Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
899/08.2TJCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: DEVEDOR
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
FIADOR
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 512º, Nº 1, E 638º, Nº 1, DO C.CIV..
Sumário: I – Numa acção declarativa, a expressa condenação solidária de uma pluralidade de devedores no pagamento de determinada quantia define a estrutura e conteúdo da obrigação assim acertada como obrigação solidária, nos termos decorrentes do artº 512º, nº 1, C. Civ..

II – O título executivo formado por essa sentença procedeu, assim, ao acertamento do direito do exequente em termos que permitem a este a livre escolha do executado, equivalendo isto ao alcance executivo do património de qualquer dos solidariamente obrigados.

III – A circunstância de, nessa acção declarativa, ter estado em causa, relativamente a algum desses devedores, uma responsabilidade decorrente de prestação de fiança, não permite a ulterior actuação, em acção executiva, do benefício da excussão previsto no artº 638º, nº 1, do CC, dado o carácter contraditório deste com a condenação solidária sobre a qual se formou caso julgado.

IV – A actuação do benefício da excussão, em “ambiente” processual, assume a natureza de “excepção substancial dilatória”, actuando sobre a definição do direito material em termos de excluir a afirmação da obrigação em causa como obrigação solidária.

V – O artº 828º, nº 1, do CPC pressupõe a subsidiariedade obrigacional, sendo que este tipo de vinculação subjectiva passiva corresponde ao contrário da ideia de solidariedade, não se aplicando, consequentemente, quando a obrigação tem esta estrutura.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Culminando uma acção declarativa de condenação iniciada durante o ano de 2008[1], foi proferida a Sentença certificada a fls. 10/18, a qual condenou, solidariamente, no pagamento de €7.824,84, os seguintes Réus: A...Lda; B... e marido, C.... (estes três RR. viriam a ser, na subsequente execução, Executados, sendo que destes, o casal B... e C...deduziram, nessa execução, oposição à penhora, ocupando eles dois no presente recurso, face ao acolhimento que obtiveram nessa oposição, o papel de Apelados – esta é, pois, nos seus múltiplos aspectos, a configuração subjectiva da instância à qual corresponde este recurso).

Concluindo a caracterização subjectiva dessa acção declarativa, dir-se-á que foi aí Autor – e beneficiário da referida condenação – D.... (posteriormente Exequente e aqui Apelante), o qual, como dono de uma fracção predial arrendada à R. A...Lda.., peticionou nessa instância declarativa diversos valores pecuniários, parcialmente atendidos na mencionada condenação[2], decorrentes do incumprimento por esta sociedade do contrato de arrendamento, referindo-se a condenação solidária dos RR. B... e C...à prestação de fiança por este último e à invocação (quanto à R. B...) do preenchimento da facti species de comunicabilidade da dívida prevista no artigo 1691º, nº 1, alínea d) do Código Civil (CC) – na condenação deu-se por integrada, enquanto fonte de solidariedade quanto à R., a alínea a) desse artigo 1691º, nº 1[3].

1.1. Apresentando esta Sentença – entretanto transitada – como título executivo, intentou o aqui Apelante, D..., execução para pagamento de quantia certa, nela indicando como Executados, B...,C.... e A...Lda.. (v. a certificação do requerimento executivo adrede apresentado a fls. 19/21), procedendo a Senhora Agente de Execução, no desenvolvimento desse processo executivo, à penhora de diversos bens móveis existentes na residência do casal (dos Executados) B... e C...(v. autos de penhora certificados a fls. 27/43).

1.2. Reagindo a esta penhora, apresentaram os Executados B... e C...o requerimento, intitulado (no que a eles respeita) “oposição à execução e à penhora”, que se mostra certificado a fls. 93/100. Neste requerimento, caracterizando a respectiva posição como fiadores, invocam o benefício da excussão dos bens daquele que reputam de devedor principal: A...Lda...

1.3. Surge, então, o despacho certificado a fls. 105/107 – assume-se este como pronunciamento respeitante à oposição à penhora e constitui ele a decisão objecto do presente recurso –, o qual considerou[4] a obrigação dos Executados B... e C...acessória da da sociedade (Executada) A...Lda.., qualificando esta como “principal devedor”, nos termos do artigo 627º, nº 2 do CC, sendo lícito aos fiadores[5] a recusa do cumprimento, previamente à excussão dos bens do devedor principal, considerando-se, por referência ao disposto no artigo 828º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[6], que, “[…] não tendo o Exequente requerido a citação prévia dos executados/devedores subsidiários, o Solicitador de Execução deveria ter avançado, em primeiro lugar contra a executada/arrendatária e, só depois de excutidos os bens desta e de apurado que o seu produto não chega para pagamento integral das custas e quantia exequenda, é que poderá proceder à penhora de bens dos executados/oponentes” (transcrição de fls. 106). E foi em função deste entendimento que o Tribunal a quo formulou a seguinte decisão:


“[…]
[J]ulgando procedente o incidente de oposição à penhora, determina-se o levantamento da penhora efectuada por auto de 07/07/2009, sobre o recheio da residência dos executados C...e B....
[…]”
            [transcrição de fls. 106]

            1.4. Inconformado, interpôs o Exequente o presente recurso, rematando a motivação adrede apresentada com as seguintes conclusões:     


“[…]

O exequente D... instaurou execução de sentença para cobrança coerciva do crédito que detém sobre os executados, porquanto os executados não haverem voluntariamente cumprido a condenação determinada na douta sentença proferida nos autos principais.
No desenvolvimento do processo executivo a senhora agente de execução procedeu à penhora dos bens que constituem o recheio da residência dos executados/oponentes que descriminou e registou no auto de penhora de 07/07/2009 […].
Notificados da penhora levada a cabo, os executados B... e C... deduziram oposição à execução/penhora, alegando ser apenas fiadores do contrato de arrendamento outorgado entre a sociedade executada A...Lda.., e o exequente D... e por isso não serem devedores principais, assistindo-lhes, assim, o direito de se libertarem do cumprimento da dívida, enquanto não estiver excutido todo o património do devedor principal, a mencionada sociedade comercial.
O douto despacho proferido em primeira instância, apreciando a questão, considerou e classificou a sociedade executada como devedora principal e os oponentes como devedores subsidiários e, com base em tal diferenciação, aplicou o preceito legal contido no artigo 828º, nº 1 do CPC, determinando que na execução não podiam penhorar-se bens dos devedores subsidiários enquanto houver bens susceptíveis de penhora do devedor principal, e ainda que a senhora agente da execução deveria ter avançado em primeiro lugar contra a executada arrendatária e posteriormente contra os executados/oponentes na penhora de bens, porque o exequente não requereu a citação prévia dos executados e, a final, julgou procedente a oposição deduzida, determinando o levantamento da penhora efectuada por auto de 07/07/2009, pela senhora agente de execução aos bens que constituem o recheio da residência dos executados/oponentes.
A douta sentença dada à execução, após o seu trânsito em julgado, decidiu condenar todos os executados A...Lda.., C...e B..., a pagar ao exequente a quantia em dívida de forma solidária.
Assim, tendo todos os executados sido condenados a proceder ao pagamento da dívida que mantêm para com o exequente, de forma solidária, salvo o devido respeito por melhor opinião, não poderia o douto despacho proferido classificar e diferenciar os executados como devedores principais e subsidiários, porque ao abrigo dos artigos 512º, nº 1 e 519º, nº 1 do CC, o credor tem o direito de exigir o seu credito a todos os devedores.
Ao decidir da forma que decidiu, ordenando o levantamento da penhora efectuada pela agente de execução, entende o exequente aqui recorrente que o douto despacho proferido em primeira instância violou os referidos preceitos legais.
[…]”
            [transcrição de fls. 5/7]


II – Fundamentação


            2. Como ponto de partida sublinha-se que o âmbito objectivo da apelação foi delimitado pelo Apelante através das conclusões acabadas de transcrever (artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC). Subsequentemente, importa consignar que os elementos factuais relevantes para a apreciação do recurso são os sequencialmente relatados ao longo do antecedente item 1, referindo-se eles, essencialmente, a actos processuais e ao conteúdo destes, estando os mesmos devidamente documentados na certidão que instruiu o presente recurso. Optou-se por uma descrição pormenorizada das incidências processuais que conduziram os autos (o incidente de oposição à penhora) à presente instância de recurso, como forma de enunciação dos dados que permitirão a esta Relação decidir – e este constitui o tema exclusivo do recursose aos Executados C...e B... assistia, depois de condenados solidariamente e tendo presente o conteúdo do título executivo apresentado pelo Exequente (a Sentença condenatória certificada a fls. 54/62), o benefício, estabelecido para os devedores subsidiários, de prévia excussão dos bens de quem seja devedor principal[7].

            2.1. Ora, sendo esta a questão colocada no recurso, desde já se consigna que o entendimento expresso na decisão recorrida – o entendimento que conduziu à exclusão da penhora dos bens pertencentes aos ora Apelados – não nos parece, salvo o devido respeito, correcto.

            Com efeito, sendo o título executivo aqui em causa constituído por uma Sentença condenatória (artigo 46º, nº 1, alínea a) do CPC), e contendo esta, expressamente, a condenação solidária de todos os RR. nessa acção (concretamente dos aí RR., aqui Executados e neste recurso Apelados, C...e B...) no pagamento de determinada quantia, não tem qualquer sentido – afigura-se-nos mesmo constituir um solecismo – vir agora convocar, e aplicar como ratio decidendi, uma norma (o artigo 828º, nº 1 do CPC) cuja facti species se refere – se refere exclusivamente – à subsidiariedade, correspondendo esta, no quadro da pluralidade de vinculações passivas (de devedores), precisamente ao contrário do que expressa a ideia de solidariedade.

Esta (a solidariedade passiva) caracteriza-se, com efeito – e estamos a encarar o regime emergente do artigo 512º, nº 1 do CC –, pela existência de identidade da prestação em relação a todos os sujeitos passivos da obrigação, pela extensão integral do dever de prestar a todos os devedores e pelo efeito extintivo comum da obrigação face ao cumprimento por um dos devedores[8].

Foi este o conteúdo estrutural conferido ao dever de prestar pela Sentença aqui apresentada como título executivo. Implica ele a possibilidade de exigência da dívida à partida a qualquer dos obrigados, sendo que isso não pode deixar de corresponder, no quadro da garantia patrimonial assim subjectivamente referida (foi-o, repete-se, solidariamente a três pessoas), ao alcance executivo, logo à partida, do património de todas ou de cada uma delas, enquanto solidariamente obrigadas.

Note-se que para a afirmação desta consequência é irrelevante – é irrelevante agora, no processo executivo – a questão da fiança e do benefício da excussão[9], sendo certo que a expressa definição na Sentença do dever de prestar como sujeito ao regime da solidariedade, relativamente a três devedores, excluiu, pura e simplesmente, por se tratar de uma realidade antitética, a subsidiariedade[10]. Confere-se, pois, ao credor, através da afirmação da obrigação como solidária, a chamada livre escolha e projecta-se o valor desta, como não poderia deixar de ser, na acção executiva[11].

Vale aqui – só vale aqui – o conteúdo do título executivo[12] e este, afirmando como solidária a obrigação na qual condena três pessoas, exclui o que é incompatível com essa caracterização. Exclui, enfim, porque ultrapassa a questão da fiança – ou melhor, porque dá a esta questão (deu-lhe, e saber se deu bem ou mal é questão ultrapassada pelo trânsito em julgado), afirmando a solidariedade passiva, um conteúdo concreto –, exclui, dizíamos, o benefício da excussão. Esta questão foi, com efeito, implicitamente resolvida em sentido negativo pelo caso julgado formado pela Sentença aqui apresentada como título executivo e era na acção declarativa, impedindo o trânsito em julgado da condenação nos termos que ora se nos deparam, e não na instância executiva, que os Apelados deveriam ter feito actuar a subsidiariedade da fiança (caso fosse esse o caso da fiança aí discutida), pugnando (aí) pela exclusão de uma condenação solidária.

Repete-se, para que fique claro: era na acção declarativa, através da afirmação de que aquela fiança envolvia o benefício da excussão, que os aqui Apelados deveriam ter obtido, por via de excepção, a caracterização do direito do credor como não sujeito ao regime da solidariedade, em função da presença actuante desse benefício. Era aí, portanto, na acção declarativa – e não no subsequente processo executivo –, que se deveria ter excluído a definição da obrigação como solidária.  

Tenha-se presente, a este respeito, que a actuação do benefício da excussão assume, processualmente, a natureza de uma “excepção substancial dilatória”[13], cuja actuação ocorrerá no “ambiente” processual em que a questão da definição do direito – da específica natureza daquela fiança – se colocar, sendo que aqui se colocou anteriormente, na acção declarativa que gerou o título executivo[14]. Esse “ambiente” é, pois, não pode deixar de ser, o do acertamento do direito, enquanto “ponto de chegada da acção declarativa”, que se projectará como “ponto de partida” na ulterior acção executiva[15]. Ora, se esse “ponto de chegada” foi a afirmação (a definição) de uma obrigação como solidária, não é aceitável que esse pressuposto seja colocado em questão na subsequente acção executiva, como se não tivesse sido objecto de uma anterior definição, através do acertamento do direito que teve lugar na acção declarativa.   

            2.2. Procede, pois, o recurso, havendo que revogar a decisão respeitante à oposição à penhora, a decisão que remata o despacho certificado a fls. 105/107, deixando antes nota, em sumário imposto pelo artigo 713º, nº 7 do CPC, dos elementos fundamentais do antecedente percurso argumentativo:

I – Numa acção declarativa, a expressa condenação solidária de uma pluralidade de devedores no pagamento de determinada quantia, define a estrutura e conteúdo da obrigação assim acertada como obrigação solidária, nos termos decorrentes do artigo 512º, nº 1 do CC;
II – O título executivo formado por essa sentença procedeu, assim, ao acertamento do direito do exequente em termos que permitem a este a livre escolha do executado, equivalendo isto ao alcance executivo do património de qualquer dos solidariamente obrigados;
III – A circunstância de, nessa acção declarativa, ter estado em causa, relativamente a algum desses devedores, uma responsabilidade decorrente da prestação de fiança, não permite a ulterior actuação, na acção executiva, do benefício da excussão previsto no artigo 638º, nº 1 do CC, dado o carácter contraditório deste com a condenação solidária sobre a qual se formou caso julgado;
IV – A actuação do benefício da excussão, em “ambiente” processual, assume a natureza de “excepção substancial dilatória”, actuando sobre a definição do direito material em termos de excluir a afirmação da obrigação em causa como obrigação solidária.
V – O artigo 828º, nº 1 do CPC pressupõe a subsidiariedade obrigacional, sendo que este tipo de vinculação subjectiva passiva corresponde ao contrário da ideia de solidariedade, não se aplicando, consequentemente, quando a obrigação tem esta estrutura.  

III – Decisão
            3. Assim, na inteira procedência da Apelação, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se o não atendimento da oposição à penhora promovida pelos Executados B... e C..., com a consequente manutenção (no quadro decisório desse incidente) da penhora documentada no presente recurso.

            Custas do presente recurso pelos Apelados.


[1] O que vale por dizer que se trata de processo iniciado posteriormente à entrada em vigor (em 01/01/2008) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, sendo-lhe aplicáveis, por isso, as alterações ao regime dos recursos introduzidas por este último Diploma (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil adiante referida neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelo DL 303/2007, sê-lo-á na versão resultante deste Diploma.
[2] Aqui se transcreve o pronunciamento decisório que dá conteúdo à referida condenação:
“[…]
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, condenando solidariamente os RR. A...Lda., B... e C....] a pagar ao A. a quantia de €7.824,84, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde 02/01/2007, até integral liquidação.
[…]”
                [transcrição de fls. 18]
[3] É o seguinte o trecho da Sentença no qual a questão da solidariedade foi abordada:
“[…]
5. Responsabilidade solidária dos 2º e 3º RR.
Pretende o A. a corresponsabilização da R. B..., porquanto, tendo o 3º R. assumido a qualidade de fiador, trata-se de dívida comercial, pela qual respondem ambos os cônjuges, nos termos do artigo 1691º, al. d) do CC.
Pelo contrato junto a fls. 11 e 12, o R. marido constitui-se fiador das obrigações assumidas pela arrendatária, 1ª R., obrigando-se pessoalmente perante o senhorio, nos termos do artigo 627º do CC.
Tal fiança foi prestada pelo R. marido no contrato de «cessão de posição contratual e alteração ao contrato de arrendamento», pelo qual a sociedade «E.....», na qualidade de arrendatária e representada no acto pela sócia gerente, B..., cedeu a sua posição contratual à sociedade « A...Lda..», igualmente representada pela sócia gerente, B...., mulher do referido fiador.
Ora, tendo a R. mulher intervindo em tal negócio, na qualidade de sócia gerente, quer da sociedade cedente, quer da sociedade cessionária, teremos de concluir que a R. mulher deu o consentimento à prestação da fiança por parte do R. C....
E, como tal, tal dívida será da responsabilidade da R. mulher, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 1691º do CC, segundo a qual serão da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas, antes ou depois do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro.
[…]”
                [transcrição de fls. 17/18]

[4] Parafrasearemos de seguida os argumentos expendidos nesse despacho, sublinhando que se tratam de argumentos.
[5] Parecendo querer expressar assim (como fiadora) a posição da Executada B... na garantia prestada pelo marido.
[6] “Na execução movida contra o devedor principal e o devedor subsidiário que deva ser previamente citado, não podem ser penhorados os bens deste, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal; a citação do devedor subsidiário só precede a excussão quando o exequente o requeira, tendo, neste caso, o devedor subsidiário o ónus de invocar o benefício da excussão, no prazo da oposição à execução”. 
[7] Poderíamos ainda enunciar o tema do recurso nos seguintes termos: saber se os ora Apelados são devedores solidários, do Exequente, ou devedores subsidiários.
[8] V. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, p. 157.
[9] E até convém não esquecer que existem fianças estruturalmente solidárias, como o são as referidas a obrigação mercantil (artigo 101º do Código Comercial) e aquelas em que o devedor tenha renunciado ao benefício ou assumido a obrigação de principal pagador (artigo 640º, alínea a) do CC).
[10] “A subsidiariedade reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do artigo 638º [do CC], impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor […]” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, Coimbra, 2006, p. 121).
[11] Mesmo quem afirma a compatibilidade entre a solidariedade obrigacional e o regime geral da fiança (é o caso de Manuel Januário da Costa Gomes), não vai ao ponto de pretender compatibilizar a incidência concreta da solidariedade com o exercício em concreto do benefício da excussão: “[n]ão levamos, porém, tão longe a compatibilização entre a solidariedade e o funcionamento do benefício da excussão. Essa compatibilidade só existe, no nosso entender, até à invocação do benefício. A partir daí, não há libera electio: a pluralidade de devedores consubstancia um caso de subsidiariedade e não de solidariedade” (Assunção Fidejussória de Dívida, Coimbra, 2000, p. 269).
[12] “[O] acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém o acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da acção executiva» (artigo 45º/1 [do CPC]), isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela (artigo 55º/1 [do CPC])” (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva. Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., Coimbra, 2009, p. 35).
[13] A expressão – originalmente: eccezione sostanziali dilatória – é empregue por Michele Fragali [Delle Obbligazioni. Fideiussione – Mandato di credito (Art. 1939-1959), in Commentario del codice civile a cura di Antonio Scialoja e Giuseppe Branca, Bolonha, 1960, pp. 281/282]:
“[…]
Processualmente o benefício da excussão é fonte de uma excepção substancial dilatória. Excepção substancial porque diz respeito ao mérito da pretensão; excepção dilatória porque não visa a afirmação da falta de fundamento [non mira a farne affermare l’infondatezza], visa apenas excluir a existência actual da acção […]” (p. 282).  
Tenhamos presentes os referenciais normativos próprios do Direito italiano: o artigo 1944º do Codice Civile, que afirma a solidariedade do fiador, salvo convenção contrária (“[i]l fideiussori è obbligato in sólido col debitore principale al pagamento del debito. Le parti però possono convenire che il fideiussore non sai tenuto a pagare prima dell’escussione del debitore principale […]”) e a definição de solidariedade obrigacional no artigo 1292º do Codice (“[l’]obbligazioni è in solido quando più debitori sono obbligati tutti perla medesima prestazioni, in modo che ciascuno può essere costretto all’adempimento per la totalità […]”).
[14] Note-se, a propósito da aludida definição da actuação processual do benefício da excussão como “excepção material dilatória” (v. a nota antecedente), que a qualificação de uma excepção material como dilatória não corresponde à terminologia empregue no nosso Código. Com efeito, o artigo 494º do CPC, ao indicar, exemplificativamente, as excepções dilatórias, restringe-se às chamadas excepções processuais: “[…] as que consistem na arguição de quaisquer irregularidades ou vícios de natureza processual que façam obstáculo […] à apreciação do mérito da causa […]” (Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 129). Todavia, a essência profunda dos conceitos em jogo permite-nos, mesmo com base na estruturação das excepções resultante dos artigos 493º e 494º do CPC, qualificar como “dilatória” (no sentido de efeito de procrastinação) uma actuação, por via de excepção sobre o próprio direito material (ou seja: fazendo incidir num direito pré-existente um facto exterior apto a actuar sobre ele). No caso da invocação do benefício da excussão, existe uma excepção substancial (material) que conduz, se relevante, à absolvição do pedido (artigo 493º, nº 3 do CPC), mas cujo efeito é estruturalmente dilatório, embora num sentido distinto do que subjaz à caracterização feita no nº 2 do artigo 493º do CPC. Tal efeito – que é, como dissemos, estruturalmente dilatório – decorre, não obstante a absolvição do pedido que origina, do carácter transitório da forma pela qual actua sobre o direito substantivo em causa: não extingue o direito de crédito relativamente ao qual é feito valer o benefício da excussão, sendo que não impede a ulterior propositura de uma nova acção, face ao esgotamento do efeito decorrente da actuação desse benefício.
Esta distinção, através da admissão da categoria das excepções materiais dilatórias, foi desde sempre aceite pela nossa doutrina. Refere-se a ela o Prof. Manuel de Andrade, qualificando-a como “classificação doutrinal” (por oposição à “classificação legal” sedeada no Código), dizendo que as “excepções materiais” se fundam “[…] em razões de direito substantivo (invocação de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor)”, acrescentando que elas (as excepções materiais) “[p]odem ser […] peremptórias – se levam à improcedência definitiva da acção, porque o direito do autor não existe nem pode vir a existir; ou dilatórias – se o efeito é apenas o de a acção não poder ser julgada desde logo procedente, por lhe faltar algum requisito material, podendo todavia ser julgada assim mais tarde […], pois o direito do autor não existe ou não é exercitável, mas pode vir a ter existência e exercitabilidade” (Noções Elementares…, cit., p. 132).
É esta especificidade da actuação, em “ambiente” processual, do benefício da excussão que Michele Fragali sublinha (v. a nota anterior), através da ideia de “excepção substancial dilatória”:
“[…]
 Ao credor que tenha consentido o benefício da excussão não está, por essa circunstância, vedada a propositura de uma acção contra o fiador quando a obrigação garantida não é cumprida pelo devedor garantido; o que lhe está vedado é, exclusivamente, prosseguir na acção interposta quando o fiador faz valer esse benefício. A excepção não é extintiva do direito de acção porque não preclude a reproposição num processo sucessivo. Não preclude tal reproposição, conquanto o credor esteja em condições de demonstrar que se extinguiu, entretanto, o direito do fiador ao benefício. Daí que a excepção restrinja, apenas, o direito do credor e não modifique o conteúdo actual e a extensão de tal direito. O direito de acção extinguir-se-á, tão-só, quando a excussão produzir a satisfação total do interesse do credor” (Delle Obbligazioni…, cit. p. 282).
[15] José Lebre de Freitas, A Acção Executiva…, cit. p. 20: “[…] a acção executiva logicamente pressupõe a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo. A declaração ou acertamento (dum direito ou de outra situação jurídica; dum facto), que é o ponto de chegada da acção declarativa, constitui, na acção executiva, o ponto de partida”.