Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
154/14.9T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: NULIDADE
INSUFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INST. CENTRAL – SEC. INS. CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 120.º, N.º 1, AL. D), DO CPP
Sumário: A nulidade consistente na insuficiência da instrução, prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 120.º do CPP, ocorre (apenas) quando não são praticados actos legalmente obrigatórios, e não (também) nos casos de indeferimento de diligências de instrução, daquele modo não definidas, requeridas pelo assistente.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

A... , assistente nos autos, veio interpor recurso da decisão proferida pelo Mmº Juiz de Instrução de não pronúncia da arguida B... , pela prática dos crimes de difamação e de injúria p. e p. pelos artigos 180º, 181º e 182º do Código Penal, que lhe havia imputado.

E, da motivação extraiu as seguintes as conclusões:

Das ilegalidades

1) Ao indeferir a inquirição da nova testemunha, nos termos expostos nos pontos, que aqui se reproduzem, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 291° do C.P.Penal, verifica-se preenchida a nulidade da insuficiência da instrução prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120° do C.P.Penal, os quais deverão ser repetidos; (cfr. alínea c) do n.º 3 do art. 120° e n.º 1 do art. 122° do C.P.Penal)

2) Ao indeferir a junção das declarações de B... prestadas em sede de julgamento do dia 28-04-2014 e, nos termos expostos nos quesitos 47 a 57 do RAI, que vinham confirmar os escritos da contestação e da tréplica, mesmo tendo sido assinado pela mandatária, sendo que a arguida sabia que o que tinha alegado era falso, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 291° do C.P.Penal, verifica-se preenchida a nulidade da insuficiência da instrução prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120° do C.P.Penal, e todos os actos da mesma dependentes e que possam por ela ser afetados, os quais deverão ser repetidos; (cfr. alínea c) do n.º 3 do art. 120° e n.º 1 do art. 122° do C.P.Penal)

3) Ao indeferir a valorização da documentação (carta e acórdão da relação), nos termos melhor explicitados, que aqui se reproduzem, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 291°, do n.º 1 do artigo 297°, verifica-se preenchida a nulidade da insuficiência da instrução prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120° do C.P.Penal, e todos os actos da mesma dependentes e que possam por ela ser afectados, os quais deverão ser repetidos; (cfr. alínea c) do n.º 3 do art. 120° e n.º 1 do art. 122° do C.P.Penal)

Das inconstitucionalidades

4) A interpretação efectuada da norma do n.º 1 do artigo 291° do C.P.Penal, no sentido das diligências requeridas não serem úteis à instrução, estando em causa a inquirição de uma nova testemunha, que vem comprovar que o assistente só teve conhecimento na audiência de julgamento do dia 28-04-2014 e tendo apresentado queixa em 10-09-2014, estando o assistente ainda em tempo para exercer o seu direito, é inconstitucional por violar as previsões dos artigos 18°, n.º 1 e 20°, n.º 4 da Constituição da República, e, por último, por violar o preceituado no n.º 2 do artigo 202° da CRP, que dá aos tribunais a incumbência de assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

5) A interpretação efetuada da norma do n.º 1 do artigo 291° do C.P.Penal, no sentido de poder ser indeferida a junção das declarações de B... para apoiar os escritos, nomeadamente a contestação e a Tréplica, tudo apenas com fundamento em que as diligências requeridas não eram úteis para o andamento do processo, "até porque conforme o acórdão da relação de Lisboa, nem tudo seja admitido para a defesa dos interesses das partes sendo necessário garantir a imunidade dos Excessos,"e é inconstitucional por violar as previsões dos artigos 18°, n.º 1 e 20°, n.º 4 da Constituição da República, o disposto no artigo 32°, n.º 1 e, por último, por violar o preceituado no n.º 2 do artigo 202° da CRP, que dá aos tribunais a incumbência de assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos,

6) A interpretação efetuada da norma do n.º 1 do artigo 291° do C.P.Penal, no sentido de não valorar a documentação (carta e acórdão da relação, notificação da data de julgamento) junta ao requerimento de abertura de instrução, para poder vir comprovar os escritos, nomeadamente a contestação e a Tréplica, e comprovar a data precisa em que o assistente tomou conhecimento do teor da contestação, é inconstitucional por violar as previsões dos artigos 18°, n.º 1 e 20°, n.º 4 da Constituição da República, o disposto no artigo 32°, n.º 1 e, por último, por violar o preceituado no n.º 2 do artigo 202° da CRP, que dá aos tribunais a incumbência de assegurarem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos,

Face ao exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da instrução, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, e afastando-se a aplicação das normas mencionadas nos pontos 4, 5, 6 e das Conclusões no sentido, inconstitucional, em que as mesmas foram interpretadas pelo tribunal recorrido (art. 204º CRP).


*

Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II – FUNDAMENTAÇÃO

Vejamos como o Mmº Juiz a quo fundamentou a sua decisão de não pronúncia:

 “ §1. Inconformado com o arquivamento, A... , assistente nos presentes autos, veio requerer abertura de instrução, tendo dado entrada a 5.11.2015, com os fundamentos constantes a fls. 188 a 192, imputando a prática de factos integradores do tipo legal de crime de injúria e de difamação p. e p. nos arts. 180, 181 e 182 do C.P.. Para tanto alega que:

1.1. Teve conhecimento no dia do julgamento, a 28.04.2014, da acção n.º 2123/12.4tbpbl do teor da contestação, tréplica, dos quesitos e da carta, bem como do depoimento da aqui arguida.

1.2. No âmbito do referido processo consta na contestação sob 15 o autor visa proteger-se dos ditos e murmúrios que corriam e correm pela empresa que o mesmo dedica atenção especial às senhoras, alvo das suas investidas, sob 16 de tal forma que a ré a trabalhar na firma desde 2006, ia ouvindo tais murmúrios, sem que no entanto até julho de 2011 tivesse razão de queixa, na tréplica sob 14 e contrariamente ao alegado pelo A., na verdade após o sucedido com a ré, tomou conhecimento que rumores ocorreram na firma, no despacho saneador sob 47 quesitou-se o constante na contestação sob 15, na contestação sob 6 pois, o autor não se coibiu nem acanhou em adicionar ao extenso rol de testemunhas 20 colaboradores da firma sendo o próprio autor ao convidar pessoas para almoçar, na contestação sob 7 é o assunto apenas foi conhecido na firma porque o autor ao convidar as pessoas para almoçar e jantar, na tréplica sob 41 pois atento que o A. revela …daí pagar almoços e jantares a todos os quadros da empresa, o teor 7 e 41 foi quesitado, na contestação sob 58 o autor passou a efectuar chamadas para o telemóvel da ré, não falando, apenas se ouvindo a sua respiração, a qualquer hora do dia e da noite, o que fez parte do despacho saneador sob quesitação, na contestação sob 52 como desconhece se a administração já tinha na sua posse queixas idênticas contra o autor.

1.3. A ora arguida fez queixa a 19.10.2011 por factos ocorridos na consulta de 21.07.2011. No local de trabalho estava D... que no dia 6.10.2011 disse ao ora queixoso que a arguida havia dito que o queixoso a tinha agarrado e que ia fazer queixa e lixá-lo. D... contou o que ouviu da boca da arguida a outras pessoas dando origem a boatos e comentários na empresa de que o queixoso lhe havia apalpado as mamas e tinha tentado violar e que a arguida espalhou. O aqui assistente foi ouvido a 1.09.2011 e 8.09.2011 por um dos responsáveis da empresa e disse-lhe que havia outras pessoas que sabiam e que o seu nome estava manchado. O assistente falou em Outubro de 2011 com C... , D... e E... e que disseram que ouviram de B... dizer este lhe havia agarrado contra vontade desta que lhe apalpara as mamas e que iria lixar o assistente, e nesse mês F... disse ao assistente o que constava na empresa que B... havia ido para a casa de banho chorar e que haveria contado a outras pessoas que o assistente lhe havia apalpado as mamas.  

§2. Requereu a produção de prova, mas a mesma foi indeferida.

§3. Procedeu-se a debate instrutório.

§4. No seu requerimento de abertura de instrução o assistente assinala as declarações de B... na audiência de julgamento e de uma carta. Ora, tal factualidade não é referido na queixa, daí que não é matéria de conhecimento por falta de legitimidade do assistente.

§5. Da caducidade do direito de queixa:

5.1. É certo que o assistente vem dizer que só conheceu a contestação, e demais processado na audiência de julgamento, ocorrida a 28.04.2014, e daí que só este âmbito pode ser objecto do processo.

5.2. Aceita-se que o assistente não conheça dos articulados, nem do saneador, e tão só na audiência tomou conhecimento. Esta asserção consubstancia-se numa regra de experiência comum muito simples: por regra os advogados não dialogam com o cliente sobre o âmbito técnico do pleito, nomeadamente o posicionamento contrário, nem têm que o fazer. Têm que dialogar obviamente sobre o presumível direito a que o assistente na acção se arroga e em que figura como autor. Assim, o que está em causa é tão somente a matéria articulada no processo judicial.

5.3. Todos os factos referentes a 2011 não são conhecidos porquanto há muito que o direito de queixa caducou. É o próprio assistente a dizer no seu requerimento que tomou conhecimento dos ditos do pessoal da empresa e da arguida (pontos 31 e 32). Ora, os seis meses a que a lei se refere no artigo 115 do C.P. há muito decorreram porquanto a queixa é datada de 10.10.2014.

§6. Inexistem nulidades, outras questões prévias e questões incidentais que importe conhecer.

II. FUNDAMENTAÇÃO

§7. O fim da fase da instrução encontra-se plasmado no artigo 286 n.º 1 do C.P.P..

§8. No caso concreto, perante a decisão de arquivar o inquérito, e perante a posição do assistente, importa saber se há indícios suficientes de se ter verificado um crime.

Dos elementos probatórios

§9. Importa referir que atento o exposto em 4.3., e olhando para o restante recorte factual do requerimento de abertura de instrução, a prova reconduzir-se-á utilmente ao âmbito documental.

§10. Importa pois assinalá-la.

§11. Prova documental:

11.1. Cópia da contestação a fls. 77 a 81 e tréplica a fls. 73 a 76: aí se encontra exarado o expressado, mais se anota que a peça tem o timbre de Dra G... .

11.2. Cópia do despacho de saneamento e de condensação a fls. 63 a 71 subscrito pela Sra. Juiz de Direito Dra. H... : aí se encontra o objecto assente bem como os pontos de factos controvertidos e que servem de questões para resolução do litígio fáctico, extraindo-se tal do alegado pelas partes nos seus articulados.

11.3. Cópia da sentença a fls. 44 a 62 subscrita pela Sra. Juiz de Direito Dra. I... a qual contem os mesmos factos alegados pelas partes (aqui assistente e arguida através dos seus mandatários) sob a dimensão de estar provado ou não estar.

11.4. Ora, estando as peças processuais subscritas por outrem que não a aqui arguida, e sendo ré na acção cível movida pelo aqui assistente (cópia da petição de fls. 82 a 92) não é possível retirar que a arguida use tais articulados para desconsiderar o aqui assistente mas tão só para se defender no âmbito do processo iniciado por aqui o assistente em que este alega a sua prestação de serviços junto da firma onde a arguida trabalhava bem como o assédio da mesma alegado pelo aí autor aqui assistente.

§12. Ora, da leitura conjugada dos documentos assinalados, impõe-se considerar de forma clara a factualidade constante nos articulados e demais atos processuais como se assinala no requerimento de abertura de instrução, com exceção da intencionalidade.

§13. Assim, indicia-se que:

13.1. No âmbito da acção declarativa ordinária sob o n.º 2123/12.4tbpbl consta na contestação sob 15 o autor visa proteger-se dos ditos e murmúrios que corriam e correm pela empresa que o mesmo dedica atenção especial às senhoras, alvo das suas investidas, sob 16 de tal forma que a ré a trabalhar na firma desde 2006, ia ouvindo tais murmúrios, sem que no entanto até julho de 2011 tivesse razão de queixa, na tréplica sob 14 e contrariamente ao alegado pelo A., na verdade após o sucedido com a ré, tomou conhecimento que rumores ocorreram na firma, no despacho saneador sob 47 quesitou-se o constante na contestação sob 15, na contestação sob 6 pois, o autor não se coibiu nem acanhou em adicionar ao extenso rol de testemunhas 20 colaboradores da firma sendo o próprio autor ao convidar pessoas para almoçar, na contestação sob 7 é o assunto apenas foi conhecido na firma porque o autor ao convidar as pessoas para almoçar e jantar, na tréplica sob 41 pois atento que o A. revela … daí pagar almoços e jantares a todos os quadros da empresa, o teor 7 e 41 foi quesitado, na contestação sob 58 o autor passou a efectuar chamadas para o telemóvel da ré, não falando, apenas se ouvindo a sua respiração, a qualquer hora do dia e da noite, o que fez parte do despacho saneador sob quesitação, na contestação sob 52 como desconhece se a administração já tinha na sua posse queixas idênticas contra o autor.

13.2. A contestação e tréplica foi subscrita por Dra. G... , advogada da aqui arguida na acção cível assinalada.

§14. Assim, não se indicia que:

14.1. A arguida tenha querido desconsiderar o assistente conhecendo o constante nos articulados.

§15. Importa agora extrair consequências do recorte factual assinalado. E desde já se adianta que não existe qualquer lesão da honra.

Do crime de difamação

§16. Encontra-se previsto no artigo 180 do C.P.. Com ele protege-se a honra devida a todo e qualquer ser humano, na modalidade de conduta de ausência de presencialidade do visado.

§17. Ora, indo directamente ao problema a resolver importa dizer que o assistente reporta-se a uma história alegadamente ocorrida em 2011, e após verte no meio judicial os seus sentimentos e vivências, com reporte ao ocorrido em 2011. Contudo, como já se disse, e não é demais repetir, a concreta história seja boato, rumor, facto, ou invenção foi, aconteceu. Só que, por mão do assistente, foi levada a juízo. E aqui no âmbito da subsidiariedade ínsita ao direito penal, importa dizer que o aqui assistente já fez valer os seus direitos bem como a ré numa área que também protege a honra.

§18. O constante nos articulados recortados pelo assistente não é pois desonroso. Veja-se a redacção do que está nas peças processuais. Na realidade, murmúrios é o mesmo que nada. Todos murmuram uns dos outros. Não se mostrando descrito o objecto do murmúrio o facto revela-se inócuo. …Dedica atenção especial as senhoras, alvo das suas investidas é uma expressão que não ofende ninguém, nem especial um homem. No caso, corresponde naturalmente ao objecto do litígio em causa em que o autor aqui assistente alega assédio sexual por parte da aqui arguida. Rumores é inócuo conforme o mesmo significado de murmúrio. Convidar pessoas para almoçar é inócuo, pois trata-se de um normal e corrente acontecimento social. Passou a efectuar chamadas para o telemóvel da ré a qualquer hora é algo que incomoda, podendo ser ilícito (cfr. art. 190 n.º 2 do C.P.), mas compreende-se no âmbito de um processo judicial em que o autor aqui assistente alega assédio sexual. Logo tal expressão é adequada no âmbito do litígio em causa por ser um facto alegado no âmbito da defesa. Se a administração tinha queixas idênticas é algo de inócuo para a honra em causa.

§19. Impõe-se concluir que o constante na tréplica ou na contestação e depois levado factualmente, como impõe a lei adjectiva civil, ao julgamento não é mais do que o exercício do direito de acção levado a cabo pela aqui arguida e constitucionalmente protegido, cfr. art. 20 da C.R.P., não sendo típico o facto.

§20. Por fim, é irrelevante para o processo a questão da participação seja da arguida seja da mandatária. Neste âmbito, importa referir que a existência de responsabilidade criminal a título de co-autoria ou autoria simples entre cliente e advogado no âmbito do mandato judicial configura três situações distintas: uma em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse depois de o advertir expressamente das consequências que daí podem ocorrer; outra em que o autor do escrito é apenas o advogado, sem qualquer interferência do cliente, que, inclusive, é surpreendido por aquilo que é difundido; e, finalmente, aquela em que o cliente relata factos que sabe não serem verdadeiros para que o advogado os verta para o articulado, no convencimento de que correspondem à verdade. Se, na primeira hipótese, se poderá configurar um exemplo de comparticipação criminosa e, na terceira, um caso em que apenas se admite a responsabilidade exclusiva do cliente, já na segunda estar-se-á perante um ilícito cometido apenas pelo advogado. A mandatária da arguida não é apontada neste autos como arguida. Importa desde já assinalar que na perspectiva assumida o problema inexiste uma vez que como se disse todo o âmbito extravasado em sede de contestação e tréplica representa um puro exercício de acção e de defesa no âmbito de um litígio cível.

(…)

III. DECISÃO

§23. Por tudo exposto, decide-se não pronunciar B... da prática de um crime de difamação p. e p. no artigo 180 n.º 1 do C.P., determinando-se o arquivamento dos autos;

 (…).


***

APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, no presente recurso, insurgindo-se o recorrente contra a decisão de não pronúncia da arguida (pela prática dos crimes de difamação e de injúria p. e p. pelos artigos 180º, 181º e 182º do Código Penal, que lhe havia imputado), as questões suscitadas e a decidir são:

- a nulidade por insuficiência da instrução (dado que as diligências de instrução que requereu, e que no entender do assistente/recorrente eram essenciais para o apuramento da verdade, foram indeferidas);

- a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 291º do CPP (quando interpretada no sentido de poderem ser indeferidas diligências de instrução, com o fundamento de que não são úteis para o andamento do processo, por violar a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos legalmente protegidos).


*

A-

O assistente notificado do despacho que, nos termos do art. 277º do CPP, determinou o arquivamento dos autos, requereu a abertura de instrução.

A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286º do CPP).

E, tal como resulta dos artigos 277º, n.º 2 e 308º, n.º 1, ambos do CPP, um dos fundamentos do arquivamento do inquérito pelo MP e do despacho de não pronúncia proferido pelo Juiz de Instrução é a insuficiência dos indícios da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes.

Com efeito, estabelece este último preceito que “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.”

Contrariamente ao que acontecia na vigência do CPP de 1929, fornece-nos agora a lei o conceito de indícios suficientes.

Assim, preceitua o artigo 283º, n.º 2 do CPP ([1]) que “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Aliás, este era também o sentido dado por Luís Osório ([2]) quando afirmava que “devem considerar-se indícios suficientes, aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”. 

Por sua vez, refere o Prof. Figueiredo Dias ([3]) que “os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”. Mais acrescenta que “tem razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento e, portanto, de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença, pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.

Com este grau de exigência, ou seja, “ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis, em obediência, aliás, ao traçado nas alíneas 1 e 2 da Lei n.º 43/86, de 30 de Setembro (a Lei de autorização legislativa ao abrigo da qual foi publicado o DL n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo Penal vigente)” ([4]). 

Também a jurisprudência tem entendido que “nas fases preliminares do processo, não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes tão só indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, constituindo as provas reunidas nessa fase pressuposto, não da decisão de mérito, mas da decisão processual da prossecução dos autos para julgamento” – entre outros o Ac. da RP de 20-10-93, proc. 679/93-3ª.


*

Pretendendo o recorrente a pronúncia da arguida quanto aos crimes de difamação e injúrias, no requerimento para abertura de instrução (RAI) solicitou a realização de determinadas diligências de prova, que considerou essenciais para a descoberta da verdade, designadamente:

- a inquirição da testemunha L.... (Advogado);

- a junção aos autos da gravação do depoimento de parte da arguida, no âmbito do processo n.º 2123/12.4TBPBL do 2º Juízo do Tribunal de Pombal, e de uma carta escrita pela arguida que consta no mesmo processo; e,

- a apreciação dos seguintes documentos: Acórdão da Relação de Coimbra, notificação da data de julgamento e cópia da carta (relativos ao referido processo n.º 2123/12.4TBPBL).

No despacho que declarou aberta instrução (fls. 210) foi indeferida a requerida produção de prova, dado o Mmº JIC ter considerado que “não se revelam úteis as diligências probatórias requeridas porquanto o modo de execução do facto relatado é por escrito, sendo que as peças onde estão exaradas estão nos autos, sendo a questão nuclear a de saber se no âmbito de um processo judicial o aí escrito excede a liberdade de expressão”; ……………. e, .…………   foi logo designada data para debate instrutório.

Sustenta o recorrente que tendo sido marcado o debate instrutório, e posteriormente encerrada a instrução, sem que todos os actos da instrução estivessem cumpridos, verificou-se uma clara violação do disposto no n.º 1 do artigo 297º do CPP.

Todavia, sem razão.

Dispõe este preceito que «1. Quando considerar que não há lugar à prática de actos de instrução, nomeadamente nos casos em que não tiverem sido requeridos, ou em cinco dias a partir da prática do último acto, o juiz designa dia, hora e local para o debate instrutório. (…)».

E, resulta do artigo 289º que a instrução é formada por uma fase facultativa – actos de investigação considerados necessários ou úteis pelo juiz de instrução – e outra obrigatória – o debate instrutório, que é oral e contraditório, e precede a decisão instrutória.

Tem, pois, o juiz de instrução o poder de indeferir os actos requeridos que entenda não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e, pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis – artigo 291º, n.º 1

Por conseguinte, afastada fica a alegada violação do disposto no n.º 1 do artigo 297º do CPP porquanto o Sr. Juiz de instrução considerou que as diligências probatórias requeridas não se revelavam úteis.


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Mais alega o recorrente que, a não realização das diligências probatórias que requereu, representa uma manifesta insuficiência da instrução, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, o que consubstancia a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.

Como já enunciado supra, no que à instrução respeita, compete a direcção da mesma ao juiz de instrução (assistido pelos órgãos de polícia criminal), o qual decide sobre os actos que devem ser praticados em tal fase processual (arts. 288º e 289º do CPP).

Portanto, os actos de instrução dependem da livre resolução do juiz.

Ainda assim, o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento dos actos de instrução está balizado pelo limite do “apuramento da verdade” e pela consideração de “os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo”.

Daí que, a Lei n.º 59/98, de 25.8 tenha determinado a irrecorribilidade do despacho judicial de indeferimento da realização de diligências instrutórias (n.º 2 do art. 291º do CPP).

In casu, foram indeferidas as diligências de instrução requeridas pelo assistente, tendo em vista as finalidades da própria instrução (art. 286º), dado o Mmº Juiz a quo ter considerado que (para a decisão a tomar) face ao crime imputado à arguida, o modo de execução do facto relatado é por escrito, sendo que as peças onde estão exaradas estão nos autos.

Ora, sendo o critério de tal decisão (no caso, de indeferimento) o da conveniência para a descoberta da verdade, tal como vem definido no artigo 291º do CPP, com livre actuação do JIC, não pode o recorrente invocar a nulidade prevista na al. d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.

A insuficiência da instrução ocorre quando não forem praticados actos legalmente obrigatórios.

Na verdade, se a lei permite que o juiz indefira a realização de todas as diligências probatórias e a junção de toda a prova do requerente da instrução, limitando-se a instrução ao debate instrutório, como aconteceu no caso sub judice, não se verifica a nulidade sanável de insuficiência de instrução, na medida em que as requeridas diligências não são obrigatórias.

De qualquer forma, ainda que se considerasse que a instrução foi insuficiente, ficando assim incluída na previsão do artigo 120º, n.º 2, al. d), ou seja, constituindo nulidade sanável, foi intempestiva a sua arguição. Deveria a nulidade ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 120º.


*

B-

Alega o recorrente que, prescrevendo o n.º 2 do artigo 202º da CRP que incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos - o que não sucedeu no caso vertente, pois, por terem sido indeferidas as diligências requeridas, ficou impedido de exercer convenientemente os seus direitos como assistente, além de significar um manifesto obstáculo à descoberta da verdade por parte do tribunal - foram violados os artigos 18º, n.º 1, 20º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República.

E, por via da violação dos referidos preceitos constitucionais, é inconstitucional a interpretação efectuada da norma do n.º 1 do artigo 291º do CPP, no sentido das diligências requeridas serem indeferidas, se o juiz entender que não são úteis à instrução.

Discordamos do entendimento do recorrente, o disposto no n.º 1 do citado artigo 291º não briga com os direitos do assistente, não se vislumbrando a suscitada inconstitucionalidade.

Sendo diverso o estatuto de arguido e de assistente, consideramos que o artigo 20º da Constituição formula não só um direito de acesso à justiça, mas também um valor objectivo de acesso à justiça que se projecta nos direitos do processo de todos os sujeitos processuais.

E, tendo o recorrente invocado o n.º 1 do artigo 32º da CRP, sublinha-se o que se escreveu no Acórdão do TC n.º 259/2002 (Diário da República, II série, de 13 de Dezembro de 2002):

A norma do artigo 32º, n.º 1, da Constituição não é aplicável ao assistente, nem existe qualquer preceito constitucional (nomeadamente, o n.º 7 deste mesmo artigo 32º, que expressamente se refere ao ofendido) ordenando a equiparação do estatuto do assistente ao do arguido. Bem diversamente, as formas de intervenção do ofendido no processo penal são remetidas, pela Constituição, para a lei ordinária”(cfr., a este propósito, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 579/2001, de 18 de Dezembro, publicado no Diário da República, II Série, n.º 39, de 15 de Fevereiro de 2002, p. 3050).

Ainda que tenham sido indeferidas as diligências probatórias que requereu, não ficou impedido de exercer convenientemente os seus direitos como assistente. Porquanto,

“Obrigatório e importante na fase da instrução é o debate instrutório, oral e contraditório, que visa permitir uma discussão perante o juiz "sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento" (artigos 289º, nº 1, e 298º), sendo ele regulado com a minúcia nos artigos 297º a 305º (culminando, após o seu encerramento, com o despacho de pronúncia ou não pronúncia – artigo 307º).

Esse debate está pensado pelo legislador em termos de permitir, sob o signo dos princípios dispositivo e do contraditório, e também inquisitório, uma ampla produção de prova, com a prática de todos os actos de instrução - e até novos actos de instrução - que permitam apurar os tais indícios de facto e elementos de direito, estando sempre presente o "interesse para a descoberta da verdade" (nº 1 do artigo 299º). E não resulta do Código a proibição de se realizarem, no decurso do debate, os actos de instrução que foram requeridos na fase facultativa e o juiz indeferiu por despacho.” – cfr. Acórdão do TC n.º 459/2000.

No presente caso, como se observa da Acta do Debate Instrutório, de fls. 222/224, não foi requerida a realização de quaisquer actos de instrução e, no que ao assistente respeita limitou-se a “pedir justiça”.

Improcede, assim, a argumentação do recorrente.


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Estabelece o artigo 425º, n.º 5 do CPP que “Os acórdãos absolutórios enunciados na alínea d) do n.º 1 do artigo 400º, que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”.

Muito embora, em termos técnico-jurídicos um acórdão absolutório seja distinto de um despacho de não pronúncia, este último tem o mesmo sentido/efeito de absolutório porquanto, também na não pronúncia não há responsabilização criminal de alguém. Este tem sido o entendimento dos tribunais superiores, nomeadamente do STJ: “um acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1.ª instância é um acórdão absolutório” ([5]) para os efeitos do disposto na al. d), do n.º 1, do art. 400º do CPP.

Ora, após analisar toda a prova recolhida em sede de inquérito entendemos que o tribunal a quo fez rigorosa apreciação e valoração da mesma.

Na verdade, após a leitura das declarações da arguida e do assistente prestadas em sede de inquérito e, designadamente da análise dos documentos juntos, entendemos que está tudo dito, nada mais havendo a acrescentar ao despacho recorrido, o qual se mostra minucioso na descrição e análise de todos os elementos probatórios.

Deste modo, remetendo para os fundamentos do despacho recorrido, com os quais concordamos na íntegra, face aos elementos de prova existentes no processo, não se advinha como possível a formulação de um juízo de probabilidade razoável de condenação, como determina o n.º 2 do artigo 283º do CPP.

Termos em que, não merece censura o despacho impugnado.


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III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


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Coimbra, 26 de Outubro de 2016

(Elisa Sales - relator)

(Paulo Valério - adjunto)


[1] - Alteração da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
[2] - In Comentário ao Código de Processo Penal Português, Vol. IV, pág. 411.
[3] - In Direito Processual Penal, Vol. I, págs. 133 e 155.
[4] - António Tolda Pinto, in a Tramitação Processual Penal, 2ª edição, pág. 701.
[5] - Ac. do STJ de 8-7-2003, proferido no Proc. n.º 2304/03 - 5.ª Secção.