Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
117/09.6JAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CRIME DE FURTO E FALSIFICAÇÃO
CONCURSO DE CRIMES
CONCURSO REAL E APARENTE
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO FUNDÃO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30º DO CP
Sumário: 1. A lei não consagra expressamente as categorias do concurso real e do concurso aparente, ainda que resulte da letra do art. 30º, nº 1, do Código Penal, que a distinção entre unidade e pluralidade de crimes há-de assentar num critério racional ou teleológico, reportado ao fim ou objectivo visado pela norma.
2. O concurso aparente ocorre quando a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, na medida em que é totalmente abrangida por um dos tipos violados, devendo ser excluída a aplicação dos demais. Em contraponto, no concurso efectivo, as diversas normas aplicáveis oferecem-se como concorrentes na sua aplicação concreta, por não interceder qualquer circunstância que obste à aplicação de todas elas.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferido acórdão em que se decidiu nos seguintes termos:
(…)
Pelo exposto, acorda este Tribunal, na procedência da acusação formulada e, em consequência:
a) Pela prática, em co-autoria, e concurso real, de :
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 210, n.ºs 1 e 2, al, b) e 204 , n.ºs 1/ e/h e 2/f do C. Penal condena-se cada um dos arguidos R... e L... na pena de nove (9 )anos de prisão e o arguido I... na pena de oito (8) anos de prisão;
- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 60/1/2/ a e 86°/1/c) e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 , condena-se cada um dos arguidos R... e L... na pena de trinta e dois meses (32) meses de prisão e o arguido I... na pena de vinte e oito meses (28) meses de prisão;
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203/1 do C. Penal condena-se cada um dos arguidos R... e L... na pena de vinte (20) meses de prisão e o arguido I... na pena de dezassete (17) meses de prisão;
- Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, nO 1, ais. a), b) e 3) do C. Penal condena-se cada um dos arguidos R... e L... na pena de trinta e seis meses ( 36) de prisão e o arguido I... na pena de trinta e dois meses (32) meses de prisão;
b) Condena-se o arguido L... ainda, a autoria de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 30, n.º 1 e 2, do DL 2/98, de 03/01 na pena de dezoito (18) meses de prisão;
Em cúmulo, condena-se o arguido R... e o arguido L...na pena única de onze (11) anos de prisão e o arguido I...na pena única de dez (10) anos de prisão;
(…)

Inconformado, o arguido L... interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1ª – Na nossa modesta opinião, quanto aos factos provados e não provados a Sentença é totalmente omissa de fundamentação, não considerou, nem relevou os factos alegados em Contestação a fls…, nem os factos constantes do Relatório Social fls. 304, nem as declarações das testemunhas de defesa, tal omissão acarreta a nulidade da Sentença, pois é de tal modo grave que afecta as garantias de defesa do recorrente.
2ª - Os factos alegados pela defesa, com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa não foram considerados provados, foram considerados não provados, sem qualquer fundamentação, não tendo relevado para a decisão, em prejuízo do recorrente e seus direitos e garantias de defesa.
3ª - Quanto aos factos alegados na Contestação e Relatório Social, houve omissão de pronúncia o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P.
4ª - Por falta de fundamentação, quanto aos factos provados e não provados, erros e omissões, deve a Sentença recorrida ser declarada nula, por violação, entre outros, dos artºs 32, nºs 1 e 5, e 205, da C.R.P., e artº 97, nº 4, do C.P.P., já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes do artº 97, nº 4, do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios constitucionais, o que aqui se invoca, também com o objectivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72, da Lei do Tribunal Constitucional.
5ª – E se é certo, não nos ser lícito questionar, sindicar a livre convicção do julgador, é preciso reafirmar que só pela via da fundamentação da decisão se pode chegar à conclusão que esta não é produto do “livre arbítrio”. Deve ser declarada a nulidade da decisão recorrida, com todas as legais consequências.
6ª – Salvo o devido respeito, a matéria provada é manifestamente insuficiente para dar como provados todos os factos constantes da Acusação Pública.
7ª – Quanto ao crime de roubo agravado, entende o Recorrente que uma “chave de fendas” não preenche o conceito de arma que decorre do artº 4, do D.L. nº 48/95, não se mostrando, salvo o devido respeito, preenchida a agravante qualificativa do nº 2, al. f) do artº 204, do C.P.
8ª – Quanto ao crime de furto e ao crime de falsificação de documentos, pelo facto de terem colocado matrículas de outro veículo automóvel, no veículo automóvel em que se faziam transportar, parece-nos que os factos provados não preenchem o elemento típico subjectivo de tais ilícitos. Porquanto, não agiu o Recorrente com intenção de integrar coisa móvel alheia no seu património, enriquecendo-o.
9ª – A intenção do Recorrente, aliás, plasmada no Acórdão, foi trocar as matrículas com intenção de ludibriar as autoridades policiais na fuga para Lisboa, antes e após o facto ilícito típico, pelo que deve ser o Recorrente Absolvido.
10ª – Sem prescindir, por mera cautela, na nossa modesta opinião, existe concurso aparente (consunção), entre o crime de roubo e o crime de furto e falsificação de documentos. Porquanto, a troca das matrículas do veículo, foi o crime meio, com o único objectivo de executar o crime fim. Com a intenção de praticar o crime de roubo, o Recorrente teve necessidade de trocar as matrículas do veículo automóvel, já durante os actos executórios do crime fim. Pelo que, só deve ser condenado pelo crime de roubo qualificado que consome os outros crimes.
11ª – Por mera cautela, e salvo o devido respeito, entendemos que, não tem o M.P. legitimidade para acusar e ser condenado o Recorrente pelo crime de furto, atento o facto nº 2.5, isto é, as chapas da matrícula, tinham um valor diminuto (50 €). Preceitua o artº 207, do C.P., que nesse caso o Procedimento Criminal depende de Acusação Particular.
12ª – A S..., não foi sequer inquirida como testemunha nos autos, e não deduziu Acusação Particular, nem se constituiu Assistente, pelo que não pode o Recorrente ser condenado pelo crime de furto, devendo tal ser considerado, com reflexão na pena única, baixando-a.
DA MEDIDA DA PENA
Por mera cautela e sem prescindir, caso Vossas Excelências Excelentíssimos Senhores Conselheiros, assim não entendam, então impõe-se reduzir as penas concretas aplicadas pois as mesmas pecam por excessivas e ultrapassam a culpa do recorrente na prática dos factos.
13ª – O Recorrente foi condenado como co-autor dos crimes:
- Um crime de roubo agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 210, nº 1 e 2, al. b) e 204, nºs 1/e h/ e 2/f do C.P., na pena de 9 (nove) anos de Prisão;
- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs 60/1/2/a e 86º/1/c) e 2, da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 32 (trinta e dois) meses de prisão;
- Um crime de furto simples, p. e p. pelo artº 203/1 do C.P., na pena de 20 (vinte) meses de prisão;
- Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256, nº 1, als. a), b) e 3) do C.P., na pena de 36 (trinta e seis) meses de prisão;
- Um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 30, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.
Em Cúmulo Jurídico foi o Recorrente condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
14ª - A medida da pena deve ser fixada em função da culpa e exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do agente (artºs 40, 71 e 72, todos do C.P.).
15ª - Dando por assente que as penas a aplicar necessariamente se mostram balizadas pela medida da culpa, e atentas as molduras penais abstractas, entende-se, salvo o devido respeito, que as penas aplicadas pecam por excessivas e ultrapassam a medida da culpa.
16ª - Como é consabido, a pena deve ter uma finalidade ressocializadora, e para a sua determinação, o tribunal deve ponderar a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias em que o crime foi praticado, a média gravidade do mesmo, pois não existiram ofensas corporais, nem sequestro; o pouco valor apurado dos objectos roubados (aliás, sem valor comercial), todos eles recuperados e entregues ao proprietário; a recuperação do veículo automóvel sem danos materiais e com as matrículas; o tempo entretanto já decorrido; os seus antecedentes criminais remontam a factos praticados há mais de 8 anos (ano de 2002). As últimas condenações são em pena suspensa; o facto de o Recorrente ter o apoio do exterior, incondicionalmente prestado pelos seus pais adoptivos e companheira (vide Relatório Social); o ter sido pai pela primeira vez, recentemente, o que vai incutir-lhe o sentido de responsabilidade, quanto às obrigações parentais; o estar imbuído de vontade bastante para se ressocializar; o já ter interiorizado o mal cometido, e estar arrependido. O seu bom comportamento posterior aos factos ilícitos; a unicidade da conduta; o não ter processos pendentes e a sua juventude.
17ª - Assim, tudo ponderado, entende-se que seriam mais adequadas à culpa as seguintes penas:
- Crime de roubo qualificado, pena não superior a 4 (quatro) anos de prisão;
- Crime de furto simples, pena não superior a 1 (um) ano de prisão;
- Crime de falsificação de documentos, pena não superior a 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Crime de detenção de arma proibida, pena não superior a 2 (dois) anos de prisão;
- Crime de condução sem habilitação legal, pena não superior a 1 (um) ano de prisão.
Estas mais adequadas à culpa e às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sendo ainda suficientes para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras, contribuindo para a sua ressocialização.
18ª - Em Cúmulo Jurídico das penas parcelares, pena única não superior a 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
19ª – Sem prescindir, na nossa modesta opinião, a pena única de 11 anos de prisão, peca por excessiva e viola o artº 77, do C.P., ao fixar a pena única, não atentou o Tribunal “a quo” nas circunstâncias concretas e na personalidade do Recorrente. Atendendo aos critérios estabelecidos no artº 77, nº 2, do C.P., a pena única deve ser reduzida para pena não superior a 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
20ª – A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os artºs 119; 355; 374; 379; 127; 163; 410 nº 2, todos do C.P.P., violou os artºs 14; 40 nº 2; 43; 50; 71; 77; 72; 210; 203; 204; 256, todos do C.P., violou também, os princípios In dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artº 32 nº 2 da C.R.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32, nº 1, e 5 e artº 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objectivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional.

Este recurso foi interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. O Mmº Juiz a quo admitiu-o, no entanto, como recurso interposto para o Tribunal da Relação, e bem, diga-se de passagem, já que o recorrente não se ateve, na respectiva motivação, às questões de direito, visto ter suscitado a insuficiência da prova para a decisão sobre a matéria de facto, questão que é indiscutivelmente uma questão de facto, subtraída à competência do STJ (art. 434º do CPP).

O M.P. respondeu, pugnando pela total improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso, sem prejuízo da correcção dos lapsos materiais de que a decisão enferma.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Omissão de pronúncia, decorrente da falta de consideração dos factos alegados na contestação e dos constantes do relatório social, bem como dos depoimentos das testemunhas de defesa;
- Insuficiência da prova para a decisão de facto proferida;
- Agravação do crime de roubo pela utilização de “chave de fendas” classificada como arma;
- Falta de verificação do elemento típico subjectivo dos crimes de furto e de falsificação de documentos;
- Concurso aparente entre o crime de roubo e os crimes de furto e de falsificação de documentos;
- Falta de legitimidade do M.P. para deduzir acusação pelo crime de furto;
- Medida das penas parcelares;
- Medida da pena única.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

No acórdão recorrido tiveram-se como provados os seguintes factos:
1. 1. No dia 05 de Maio de 2009, à hora de jantar, os arguidos L..., R..., I... e E…, encontraram-se num café sito na… .
1.2. Como estavam todos desempregados e necessitavam de dinheiro, após sugestão do arguido R…, concertaram-se em realizar um assalto na região da Cova da Beira, de onde é natural e bom conhecedor aquele arguido.
1.3. Posto o que, na concretização do plano delineado, logo os arguidos rumaram em direcção à zona da Beira Interior, fazendo-se transportar no veículo de marca OPEL, modelo ASTRA, de cor cinza prateado, com a matrícula…, pertencente a M…, que lhes foi fornecido por terceiro.
2.1. Assim, utilizando aquele veículo, os arguidos e o E... saíram da Ribeira da Lage, cerca das 00 Horas, daquele dia 05/06/09, tendo chegado a Alcains pelas 02, 30 horas / 03 horas, onde percorreram várias artérias daquela localidade até que encontraram um veículo com as mesmas características, na Rua do…, com a matrícula …, de cor preto, pertencente a S... ;
2.2. Acto contínuo, o arguido L..., que conduzia o veículo BS, sem que fosse titular de carta de condução para tanto, imobilizou o veículo, de onde saíram os demais arguidos, que logo se abeiraram do veículo BV e lhe retiraram as chapas de matrícula.
2.3. Após o que, para melhor ludibriar as autoridades policiais, colocaram as chapas de matrícula … no veículo em que se faziam transportar, no BS, após terem retirado, também, as chapas de matrícula deste veículo.
2.4. Os arguidos abandonaram, depois, as chapas de matrícula … junto à Capela de … .
2.5. As chapas de matrícula …, pertencentes a S..., tinham o valor de 50,00 €, valor esse de que a ofendida ainda não se encontra ressarcida.
3.1. Seguidamente, os arguidos dirigiram-se à cidade do …, onde chegaram durante a madrugada, aí tendo pernoitado no interior do veículo.
3.2. Cerca das 09H49, após terem percorrido várias ruas do …, no intuito de escolherem uma ourivesaria para assaltar, o arguido L..., que conduzia o veículo, estacionou em frente à ourivesaria "BJ", sita na Rua …, tendo ficado no seu interior, no lugar do condutor, enquanto os demais arguidos entraram abruptamente na referida ourivesaria.
3.3. O arguido R...tinha colocado um boné e os demais capuzes nas cabeças, a fim de dificultar a sua identificação, como tinham colocadas luvas, a fim de impedir a recolha de impressões digitais.
3.4. Logo que entraram na Ourivesaria, onde apenas se encontrava o proprietário, C…, o E... agarrou-o, violentamente, encostou-lhe ao pescoço uma chave de fendas e forçou-o a deslocar-se para as traseiras da loja, local onde se encontra o escritório.
3.5. Enquanto tal acontecia, os arguidos I...e R...partiam as vitrinas interiores e despejavam o seu conteúdo e o conteúdo de algumas gavetas, designadamente relógios, fios, pulseiras e anéis em ouro e prata, para dentro de sacos que traziam consigo.
3.6. Com efeito, dessa forma, os arguidos, pela força e contra a vontade do legitimo proprietário, fizeram seus os objectos descritos e examinados a fls. 100, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3.7. O assalto durou cerca de 1 minuto e 20 segundos, tendo terminado quando o arguido L..., que se encontrava munido de um revolver, marca SMITH & WESSON, calibre. 32, (examinado a fls. 83, cujo teor aqui se dá por reproduzido), devidamente municiado, efectuou vários disparos para o ar, no intuito de intimidar e afastar alguns cidadãos que se estavam a abeirar da ourivesaria e, dessa forma, lograr a consumação do assalto, o que conseguiu.
3.8. Acto contínuo, logo que os demais arguidos ouviram os disparos, apressaram-se ­se a sair da "BJ", levando consigo os referidos objectos, que fizeram seus, entraram no carro que os esperava e colocaram-se em fuga pela A23, em direcção a Lisboa.
3.9. Como de imediato foi montado um dispositivo de vigilância pelas autoridades policiais, o veículo onde os arguidos se faziam transportar foi detectado na A1, junto à saída para a A13, cerca das 12H15, tendo sido seguido de perto por elementos da PJ, até às traseiras do Centro Comercial Fonte Nova, na zona de Benfica, em Lisboa.
3.10. Nessa altura, foram os arguidos abordados pelos agentes da PJ, que se identificaram como tal, tendo aqueles reagido violentamente para se colocarem em fuga, o que obrigou à utilização da arma de fogo por um agente, que atingiu o arguido …, sem gravidade, numa perna.
3.11. Acto contínuo, os arguidos R…, L...e I...foram detidos, como foram apreendidos, na sua posse, no veículo em que se transportavam e nas imediações deste, os objectos que constam dos autos de apreensão de fls. 43, 44, 45 e 85 (cujo teor aqui se dá por reproduzido), os quais eram provenientes do assalto descrito ou tinham servido para a consumação deste e de outros assaltos.
3.12 Os arguidos, que possuíam o revolver e as munições apreendidas, o qual não se encontrava manifestado ou registado junto da Direcção Nacional da PSP, e que foi usado pelo L... para intimidar os populares, era destinado pelos mesmos à prática de roubos, sendo certo que nenhum deles estava habilitado com licença de uso e porte ou de mera detenção para a sua posse.
4.1. Até ao momento, o ofendido continua desapossado dos objectos que lhe foram subtraídos pelos arguidos.
4.2. Dos elementos probatórios colhidos nos autos, designadamente dos CRC dos arguidos (cujo teor aqui se dá por reproduzido), verifica-se que estes já por diversas vezes foram condenados em diversos processos, por crimes contra o património.
4.3. Por outro lado, dos relatórios sociais juntos aos autos, constata-se, igualmente, que os arguidos não tinham, antes da prisão preventiva a que se encontram sujeitos, emprego ou trabalho fixo ou, tão pouco, hábitos de trabalho, do que se permite concluir que os arguidos subsistem, exclusivamente, da prática de crimes contra o património, sendo essa a única forma de obtenção de rendimentos regulares para a sua sobrevivência diária.
5.1. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e identidade de fins, com intenção de se apropriarem, contra a vontade do ofendido C…, dos referidos objectos, não obstante saberem que os mesmos não lhes pertenciam, não se coibindo de, para tanto, usar de violência e de colocar aquele ofendido na impossibilidade de oferecer resistência à realização dos seus intentos, como agiram com intenção de se apropriarem, contra a vontade da ofendida S..., das chapas de matrícula do veículo a esta pertencente.
5.2. Os arguidos agiram, também, em comunhão de esforços e de fins, com intenção de deterem e usarem o revolver e munições apreendidos, que não se encontra registado ou manifestado junto da Direcção Nacional da PSP, sem que estivessem habilitados com licença de uso e porte ou de mera detenção para a sua posse.
5.3. Os arguidos agiram, ainda, livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de fins, com intenção de colocarem as chapas de matrícula … no veículo a que correspondia a matrícula …, por forma a ludibriar as autoridades policiais na fuga para Lisboa, após a consumação do assalto à ourivesaria "BJ", o que lograram conseguir por algum tempo.
6.1. O arguido L... agiu, ainda, livre, voluntária e conscientemente, conduzindo o veículo automóvel apreendido nos autos, sabendo que não era titular de carta de condução.
7. Sabiam, os arguidos, também, que tais condutas lhes eram proibidas e punidas pela lei penal.
8. Antecedentes criminais do arguido I…:
8.1. Por acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 220/00 do Tribunal da Comarca de Estremoz, datado de 26/00/2000, por factos de 10/04/2000, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo previsto(s) e punido(s) 210/1 do C. Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão;
8.2. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 186/00.5GE OEI da 2.º Vara, datada de 25/10/2001, por factos de 09/04/2000, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado previsto(s) e punido(s) 204/1/e do C. Penal na pena de 1 ano de prisão;
8.3. Por acórdão cumulatório das penas referidas nos pontos 8/1/2, datado de 18/12/01, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão;
8.4. Por sentença proferida nos autos de processo comum n.º 03/01, 2.º Juízo, do Tribunal Criminal do Porto, datado de 28/02/2002, por factos de 04/04/2000, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto previsto(s) e punido(s) 208 do C. Penal na pena de um ano de prisão;
8.5. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 233/00.0PAVLG, datada de 24/09/02, foi o arguido condenado em cúmulo com os processos referidos nos pontos 8/1/2/4, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão;
8.6. Por acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 1973/03.7PBOER, 3.º Juízo Criminal, datado de 15/10/2004, por factos de 04/11/2003, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo previsto(s) e punido(s) 210/1 do C. Penal na pena de 3 anos de prisão;
8.7. Por sentença proferida nos autos de processo sumário n.º 489/09.2PBOER, datada de 3/06/09, por factos de 07/04/09, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto(s) e punido(s) 3/2 do DL 2/98 de 3/01, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5 euros.
9. Antecedentes criminais do arguido R…:
9.1. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 67/96, 2.º Juízo, do Tribunal de Castelo Branco, datada de 24/09/996, por factos de 23/08/94, foi o arguido condenado pela prática do crime de burla na obtenção de transportes na pena previsto(s) e punido(s) 316/1 do C. Penal de 1982, na pena de 45 dias de prisão suspensa pelo período de um ano, com a condição de o arguido apresentar nos autos prova do pagamento da indemnização
9.2. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 133/97, 3.º Juízo, do Tribunal de Castelo Branco, datada de 19/12/997, por factos de 02/07/96, foi o arguido condenado pela prática do crime de burla previsto(s) e punido(s) 220/1 /c do C. Penal, na pena de 3 meses de prisão suspensa pelo período de um ano, com a condição de o arguido apresentar nos autos prova do pagamento da quantia de 10 000$00 à C. P.
9.3. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 158/98 , 2.º Juízo, do Tribunal de Castelo Branco, datada de 03/02/999, por factos de 4/04/97, foi o arguido condenado pela prática do crime de consumo de estupefacientes previsto(s) e punido(s) 40/1 do DL 15/93 de 22/01, na pena de 30 dias de multa;
9. 4. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 916/98, 1.º Juízo, do Tribunal de Oeiras, datada de 22/01/2000, por factos de 11/09/98, foi o arguido condenado pela prática do crime de falsificação de documento, previsto(s) e punido(s) 256/1/a/3 do C. Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 1000$00;
9.5. Por sentença proferida nos autos de processo comum singular n.º 11843/98.3TDLSB, 3.º Juízo, do Tribunal de Oeiras, datada de 04/04/2001, foi o arguido condenado pela prática do crime de falsificação de documento, previsto(s) e punido(s) 256/1/a/3 do C. Penal e de um crime de burla previsto(s) e punido(s) 217/1 do C. Penal na pena única de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos;
9.6. Por acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 112/01 , 3.º Juízo, do Tribunal de Castelo Branco, datado de 09/07/2002, por factos de 17/01/2001, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto qualificado previsto(s) e punido(s) 204 do C. Penal ; um crime de falsificação de documento previsto(s) e punido(s) 256; burla previsto(s) e punido(s) 217 do C. Penal; Violação de domicílio previsto(s) e punido(s) 190 do C. Penal; Dano previsto(s) e punido(s) 212 do C. Penal; furto previsto(s) e punido(s) 203 do C. Penal na pena única de 6 anos de prisão;
9.7. Por decisão acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 20/00, 1.º juízo Tribunal de Castelo Branco, foi o arguido condenado em cúmulo das penas aplicadas nos processos referidos no ponto 9.6, com a aplicada nos autos pela pratica dos crimes de falsificação de documento previsto(s) e punido(s) 256/1/a/3 e 255/a do C. Penal na pena única de seis anos e oito meses de prisão;
10. Antecedentes criminais do arguido
10.1. Por acórdão proferidos nos autos de processo comum colectivo n.º 294/02.3PAALM- 2.º juízo de Competência Criminal, por factos de 2-12-2002, foi o arguido condenado pela prática de 2 crimes de roubo previsto(s) e punido(s) 210/1 do C. Penal; 2 crimes de furto de uso de veículo previsto(s) e punido(s) 208 do C. Penal; 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto(s) e punido(s) 3/2 do DL 2/98 de 3/1 ; 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravada previsto(s) e punido(s) 291/1/b do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, subordinada ao pagamento a D... e F… de 6000 e 440 euros e na sanção acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano;
10. 2 . Por acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 402/02. 5 PCSXL - 2.º juízo de Competência Criminal, datado de 26/11/04, por factos de 6-08-2002, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de roubo previsto(s) e punido(s) 210 na pena de 1 ano e 3 meses suspensa na sua execução por dois anos;
10. 3. Por acórdão proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 83/04 4GAFAL, Ferreira do Alentejo, datado de 2/12/04, por factos de 30-04-2004, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de furto qualificado previsto(s) e punido(s) 204 do C. Penal; um crime de dano previsto(s) e punido(s) 212; um crime de furto de uso de veículo previsto(s) e punido(s) 208 do C. Penal; 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto(s) e punido(s) 3/2 do DL 2/98 de 3/1, na pena única de 6 anos de prisão;
10.4. Por sentença proferidos nos autos de processo comum singular n.º 733/02. 7 PBSXL - 2.º juízo Criminal, datada de 11/12/06, por factos de 9-05-2002, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de furto simples previsto(s) e punido(s) 203 do C. Penal; um crime de contrafacção de documento previsto(s) e punido(s) 256/1/a/3 do C. Penal na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 4 anos;
10.5 Por sentença proferidos nos autos de processo comum singular n.º 1876/02. 2 PBSXL - 1.º juízo Criminal, datada de 25/07/07, por factos de 01-10-2002, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto(s) e punido(s) 3/2 do DL 2/98 de 3/1, na pena única de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos;
11. 1. O arguido L... integrou o agregado familiar de X… e esposa, desde os cinco anos de idade, casal que sempre lhe proporcionaram uma situação habitacional e económica estável;
11,2. E lhe censuraram os comportamentos desviantes;
11.3 O arguido L... tem um filho da sua actual companheira, nascido em 16/01/2010;
11.4. O arguido possui o 7.º ano de escolaridade, e não têm qualificações profissionais;
11.5. Não tem hábitos de trabalho regulares;
12.1 . O arguido I...foi abandonado pelos pais, toxicodependentes e entregue aos cuidados dos avós, sendo o agregado familiar composto por estes e um irmão do arguido; os avós apresentam graves problemas de saúde, estando o avô acamado há cerca de seis anos e numa situação de dependência funcional e, a avó foi, recentemente, operada e apresenta, actualmente, limitações ;
12.3 O arguido tem, actualmente, como companheira T…, que o tem visitado regularmente no EP;
13. O arguido R...possui como habilitações literárias o 8 ano e não têm qualificações profissionais;
13.2. Não tem hábitos de trabalho regulares;

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
Não se provou que
1. a. O veículo de matrícula … havia sido roubado, pelo método de carjacking, dois dias antes, ou seja no dia 03/05/09, pelas 19H30, em Paio Pires, no Seixal, por dois indivíduos que utilizaram um revolver para intimidação da proprietária, factos que deram origem ao inquérito nO 258/09.0PCsXL.
2. a. O arguido L... tem no E. P. um comportamento conforme as regras e normas desse estabelecimento;
b. Tem uma precária situação económico financeira;
c. É bom filho, bom companheiro e irá, com certeza ser bom pai e amigo;
d. É bem relacionado e conceituado na área da sua residência;
e. É honesto, pacato, responsável, respeitado e respeitador;

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
Os factos dados como provados colhem a sua demonstração em
- Declarações do arguido I... que confessou os factos como dados como provados ( com excepção do conhecimento de que o arguido R...tivesse a arma) , relato que fez de forma clara e objectiva;
Tal descrição dos factos está corroborada pelos demais elementos probatórios carreados para os autos e produzidos em julgamento, a saber:
Fotografias de fls. 7 a 12: fachada e interior da Ourivesaria BJ, onde se vê, alam do mais, as montras partidas;
Depoimento de C…, proprietário do estabelecimento BJ, que descreveu a conduta dos arguidos, mais descrevendo os objectos que foram roubados do seu estabelecimento; depoimento conforme o
- Auto de apreensão de objectos de fls 85, efectuada no interior do veículo marca Opel, modelo Astra aprendido aos arguidos e que estes utilizaram para executar o roubo; e
- Auto de reconhecimento de objectos de fls 87, tendo sido reconhecidos pelo C… como fazendo parte do material roubado;
- Auto de reconhecimento pessoal de fls 86, em que a testemunha C...identificou o arguido R...como um dos “assaltantes” e
Depoimento da testemunha C… e F…, inspector da PJ que o organizou;
- Auto de exame directo de fls 100 dos autos dos objectos apreendidos no interior do automóvel e fotografias de fls 88 a 99;
- Depoimento de J…, inspector da Polícia Judiciária que relatou de forma pormenorizada toda a operação que levou à detenção dos arguidos, desde o momento em que lhe foi dado conhecimento “ assalto no …” , nomeadamente a abordagem aos arguidos e sua detenção no Centro Comercial Fonte Nova; mais disse ser o arguido L... que conduzia o veículo; e descreveu, ainda, os bens encontrados no interior do veículo, nomeadamente; um revólver de marca Smith & Wesson, calibre 22, com 5 munições;
- Auto de exame directo do revólver de marca Smith & Wesson de fls 83;
- Fotografias do veículo conduzido pelos arguidos de fls 36 e 37;
- Autos de apreensão de fls 43 e 44, de objectos apreendidos na posse de … e L…;
- Relação de bens aprendidos no interior do veículo de fls 40; e fotografias desses objectos de fls 21 e 22;
Etiquetas de fls. 24 encontradas no interior do veículo e semelhantes às que se encontravam fixas às peças roubadas;
- Auto de apreensão do veículo de fls 45;
- Confronto entre as fotografias de fls 45 do veículo e informação de fls 182 e 183 ( matrícula nele aposta e aquela que é, efectivamente, a sua) de onde resulta que as colocadas no veículo são falsas; e
Informação de ocorrências de fls. 233 sobre o achado das matrículas.
- Depoimento de L…, cabo da GNR, que disse patrulha de ocorrências; que recebeu uma comunicação de que a ourivesaria tinha sido assaltada; que tentaram preservar o local;
Depoimentos de JO… e esposa FO…, que seguiam para a Rua Jornal do …; que em sínteses, relataram, que viu a ocupar parte da via um veículo marca Opel; que estava na Rua um indivíduo encapuzado, que os mandaram recuar; que este indivíduo tinha uma pistola; que fez com ela disparos;
Idêntico depoimento prestou a testemunha RM…, proprietário de estabelecimento na Rua Jornal do …, que afirmou ter visto um carro parado; um indivíduo aos tiros;
Estes elementos de prova ( declarações, depoimentos, autos de busca e relatórios) relacionados e conjugados entre si, permitem compor o quadro fáctico dado como provado, sem qualquer margem para dúvida, nomeadamente a co-autoria do arguido I...em relação ao crime de detenção de arma proibida, conclusão natural e lógica atento as condutas dos arguidos e natureza dos crimes praticados;
Sobre os atinentes à situação pessoal e profissional dos arguidos:
- I... o Tribunal fundou-se nas declarações deste, no relatório de fls. 328 e depoimento prestado pela sua companheira T…; CRc de fls
- R...o Tribunal fundou-se no relatório de fls. 328 e crc de fls. 196;
- L... – relatório de fls 304 e depoimento de JA…, que criou o arguido;
Não provados:
Os factos vertidos nesta sede ( …posse do veículo, comportamento conforme as regras e normas do EP, precária situação económico financeira; honesto, pacato, responsável, respeitado e respeitador) foram-no porque infirmados pelo relatório de fls 304 e teor do crc; sendo que sobre os restantes não foi produzida prova credível:

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A primeira das questões suscitadas no recurso traduz-se na arguição da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º, por referência ao art. 374º, nº 2, ambos do CPP. Segundo o recorrente, verifica-se omissão de pronúncia por não terem sido considerados no acórdão recorrido os factos alegados na contestação e os constantes do relatório social, bem como os depoimentos das testemunhas de defesa.
É certo que o tribunal tem necessariamente que se pronunciar, relacionando-os como provados ou não provados, sobre factos concretos, previamente descritos na acusação ou na pronúncia, no pedido cível e na contestação; e ainda sobre factos decorrentes da audiência com relevo legal. São estes que delimitam o objecto do processo e é em função deles que se configura (ou não!) a omissão de pronúncia. O vício da omissão de pronúncia relativamente a matéria de facto pressupõe um dever de pronúncia do tribunal a quo relativamente aos factos omitidos. Só nesse caso se verificará a nulidade cominada pelo art. 379º, nº 1, al. a), por referência ao nº 2 do art. 374º.
Em que casos existe esse dever de pronúncia?
Trata-se de aspecto que encontra regulamentação legal em disposição que enumera de forma taxativa e sem margem para dúvidas a natureza e origem dos factos relevantes para a decisão e aos quais – e só a esses – haverá que atender na fixação da matéria de facto. Referimo-nos ao nº 2 do art. 368º. Tais factos são os que tiverem sido alegados pela acusação e pela defesa e ainda os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:
a) Se se verificam os elementos constitutivos do crime;
b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;
c) se o arguido actuou com culpa;
d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa;
e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente, ou a aplicação a este de uma medida de segurança;
f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.
Revertendo para o alegado pelo recorrente em sede de contestação (constante de fls. 629/633), verifica-se que o arguido negou genericamente os factos constantes da acusação pública, oferecendo o merecimento dos autos, invocando o bom comportamento posterior aos factos no E.P., a sua precária situação económico-financeira, a circunstância de a sua companheira se encontrar grávida no final da gestação, que o filho que está prestes a nascer constitui um indício de um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro, que é bom filho e bom companheiro pelo que irá certamente ser bom pai e bom amigo, é bem relacionado na sua área de residência, tem bom comportamento posterior aos factos aqui em análise, é honesto, pacato, responsável, amado e respeitado pelos seus familiares e amigos, e tem apoio destes, que se estende à sua restituição à liberdade, essencial para a sua ressocialização com êxito. Destes factos, o tribunal teve como provado o relativo ao nascimento do seu filho, expectativa já consumada à data da prolação do acórdão do tribunal colectivo, e como não provados, enumerando-os, todos os demais.
Também o constante do Relatório Social foi considerado em sede de sentença, já que permitiu ter como assente que o recorrente integrou o agregado familiar de João Alberto Martins e esposa, desde os cinco anos de idade, casal que sempre lhe proporcionou uma situação habitacional e económica estável e lhe censurou os comportamentos desviantes, tem um filho da sua actual companheira, nascido em 16/01/2010; assim como permitiu infirmar o alegado bom comportamento após os factos, no E.P. (já que ali se refere a manutenção inicial de um comportamento marcado pela aplicação de algumas medidas disciplinares, o que terá motivado a sua transferência do Estabelecimento Prisional Regional de Viseu para o Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária do Porto), bem como a precária situação económica (o agregado familiar que o acolheu proporcionava-lhe uma situação económica estável) e as invocadas «qualidades pessoais» (da conjugação daquele relatório com os factos que se tiveram como provados relativos à execução dos crimes em causa nestes autos e com o certificado de registo criminal, à luz dos valores dominantes fica indiscutivelmente afastada a possibilidade de considerar o recorrente como pessoa honesta, pacata, responsável, respeitada e respeitadora). De resto, ainda que com alguma parcimónia de argumentação mas sem prejuízo para a clareza e coerência da exposição, as opções do tribunal a quo mostram-se devidamente fundamentadas, resultando claramente perceptível, através da simples leitura da motivação de facto, quais os meios de prova a que o tribunal atendeu e como valorou a prova produzida. Questão diversa é a da conformação do recorrente com a matéria que se teve como provada ou não provada, mas essa é questão que se prende com a correcção do julgamento de facto e que só poderia ser suscitada com observância do previsto no art. 412º do CPP, o que não sucedeu no recurso agora em análise. E sendo assim, conclui-se, sem necessidade de maior indagação, que não ocorre a invocada omissão de pronúncia nem é perceptível violação dos princípios constitucionalmente consagrados relativos à defesa do arguido.

Prossegue o recorrente a sua argumentação invocando insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, sem no entanto invocar factos concretos que a possam consubstanciar. Tratando-se de matéria situada no domínio do princípio da livre apreciação da prova, com sede legal no art. 127º do CPP, o recorrente não questionou o que se teve como provado à luz da prova produzida, limitando-se a extrair conclusões relativas ao enquadramento jurídico dos factos (conceito de arma para efeitos de verificação de circunstância qualificativa) e ao elemento subjectivo dos crimes de furto e de falsificação de documentos, usando, em qualquer dos casos, argumentação insubsistente, como se verá já de seguida.
No que concerne à utilização da chave de fendas e à sua aptidão para ser considerada como arma para efeitos da agravação prevista no art. 204º, nº 2, al. f), do Código Penal, registe-se que a norma em questão postula o recurso ao conceito de arma decorrente do art. 4º do DL nº 48/95, considerando-se como tal “…qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”. Refere José de Faria Costa que arma é “todo o instrumento que por si só, ou a partir de si, é, objectivamente, apto a ferir ou a matar, se bem que a sua finalidade primacial possa nada ter a ver com o desvalor da ofensa à integridade física ou à própria vida. Assim, um machado tem como fim primeiro ser instrumento adequado ao rachar lenha mas nem por isso deixa também de ser uma arma desde que empregue como instrumento cortante, perfurante ou contundente” - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, vol. II, anot. ao art. 204º, pág. 80.. Contudo, para objectos de uso comum, sobretudo se se puder considerar equívoca a sua posse ou detenção no momento da prática do crime, a circunstância qualificativa prevista no art. 204º, nº 2, al. f), só funcionará se o agente efectivamente utilizar o objecto de que é portador como se de uma arma se tratasse, ou se fizer menção ou ameaça da respectiva utilização, não necessariamente através da correspondente verbalização, bastando que o faça através da atitude. No caso vertente, a actuação do arguido E..., agarrando violentamente o ofendido C…, encostando-lhe ao pescoço uma chave de fendas e forçando-o a deslocar-se para as traseiras da loja, constitui inequívoca utilização daquele objecto como arma, resultando evidente a respectiva aptidão para causar graves lesões no corpo humano, nomeadamente se utilizado como instrumento perfurante na zona do pescoço. A utilização daquele instrumento serviu para intimidar o ofendido – era instrumento apto para o efeito, quando utilizado como o foi – e facilitou a execução do desígnio criminoso dos arguidos. Assim, foi aquela chave de fendas correctamente qualificada como arma e a sua utilização nas circunstâncias descritas na matéria de facto permite ter por verificada a circunstância agravante descrita na al. f) do nº 2 do art. 204º do Código Penal. E sendo certo que os factos que tipificam o crime de roubo são imputáveis ao ora recorrente a título de autoria, na medida em que tomou parte directa na sua execução conjuntamente com os demais arguidos e mediante acordo prévio entre todos (art. 26º do Código Penal), também a circunstância (agravante) de um dos comparticipantes utilizar uma chave de fendas como arma para o cometimento do crime se lhe comunica, visto tratar-se de circunstância relativa ao facto ilícito (por contraposição às circunstâncias relativas à culpa do agente) - Cfr. Cavaleiro de Ferreira, “Lições de Direito Penal”, Parte Geral, Vol. II, pag. 114/115..
Aquele objecto não foi a única arma utilizada no assalto, na medida em que o ora recorrente se encontrava munido de um revólver de calibre .32, devidamente municiado, com o qual efectuou vários disparos para o ar no intuito de afastar pessoas que se aproximavam da ourivesaria e assim permitir a consumação do assalto. Tal utilização, porém, consubstancia ilícito autónomo – detenção de arma proibida – não podendo ser considerada para efeitos de funcionamento da circunstância agravante antes referida, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.

Quanto à verificação do elemento subjectivo do crime de furto, como provado se teve que os arguidos agiram de modo livre, voluntário e consciente, em comunhão de esforços e identidade de fins, com a intenção de se apropriarem, contra a vontade da ofendida S..., das chapas de matrícula do veículo a esta pertencente. Não há dúvida que colocaram essas chapas de matrícula no veículo em que circularam com o intuito de ludibriar as autoridades policiais na fuga para Lisboa, após a consumação do assalto, como alegam, o que, aliás, também se teve como provado. Esse facto não interfere com a apropriação das chapas de matrícula pertencentes a outrem. São actos diferentes, com uma materialidade própria, a que presidiram resoluções diversas e que integram ilícitos distintos. O crime de furto consumou-se com a apropriação das chapas de matrícula pertencentes a outrem. Em momento ulterior, com aquelas chapas de matrícula em seu poder, colocaram-nas no veículo em que circulavam, alterando os respectivos elementos de identificação, cometendo assim um crime de falsificação de documento. De resto, também o elemento subjectivo atinente a este último ilícito está verificado, já que a chapa de matrícula aposta num veículo automóvel visa permitir a sua identificação, constituindo para todos os efeitos um «documento» com força probatória igual à do documento autêntico e ao colocarem as chapas de matrícula pertencentes a outro veículo no veículo automóvel em que circulavam com o intuito de ludibriarem as autoridades policiais, os arguidos manifestamente visavam obter para si um benefício ilegítimo, em prejuízo do Estado.

Sustenta ainda o recorrente a verificação de concurso meramente aparente entre o crime de roubo e os crimes de furto e de falsificação de documentos, tendo estes funcionado como crimes meio para atingirem a finalidade pretendida, que era a prática do crime de roubo, que seria o crime fim, devendo ser punido apenas por este último crime. Contudo, também aqui lhe não assiste razão, como se verá:
A regra do concurso de crimes, consagrada no art. 30º, nº 1, do Código Penal, é a de que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
A lei não consagra expressamente as categorias do concurso real e do concurso aparente, ainda que resulte da letra do art. 30º, nº 1, do Código Penal, que a distinção entre unidade e pluralidade de crimes há-de assentar num critério racional ou teleológico, reportado ao fim ou objectivo visado pela norma. Desde há muito que a doutrina vem reconhecendo a existência de situações que, fruto de um específico condicionalismo da acção, impõem um tratamento uniformizado da violação plúrima do mesmo ou de diversos bens jurídicos, com punição conjunta por um só crime, em regra, o crime dominante. A problemática envolvida nesta questão está longe de ser simples, ao ponto de Eduardo Correia, referindo-se-lhe, ter afirmado que “se a distinção entre unidade e pluralidade de delitos parece, à primeira vista, fácil e clara, logo a um mais íntimo contacto revela ter um tão vasto objecto e ligar-se a um tão largo número de questões, que se transforma num dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal” - in “A Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Reimpressão, 1983, pág. 13..
O critério do crime instrumental ou crime-meio, a que o recorrente faz apelo nas suas alegações, constitui apenas um dos critérios correntemente apontados como modo de resolver o problema do concurso. A questão não se esgota nesse critério, que só por si não tem a virtualidade de abranger todas as situações em que há que equacionar a verificação do concurso meramente aparente, nem a jurisprudência o vem admitindo com a amplitude postulada pelo recorrente.
É comummente aceite pela jurisprudência que existe concurso aparente quando uma só conduta ou acção do agente preenche uma pluralidade de infracções penais do mesmo tipo (concurso homogéneo) ou de tipos diversos (concurso heterogéneo).
O concurso aparente verificar-se-á, em princípio, nas situações de consumpção.
A doutrina vem distinguindo entre consumpção por especialidade e consumpção por subsidiariedade. A primeira, verifica-se quando entre duas normas intercede uma relação de especialização, decorrente da circunstância de uma dessas normas conter todos os elementos da outra, acrescendo-lhe ainda um elemento adicional, reservando o respectivo funcionamento para situações específicas em que esse elemento complementar se verifica. É, nomeadamente, o caso da relação que intercede entre o tipo geral de crime e o correspondente tipo agravado, qualificado ou privilegiado. A segunda, tem lugar quando um tipo legal de crime deva funcionar apenas a título subsidiário, quando não existir outro tipo legal abstractamente aplicável que comine pena mais grave (é, verdadeiramente, uma relação de sobreposição).
De um modo mais abrangente, poderá afirmar-se que o concurso aparente ocorre quando a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos de crime, na medida em que é totalmente abrangida por um dos tipos violados, devendo ser excluída a aplicação dos demais. Em contraponto, no concurso efectivo, as diversas normas aplicáveis oferecem-se como concorrentes na sua aplicação concreta, por não interceder qualquer circunstância que obste à aplicação de todas elas.
A complexidade da questão posta não se basta, no entanto, com os enunciados formais apontados, pelo que em último caso será sempre através do critério teleológico a que nos referimos inicialmente, e por recurso ao bem jurídico efectivamente tutelado por cada uma das normas em presença, que se aferirá a relação de concurso.
No caso vertente, o critério do bem jurídico tutelado pelas normas violadas, a par do desfasamento temporal das condutas integradoras dos vários ilícitos, permite afastar a relação de concurso, como sucederá sempre que o agente vai praticando vários ilícitos numa sucessão de etapas com vista à obtenção de um resultado criminoso não contemplado nas acções já realizadas. Numa tal situação, o concurso aparente só deverá ser equacionado no caso da indispensabilidade dos crimes instrumentais para o cometimento do crime fim. Sem a verificação dessa indispensabilidade instrumental, os crimes que antecedem o crime fundamentalmente visado pelo agente conservam a sua autonomia, devendo ser punidos no âmbito do concurso real de infracções. É este, manifestamente, o caso da situação vertida nos autos, em que os arguidos furtaram as chapas de matrícula e as colocaram no veículo em que circulavam com vista a ludibriarem as autoridades policiais, não sendo possível afirmar que não poderiam ter praticado o crime de roubo que tinham em vista sem que tivessem cometido o furto das matrículas e a falsificação dos elementos de identificação da viatura em que circulavam. Não se verifica, pois, o critério de indispensabilidade que permitiria retirar autonomia aos crimes instrumentais.

O recorrente alega também falta de legitimidade do M.P. para deduzir acusação pelo crime de furto, sustentando que “Preceitua o art. 207º do CP que no caso do art. 203º, nº 1, do mesmo Código, o procedimento criminal depende da acusação particular se:
b) a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto…”. E assim, prossegue, tendo as chapas de matrícula furtadas o valor de € 50,00 enquadrável no conceito de valor diminuto apontado pelo art. 202º, al. c), seria necessária a acusação particular, sendo certo que no caso a queixosa não se constituiu assistente e não deduziu acusação particular.
Há que convir que o recorrente subverte deliberadamente a letra da lei, transcrevendo apenas a parte que interessa à posição que defende. Na verdade, a alínea b) do art. 207º tem a seguinte redacção: “b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou outra pessoa mencionada na alínea a)”. Resulta da análise gramatical do texto transcrito que as condições nele enunciadas são cumulativas, já que a partícula de ligação «e», que no texto em itálico se sublinhou, traduz uma conjunção coordenativa copulativa (indica adição). Tanto basta para se concluir que o crime de furto em causa não é abrangido pela previsão do art. 207º, al. b), do Código Penal, pelo que constitui crime semi-público, bastando-se a legitimidade do M.P. com a apresentação de queixa.

O recorrente impugna tanto a medida das penas parcelares como a da pena única resultante do cúmulo jurídico.
Como é sabido, o critério de fixação da pena é o previsto no nº 1 do art. 71º do Código Penal, donde resulta a necessidade de recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados - a culpa do agente e as exigências de prevenção - com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a favor do agente ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2, também do Código Penal).
À culpa é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.
A prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, fornecida pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, CJ - STJ, ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss..
No que ao dolo concerne, a par do momento intelectual - traduzido no conhecimento dos elementos descritos no tipo legal de crime - releva o momento volitivo, através do qual se determina uma certa posição do agente perante o facto - Cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, Vol. I, págs. 367 e seguintes., capaz de ligar um ao outro e de permitir a censura em que o juízo de culpa se traduz. O dolo, elemento subjectivo do tipo, como forma de intenção criminosa, pode revestir as modalidades de dolo directo, dolo necessário e dolo eventual. “Age com dolo” - diz o nº 1 do art. 14º do Código Penal - “quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”. Esta modalidade, correspondente à mais grave das formas que o dolo pode revestir, verifica-se quando o agente coloca como fim da sua actividade a produção do facto criminoso. Resulta da matéria de facto provada que foi este o dolo com que o recorrente agiu relativamente a todos os crimes praticados, evidenciando uma vontade criminosa intensa e firme, como bem se refere no acórdão recorrido, que valorou ainda adequadamente as exigências de prevenção geral, particularmente elevadas no que respeita a crimes de roubo, atenta a frequência com que vêm ocorrendo e a sua repercussão nos valores de confiança e segurança. Os antecedentes criminais do arguido, por seu turno, revelam as elevadíssimas exigências de prevenção especial de ressocialização que relativamente a ele se fazem sentir.
Segundo o recorrente, o tribunal a quo não considerou que se trata de factos temporal e espacialmente delimitados, não tendo valorado a unicidade da conduta quanto aos antecedentes criminais e o facto de todos os ilícitos serem referentes ao ano de 2002, há mais de 8 anos a esta data. Contudo, tais afirmações não são exactas, já que o recorrente tem antecedentes criminais que remontam aos anos de 2002 e 2004, tendo cumprido pena de prisão efectiva. Por acórdão transitado em julgado em 02/12/2004 foi condenado na pena única de 6 anos de prisão e veio a ser-lhe concedida a liberdade condicional a partir de 30/04/2008 até ao termo da pena, em 30/04/2010 (veja-se o seu certificado de registo criminal, a fls. 885), donde se infere, aliás, que os factos a que se reportam os presentes autos foram praticados no decurso do período de liberdade condicional.
Invoca ainda o recorrente não ter sido considerado o facto de ter ficado no exterior, permanecendo no veículo automóvel. Esqueceu-se de referir, no entanto, que no exterior, onde permaneceu, efectuou vários disparos para o ar com o revólver que tinha em seu poder, com o intuito de intimidar e afastar alguns cidadãos que se abeiravam da ourivesaria, para assim permitir a consumação do assalto, facto que motivou, aliás, que os arguidos que se encontravam no interior se apressassem a sair, levando consigo os objectos de que se tinham apoderado, o que revela a essencialidade da sua actuação para o êxito do assalto e a forma organizada e planeada com que todos os comparticipantes actuaram (o que desmente ainda ulterior afirmação do recorrente relativa à falta de organização e planeamento da acção).
Afirma também o recorrente que o tribunal não levou em conta o pouco valor dos objectos roubados, sem valor apurado e que foram restituídos ao ofendido. Registe-se, porém, que a devolução dos bens ao ofendido ainda não ocorreu (facto 4.1) e que a sua recuperação não se deveu a qualquer acto voluntário do recorrente ou dos co-arguidos, mas à actuação da Polícia Judiciária, que os apreendeu aquando da detenção dos arguidos, facto que não se vem a traduzir em atenuação da responsabilidade do recorrente e que portanto não tinha que ser valorado a seu favor. Quanto à afirmação de que os bens tinham «pouco valor», ainda que conclusiva, merece no entanto o reparo de que se tratava de relógios, fios, pulseiras e anéis em ouro e prata, descritas a fls. 100, que não constituem propriamente bens de valor insignificante.
Alega ainda o arguido que o tribunal recorrido não considerou o facto de não terem existido agressões ao ofendido. Contudo, não tinha que o considerar, já que não se trata de circunstância que diminua a ilicitude ou a culpa do recorrente. Se se tivessem verificado agressões ao ofendido, aí sim, haveria que considerar uma maior ilicitude do facto e retirar as pertinentes ilações, com reflexo na medida concreta da pena.
Acrescenta o recorrente que o tribunal não valorou a sua inexperiência, pois que se fizeram transportar no mesmo veículo automóvel, que estacionaram em frente da ourivesaria durante o assalto; e que as últimas condenações são em pena suspensa, o que indicia um comportamento conforme com as regras e usos sociais.
Quanto ao primeiro daqueles argumentos, diremos que não foi uma questão de inexperiência, mas de opção de fuga, já que o veículo foi estacionado em frente da ourivesaria para permitir uma fuga expedita. Daí que os arguidos tenham utilizado chapas de matrícula falsas com o objectivo de ludibriar as autoridades policiais.
Por seu turno, o segundo dos argumentos referidos é, no mínimo, espantoso! Pretender que uma condenação em pena suspensa indicia um comportamento conforme com as regras e usos sociais apenas evidencia o total desprezo pelo sentido útil daquela condenação, revelando a falência do juízo de prognose positiva que a terá determinado.
Posto isto, o critério da determinação da medida da pena que consideramos ajustado e que vem sendo genericamente seguido pela jurisprudência é o que tomando como referências a culpa do agente como limite absoluto da pena, pondera os mínimos exigíveis pela prevenção dissuasiva e os limites decorrentes da prevenção especial positiva como critério último para determinação da medida óptima da pena. Nessa medida, as penas parcelares fixadas pelo tribunal recorrido hão-de considerar-se ajustadas às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir relativamente aos crimes praticados. Já no que concerne à pena única imposta ao recorrente, em função das penas parcelares que lhe foram impostas, apenas se poderá concluir que o tribunal recorrido o tratou, apesar de tudo, com alguma benevolência, pois a consideração conjunta dos factos e da sua personalidade aconselhava pena mais severa. E assim, se o acórdão recorrido merecesse reparo, seria pela excessiva benevolência desta pena. Não se vislumbra, pois, qualquer razão para reduzir a pena única encontrada em primeira instância. Descer a pena que o tribunal recorrido impôs ao recorrente não só se viria a traduzir num voltar de costas às exigências da prevenção, deixando totalmente desprotegidos os bens jurídicos tutelados pelas normas violadas, como implicaria a recusa das imperiosas necessidades de ressocialização reclamadas pela personalidade do arguido, só asseguradas pelo cumprimento de uma pena com aptidão para lhe fazer sentir o desvalor da sua actuação.
Acrescente-se, por fim, que as considerações expendidas pelo recorrente quanto à ressocialização se situam totalmente à margem do sentido da ressocialização pela pena. A ideia de base que serve de fundamento às penas privativas da liberdade é relativamente simples. A liberdade é um bem jurídico precioso, sentida como tal pelo comum dos cidadãos. A pena, que deve assumir, em regra, uma conformação de mera advertência ou prevenção, terá que ser necessariamente efectiva quando o agente se afirma carente de socialização - Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral”, tomo I, pág. 82.. Revelando o agente um defeito de socialização daí promana para o Estado o dever de pôr à sua disposição os meios de prevenir a reincidência - idem, pág. 58. Espera-se assim que o agente, compreendendo a pena, seja influenciado (no sentido da sua socialização) pelo seu cumprimento, sendo a medida da socialização necessária ditada pela prevenção especial.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.
Por ter decaído integralmente no recurso que interpôs, condena-se o recorrente na taxa de justiça, já reduzida a metade, de 5 UC.
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Comunique ao tribunal recorrido independentemente de trânsito em julgado, para efeitos do disposto no art. 215º, nº 6, do CPP.

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Coimbra, ____________
(texto processado pelo relator e
revisto por todos os signatários)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)