transitou em julgado, o legislador impõe agora que se aguarde o trânsito de todas as condenações para se proceder, então, ao cúmulo jurídico. Significa isto, que o cúmulo é obrigatoriamente precedido de audiência especificamente designada para o efeito (cf. art. 472.º do CPP) em todos os casos de conhecimento superveniente, deixando de ser possível conhecer da matéria do concurso na audiência de julgamento em que se julgue um dos crimes em concurso, como até aqui.

Entendimento, aliás, perfilhado por Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2010-2011, pág. 45, na parte em que refere: A letra atual do n.º 2 do artigo 78.º, num percurso inverso, estabelece que a determinação superveniente da pena só tem lugar se as condenações já tiverem transitado em julgado. Ou seja, considerando o que se dispõe no artigo 472.º do CPP, cuja redação se manteve, é de concluir que, em caso de conhecimento superveniente do concurso, é sempre designado dia para a realização da audiência, com o objetivo exclusivo de determinar a pena única correspondente. A determinação superveniente da pena deixou de poder ser feita pelo tribunal que julga o crime praticado anteriormente à condenação que já teve lugar, ainda que este segundo tribunal conheça a condenação anterior já transitada em julgado.

Por outro lado, atendendo à grandeza das penas, alegadamente, em concurso [no PCC n.º 150/13.3PECBR o arguido/recorrente foi condenado, por acórdão do tribunal coletivo, nas penas parcelares de 18 meses de prisão por cada um dos seis crimes de roubo e 3 anos e 3 meses de prisão por cada um dos dois crimes de roubo agravado], ao disposto no artigo 77.º, n.º 2 do C. Penal e às regras de competência é bom de ver que sempre falharia competência ao tribunal singular (cf. artigos 14.º e 471º do C. Penal) para proceder à realização de um eventual cúmulo, o qual, a verificarem-se os respetivos pressupostos legais, a seu tempo não deixará, por certo, de se efetivar.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs

Coimbra,  16 de Fevereiro de 2017 

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira – relatora)

(Isabel Valongo – adjunta)