Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
970/17.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: RESOLUÇÃO
EFEITOS ENTRE AS PARTES
RETROACTIVIDADE
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 432.º, 433.º E 434.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A retroactividade implicada na resolução contratual implica o regresso ao estado económico-juridico anterior à frustração do contrato, numa base, quanto possível, igualitária entre ambas as partes.

II - Com a resolução constitui-se entre as partes uma “relação de liquidação” que é dirigida à reposição de modo equilibrado da situação anterior ao contrato, impondo atribuições patrimoniais correspondentes, quer à restituição das prestações já executadas, se possível, quer à indemnização das que já não são possíveis, quer à compensação entre umas e outras, quer ainda a desvinculação de prestações ainda não executadas, podendo falar-se, pois, de efeito restitutório e liberatório.

III - A restauração, envolvendo, em princípio, uma restituição natural das coisas prestadas (ou per tantundem, se se tratar de coisas genéricas), pode ter que traduzir-se numa mera restituição do valor correspondente (ou do equivalente) em caso de impossibilidade material.

IV - O contraente que procede à resolução não é obrigado a manter inalterado o seu património para permitir à parte que a causou a restauração natural, podendo rentabilizá-lo normalmente.

V - Nestas circunstâncias, o sentido reintegrador da resolução implicará o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados que terá como medida o estado anterior da coisa.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

           

I – “BC..., SA”, instaurou a presente ação de processo comum, contra “Cima – Centro de Inspeção Mecânica em Automóveis, SA”, pedindo a  sua condenação  a pagar-lhe uma indemnização de € 311.187,63, referente ao valor dos prejuízos causados nas suas instalações, bem como ao seu valor locativo e ainda às despesas de eletricidade, acrescendo o IVA e os juros vencidos desde a citação, bem como o valor locativo referente ao período em que ela, A., se mantiver privada das instalações em causa, a liquidar posteriormente.

Alegou ser titular do direito de superfície sobre um lote de terreno onde construiu um edifício destinado a oficina de reparação de automóveis, estação de serviço, armazéns e escritórios, sendo que, tendo transferido a sua atividade para outro local, entrou em negociações com a R., com vista à cedência do referido espaço, onde esta pretendia instalar um centro de inspeção de veículos. O texto final do acordo então celebrado, tendo merecido a concordância de ambas as partes, nunca chegou a ser assinado. Certo é que a A. permitiu à R. que entrasse na posse do prédio em Fevereiro de 2012 e aí iniciasse obras de adaptação, tendo ambas acordado que a renda de € 5.000,00 começaria a ser paga em Agosto daquele mesmo ano. Porém, tais obras de adaptação prolongaram-se e vieram, mais tarde, a ser interrompidas, sem que a R. tivesse, para o efeito, oferecido qualquer justificação, além de que se manteve sem assinar o contrato de arrendamento já negociado entre as partes, o que levou a que a A. a considerá-lo resolvido. Com as obras ali executadas, a R. provocou danos elevados no edifício, deixando-o impróprio para qualquer fim, além de que não liquidou qualquer contrapartida pela posse do edifício, tendo ainda consumido eletricidade que a A. pagou.

A R. contestou, tendo impugnado a matéria alegada pela A., considerando que cumpriu integralmente o que fora ajustado entre as partes até lhe ter sido vedado o acesso ao prédio em Novembro de 2012 pelo gerente daquela. Mais alegou que o prédio lhe foi entregue em avançado estado de degradação. Por outro lado, nos termos do acordo celebrado, a renda apenas seria devida a partir do momento em que fosse emitida a licença de construção. Defendendo-se por exceção, considerou que a A. litiga em contradição com a posição que assumiu perante si em Novembro de 2012, com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

 A A. respondeu referindo ter entregue à R. as instalações em perfeito estado de funcionamento, e que esta abandonou as obras quando deixou de estar interessada no arrendamento.

 Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual, foi proferido despacho saneador, tendo sido enunciados o objeto do litígio e os temas de prova.

 Procedeu-se à realização do julgamento, em cujo decurso a R . interpôs recurso de despacho que não admitiu a junção de prova documental por si requerida no decurso do mesma.

Julgado procedente tal recurso, foi determinada a junção da prova documental em questão, relativamente à qual ambas as partes foram admitidas a exercer contraditório, tendo sido, para o efeito, reaberta a audiência.

Foi, então, proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a R. a pagar à A. a a quantia global de € 77.770,87 (setenta e sete mil, setecentos e setenta euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora desde a sua citação, até efetivo e integral pagamento, à taxa de juros aplicável às empresas comerciais, de harmonia com a Portaria nº 597/2005, de 19/7, e sucessivos avisos publicados pela Direção Geral do Tesouro, absolvendo a R. do demais peticionado.

II - Do assim decidido apelaram a A. e a R.  

A- A A. concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:

1ª- Existe erro grosseiro na apreciação da matéria de facto, concretamente no que se refere aos seguintes pontos da mesma e para nos referirmos apenas aos que podem ter relevância: Factos não provados com referência à petição inicial: - 7º, parcialmente ( no segmento “boas”) - 8º, parcialmente (no segmento “facilmente, sem avarias”). - 9º, parcialmente (no segmento “perfeito estado” e “bom funcionamento”). - 10º, parcialmente (no segmento que tenha sido a ré que entrou em contacto com a autora). - 29º, parcialmente (que tenha retirado os portões, com excepção de dois, e os tenha levado para parte incerta). - 34º, parcialmente (a zona do elevador e a fossa tenha sido totalmente destruída, como o pavimento circundante). - 38, parcialmente (que a ré tenha deixado o prédio à mercê de quem quer que fosse, sem portões e que, por isso, tenha suportado a despesa aí mencionada). - 39º, parcialmente (que tenha provocado danos elevadíssimos ao imóvel deixando -o no estado que documentam as fotografias) - 40º - 42º, parcialmente (que tenha sido retirada a instalação eléctrica, havendo buracos em vários sítios). -46º a 86.

 Pelo que devem os factos alegados nos artigos referidos considerar-se integralmente provados, dando-os aqui por reproduzidos, para não tornar as presentes conclusões mais extensas. Por outro lado,

2ª- O facto dado como provado em 5.45 (2ª parte) da Fundamentação de Facto, (“cedência essa que ocorreu em data não apurada, mas posterior a 20 de Janeiro de 2016 e anterior à apresentação do relatório pericial junto aos autos, em 24 de Abril de 2018 (facto que em parte resulta do alegado no art. 96º da petição inicial e da instrução da causa nos termos do art. 5º, nº 2, a) do C.P.C”.) além de não ser instrumental está incorrectamente julgado, sendo a sua inclusão, na modesta opinião da autora, objectivamente artificiosa, não tendo relação com o facto com que se pretende relacionar.

3ª- A matéria dos arts. 7º, 10º, 17º, 33º e 34º da petição inicial foi expressamente confessada pela ré no art. 6º da contestação, pelo que os pontos da Fundamentação de Facto da douta sentença que a eles se referem e que são, respectivamente, 5.7, 5.10, 5.17, 5.28 e 5.29 deviam, pura e simplesmente, no essencial, ter reproduzido o que se alega naqueles artigos da p. i. dando estes como provados.

4ª- Nos arts. 46º a 88º da petição inicial a autora alegou pormenorizadamente em quanto importava a reposição do imóvel na situação anterior àquela em que se encontrava antes da intervenção da ré, tendo junto os respectivos orçamentos, que são os documentos juntos sob os n.os 67, 68, 69, 70 e 71, nos quais vêm discriminadas as espécies, quantidades preços unitários e totais.

5ª- Estes foram considerados adequados por unanimidade pela perícia colegial.

6ª- As testemunhas que a seguir se vão referir responderam no mesmo sentido, ou seja, da comprovação da matéria de facto referida na conclusão 1ª. Assim:

7ª- A testemunha AA, foi o engenheiro que efectuou a reparação referente à electricidade, através da sua empresa, a AL..., L.da, conhecia as instalações desde há muitos anos, quando a A. ainda as utilizava, por ali prestar habitualmente serviços de manutenção, confirmou que as mesmas se encontravam em perfeitas condições de funcionamento quando a ré tomou conta das mesmas e descreveu a situação em que se encontravam quando esta as deixou, com o chão destruído, a instalação eléctrica alterada, tudo por concluir, as janelas tinham desaparecido, não tinha portas, não tinha sanitários, não tinha louças sanitárias, nem  torneiras, tendo andado a empresa SC..., L.da a colocar portões para proteger o imóvel de estranhos, confirmando que as fotografias juntas com a p.i. como documentos n.os 8 a 66, traduziam a realidade do imóvel tal como foi deixado pela ré, como resulta das seguintes passagens do seu depoimento, prestado na audiência de julgamento de 23 de Setembro de 2020, gravado no sistema em uso no Tribunal: 06’:00’’ a13’:10’’; e de 18’:20’’ a 21’:30’’.

8ª- A testemunha BB também declarou o mesmo da testemunha anterior, confirmou as fotografias (documentos 8 a 66) juntos com a p. i. como traduzindo a situação do imóvel quando foi deixado pela ré, que quando esta entrou nas mesmas, estas encontravam-se em boas condições, as janelas funcionavam perfeitamente, não tinham, por isso, avarias, o piso estava em bom estado, liso, sem buracos, as paredes revestidas e pintadas, a instalação eléctrica e a rede de água funcionavam bem e que quando a ré deixou as instalações faltavam portões, tendo a autora que andar a vedar as mesmas, para impedir o acesso a estranhos, colocando portões e tapumes, tudo conforme resulta das seguintes passagens do seu depoimento, prestado na audiência de julgamento de 23 de Setembro de 2020, gravado no sistema em uso no Tribunal: de 00’:15’’ a 07’:20’’; de 07’:20’’a 12’:29’’; de 13’: 17’’ a 20’:55’’ e de 20’:55’’ a 24’:04’’.

9ª- A testemunha CC referiu que as instalações, quando a ré iniciou obras de adaptação, estavam em perfeitas condições, com os escritórios e as oficinas, e que quando foram retomadas pela autora estavam em estado lastimoso, degradado, tudo esburacado, esventrado, com o chão que antes era “lisinho” todo cheio de fossas e buracos, as casas de banho não existiam, as janelas e as portas tinham sido retiradas e na altura a autora teve inclusivamente que por tapumes nas janelas e mandar colocar portões para impedir o acesso de estranhos; esta testemunha também confirmou qua as fotografias juntas com a petição inicial – docs. 8 a 66 – traduzem a realidade do imóvel após ter sido deixado pela ré, tendo também confirmado as partes que a ré demoliu, conforme as seguintes passagens do seu depoimento, prestado na audiência de 23 de Setembro de 2020 e gravado no sistema em uso no Tribunal: de 02’:00’’ a 08’:03’’; de 08’:50’’ a 11’:34’’; de 12’:40’’ a 16’:00’’.

10ª- A testemunha DD declarou que conhece as instalações há muitos anos e nomeadamente quando a autora mudou para as instalações novas, e como se encontravam quando a ré tomou conta do imóvel para fazer as obras de adaptação para o centro de inspecções de veículos automóveis:  estavam em bom estado, em perfeitas condições de utilização, declarando que a ré deixou tudo esventrado na parte onde eram as oficinas, sendo as seguintes as passagens relevantes do seu depoimento, prestado na audiência de 23 de Setembro de 2020, gravadas no sistema em uso no Tribunal: de 00’:01’’ a 04’:06’’, confirmando também as fotografias (docs.8 a 66),.

 11ª- A testemunha EE confirmou o mesmo que a testemunha referida na conclusão 9ª, nomeadamente que as instalações foram entregues pela autora à ré em bom estado e que esta as deixou todas esburacadas e abertas, tendo sido necessário fechar com tapumes e colocar portões, pois os que existiam antes foram retirados pela ré, sendo as passagens do seu depoimento que interessam as sequintes (gravadas na audiência de julgamento de 23 de Setembro de 2020): de 01’:20’’ a 05’:20’’; de 05’:50’’ a 07’:32’’, confirmando também as fotografias (docs.8 a 66),.

12ª- A testemunha FF declarou que foi diversas vezes ao imóvel, antes de a ré ter iniciado as obras e o mesmo estava em bom estado, pois era feita uma manutenção regular, tendo inclusivamente sido feita uma limpeza geral, uma semana antes de a ré ter entrado para fazer as obras de adaptação., tendo andado lá a testemunha mais uns colegas e estava tudo funcional, sendo as passagens relevantes, as seguintes: de 01’:50’’ a 03’:51’’; de04’:10’’ a 14’:03’’, confirmando também as fotografias (docs.8 a 66),.

13ª- A testemunha GG confirmou que as instalações estavam em bom estado , eram vigiadas e periodicamente visitadas, que cerca de 8 dias antes de a Ré ter entrado a fazer as obras de adaptação para um centro de inspeção automóvel foi dali tirar o arquivo que ainda ali se encontrava, foi feita uma limpeza geral e que a Ré nessas obras de adaptação que não concluiu escavou o piso da oficina , para fazer fossas, alterou as entradas dos portões , retirou estes, arrancou os elevadores , demoliu a secção de pintura, só ficou de pé o pavilhão principal, que quando a A. retomou as instalações teve de comprar umas chapas para vedar, sendo as passagens do seu depoimento as seguintes: de 00’:45’’ a 10’:56’’, confirmando também as fotografias (docs.8 a 66),.

14ª – Os concretos meios de prova que impõem decisão diversa da matéria de facto, no sentido propugnado pela recorrente, ou seja, que devem ser também considerada provada a matéria que foi considerada não provada dos arts. 7º, 8º, 9º,10º, 17º, 29º, 34º, 38º, 39º, 40º, 42º e 46º a 87º são os depoimentos das testemunhas referidas nas conclusões 7ª, 8ª; 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª e as passagens respectivas que constam das mesmas conclusões bem como os orçamentos juntos como documentos nº 67, 68, 60, 70 e 71 com a p.i., confirmados como adequados pela prova pericial (v. relatório pericial) e as facturas juntas com a p.inicial como docs. 5, 6 e 7.

 15ª- Em relação ao designado facto instrumental que a Mª Juíza “a quo” inclui no ponto 5.45 da Fundamentação de Facto, não só o mesmo não é um facto instrumental sobre o qual possa ter sido produzida prova no exercício do contraditório, como o mesmo só serve para induzir em erro, na medida em que do mesmo não pode constar que é possível ter acontecido (é uma hipótese) antes da instauração da acção, que foi em (2/3/2017).

 16ª- Na verdade, na data da instauração da acção as instalações estavam inaptas, sem terem sido feitas quaisquer obras após a saída da Ré, como resulta implicitamente do alegado no art. 96º da p.i. (bem como dos arts. 97º, 98º, 99º e 100º), que não foi especificadamente impugnada pela Ré.

17ª- Por isso, não pode dar-se como provado que entre a data de 20/1/2016 e a data de 24/142018 a A. cedeu a utilização do imóvel para ginásio, porque à data da instauração da acção (2/3/2017) tal não tinha acontecido, sendo que o tribunal dispõe de elementos (referidos factos alegados na p.i. que não foram contestados) que não lhe permitem pôr sequer a hipótese de a posterior cedência para um ginásio poder ter sido antes da instauração da acção, porque não foi.

18ª- E tratando-se de um facto posterior, superveniente e não alegado, para o caso concreto é de todo irrelevante.

 19ª – Acresce que, não obstante a Mª Juíza “a quo” o ter designado de facto instrumental sem se perceber por quê, o certo é que, parece , foi essencial para ter decidido que não assiste à Autora direito a indemnização pelos danos causados no edifício .

 20ª – Assim, não pode o mesmo ser considerado na decisão a proferir na presente acção, pois o que aconteceu posteriormente não tem relevância, já que não fez desaparecer os danos causados pela Ré alegados na petição inicial.

 21ª – Assim sendo, os danos causados pela Ré com a sua actuação demandavam para a sua reparação as importâncias constantes dos orçamentos que constituíram os documentos juntos sob os nºs 67, 68, 69, 70 e 71 da petição inicial, os quais foram considerados como adequados pela perícia colegial (v. relatório pericial), importam  em € 208 426,77, mais IVA, já com o montante referente à colocação de chapas metálicas nas aberturas (docs. 5, 6 e 7).

22ª – Por outro lado, além da indemnização arbitrada na douta sentença referente às prestações devidas pela Ré desde a data da licença de construção até à data da resolução do contrato , deve a Ré ser condenada a pagar uma indemnização à A. referente ao período em que esta esteve privada da utilização do imóvel por o mesmo, em virtude da intervenção da Ré ter ficado inapto para a função que tinha., sendo de considerar que o período de tempo a considerar será desde a data da resolução do acordo feito entre a A. e a Ré (Março de 2014) até à data em que passou a poder utilizar o imóvel , posterior à data da instauração da acção, a fixar em liquidação ulterior.

23ª – O montante devido pela Ré à A . posterior à resolução do contrato não deve ser à razão de € 5 000,00 por mês como peticionou na acção mas de € 4 670,00 por mês que foi aquele que o Tribunal recorrido deu como provado em face da resposta da perícia colegial ao quesito 5. (v. relatório pericial).

24ª – Pelo que tal montante global referente à indemnização devida pela privação do imóvel, deverá ser liquidado posteriormente desde a data da resolução até à data que vier a apurar-se (mas que foi sempre posterior à da instauração da acção) em que a A . passou a poder dispor do imóvel.

 25ª – A privação do gozo de uma coisa do titular do respectivo direito constitui um ilícito que a nossa ordem jurídica prevê como fonte de indemnização.

26ª – A simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o titular deve ser compensado em última análise com recurso à equidade.

25ª- Assim, na presente data é devida pela ré à autora a importância de € 208 426,77 mais IVA referente à reparação dos danos causados no imóvel, mais a indemnização a fixar em liquidação ulterior referente à privação do uso do imóvel, desde a data da resolução (Março 2014) até à data em que a Autora passou a poder fruir novamente do imóvel, acrescida dos juros à taxa legal para as operações comerciais.

 26ª Deve, assim a douta sentença ser revogada, julgando-se a acção procedente em conformidade com a conclusão anterior.

27ª-A recorrente indica, no cumprimento do disposto no artigo 639º, n.1 e 2 do C.P.C. a norma que, na sua opinião foi violada: 483º, nº 1 do C.C., na medida em que à A. foram causados danos pela Ré e a douta sentença não lhe reconheceu o direito de ser indemnizada.

II - B - Por sua vez, a R. concluiu as respectivas alegações de recurso, do seguinte modo: 

I-A decisão recorrida encontra-se ferida de nulidade por se verificar contradição entre os fundamentos de facto e de direito expostos na decisão tomada.

II- A “Fundamentação de Facto” da decisão recorrida — concretamente o facto dado como provado no ponto 5.42 — encontra-se em manifesta oposição com o ponto 9.8 na “Fundamentação de Direito”, dando origem a que a Decisão proferida, que acabou por julgar a acção parcialmente procedente, se encontra ferida de nulidade por se mostrar contrária aos factos dados como provados, concretamente ao facto provado de que a Ré apenas utilizou o imóvel e ali efetuou obras desde fevereiro de 2012 até agosto de 2012.  

III- Pois dando como provado que a Ré apenas utilizou o imóvel entre fevereiro e agosto de 2012, não podia a Sentença recorrida condenar a Ré ao pagamento das «…rendas devidas por cada mês de utilização do espaço…» no período que vai de janeiro de 2013 a março de 2014 — ponto 9.8 da Fundamentação de Direito.

IV. Com efeito, da subsunção dos factos provados sob 5.18, 5.24 e 5.42, competia ao Tribunal a quo absolver a Ré do pedido de pagamento de quaisquer rendas pela utilização do imóvel, absolvição que se impetra a este Tribunal Superior.

V. A decisão recorrida enferma, assim, da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c), do CPC.

VI. Nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1, do C.P.C., a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

VII. Impugna a Apelante os factos dados como provados nos pontos 5.30, 5.31, 5.34, 5.35 e 5.44, bem como os factos não provados reportados aos artigos 2º, 21º a 29º, 32º a 36º da Contestação, todos elencados na Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, por estarem em contradição com a prova produzida nos presentes autos, devendo tais factos ser alterados nos termos propostos pela recorrente.

 VIII. O Tribunal a quo não podia ter dado como provado que a Autora em 18 de fevereiro de 2014 ainda se mantinha interessada em ceder as instalações à Ré, o que fez ao arrepio dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal ouvida em julgamento e das regras da experiência comum.

 IX. Pois logo em 28 de dezembro de 2012 a Autora manifestou por escrito à Ré (fls. 321v) que necessitava das «…chaves de todas as portas das nossas instalações, pois temos vários interessados aos quais temos de as mostrar…».

X. Mostrando, então, a Autora, de forma inequívoca, que já em dezembro de 2012 voltara a diligenciar com vista ao arrendamento do imóvel a vários interessados…

 XI. Mais ainda, em 18 de Fevereiro de 2014, a autora enviou à ré a carta cuja cópia consta de fls 322 v, na qual lhe comunicou que em 02.01.2013 “… momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje.” Depois,

XII. O tribunal recorrido não podia ter dado como provado que a Autora colocou no prédio uma placa com o dizer arrenda-se «em data que em concreto não foi possível apurar, mas posterior ao envio de tais cartas…» desde logo, neste particular, por manifesta ausência de prova que aponte neste sentido.

XIII. Pelo contrário, a única prova produzida nos autos em relação a este facto foi o depoimento das ... testemunhas supra aludidas que declararam ter visto tal placa em novembro de 2012…

XIV. … facto não desmentido por nenhuma outra prova dos autos e plenamente compaginável com o documento de fls. 321v no qual a Autora afirmava que tinha vários interessados aos quais temos de as mostrar, evidenciando estar a diligenciar o arrendamento do imóvel em 2012.

XV. A Sentença recorrida incorre em manifesto erro sobre os pressuposto de facto quando enuncia não ter atendido a parte do depoimento das testemunhas HH, II e JJ com o único fundamento de que a «… alegação de que a autora impediu o regresso da autora à obra mostrou-se infirmada pelos demais meios de prova produzidos e examinados, designadamente as comunicações por email trocadas entre as partes que evidenciam que a autora foi alheia à retirada da obra por parte da ré e que só após a resolução do contrato voltou a diligenciar com vista ao seu arrendamento.».

XVI. Porém, os emails de fls. 321v dos autos, a que a Sentença faz apelo, e a regras da experiência comum dizem precisamente o contrário.

 XVII. Em primeiro lugar, naqueles emails não se faz qualquer alusão quanto ao motivo do abandono da obra pela Ré, não permitindo que dali se conclua que “a autora foi alheia à retirada da obra por parte da Ré”.

XVIII. Em segundo lugar, como atrás se demonstrou, da leitura atenta do email de 28 de dezembro de 2012, verifica-se precisamente o contrário, isto é: a Autora em dezembro de 2012 já estava a diligenciar com vista ao arrendamento do imóvel sub judice.

XIX. Contrariamente, ocorre que estas ... testemunhas, de forma isenta, imparcial e categórica atestaram que, em novembro de 2012, quando a Ré pretendeu retomar os trabalhos no locado, deparou-se com as instalações fechadas a cadeado e correntes, impedindo-a de ter acesso ao locado e ali se encontrando afixada uma faixa com o dizer “ARRENDA-SE”. Mais referiram que contactado telefonicamente o representante da Autora (dono do pavilhão), este deslocou-se ao local e afirmou que fora ele quem mandara encerrar o imóvel a cadeado e correntes, afirmando que ali mais ninguém entrava, impedindo de forma categórica que a Ré e os seus trabalhadores acedessem ao imóvel, atestando, ainda, que o representante da Autora ameaçou que se alguém tentasse entrar lá dentro ele próprio trataria de os “deitar abaixo”.

XX. Factos que não são, de todo, infirmados pelo email de fls 321v, nem por qualquer outra prova produzida nos autos.

 XXI. Na matéria de facto em análise pretendia-se, para aplicação do direito positivo aplicável ao caso em apreço, aferir do tema de prova “Obstrução de acesso da ré ao prédio pela autora e sua localização temporal”.

XXII. Ora, nos presentes autos foi produzida prova bastante e cabal, quer documental quer testemunhal, de que a Autora em novembro de 2012 impediu o acesso da Ré ao imóvel, ameaçando atentar contra a integridade física de quem ali tentasse entrar e tendo ali colocada uma placa com os dizeres “ARRENDA-SE”.

XXIII. Na sequência deste episódio, resulta da prova documental, das regras da experiência comum e da prova testemunhal, que a Autora em 28 de dezembro de 2012 já se encontrava a diligenciar o arrendamento do imóvel, para o que já dispunha de vários interessados, conforme a Autora declarou por escrito (fls. 321v).

XXIV. Tendo isto presente e apelando ao que se vem expondo quanto à prova documental e testemunhal produzida nos autos, seguindo a ordem da Fundamentação de Facto, os factos que a Apelante considera erradamente julgados deverão ser alterados nos moldes seguintes:

O facto dado como provado sob 5.30 da fundamentação de facto deverá ser alterado dando-se como provado que: 5.30- A ré interrompeu as obras em agosto de 2012, que se encontravam inacabadas, e não mais as retomou por a Autora lhe ter vedado o acesso ao imóvel, impedindo-a de terminar as obras e continuar a fruir do mesmo.

O facto dado como provado sob 5.31 da fundamentação de facto deverá ser alterado dando-se apenas como provado que: 5.31 – Em 18 de Fevereiro de 2014, a autora enviou à ré a carta cuja cópia consta de fls 322 v, na qual além do mais aí exarado, lhe comunicou: “(…) No momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje.”

 O facto dado como provado sob 5.34 da fundamentação de facto deverá ser dado como não provado por se encontrar em manifesta antinomia com a restante matéria de facto dada como provada.

 O facto dado como provado sob 5.35 da fundamentação de facto deverá ser alterado dando-se como provado que: 5.35 – Em novembro de 2012 já se encontrava colocada no prédio uma placa com o dizer: “arrenda-se” (artigo 24º da contestação);

O facto dado como provado sob 5.44 da fundamentação de facto deverá ser dado como não provado por manifesta insuficiência de prova documental que sustente o efectivo pagamento dos consumos de eletricidade por banda da Autora, não tendo sido junto aos autos qualquer meio de pagamento comprovativo de que a Autora suportou quaisquer consumos de eletricidade.

Por seu turno, novamente em sentido contrário à prova documental e testemunhal produzida nos autos, o Tribunal a quo decidiu dar como não provada a matéria de facto constante dos artigos 2º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º 27º 28º, 29º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º da Contestação, o que se impugna, devendo os mesmos ser dados por provados nos seguintes moldes:

 5.47 - A Ré cumpriu integralmente com o ajustado entre as partes, tendo-lhe sido vedado o acesso ao locado em novembro de 2012, pelo gerente da A., o Sr. Eng. KK, que então pôs termo ao arrendamento.

5.48 - Em novembro de 2012, quando a Ré pretendeu retomar os trabalhos no imóvel, deparou-se com as instalações fechadas a cadeado e correntes, impedindo-a de ter acesso ao imóvel.

5.49 - Encontrando-se ali afixada uma faixa com o dizer “ARRENDA-SE” (cfr. Doc. 1 da contestação).

 5.50 - Contactado o representante legal da Autora, o Sr. Eng. KK, este deslocou-se ao imóvel e afirmou que fora ele quem mandara encerrar o imóvel a cadeado e correntes.

5.51 - Impedindo a Autora de forma categórica que a Ré acedesse ao imóvel.

5.52 – Na mesma altura o representante da Autora afirmou que se alguém tentasse entrar lá dentro ele próprio trataria de os “deitar abaixo”.

5.53 - Impedindo o acesso e que se prosseguissem as obras de adaptação do imóvel à actividade da Ré.

5.54 - Desde então, impedida de aceder ao imóvel, a Ré tomou por definitivas as palavras do gerente da Autora, dando o Arrendamento por terminado em novembro de 2012.

 5.55 - Tendo a Autora mantido até ao presente a sua posição de interdição do acesso da Ré ao imóvel, não permitindo o gozo e fruição da coisa arrendada pela Ré.

XXV. Acresce que é facto incontornável destes autos que, sintomaticamente, a Autora nunca tenha, ao longo de 6 anos, reclamado o valor que alega lhe ser devido, e nunca tenha interpelado a Ré para pagar o que lhe devia.

XXVI. Uma vez mais, ditam as regras da experiência comum que quem se encontra verdadeiramente despojado de tão grande quantia não aguarda em silêncio e sem qualquer reclamação por 6 (seis) longos anos, que vão dos idos de 2012, altura em que a Autora reconhece que a Ré deixou de utilizar/abandonou o imóvel e o ano de 2017, altura em que a Autora instaurou a presente acção.

XXVII. Provado que está que foi a Autora quem vedou o acesso da Ré ao imóvel, impedindo-a de fruir do mesmo, não pode a Ré ser condenada ao pagamento de qualquer valor a título de renda.

XXVIII. O instituto da chamada “exceptio non adimpleti contratus” (art.428º do CC) tem o seu âmbito de aplicação nas obrigações sinalagmáticas, impondo que se tome em conta o princípio da boa fé e o apelo à ideia de abuso de direito (artigos 762º nº2 e 334º CC).

XXIX. Sendo, também, evidente que a Autora litiga em manifesta contradição com a posição que assumiu perante a Ré desde novembro de 2012.

XXX. O abuso de direito por “venire contra factum proprium” verifica-se, assim, sempre que alguém se apresenta a exercer um direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente o seu interlocutor teria confiado. Caso em que o direito seria exercido contra a boa-fé, ou, até, contra os bons costumes e daí a ilegitimidade

XXXI. A condenação que recaiu sobre a Ré tem, necessariamente, que soçobrar por manifesta falta de suporte fáctico e apoio legal que s sustentem. Acresce que,

XXXII. A realidade corroborada pelas fotografias juntas a fls 483 e ss, estão em perfeita harmonia com os esclarecimentos prestados pelas testemunhas da Apelante, que retrataram com rigor e de forma fidedigna o estado das instalações em causa no momento em que foram cedidas à Ré, ora Apelante. Pelo que, a Apelante considera ainda erradamente julgados os seguintes factos, os quais deverão ser alterados nos moldes seguintes:

 XXXIII. Os factos dados como provados sob 5.8 e 5.9, bem como os factos reportados aos artigos 8º e 9º da p.i. e artigos 7º, 13º, 14º e 16º da réplica, referidos na Fundamentação de Facto, deverão ser alterados, passando a ser dados como NÃO PROVADOS tout court.

XXXIV. Os factos reportados aos 3º, 4º, 10º, 11º, 16º, 18º da Contestação, referidos na Fundamentação de Facto, deverão ser alterados, passando a ser dados como integralmente PROVADOS, nos seguintes termos:

5.56 - O locado foi entregue à Ré em estado avançado de degradação e abandono.

5.57 - Factos estes conscientemente omitidos pela Autora.

 5.58 - A Ré encontrou o locado aberto com DOIS PORTÕES em falta, janelas partidas, encontrando-se o imóvel em verdadeiro e absoluto estado de abandono.

 5.59 - A Ré procedeu à substituição dos portões de fole ali existentes por portões novos seccionados/elevatórios devidamente automatizados.

 5.60 - Sendo certo que não foram lá encontrados nenhuns portões automatizados, antes se tratando de velhos portões de foles.

XXXV. Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve a decisão ora apelada ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré de todos pedidos formulados pela Autora.

 XXXVI. A decisão recorrida viola/faz uma interpretação desacertada do disposto nos artigos 342º, nº 1 e 2, 406º, nº 1 e 428º e 762º, nº 2, do Código Civil.

Quer a R. quer a A. apresentaram contra-alegações, nelas se opondo ao pretendido pela contraparte, não tendo, no entanto, formulado nelas conclusões.

           

III –  A - O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

 5.1 - A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio (compra e venda) de veículos automóveis, máquinas industriais e seus acessórios, bem como à sua reparação (artigo 1º da petição inicial);

 5.2 - A ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração de centros de inspeção mecânica de automóveis (artigo 2º da petição inicial);

5.3 – Existe um lote de terreno, designado "por lote número ...", sito em ..., junto à E.N. ..., que fazia parte então do art. ... (rústico) da freguesia ... onde a autora construiu um edifício destinado a oficina de reparações de automóveis, estação de serviço, armazéns e escritórios, com a superfície coberta de 1445 m2 e descoberta de 3555m2, atualmente inscrito na matriz sob o artigo nº ...19 (urbano) da freguesia ..., concelho ... (artigo 3º da petição inicial);

5.4 – Sobre o terreno mencionado no artigo anterior, em 12/02/1981, a Câmara Municipal ... constituiu um direito de superfície a favor da autora pelo período de 75 anos, o qual foi registado na CRP ... sobre o prédio aí descrito sob o nº ...36 da freguesia ..., mediante a ap. ...42, de 2013/12/03 (artigos 3º e 4º da petição inicial);

5.5 – A autora em tal terreno edificou os pavilhões que hoje ali se encontram, que destinou à sua atividade comercial e industrial (artigo 5º da petição inicial);

5.6 – Assim como ali edificou as naves de reparação de veículos automóveis, e os escritórios destinados à administração e aos funcionários administrativos, para receber clientes e fornecedores, ali tendo prestado os serviços próprios da sua atividade (artigo 6º da petição inicial);

5.7 - Entretanto, há cerca de nove ou dez anos, a autora construiu no Parque Industrial ... umas novas instalações, para onde se mudou, deixando vagas as descritas nos pontos anteriores, em condições de conservação e funcionamento (artigo 7º da petição inicial);

5.8 - Todas as portas e janelas abriam e fechavam (artigo 8º da petição inicial);

5.9 - Nessa ocasião, o piso de todas as dependências ficou no estado em que se encontrava, com cimento endurecido e afagado e mosaicos, as paredes revestidas e pintadas, a área administrativa com parquet flutuante, todas as dependências com instalação elétrica e rede de água em funcionamento (artigo 9º da petição inicial);

5.10 – Em outubro de 2011, iniciaram-se contactos entre a autora e a ré, tendo esta dado conhecimento à primeira de que estava interessada em entrar em negociações com o objetivo de ali instalar um centro de inspeção de veículos automóveis (artigo 10º da petição inicial);

5.11 – A autora e a ré acordaram na cedência das referidas instalações, no estado supra mencionado, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 5.000,00, tendo para o efeito elaborado o acordo que denominaram “contrato de arrendamento para fins não habitacionais”, datado de 23 de julho de 2012, cuja cópia consta de fls 15 a 16 dos autos, celebrado para um período de 10 anos (artigo 11º da petição inicial, artigo º da réplica);

5.12 – Entre a autora e a ré estabeleceram-se vários contactos e houve várias trocas de emails até chegarem à redação do texto do documento que iria titular o contrato, que mereceu a concordância de ambas as partes, mas que nunca chegou a ser por ambas assinado (artigos 12º e 34º, da petição inicial);

5.13 – O acordo celebrado entre a autora e a ré previa a sua renovação automática por iguais períodos “se nenhuma das partes comunicar, por escrito, através de carta registada com aviso de receção, a sua oposição à renovação, com 1 (um) ano de antecedência em relação ao termo do prazo do contrato e das suas sucessivas e eventuais renovações” (artigo 13º da petição inicial);

5.14 - Aquela retribuição de € 5.000,00 seria a pagar na sede da autora até ao dia 8 do mês a que dissesse respeito, e seria atualizada, tal como ficou acordado, em conformidade com o coeficiente de atualização anual de renda resultante da variação do índice de preços ao consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos doze meses e para os quais existam valores disponíveis à data de 31 de agosto, apurado pelo I.N.E (artigo 14º da petição inicial);

5.15 – Nos termos da cláusula “Quinta” do acordo junto a fls 15 e ss: “A primeira contraente autoriza, desde já, a segunda contraente a realizar, no local arrendado, por sua exclusiva conta e risco, todas as obras de ampliação operativas, ou outras, desde que relacionadas com a atividade de inspeções automóveis, conquanto tais obras não prejudiquem a segurança do prédio ou modifique(m) a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, conferindo à segunda contraente, os necessários poderes para que esta possa assinar, ou fazer assinar, e submeter às autoridades e/ou entidades competentes todos e quaisquer requerimentos que se mostrem necessários para a obtenção das necessárias autorizações e licença de utilização que correm por sua conta, ficando estipulado que as obras que se realizarem não poderão ser levantadas ou demolidas, ficando, desde logo, a pertencer ao arrendado, sem que a segunda contraente possa alegar direito de retenção ou exigir indemnização” (artigos 15º e 16º, da petição inicial, artigo 9º da contestação);

5.16 – Nos termos da cláusula “Décima Primeira” do acordo celebrado: “A inquilina após verificar o estado em que se acha o locado, declara que o mesmo se encontra em perfeitas condições de utilização para o fim pretendido, renunciando ao direito de resolver o contrato e/ou exigir qualquer indemnização pelo facto de não existir licença de utilização adequada, sendo a obtenção da mesma da sua responsabilidade. As partes acordaram que as obras necessárias à instalação da inquilina correm por sua conta e risco e por esse motivo a locadora não dispõe de licença de utilização necessária para o arredamento em questão, razão pela qual a obtenção da licença de utilização compete à inquilina, que a deverá obter em conformidade com as obras que vai realizar e são necessárias para a instalação de um centro de inspeção. Para esse efeito, a locadora obriga-se a assinar toda a documentação necessária (…)” (artigo 16º da petição inicial);

5.17 – A autora permitiu que a ré entrasse na posse do referido prédio em fevereiro de 2012 e avançasse com a realização das obras de adaptação que esta entendesse por necessárias, para que o centro de inspeções abrisse rapidamente ao público, como era interesse desta, ficando por conta dela todos os custos, incluindo de consumo de eletricidade (artigo 17º da petição inicial);

 5.18 – Nos termos da cláusula “Terceira”, alínea c) do referido acordo: “Tendo presente o ajustado entre as partes relativamente às obras de adaptação do locado à atividade da segunda contraente, e acordado que a primeira renda só será devida após a obtenção da respetiva Licença de Obras” (artigo 18º da petição inicial, artigos 20º e 36º da contestação);

5.19 - Por questões formais e uma vez que a autora era a titular do prédio em questão, ficou acertado entre esta e a ré que o pedido de licenciamento das obras fosse feito através dela (autora) (artigo 19º da petição inicial, artigo 19º da contestação);

 5.20 – A autora disponibilizou-se a assinar tudo o que necessário fosse ao indicado fim, como também tinha sido acordado (artigo 20º da petição inicial);

5.21 - Competindo, no entanto, à ré elaborar os respetivos requerimentos e procedimentos e suportar as respetivas despesas, limitando-se a autora a assinar o que fosse necessário na qualidade de titular do prédio e aquela lhe apresentasse, o que a ré também fez (artigos 21º e 22º da petição inicial);

5.22 - Bem como seria a ré a pagar quaisquer coimas decorrentes da realização de obras sem licença, ou prejuízos por força de tal atuação, nomeadamente à autora (artigos 23º e 24º da petição inicial);

5.23 - A ré elaborou projetos para o licenciamento das obras que estava a fazer no prédio da autora, cuja assinatura lhe solicitou e que deram entrada nos serviços do Município ... (artigos 25º e 26º da petição inicial, artigo 19º da contestação);

 5.24 - A licença foi emitida em 2/1/2013 com o número 1/2013, sendo o termo do seu prazo de validade o de 3/4/2013, do que a autora deu conhecimento à ré, que ao mesmo anuiu (artigos 27º e 28º, da petição inicial);

5.25 - No âmbito das obras que pretendia levar a efeito para a instalação do centro de inspeções, a ré alterou o local de implantação dos portões dos pavilhões (artigo 29º da petição inicial, artigo 16º da contestação);

5.26 – E retirou o pavimento dos pavilhões e do escritório, rasgando-o e ali colocou condutas e túneis para receber máquinas próprias para as inspeções dos veículos (artigo 30º da petição inicial, artigo 13º da réplica);

5.27 - A ré demoliu também os anexos onde funcionava a pintura, instalações sanitárias, armazém e estufa de pintura (artigo 31º da petição inicial, artigo 8º da réplica);

5.28 - A ré demoliu paredes na zona da secção de bate-chapas, e alterou o lugar onde se encontravam implantados os portões, fechando, no lugar anteriormente ocupado por alguns deles, as respetivas aberturas (artigo 33º da petição inicial);

5.29 – A ré efetuou alterações na zona do elevador e da fossa (que na planta designada por doc. 4 é a ali referida como “área complementar B”), tendo feito desaparecer o elevador e retirado a dita fossa, alterando também o pavimento circundante (artigo 34º - o 1º com esta numeração na petição inicial);

5.30 – A ré interrompeu as obras em agosto de 2012, que se encontravam inacabadas, e não mais as retomou, não tendo para esse facto apresentado qualquer justificação à autora, tendo-se mantido, até então, sem assinar o acordo supra referido (artigo 34º - o 2º que na petição inicial tem essa numeração);

5.31 – Em 18 de Fevereiro de 2014, quando ainda se mantinha interessada em cederlhe as instalações, a autora enviou à ré a carta cuja cópia consta de fls 322 v, na qual além do mais aí exarado, lhe comunicou: “(…) No momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje. Fizemos imensos contactos para que reiniciassem as obras, sem sucesso. Até hoje nada nos pagaram. O prédio encontra-se em parte repleto de obras inacabadas. A licença de obras caducou, entretanto. Assim, vimos pela presente comunicar-vos que vos concedemos o prazo até final do mês em curso para que nos comuniquem por escrito se mantêm o propósito de realizar as obras em falta, ocupar o espaço, entregarem o contrato de arredamento assinado, pagarem o devido até ao presente, para que possamos dar entrada de novo pedido de licenciamento de obras para o efeito, junto do Município ..., sob pena de, em caso de silêncio da vossa parte, considerarmos que perderam definitivamente o interesse no projetado negócio e considerarmos resolvido o contrato que nos une (artigo 35º da petição inicial, artigo 15º da réplica);

5.32 – A autora não obteve qualquer resposta à referida comunicação (artigo 36º da petição inicial);

5.33 – Em 10/3/2014, a autora enviou à ré uma carta que esta recebeu em 13/3/2014 a comunicar-lhe: “Damos aqui por reproduzidos os factos alegados na nossa carta de 2014-02-18. Inexplicavelmente, V. Exas não responderam àquela missiva. Por conseguinte, não estando obrigados a manter-nos na situação em que nos colocaram, vimos comunicar-vos que pela presente resolvemos o contrato que nos une, com todas as consequências daí decorrentes” (artigo 37º da petição inicial);

5.34 - Não obstante o envio das cartas supra referidas, a ré não entregou o prédio à autora (artigo 38º da petição inicial

 5.35 – Em data que em concreto não foi possível apurar, mas posterior ao envio de tais cartas, a autora colocou no prédio uma placa com o dizer: “arrenda-se” (artigo 24º da contestação;

5.36 - A ré, com as obras que levou a efeito e que não concluiu, tendo-as interrompido em agosto de 2012, provocou diversas alterações no imóvel, deixando-o inapto para o fim que tinha antes das obras que ali iniciou (compra e venda e reparação de veículos automóveis pesados e máquinas industriais), assim como para aquele que a ré pretendia dar-lhe (centro de inspeções de veículos automóveis) (artigos 39º, 94º, 95º, 99º, da petição inicial, artigos 14º e 16º, da réplica);

5.37 - A ré retirou o pavimento dos pavilhões e do escritório, rasgando-o, para ali colocar condutas e túneis para receber as máquinas inspetivas dos veículos (artigo 41º da petição inicial);

5.38 – A ré iniciou as obras de adaptação do edifício para instalação de equipamentos de inspeção (artigo 17º da contestação);

5.39 – A ré retirou portas interiores e janelas e suprimiu parte que não foi possível apurar da instalação elétrica (artigo 42º da petição inicial);

5.40 - As instalações sanitárias que existiam nos anexos foram demolidas e, em sua substituição, foi iniciada a construção de outras, em local diverso do edifício (artigos 31º e 44º da petição inicial e 15º da contestação, artigo 8º da réplica);

5.41 - A calçada do prédio foi parcialmente danificada (artigo 45º da petição inicial);

5.42 - A ré utilizou o imóvel e ali efetuou obras desde fevereiro de 2012 até agosto de 2012, com vista à sua transformação num centro de inspeção automóvel, que nunca terminou, não tendo procedido à sua entrega à autora (artigos 89º e 90º da petição inicial); 5.43 - A ré, não obstante a isso se ter obrigado, não pagou o valor mensal de € 5.000,00 acordado para a retribuição do referido imóvel, pagamento esse que foi acordado para o momento em que fosse concedida licença de obras (artigo 91º da petição inicial);

5.44 – Durante o período em que o prédio esteve entregue à ré, os consumos de eletricidade cifraram-se em € 2.770,87, que a autora pagou (artigo 93º da petição inicial);

5.45 – A autora teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço, tendo vindo a ceder a sua utilização para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização, cedência essa que ocorreu em data não apurada, mas posterior a 20 de janeiro de 2016 e anterior à apresentação do relatório pericial junto aos autos, em 24 de abril de 2018 (facto que, em parte, resulta do alegado no artigo 96º da petição inicial, e ainda da instrução da causa, nos termos do artigo 5º, nº 2, a), CPC);

5.46 - Considerando a localização do prédio, os acessos, a área coberta e descoberta, o valor de retribuição adequado para a cedência do referido prédio é de € 4.670,00, valor que se mostra adequado à data de 2012, devendo ponderar-se o fator de atualização de 1,02 (artigos 97º e 98º, da petição inicial).

III – B) – O Tribunal da 1ª instância julgou não provado:  

a) O alegado nos seguintes artigos da petição inicial:

- 7º, parcialmente (no segmento “boas”); - 8º, parcialmente (“facilmente, sem avarias”); - 9º, parcialmente (“perfeito estado” e “bom funcionamento”); - 10º, parcialmente (que tenha sido a ré que entrou em contacto com a autora); - 11º, parcialmente (que tenha ficado acordado o pagamento da renda desde 23 de julho de 2012); - 13º, parcialmente (que a retribuição fosse devida desde 23 de julho de 2012); - 17º, parcialmente (que as negociações tenham corrido tão bem e dentro de um espírito de confiança mútua); - 18º, parcialmente (que a ré se tenha obrigado a pagar a renda desde agosto de 2012, independentemente de quaisquer outras formalidades); - 29º, parcialmente (que tenha retirado todos os portões, com exceção de dois e que os tenha levado para parte incerta); - 33º, parcialmente (que tenha retirado todos os portões e os tenha levado para sítio desconhecido); - 34º, parcialmente (a zona do elevador e da fossa tenha sido totalmente destruída, como todo o pavimento circundante); - 33º; - 34º, parcialmente (a ré publicitasse, há muito, na internet, que ali tinha um centro de inspeções); - 38º, parcialmente (que a ré tenha deixado o prédio à mercê de quem quer que fosse, sem portões e que por isso a ré tenha suportado a despesa aí mencionada); - 39º, parcialmente (que tenha provocado danos elevadíssimos ao imóvel, deixando-o no estado que documentam as fotografias); - 40º; - 42º, parcialmente (que tenha retirado toda a instalação elétrica, havendo buracos em vários sítios); - 43º; - 44º, parcialmente (que seja necessário reconstruir e equipar as instalações sanitárias); - 45º, parcialmente (que a calçada do prédio tenha sido totalmente destruída e que seja necessário proceder à sua reposição e reparação); - 46º; - 47º; - 48º; - 49º; - 50º; - 51º; - 52º; - 53º; - 54º; - 55º; - 56º; - 57º; - 58º; - 59º; - 60º; - 61º; - 62º; - 63º; - 64º; - 65º; - 66º; - 67º; - 68º; - 69º; - 70º; - 71º; - 72º; - 73º; - 74º; - 75º; - 76º; - 77º; - 78º; - 79º; - 80º; - 81º; - 82º; - 83º; - 84º; - 85º; - 86º; - 88º; - 89º, parcialmente (que a ré ainda hoje andasse na posse do imóvel, não fosse a autora a tomar conta dele); - 90º, parcialmente (as obras se tenham traduzido em meros danos para o edifício); - 91º, parcialmente (que o pagamento tenha sido acordado a partir de agosto de 2012); - 97º, parcialmente (porquanto se apurou que o valor adequado é o de € 4.670,00 e não o de € 5.000,00); - 98º, parcialmente (dado que se apurou que o valor adequado é o de € 4.670,00);

 b) O alegado nos seguintes artigos da contestação:

- 2º; - 3º; - 4º; - 5º; 9º, parcialmente (porquanto se apurou que as obras se iniciaram em fevereiro de 2012); - 10º; - 11º; - 12º; - 13º; - 14º; -15º, parcialmente (relativamente à construção completa de novas instalações sanitárias); - 16º, parcialmente (na parte não transposta para os factos provados); -18º; - 21º; - 22º; - 23º; - 24º, parcialmente (que a placa tivesse sido afixada pela autora em novembro de 2012); - 25º; - 26º; - 27º; -28º; -29º; - 30º; - 31º; - 32º; - 33º; - 34º; - 35º; - 36º, parcialmente (a ré nunca tenha incumprido o pagamento das rendas); - 37º; - 40º.

c) O  alegado nos seguintes artigos da réplica:

- 6º; - 7º, parcialmente (“perfeito); - 8º, parcialmente (na parte não transposta para os factos apurados); - 10º; - 11º, - 12º; - 13º parcialmente (destruição total); - 14º, parcialmente (na parte não transposta para os factos provados); - 16º, parcialmente (na parte não transposta para os factos apurados).

III- C) – O Tribunal da 1ª instância não respondeu à matéria constante dos artigos: - 32º, 87º, 92º, 100º, 101º, da petição inicial; - 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 38º, 39º, 41º, 42º, 43º, 44º, da contestação; - 1º, º, 3º, 4º, 5º, da réplica; por consistir em matéria repetida, mera impugnação, ser conclusiva, de direito ou inócua para a decisão da causa.

IV –A)  São as seguintes as questões que a apelação da A. coloca, quando se confronte a decisão recorrida com as conclusões das respectivas alegações:

1ª- Impugnação dos pontos 5.7, 5.10, 5.17, 5.33 e 5.34 dos factos provados, na medida em que os correspondentes factos da petição inicial foram confessados pela R.

2ª – Impugnação da decisão da matéria de facto no que respeita à não prova, inteira ou segmentada dos arts 7, 8, 9, 10, 29, 34, 38, 39, 40, 42 e 46 a 88 da petição inicial, por toda essa matéria ter resultado provada em função dos depoimentos das testemunhas da A .

3ª – Exclusão do facto 5.45, e de todo o modo, tornar claro que a cedência para ginásio só ocorreu depois da instauração da acção.

4ª -Alteração da decisão de direito, condenando-se a R. a pagar a indemnização pedida pela A. relativamente aos danos que a R. causou no espaço em causa e que hajam resultado provados.

5ª- Alteração da decisão de direito, condenando-se a R. a pagar à A. indemnização pela privação da posse do imóvel desde a data da emissão da licença de obra, Janeiro de 2013, até à data em que a A. passou a poder utilizar o imóvel; indemnização essa que deverá ter  em consideração o valor  de € 4.670,00 atribuído pelos peritos; e que se deverá fixar ulteriormente em função da data em que a A. passou a poder utilizar o imóvel.

B) Por sua vez, são as seguintes as questões colocadas na apelação da R.:

1ª -Nulidade da sentença, nos termos do art 615º/ al c), por contradição entre o facto dado como provado no ponto 5.42 e o decidido no ponto 9.8 da “Fundamentação de Direito”, de cujo suprimento decorrerá, do ponto de vista da apelante, a sua absolvição do pedido de pagamento de quaisquer rendas.

2ª- Impugnação dos factos dados como provados nos pontos 5.30/ 2ª parte, 5.31, 5.34, 5.35 e 5.44.

3ª- Impugnação dos factos julgados não provados constantes dos arts 2º, 21º a 29º, e 32º a 36º da contestação.

4ª – Impugnação dos factos julgados provados nos pontos 5.8 e 5.9.

5ª –Impugnação dos factos julgados como não provados constantes dos arts 3º, 4º, 10º, 11º,16º e 18º da contestação.

6ª -Absolvição da R. em função da exceptio non adimpleti contratus e do abuso de direito.

Iniciar-se-á o conhecimento das apelações pela apreciação da matéria de facto impugnada numa e noutra das apelações, dando-se primazia à realizada pela A. por permitir uma visão mais alargada, e relativamente cronológica, dos factos.

A - 1ª - Pretende a A. que a matéria dos arts. 7º, 10º, 17º, 33º e 34º da petição inicial, porque foi expressamente confessada pela R. no art. 6º da contestação seja – toda ela – reproduzida nos factos que a ela se referem, e que são, respectivamente, os 5.7, 5.10, 5.17, 5.28 e 5.29, pelo que, os mesmos deverão ser alterados em estrita conformidade com o conteúdo daqueles artigos.

Ora, no que se reporta, desde logo, ao facto 5.7, e à matéria de facto constante do ponto 7 da petição de que tal facto emergiu, há que ter presente a disciplina do nº 2 do art 574º CPC, preceito que refere que se «consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto».  Se é certo que a norma em causa  tem por objecto  a falta de impugnação e não propriamente a atitude defensiva tomada pelo aqui R -  que naquele art 6º refere, «… serem verdadeiros os factos constantes…» -,  desde o momento em que antes desse art 6º a R. já avançara, em sua defesa, (no art 3º), que «cumpre salientar que o locado foi entregue à R. em estado avançado  de degradação e abandono e com sinais evidentes de ter sido alvo de vandalismo», ter-se-á que ter em consideração esta prévia, «posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor», na expressão do nº 1 do referido art 574º.

O que significa que no ponto 5.7 da matéria de facto - de que consta, «Entretanto, há cerca de nove ou dez anos, a autora construiu no Parque Industrial ... umas novas instalações, para onde se mudou, deixando vagas as descritas nos pontos anteriores, em condições de conservação e funcionamento», não pode inserir-se, sem mais, como a aqui apelante pretende, «boas» condições de conservação e funcionamento.

Pelo que se manterá o ponto 5.7 da matéria de facto.

Já no que se reporta ao ponto 5.10 dos factos provados, o reconhecimento pela R. da verdade dos factos constantes do art 10 da petição, porque a defesa no seu conjunto não interfere nos factos aí em causa, implica que se dê como provado o que a A. aí alega.

Assim, onde aí se diz, «Em outubro de 2011, iniciaram-se contactos entre a autora e a ré, tendo esta dado conhecimento à primeira…», passar-se-á a dizer, em conformidade com aquele art 10 da petição, que «A R. em Outubro de 2011 contactou a A. dando-lhe conhecimento que estava interessada em entrar em negociações com o objetivo de ali instalar um centro de inspeção de veículos automóveis».  

Assim será também  relativamente ao ponto  5.17, que, por isso, se iniciará com a expressão utilizada no art 17º da petição («as conversações correram tão bem e dentro de um  espírito de confiança  mútua»),  pelo que, desse ponto passará a constar, que «As conversações correram tão bem e dentro de um  espírito de confiança  mútua que  a  autora permitiu que a ré entrasse na posse do referido prédio em fevereiro de 2012 e avançasse com a realização das obras de adaptação que entendesse por necessárias, para que o centro de inspeções abrisse rapidamente ao público, como era do seu interesse, ficando por conta dela todos os custos, incluindo de consumo de eletricidade».

Já no que respeita ao ponto 5.28,  onde consta,  «A ré demoliu paredes na zona da secção de bate-chapas, e alterou o lugar onde se encontravam implantados os portões, fechando, no lugar anteriormente ocupado por alguns deles, as respetivas aberturas», porque a R. não aceita na sua defesa que tenha “retirado todos os portões” , como a A. o alega no art 33 da petição (pese embora, noutras alegações, cfr arts 29 e 38 da petição, a A.  refira que a R. deixou dois), bem pelo contrário, invoca ter recebido o imóvel sem quaisquer portões à excepção de dois «de fole», como alega no art 16º da contestação, manter-se-á o ponto em causa com a redacção que tem.

No que se reporta ao ponto 5.29 onde se diz, «A ré efetuou alterações na zona do elevador e da fossa (que na planta designada por doc. 4 é a ali referida como “área complementar B”), tendo feito desaparecer o elevador e retirado a dita fossa, alterando também o pavimento circundante», não se vê por que não deu a Exma Juíza a  esse ponto  a redacção que consta do art 34 da petição: «Na zona do elevador e da fossa (que na planta designada por doc 4 é a ali referida como “área complementar B”) além do elevador que fez desaparecer, foi esta totalmente destruída, como aliás todo o pavimento circundante», já que a R. na  sua contestação parece admitir  ter destruído totalmente a fossa, como todo o pavimento circundante, por nada dizer a esse respeito nos arts 11º a 15º dessa sua peça.

Por isso, o ponto 5.29 passará a ter a seguinte redacção: A ré efetuou alterações na zona do elevador e da fossa (que na planta designada por doc. 4 é a ali referida como “área complementar B”), tendo feito desaparecer o elevador e tendo destruído totalmente a fossa como todo o pavimento circundante.

A - 2º- Entende subsequentemente a A/apelante que a matéria de facto que a 1ª instância  julgou não provada relativamente a segmentos dos arts 7 , 8, 9, 10,  29, 34, 38, 39 e 42 da petição, bem como  toda a constante dos arts 40, 46 a 88 da petição, deverá ser julgada provada, por a prova que decorreu das suas testemunhas assim o exigir.

Assim, relativamente àqueles:  

Relativamente ao  art 7º, o segmento “boas”; ao art 8º, “facilmente, sem avarias”; ao  art 9º, “perfeito estado” e “bom funcionamento”; ao art 10º que “tenha sido a ré que entrou em contacto com a autora”; ao art 29º, que tenha retirado todos os portões, com exceção de dois e que os tenha levado para parte incerta; ao art  34º, a zona do elevador e da fossa tenha sido totalmente destruída, como todo o pavimento circundante; ao art   38º, que a ré tenha deixado o prédio à mercê de quem quer que fosse, sem portões e que por isso a ré tenha suportado a despesa aí mencionada; ao art 39º, que tenha provocado danos elevadíssimos ao imóvel, deixando-o no estado que documentam as fotografias; ao art 42º, que tenha retirado toda a instalação elétrica, havendo buracos em vários sítios.

Por sua vez, o conteúdo dos arts 40, 46 a 87 da petição, julgado totalmente não provado, é, respectivamente, o seguinte:

40- É necessário colocar novos portões, com os necessários equipamentos ao seu funcionamento automatizado, como os que a R levou.

46º -O custo total para repor o prédio na situação de utilização em que antes se encontrava importa em 206 018,36, como consta dos documentos juntos sob os n.os 67, 68, 69, 70 e 71 (ao qual acresce o IVA, que se for à taxa actualmente em vigor importará em € 47 386,52) como se passa a discriminar. Assim:

47º- O fornecimento e assentamento de alvenaria em blocos de cimento, assentes com argamassa de cimento e areia, no fecho das paredes e fossos dos pavilhões, na quantidade de 30 m2, importa em € 660,00.

48º- Enchimento dos fossos e canaletes com areia (195 m3): €5 362,50.

49º -Execução de pavimento industrial no pavilhão, incluindo malhasol AQ50 e 20 cm de betão C20/25 afagado, com incorporação de endurecedor de superfície à cor natural (1 100 m2): € 41 250,00.

50º- Fornecimento e colocação de betão da classe C20/25, incluindo armaduras moldadas em aço A400NR, cofragem, descofragem, escoramentos e trabalhos complementares em fundações, pilares e vigas (56 m3): € 15 400,00.

51º -Execução de lages aligeiradas tipo Previcon, incluindo lâmina de compressão, tarugos, cofragem, escoramento e descofragem (265 m2): € 11 262,50.

52º -Execução de pavimento térreo, com 0,10 m de espessura em betão C20/25, malha sol, incluindo betonilha de regularização (265 m2): € 9 275,00.

53º- Fornecimento e assentamento de alvenaria exterior simples de bloco 50x20x20 assente com argamassa de cimento e areia, incluindo reboco e pintura (210 m2): € 9 450,00.

54º -Fornecimento e assentamento de alvenaria simples de tijolo cerâmico 30x20x11, assente com argamassa de cimento e areia, em paredes divisórias interiores, incluindo reboco e pintura (240 m2): € 9 600,00.

55º- Fornecimento e aplicação de cobertura inclinada, em painel sandwich com isolamento térmico de 40 mm, em perfil comercial pré-lacados faces, cor branco, fixada mecanicamente às madres, incluindo cortes, sobreposições e todos os remates (275 m2): € 12 375,00.

56º- Fornecimento e aplicação de pavimentos em mosaico cerâmico, incluindo colas, betumes e todos os materiais e trabalhos inerentes (350 m2): € 8 225,00.

57º -Fornecimento e aplicação de azulejo cerâmico, incluindo colas, betumes e todos os materiais e trabalhos inerentes (120 m2): € 3 000,00.

58º -Fornecimento e assentamento de portas de abrir interiores lisas, em madeira, pré-fabricadas do tipo “...” modelo “...” com aro liso em carvalho e todos os trabalhos e materiais necessários para um perfeito funcionamento (10 unidades): € 3 500,00.

59º -Fornecimento e aplicação de uma porta em painel de alumínio 1,00 m x 2,10 m: € 800,00.

60º-  Fornecimento e aplicação de vãos em alumínio e vidro duplo com as seguintes dimensões: a) - 0,80x0,60 m – 6 unidades: € 720,00. b) - 6,20x1,00 – 2 unidades: € 2 500,00. c) - 4,00x1,00- 2 unidades: €1 900,00.

61º- Execução da rede de águas e esgotos: € 3 200,00.

62º- Execução da rede eléctrica nas áreas dos balneários, estufa, pintura e zonas danificadas: €5 250,00.

63º- Fornecimento e instalação de equipamento sanitário série Nexo da Sanitana:

a) - 5 sanitas: € 1 750,00. b) - 2 bidés: € 500,00. c) - 5 lavatórios: €1 750,00. d) - 2 urinóis: € 500,00. e) - 5 bases: € 2 250,00.

64º -Três portas seccionadas golfradas 4766x4500 ( 3 un.): € 3 600,00.

65º- E as respectivas ferragens elevadas (3 un.): € 300,00.

66º -Os respectivos visores residenciais lisos ( 3 un.): € 2 052,00.

67º- Os respectivos motores para portão sec. ao veio ( 3 un.): € 1 410,00.

68º -Os respectivos kits de montagem de porta seccionada (3 un.): € 600,00.

69º - E os respectivos kits de montagem de automatismo: (3 un.): € 300,00.

70º  - Cinco portas seccionadas golfrada 4680x4500 : € 5 735,00. E também, como em relação às portas referidas em 64º, os (as) respectivos (as):

71º- Ferragens elevadas (5 un.): € 500,00.

72º- Visores residenciais lisos (5 un.): € 3 420,00.

73º- Motores p/ portão sec. ao veio (5 un.): € 2350,00.

74º -Kits de montagem de porta seccionada (5 un.): €1 000,00.

75º -Kits de montagem de automatismo (5 un.): € 500,00.

76º -Duas portas seccionadas golfradas com as dimensões 5500x4500: € 2 696,00.

77º- Bandeiras das portas referidas no artigo anterior: € 200,00. E ainda:

78º- Os respectivos motores (2 un.): € 940,00.

79º -Os Kits de montagem de porta secionada (2 un.): € 400,00.

80º -E os Kits de montagem de automatismo (2 un.): € 200,00.

81º -Uma porta de alumínio 1770x2035 de duas folhas com ruptura térmica: € 900,00.

82º -Uma janela batente 2410x 2042: € 580,00.

83º -Portas batente 885x2036 (4 un.) : € 1 800,00

84 -Janela de correr de 2 folhas 3970x1296 (1 un.): € 510,00.

85º -Janela de correr de 2 folhas 2725x1084 (1 un.): € 405,00.

86º -Janela de correr de 2 folhas 1200x1081 ( 5 un.): € 1 050,00.

87º -A reposição da instalação eléctrica na nave, no rés-do chão, no 1º andar e no 2º andar, incluindo material e mão de obra importa em € 9 989,82, como melhor vem discriminado no documento n.º 70.

87º (segundo 87)- A reparação e reposição da calçada  importa no total (ainda sem IVA) de € 6 877,50 , sendo 597 m 2 de reposição e reparação propriamente dita, que importa em € 4 477,50 á razão de 7,50 m2 e 160 m2 de calçada nova que importa em € 2.400,00 , á razão de 15,00 m 2.

Vejamos:

Já nos reportámos aos arts 7º, 10º e 34º nos termos acima referidos.

Vejamos o conteúdo dos demais que foram segmentadamente julgados não provados.

No art 8º da petição a A. alegou que «todas as portas e janelas abriam e fechavam facilmente, sem avarias».

No art 9º, que «o piso de todas as dependências ficaram como eram, em perfeito estado, com cimento endurecido e afagado e mosaicos, as paredes revestidas e pintadas, a área administrativa com parquet flutuante, todas as dependências com instalação eléctrica e rede de água em bom funcionamento».

No art 29º, que «Acontece que, no âmbito das que pretendia levar a efeito para a instalação do centro de inspecções dito a R. retirou os portões dos pavilhões, com excepção de dois, e levou-os para parte incerta.

No art 38º, que «Não obstante isso, a ré não entregou o prédio à A. deixando-o abandonado à mercê de quem quer que fosse, pois nem portões (com excepção de dois) ou qualquer vedação que impedisse a entrada de terceiros tinha, pelo que a A. teve de tomar providências no sentido de proteger as instalações, evitando que se degradassem mais, fechando-as através da colocação de chapas metálicas nas aberturas, por forma a evitar a entrada de estranhos, no que gastou € 2 398,41 € (v. docs. 5, 6 e 7), e de dois portões novos, que já estão incluídos no valor dos orçamentos a que em 46º se faz referência com os nº 68 e 69.

No art 39º, «A ré, com as obras que levou a efeito provocou diversas alterações no imóvel, provocou-lhe danos elevadíssimos, deixando-o no estado que documentam as fotografias que se juntam (v. docs. 8 a 66) tornando-o impróprio para qualquer fim, nomeadamente para aquele que tinha antes (compra e venda e reparação de veículos automóveis pesados e máquinas industriais) ou que a R. pretendia dar-lhe (centro de inspecções de veículos automóveis).

No art 42º, «Estragou portas interiores e janelas, bem como toda a instalação eléctrica, havendo buracos em diversos sítios.

A prova produzida em função das declarações de parte do legal representante da A., KK, e das testemunhas da mesma que foram ouvidas em julgamento, não consente que se conclua que quando a A permitiu à R. a detenção do imóvel, as portas e janelas que nele se encontravam «abriam e fechavam facilmente, sem avarias». Não se descortinou que alguma testemunha – da A – o tenha referido, nem afinal a aqui apelante o indicou. 

O que se provou nesta matéria foi o que a 1ª instância assinalou como tal no ponto 5.8 «todas as portas e janelas abriam e fechavam».

No que se reporta aos assinalados segmentos do art 9 da petição que a 1ª instância julgou não provados – que o  piso de todas as dependências tivesse ficado «em perfeito estado» e que «todas as dependências» tivessem ficado «com instalação eléctrica e rede de água em bom funcionamento», relativamente ao «perfeito estado» do piso de todas as dependências, impõe-se concluir  como o fez a  1ª instância  - a prova produzida não permitiu afirmar que as instalações estivessem em perfeito estado de funcionamento.

Importando a este nível recordar as -  justas- observações que a Exma Juíza produziu a esse respeito na fundamentação da decisão da matéria de facto e com as quais este Tribunal concorda de pleno:

« (…) não se apurou que no momento em que a ré iniciou obras no prédio este estivesse em estado de abandono.

 Ao invés, apurou-se que a autora se tinha retirado dessas instalações no ano de 2008, mas mantinha o propósito de as ceder a título oneroso, propósito esse que veio a concretizar em 2012, com a celebração do acordo apurado nos autos. Certo é que no decurso desse lapso temporal de quatro anos, a autora procedeu à manutenção das instalações, tanto mais que ainda ali guardava documentação e material e, periodicamente, mostrava o imóvel a interessados. Não pode, por isso, concluir-se que as instalações estivessem completamente degradadas quando a ré ali iniciou a execução das obras, tanto mais que esta mesma declarou que o locado se encontrava “em perfeitas condições de utilização para o fim pretendido” como resulta da cláusula “décima primeira” do acordo mencionado nos factos apurados.

Porém, a prova produzida também não permitiu afirmar a realidade contrária, ou seja, a de que as instalações estivessem em perfeito estado de funcionamento. Efetivamente, o próprio representante legal da autora admitiu a existência de alguma degradação ao nível das instalações, tanto mais que há vários anos (desde cerca de 1981, como resultou da prova testemunhal), a autora ali exercia a sua atividade de reparação de veículos automóveis (pesados), e no ano de 2008 efetuou uma mudança para local diverso e, decerto, com melhores condições. Ou seja, está em causa um edifício que resultou da constituição do direito de superfície no ano de 1981, onde a autora durante vários anos exerceu a sua atividade e que foi encerrado no ano de 2008. Consequentemente, quando a ré ali se instalou e pretendeu efetuar obras de adaptação, o prédio embora zelado e conservado, e tendo servido até há quatro anos atrás para a atividade que a autora ali exerceu, apresentava vários anos de uso, a que se seguiu um período de encerramento, ostentando, manifestamente, alguma degradação, o que não inviabilizou o negócio entre as partes, tanto mais que a ré ali pretendia executar alterações estruturais para o adaptar à sua atividade de inspeção de veículos automóveis.

Tal realidade resultou devidamente corroborada pelas fotografias juntas pela testemunha II (fls 483 e ss) que, de harmonia com os esclarecimentos testemunhais que sobre as mesmas incidiram, retratam o estado das instalações em causa no momento em que foram cedidas à ré.

Em suma, a prova produzida não sustentou, em absoluto, a posição de nenhuma das partes, dado que o prédio nem estava em perfeitas condições de funcionamento, nem em estado de degradação total, apresentando-se encerrado há quatro anos, depois de uma longa utilização, mantendo-se vigiado e encerrado, tendo a autora a expetativa de o poder vir a rentabilizar, hipótese que apenas se concretizou no ano de 2012.

E quanto a tal realidade, independentemente da posição extremada das testemunhas (as da autora defendendo que o prédio em 2012 estava “impecável”, e as da ré que estava “uma lástima”), a globalidade da prova produzida e examinada, interpretada à luz das regras de experiência comum, revelou-se suficientemente esclarecedora» .

Ora, não se tendo provado que as instalações estivessem em perfeito estado de  funcionamento quando se iniciou a detenção da R. do imóvel, não pode naturalmente dizer-se que o  piso de todas as dependências tivesse ficado «em perfeito estado».

Já quanto à instalação eléctrica e rede de água em bom funcionamento concorda-se  que o bom – no sentido de regular – funcionamento duma e doutra resultam da prova que foi produzida pela A.

Todas as testemunhas da A. foram peremptórias no sentido de que a água e a luz se mantiveram no edifício, pese embora a mudança da A. para outras instalações .

No que toca à instalação eléctrica destaca-se o depoimento da testemunha LL, que referiu que a pedido do Eng. KK vistoriava a  instalação eléctrica, bem como o de BB, que referiu ir lá quando a EDP pretendia fazer a leitura do contador e ter numa dessa ocasiões até utilizado  a casa de banho.

Mas foi esse normal funcionamento da instalação eléctrica e rede da água em todas as dependências que resultou afinal assinalado no ponto 5.9, nada havendo, pois, a acrescentar.

No art 29 da petição, a A. alegou que a R. no âmbito das alterações que pretendia levar a efeito para a instalação do centro de inspecções, retirou os portões dos pavilhões, com excepção de dois, e levou-os para parte incerta.

E no art 38 da mesma peça processual  alegou que « (…), a ré não entregou o prédio à A. deixando-o abandonado à mercê de quem quer que fosse, pois nem portões (com excepção de dois) ou qualquer vedação que impedisse a entrada de terceiros tinha, pelo que a A. teve de tomar providências no sentido de proteger as instalações, evitando que se degradassem mais, fechando-as através da colocação de chapas metálicas nas aberturas, por forma a evitar a entrada de estranhos, no que gastou € 2 398,41 € (v. docs. 5, 6 e 7), e de dois portões novos, que já estão incluídos no valor dos orçamentos a que em 46º se faz referência com os n.os 68 e 69.

 Os segmentos que a Exma Juíza da 1ª instância julgou não provados nestas alegações foram, respectivamente, «que tenha retirado todos os portões, com excepção de dois, e os tenha levado para parte incerta», e que « a R. tenha deixado o prédio à mercê de quem quer que fosse, sem portões e que por isso a R. tenha suportado a despesa aí mencionada».

Entende a A. que se fez prova relativamente ao facto da R. ter retirado todos os portões, com excepção de dois, e que os tenha levado para parte incerta.

A 1ª instância limitou-se a dar como provado relativamente ao referido facto 29 da petição, que «no âmbito das obras que pretendia levar a efeito para a instalação do centro de inspecções, a R alterou o local de implantação dos portões dos pavilhões».

Tendo dado também como provado, no antecedente ponto 5.28, que «A ré demoliu paredes na zona da secção de bate-chapas, e alterou o lugar onde se encontravam implantados os portões, fechando, no lugar anteriormente ocupado por alguns deles, as respetivas aberturas».

Vejamos o que disseram a este respeito as testemunhas da A.

A testemunha LL, já atrás referido, engenheiro eletrotécnico, representante da firma “AL...” que prestou serviços de eletrotecnia e de electricidade,  referiu que assistiu à montagem dos portões  por parte da SC..., L.da  - «daqueles de subir, seccionados». «A empresa que foi lá, coincidiu numa altura em que eu fui, já depois de aquilo estar nessas condições em que aquilo estava tudo esventrado». 

A testemunha BB, contabilista da A. desde 1999, foi mais precisa, referindo que «estavam ainda lá dois portões, um nas traseiras outro à frente»; «eram portões de fole, portanto daqueles que abrem assim lateral e depois têm folhas»; «depois teve que colocar-se mais um portão, foi ate a SC..., L.da».

Do mesmo modo, a testemunha CC, secretária administrativa da A. há 35 anos, referiu: «Nós tivemos que tapar, porque nós tínhamos inclusivamente portões na oficina, não é, aqueles portões antigos de fole, eles não existiam, esses portões desapareceram  e nós tivemos que tapar … … e fazer um portão».

A testemunha FF referiu que «não tinha portões grandes».

A testemunha MM referiu que «alteraram as entradas dos portões, tiraram os portões, fizeram outras entradas».

Do conjunto destas referências sobressai, como denominador comum, que, pelo menos um portão foi colocado, não se percebendo quantos o foram, e se, o que foi  colocado se tratou de um portão seccionado e não um portão de foles, como os que existiam anteriormente no imóvel. 

Por isso, acrescenta-se ao ponto 5.25 que «no âmbito das obras que pretendia levar a efeito para a instalação do centro de inspecções, a R. alterou o local de implantação dos portões dos pavilhões, tendo vindo a ser necessário colocar um novo, que implicou montante que não foi apurado».

Na verdade, desconhece-se se este portão corresponde a algum dos três a que se reporta o doc de fls 19, que se mostra datado de 24/2/2017, data muito subsequente àquela em que a R .abandonou o imóvel e a A. terá tido necessidade de o vedar.

Relacionada com esta matéria, entende este Tribunal que não foi feita prova do alegado no art 40 da petição – que fosse necessário colocar novos portões, com os necessários equipamentos ao seu funcionamento automatizado, como os que R. levou, pela razão de que os portões que a A. tinha nas instalações eram de “foles” e não automatizados, desconhecendo-se quantos a A. deixou, quantos colocou (para além de um) e quantos a R. levou.

Relativamente ao art 38º, no segmento «que a ré tenha deixado o prédio à mercê de quem quer que fosse, sem portões e que por isso a ré tenha suportado a despesa aí mencionada», as testemunhas acima referidas foram suficientemente claras no sentido de a R. te rretirado as janelas e as portas, tendo sido necessário colocar tapumes de madeira e chapas metálicas. Relativamente aos portões, a prova, como já se mencionou, não foi clara.

 Segundo LL, «as janelas tinham aros de alumínio e tudo aquilo desapareceu, já não havia portas, não havia nada, aros, portas, desapareceu tudo, tivemos que, até foram os bate chapas que foram lá, arranjar painéis de madeira», «tapámos aquilo de maneira a não ser vandalizado». Acrescentou e especificou terem colocado «chapas a tapar e na parte dos escritórios pusémos taipas de madeira». BB também ele referiu - «estava toda esventrada, toda vandalizada, sem janelas e portas em baixo». DD, colaborador da A. fez igualmente referência ao desaparecimento das portas -«as portas desapareceram, tive que andar a tapar aquilo».   FF, bate-chapas na A., referiu, «tivemos que andar a meter chapas para servir de painéis,  no lugar das portas», « teve que se por lá umas chapas a tapar e  improvisar  com madeira  e umas trancas por dentro para tapar as janelas»; MM referiu que acompanhou a testemunha anterior «e também lá andou» «tivemos que comprar umas chapas para vedar aquilo tudo que aquilo estava tudo aberto, tudo abandonado, foi tudo tapadinho para evitar o acesso lá dentro, que aquilo estava tudo aberto».  

Destas referências, e mesmo retirando as hipérboles das testemunhas, resulta ainda seguro que a A. teve de tomar providências no sentido de proteger as instalações, evitando que se degradassem mais, tendo colocado chapas metálicas no lugar das portas para evitar a entrada de estranhos.

Por outro lado, resulta dos documentos para que a A. remete  - 5, 6 e 7, a fls 17, 17 vº e 18 , que os serviços que dali constam se reportam a momentos diversos do ano de 2015 - 17/1, 5/2 e 6/5- o que, de certo modo, vai ao encontro do referido pelas testemunhas que sugerem terem intervindo em momentos diferentes. De todo o modo, este último documento - dito “factura interna” – não é conclusivo relativamente aos serviços de serralharia a que se reporta, pelo que o valor que dele consta, não se terá, adiante, em consideração.

Assim, julga-se provado- passando a constituir o ponto 5.25-A - que «a A. teve  que tomar providências no sentido de proteger as instalações, evitando que se degradassem mais, tendo sido necessário colocar chapas metálicas nas aberturas, no que despendeu  € 1.804,94 (1.212,03 + 592,91).

È irrelevante na matéria da 1ª parte do art 39º da petição que se diga que as obras que a R. levou a efeito provocaram «danos elevadíssimos»  no imóvel por se tratar de uma óbvia conclusão.

 Relativamente ao facto de a R. ter deixado o imóvel «no estado que documentam as fotografias que se juntam (v. docs. 8 a 66)», tal como a Exma Juiza da 1ª instância o fez notar na fundamentação da decisão da matéria de facto a circunstância das mesmas terem sido colhidas em 20/1/2016, como delas consta, e de a A., como resulta do que atrás se referiu, ter zelado pela conservação do mesmo, pelo menos desde 2015, impede a exacta conclusão em causa.

Não obstante, a prova produzida em função dos depoimentos das testemunhas já mencionadas sempre permite que se diga, no que se reporta ainda ao art 39º da petição, que a R., com as obras que levou a efeito, deixou o imóvel sensivelmente no estado que as fotografias que constituem os documentos 8 a 66 documentam.

Por isso, se acrescenta ao ponto 5.36 que «a R., com as obras que levou a efeito  e que não concluiu, tendo-as interrompido em Agosto de 2012, provocou diversas alterações no imóvel, deixando-o  sensivelmente no estado que as fotografias que constituem os 8 a 66 documentam, ficando o mesmo inapto  para o fim que tinha antes das obras que ali iniciou  (compra e venda e reparação de veículos automóveis pesados e maquinas industriais) assim como para aquele que a R pretendia dar-lhe (centro de inspecções de veículos automóveis).

Quanto ao art 42 da petição  - Estragou portas interiores e janelas, bem como toda a instalação eléctrica – porque relativamente a portas e janelas já se respondeu atrás, importa apenas saber se a R. estragou toda a instalação eléctrica .

A circunstância da R. ter admitido na contestação – art 12 da mesma – que «ao nível do rés-do chão procedeu à reconstrução total dos escritórios», contribui largamente para a conclusão constante do referido art 42º, para o que as mencionadas fotografias também concorrem. Igualmente as plantas que se mostram juntas e que evidenciam os projectos de alterações efectuadas ao edifício, que se mostram assinaladas a vermelho e amarelo, desde o momento em que ocorreram ao nível dos alçados e da cobertura do piso 0 e do piso 1, e que envolveram a demolição e a substituição de paredes exteriores e interiores, terão necessariamente destruído a instalação eléctrica existente. 

A testemunha LL, a quem atrás já se fez referência como sendo o representante da firma “AL...”, foi quem executou as obras de reparação da rede eléctrica, como admitiu.

Por isso, altera-se o ponto 5.39, respondendo-lhe que «a R. retirou portas interiores e janelas e estragou toda a instalação eléctrica.

Será da matéria de facto que foi dada como provada, dos documentos juntos de fls 17 a 21 dos autos e, naturalmente, da perícia que neles teve lugar, que se poderá responder aos arts 47 a 87 da petição (o art 46 da petição é conclusivo).

Como resulta do relatório pericial – que se mostra junto a fls 216 e seguintes, estando datado de 17/4/2018, «à data da vistoria todo o edifício (nave central e espaços contíguos do rés do chão e 1º piso) encontrava-se ocupado  por um ginásio em normais condições de utilização. O espaço exterior do edifício/prédio destina-se essencialmente a acessos e estacionamento automóvel». Acrescentando–se: «Da análise realizada aos documentos mencionados (documentos esses constantes do quesito 1º que são a petição inicial, as fotografias com os nº 8 a 6 , “o projecto de alterações vermelhos e amarelos”, junto como doc 4 (com os desenhos nº 9, 10, 11 , 12 e 14) e em simultâneo, da vistoria realizada no local, resulta o entendimento de que as obras necessárias à reposição das condições iniciais do pavilhão, referidas pela A., são aquelas que se encontram discriminadas nos orçamentos enunciados nos quesitos nº 2 e 3 seguintes» .

Respondendo, seguidamente, aos referidos quesitos 2 e 3, que «as quantidades, espécies, custos unitários e totais dos trabalhos constantes do orçamento que constitui o doc nº 67 (da empresa C...) “parecem” adequados (quesito 2) e que «as quantidades, espécies, custos unitários e totais dos trabalhos constantes dos documentos 68, 69, 70 e 71 (respectivamente, das empresas SC..., L.da, AL..., e  P... Unipessoal Lda  “parecem”  adequados» (quesito 3º).

Como é evidente, a circunstância de aos peritos se ter apresentado uma realidade diferente da que esperavam (o espaço estar ocupado por um ginásio em funcionamento), interveio necessariamente no objecto da perícia.

Por isso os peritos responderam no sentido de “parecerem” aqueles valores “adequados” .

Não obstante, não deixa a prova em questão de constituir uma perícia, por ser evidente que na emissão do juízo de que os valores em causa “parecem adequados”  intervieram necessariamente os conhecimentos especiais daqueles técnicos, designadamente na leitura adequada do “projecto de alterações vermelhos e amarelos” junto como doc 4 (com os desenhos nº 9, 10, 11 , 12 e 14 ), conhecimentos esses, que manifestamente, não estariam nunca disponíveis ao juiz ainda que este tivesse inspecionado o local.

Desde o momento em que atrás se entendeu  - ponto 5.36 - que as fotografias que constituem os 8 a 66 documentam sensivelmente o estado em que o imóvel ficou depois das  obras que a R. levou a efeito e que não concluiu,  sabendo-se que a A. apenas interveio  com a colocação de um portão e com a colocação de chapas metálicas e de páineis de madeira para tapar as aberturas, poder-se-á concluir pela adequação dos valores que constam do orçamento que constitui o doc nº 67 vº (da empresa C...) e dos documentos 68, 69, 70 e 71 (das empresas SC..., L.da, AL... e P... Unipessoal Lda).

Assim, sabendo-se que estavam em causa «as obras necessárias para repor as instalações na situação anterior, ou seja, com o piso direito, sem as galerias e túneis, incluindo o enchimento destes, a execução do pavimento industrial do pavilhão, afagado, com a incorporação de endurecedor de superfície à cor natural» (quesito 1º da perícia), responde-se à matéria dos arts 47 a 87 da petição, do seguinte modo (o art 46º é meramente conclusivo):

47- O fornecimento e assentamento de alvenaria em blocos de cimento, assentes com argamassa de cimento e areia, no fecho das paredes e fossos dos pavilhões, na quantidade de 30 m2, importa em € 660,00.

48 – O enchimento dos fossos e canaletes com areia (195 m3): €5 362,50.

49- A execução de pavimento industrial no pavilhão, incluindo malhasol AQ50 e 20 cm de betão C20/25 afagado, com incorporação de endurecedor de superfície à cor natural (1 100 m2): € 41 250,00.

50- O fornecimento e colocação de betão da classe C20/25, incluindo armaduras moldadas em aço A400NR, cofragem, descofragem, escoramentos e trabalhos complementares em fundações, pilares e vigas (56 m3): € 15 400,00.

51- A execução de lages aligeiradas tipo Previcon, incluindo lâmina de compressão, tarugos, cofragem, escoramento e descofragem (265 m2): € 11 262,50.

52 – A execução de pavimento térreo, com 0,10 m de espessura em betão C20/25, malha sol, incluindo betonilha de regularização (265 m2): € 9 275,00.

53 – O fornecimento e assentamento de alvenaria exterior simples de bloco 50x20x20 assente com argamassa de cimento e areia, incluindo reboco e pintura (210 m2): € 9 450,00.

54- O fornecimento e assentamento de alvenaria simples de tijolo cerâmico 30x20x11, assente com argamassa de cimento e areia, em paredes divisórias interiores, incluindo reboco e pintura (240 m2): € 9 600,00.

55- O fornecimento e aplicação de cobertura inclinada, em painel sandwich com isolamento térmico de 40 mm, em perfil comercial pré-lacados faces, cor branco, fixada mecanicamente às madres, incluindo cortes, sobreposições e todos os remates (275 m2): € 12 375,00.

56- O fornecimento e aplicação de pavimentos em mosaico cerâmico, incluindo colas, betumes e todos os materiais e trabalhos inerentes (350 m2): € 8 225,00.

57 – O fornecimento e aplicação de azulejo cerâmico, incluindo colas, betumes e todos os materiais e trabalhos inerentes (120 m2): € 3 000,00.

58- O fornecimento e assentamento de portas de abrir interiores lisas, em madeira, pré-fabricadas do tipo “...” modelo “...” com aro liso em carvalho e todos os trabalhos e materiais necessários para um perfeito funcionamento (10 unidades): €3500,00.

59 – O fornecimento e aplicação de uma porta em painel de alumínio 1,00 m x 2,10 m: € 800,00.

60 – O fornecimento e aplicação de vãos em alumínio e vidro duplo com as seguintes dimensões:

a) - 0,80x0,60 m – 6 unidades: € 720,00.

b) - 6,20x1,00 – 2 unidades: € 2 500,00.

c) - 4,00x1,00- 2 unidades: €1 900,00.

62- A Execução da rede eléctrica nas áreas dos balneários, estufa, pintura e zonas danificadas: €5 250,00.

81 - Uma porta de alumínio 1770x2035 de duas folhas com ruptura térmica: € 900,00.

82- Uma janela batente 2410x 2042: € 580,00.

83- Portas batente 885x2036 (4 un.) : € 1 800,00

84 -Janela de correr de 2 folhas 3970x1296 (1 un.): € 510,00.

85º- Janela de correr de 2 folhas 2725x1084 (1 un.): € 405,00.

86º -Janela de correr de 2 folhas 1200x1081 ( 5 un.): € 1 050,00.

87º - A reposição da instalação eléctrica na nave, no rés-do chão, no 1º andar e no 2º andar, incluindo mão de obra no valor de € 9.989,82.

87º (segundo) -  A reposição e reparação da calçada -597 m 2 - importa em € 4 477,50 á razão de 7,50 m2.

 Relativamente ao art 61, nada tendo resultado provado no tocante à necessidade concreta da execução da rede de águas e esgotos, resultará o mesmo como não provado.

Relativamente ao art 63, desde o momento em que resultou não provado que tenha sido necessário reconstruir e equipar as instalações sanitárias, cfr art 44 da petição, sem que a apelante tivesse incluído este ponto de facto na impugnação que efectuou – mantém-se o mesmo como não provado.

Na sequência do que acima se referiu referentemente aos portões e tendo sido julgado não provado o art 40 da petição – que tivesse sido necessário colocar novos portões, com os necessários equipamentos ao seu funcionamento automatizado, como os que a R. levou - julgam-se não provados os arts 64 a 80.

Relativamente à calçada, porque apenas se provou no ponto 5.41 que a calçada do prédio foi parcialmente danificada, apenas se deu como provado o montante que no doc  71 se reporta à reparação e reposição de calçada.

Verificando-se a existência de dois arts 88 na petição inicial, julga-se um e outro como não provado, o primeiro, porque nenhuma prova foi feita a seu respeito (A A. não dispõe da quantia referida em 46º…») e o 88, porque contem matéria conclusiva.

B- Como acima se anunciou, passar-se-á agora para a impugnação da matéria de facto pretendida pela R. 

4ª - E iniciar-se-á a mesma pelos factos provados 5.8 (Todas as portas e janelas abriam e fechavam) e 5.9 (Nessa ocasião, o piso de todas as dependências ficou no estado em que se encontrava, com cimento endurecido e afagado e mosaicos, as paredes revestidas e pintadas, a área administrativa com parquet flutuante, todas as dependências com instalação elétrica e rede de água em funcionamento), que a R/apelante pretende que sejam julgados não provados.

5ª -Bem como, pelos não provados,relativamente aos arts 3, 4 10, 11, 16 e 18 da contestação que a R/apelante pretende que sejam integralmente dados como provados e cujo teor é, respectivamente, o seguinte:

3 – O locado foi entregue à R. em estado avançado de degradação e abandono  e com sinais evidentes de ter sido alvo de vandalismo.

4- Factos estes conscientemente omitidos pela A.

10- Tendo a R. encontrado o locado com portas arrombadas, janelas partidas, instalação eléctrica inexistente e com sinais de ter sido roubada, instalações sanitárias completamente destruídas, as divisórias dos escritórios danificadas, encontrando-se o imóvel em verdadeiro e absoluto estado de abandono.

11-Iniciadas tais obras com autorização da A. a R. procedeu
à intervenção apenas ao nível do rés do chão, limitando-se a proceder à limpeza e algumas pinturas no piso superior .

 16 –À substituição de dois portões de fole ali existentes por portões novos seccionados/elevatórios devidamente automatizados.

18 – Sendo certo que não foram lá encontrados quaisquer portões  automatizados, antes se tratando de velhos portões de foles  e, de todo o modo, os portões retirados e demais matérias foram carregados e levados  para as actuais instalações da B..., sitas na zona Industrial de ....

 Está em causa nesta matéria de facto o estado em que a A. entregou o imóvel à R. para que a mesma o adaptasse ao destino que pretendia dar-lhe no âmbito do perspectivado contrato de arrendamento, estando correlativamente em causa por parte da R. com  a impugnação em referência, furtar-se à reposição do imóvel no (muito melhor) estado em que a A. alegou ter-lho entregue para aquele efeito, vendo por isso minimizada a sua condenação na indemnização pedida na acção referentemente aos prejuízos causados naquelas instalações.

Tendo-se a R. defendido no aspecto em apreço essencialmente em função dos acima referidos factos constantes dos arts 3, 4, 10, 11, 16 e 18 da contestação, veio a suceder, já no decurso da audiência de julgamento, que a sua  testemunha II (encarregado de construção), no respectivo interrogatório, se mostrou portadora de 16 fotografias que referiu ter ela própria tirado antes dos trabalhos  que iria realizar e que, por isso, espelhariam  a situação do imóvel anterior ao início das obras pela R. e, consequentemente, o estado em que a A. lho entregou.

A junção das referidas fotografias foi indeferida pelo Tribunal de 1ª instância, e tendo a R. apelado dessa decisão, veio este Tribunal da Relação a  proferir decisão em que determinou  «a requisição pelo Tribunal a quo das fotografias em poder da testemunha  II, seguindo-se os ulteriores termos do processo».

Nessa sequência, foi ordenada a notificação da referida testemunha para juntar os fotogramas em seu poder, ordenando-se também, que, juntas as mesmas, as partes exercessem o contraditório e declarassem se prescindiam da abertura da audiência «com vista ao imediato proferimento de nova sentença que considere a prova em questão».

A A. pronunciou-se exercendo o contraditório – referindo, neste particular, e no fundamental, que as fotos juntas se limitavam no essencial a mostrar as partes das instalações  que foram demolidas pela R. e que, portanto deixaram de existir,  assinalando ainda e que não há nenhuma fotografia das partes  interiores principais das instalações, nomeadamente da nave central, onde os danos foram de maior monta  - mais referindo não prescindir da reabertura da audiência, pretendendo inquirir as testemunhas que arrolara a respeito dessa matéria.

Por seu turno, a R., exercendo o contraditório,  manifestou-se no sentido de «não haver cabimento legal à produção de nova prova testemunhal que, repisa-se, já se pronunciou/testemunhou sobre o estado do imóvel, inexistindo nova matéria de facto/ temas de prova», acrescentando, «Repita-se, as testemunhas arroladas pela A. foram expressa e inequivocamente inquiridas sobre o estado do imóvel à data em que a R. acedeu ao mesmo, encontrando-se os seus depoimentos registados (gravação de audiência), pelo que, quando muito, poderá haver lugar à reabertura da audiência de julgamento com o fim exclusivo de serem produzidas novas alegações finais complementares», «manifestando a sua oposição à reinquirição das testemunhas para voltarem a pronunciar-se sobre o estado do imóvel».

Assim não foi entendido pelo Tribunal a quo, que ordenou a notificação da A.  para indicar as concretas testemunhas que pretendia reinquirir e as concretas questões que pretendia ver esclarecidas, o que foi cumprido pela mesma, com a indicação da totalidade das testemunhas que já inquirira, indicando entre o mais, pretender ver esclarecidas as  questões de facto dos arts 7 a 10 29, 34 38 a 42  46 a 88 da petição inicial. 

De novo a R. manifestou a sua oposição à reinquirição das testemunhas da A., «uma vez que atestam os autos (gravação da audiência) que as mesmas já se pronunciaram sobre os factos sobre os quais se pretendia recaísse tal reinquirição, não havendo cabimento à produção de nova prova testemunhal».

A reinquirição das testemunhas da A. à matéria em causa veio a ter lugar, como resulta da acta da sessão de 12/10/2021.

Se se fez específica referência a este desenrolar do processo foi para melhor se afirmar a imensa estranheza que pode causar a atitude da R. Por que razão não quis ouvir as suas testemunhas a respeito das fotografias que fez questão que fossem juntas aos autos e por que razão se opôs à audição das da A?

Afinal as fotografias já não eram importantes ?!

As testemunhas da A. nada adiantaram de monta relativamente ao que já tinham referido, restando deste episódio a atitude bizarra da R. Tão mais bizarra, quanto é certo, que em função da sentença que entretanto chegou a ser proferida, tinha já conhecimento da percepção da Exma Juíza relativamente à prova anteriormente produzida, sendo estranho o seu desinteresse em tentar modifica-la.

Deste episódio não pode, senão, retirar-se a pequena importância das fotografias para a prova que até então já se achava feita, ou quiçá, e também, a indisponibilidade das testemunhas da R. anteriormente ouvidas e serem-no de novo.

 Feitas estas considerações, e também na sequência do acima já referido tocantemente à impugnação da decisão da matéria de facto por parte da A.,  há que manter provados os factos constantes dos pontos 5.8 (Todas as portas e janelas abriam e fechavam) e 5.9 ( Nessa ocasião, o piso de todas as dependências ficou no estado em que se encontrava, com cimento endurecido e afagado e mosaicos, as paredes revestidas e pintadas, a área administrativa com parquet flutuante, todas as dependências com instalação elétrica e rede de água em funcionamento).

Com efeito, foram várias as testemunhas da A. (entre elas BB, CC, DD…) que justificaram o regular estado de funcionamento daquelas instalações, quer no respeitante a portas e janelas, quer no respeitante  ao piso das várias  dependências, tanto mais que era objectivo da A. arrendar tais instalações.  Estas foram vigiadas e minimamente conservadas, visto aquele objectivo, sendo que a natural degradação decorrente do seu não uso por quatro anos não era de molde a interferir nos aspectos assinalados.

Muito menos era susceptível de implicar que estivesse «tudo escavado, vidros partidos, chão a levantar, só buracos», como o referiu textualmente a testemunha NN e o repetiram no mesmo tom de “total desgraça” as demais testemunhas da R.

Por isso, não pode ter-se como provado que «O locado foi entregue à R.  em estado avançado de degradação e abandono e com sinais evidentes de ter sido alvo de vandalismo, factos estes conscientemente omitidos pela A. - arts 3 e 4  da contestação; tão pouco que a R. tenha «encontrado o locado com portas arrombadas, janelas partidas, instalação eléctrica inexistente  e com sinais de ter sido roubada, instalações sanitárias completamente destruídas, as divisórias dos escritórios danificadas, encontrando-se o imóvel em verdadeiro e absoluto estado de abandono» - ponto 10 da contestação.

 Por outro lado, da prova produzida pela A., das próprias fotografias juntas aos autos, do relatório da perícia, da planta de amarelos e vermelhos, decorre com abundância que a R. não se limitou a proceder à intervenção apenas ao nível do rés do chão, limitando-se a proceder à limpeza e algumas pinturas no piso superior, como é referido no artigo 11 da contestação, que, por isso se mantém não provado.

 Relativamente aos portões a que se refere a matéria dos artigos 16 e 18 da contestação, a testemunha II referiu que «já nem tinha portões»; a testemunha OO,  referiu a «falta de alguns portões», «portões teria um ou dois, já não sei ao certo, mas sei que havia falta de portões». No entanto, nenhuma das testemunhas referiu que tivessem procedido à substituição de dois portões de fole ali existentes por portões novos seccionados/elevatórios devidamente automatizados, por isso, se mantendo como não provado o art 16 da contestação.

Dá-se, no entanto, como provado, relativamente ao art 18 da contestação ,que   «não foram lá encontrados quaisquer portões  automatizados, antes se tratando de velhos portões de foles», na sequência do que acima já se afirmou quando se conheceu da impugnação da matéria de facto levada e efeito pela A., mantendo-se também como não provado, por não ter sido feita prova a esse respeito, que «os portões retirados e demais matérias foram carregados e levados  para as actuais instalações da B..., sitas na zona Industrial de ...» .

B- 2ª -Passa-se para a impugnação dos factos dados como provados nos pontos 5.30/ 2ª parte, 5.31, 5.34, 5.35 e 5.44 que a R. pretende que sejam alterados ou julgados não provados, e a impugnação dos factos julgados não provados constantes dos arts 2, 21 a 29 e 32 a 36 da contestação que pretende que sejam dados como provados.

O conteúdo destes artigos é o seguinte:

2- A R. cumpriu integralmente com o ajustado entre as partes até lhe ser vedado o acesso ao locado em Novembro de 2012, pelo gerente da A., o Sr Eng KK, que então pôs termo ao arrendamento.

21 – Após as férias de Agosto de 2021, porque ainda não se mostrava emitida a licença de construção e por conveniência da R., no inicio de Setembro o pessoal afecto às obras de adaptação foi temporariamente deslocado para uma outra obra  na ....

22 – Sucede, porém, que em Novembro de 2012, quando a R. pretendeu retomar os trabalhos no locado, deparou-se com as instalações fechadas a cadeado e correntes.

23- Impedindo-a de ter acesso ao locado.

24 – Encontrando-se ali afixada uma faixa com o dizer “Arrenda-se”.

25 – Contactado o gerente da A. este deslocou-se ao locado e afirmou que fora ele quem mandara encerrar o imóvel a cadeado e correntes.

26 – Afirmando que o contrato de arrendamento estava definitivamente terminado.

27 – Impedindo de forma categórica que a R. acedesse ao locado.

28 – Mais afirmou que se alguém tentasse entrar lá dentro ele próprio trataria de os “deitar abaixo”.

29 – Impedindo o acesso e que se prosseguissem as obras de adaptação do locado à actividade da R.

32 – Tendo a A. posto termo ao arrendamento em Novembro de 2012 impediu que a R. levasse por diante a conclusão das obras de adaptação do locado a actividade da R..

33 -   Desde então, impedida de aceder ao locado, a R. tomou por definitivas as palavras do gerente da A. que o arrendamento havia terminado em Novembro de 2012.

34 – Tendo a A. mantido até ao presente a sua posição de interdição de acesso da R. ao locado.

35 – Pelo que, desde então, nunca lhe seriam devidas rendas já que foi a A. quem não permitiu o gozo e fruição da coisa arrendada pela R.

36 – Porque assim é, tendo presente que foi ajustado entre as partes que a 1ª renda só seria devida apos a obtenção da respectiva licença de obras, a R. nunca incumpriu com o pagamento das rendas.

Relembre-se também o conteúdo dos factos dados como provados nos pontos  5.30/2ª parte , 5.31, 5.34, 5.35 e 5. 44 da  matéria de facto e que a R. pretende que sejam dados como não provados.

5.30 – A ré interrompeu as obras em agosto de 2012, que se encontravam inacabadas, e não mais as retomou, não tendo para esse facto apresentado qualquer justificação à autora, tendo-se mantido, até então, sem assinar o acordo supra referido (artigo 34º - o 2º que na petição inicial tem essa numeração);

5.31 – Em 18 de Fevereiro de 2014, quando ainda se mantinha interessada em ceder-lhe as instalações, a autora enviou à ré a carta cuja cópia consta de fls 322 v, na qual além do mais aí exarado, lhe comunicou: “(…) No momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje. Fizemos imensos contactos para que reiniciassem as obras, sem sucesso. Até hoje nada nos pagaram. O prédio encontra-se em parte repleto de obras inacabadas. A licença de obras caducou, entretanto. Assim, vimos pela presente comunicar-vos que vos concedemos o prazo até final do mês em curso para que nos comuniquem por escrito se mantêm o propósito de realizar as obras em falta, ocupar o espaço, entregarem o contrato de arredamento assinado, pagarem o devido até ao presente, para que possamos dar entrada de novo pedido de licenciamento de obras para o efeito, junto do Município ..., sob pena de, em caso de silêncio da vossa parte, considerarmos que perderam definitivamente o interesse no projetado negócio e considerarmos resolvido o contrato que nos une»;

5.34 - Não obstante o envio das cartas supra referidas, a ré não entregou o prédio à autora;

 5.35 – Em data que em concreto não foi possível apurar, mas posterior ao envio de tais cartas, a autora colocou no prédio uma placa com o dizer: “arrenda-se”;

5.44 – Durante o período em que o prédio esteve entregue à ré, os consumos de eletricidade cifraram-se em € 2.770,87, que a autora pagou.

Todos os factos agora em questão se prendem com o incidente de Novembro de 2012, em função do qual a R. se entende desobrigada do cumprimento de quaisquer obrigações que lhe tivessem advindo da cedência pela A. das respectivas instalações e correlativamente do pagamento da eletricidade.

Nenhuma das testemunhas da R. se reportou aos consumos da electricidade, mas  na verdade, impugnado como foi o ponto de facto em causa, constata este Tribunal que a R. não pode ser responsável pelo consumo referente ao período entre 6/12/2011 a 5/1/2012, no valor de €  99,03 (doc 72), e tão pouco ao de 6/1/2012 a 4/2/2012, no valor de € 102,04 (doc 73), porque apenas iniciou a detenção do imóvel em Fevereiro desse ano de 2012, pelo que ao valor de  €  € 2.770,87  resultante da soma da totalidade das facturas juntas aos autos se abaterá aquele de € 201,07.  

Antes da apreciação da restante impugnação da matéria de facto, há que lembrar que a defesa da R. centrou-se - não numa diferente qualificação das relações entre ela e a A. de que se retirassem, porventura, efeitos jurídicos mitigados relativamente aos que a A. pretende, pois que, pacificamente as aceita como constituindo uma relação jurídica de arrendamento, pese embora a sua não assinatura do contrato - mas no acima referido episódio de Novembro de 2012, em função do qual pretende que a A. pôs termo à relação que entre elas se vinha verificando.

Alega, em suma, que sendo as rendas devidas apenas desde a emissão da licença, porque esta ainda não existia, admitiu em Setembro de 2012 a interrupção das obras que vinha executando no imóvel dos autos, e que, quando os seus funcionários regressaram de uma outra obra para retomarem os trabalhos naquela,  depararam com as instalações fechadas a cadeado e correntes e com uma faixa a dizer “Arrenda-se”, sendo que tendo sido contactado o gerente da A., o mesmo afirmou que o contrato estava terminado e que não mais a R. poderia aceder ao imóvel.

 As suas testemunhas HH, II e PP foram unânimes e uníssonas no relatar deste episódio, acontecido com as três presentes, segundo relatam, mas o Tribunal recorrido não lhes deu crédito.

Socorre-se a R/apelante para credibilizar estes depoimentos do teor do email  de 28/9/2012, que se mostra junto a fls 321 vº, enviado à R. por KK, representante da A.,  e de que consta:  «Exmos Srs  Não tendo obtido da vossa parte a devida resposta aos mails a V Excias endereçados, partimos do pressuposto do vosso desinteresse  pelo negócio em questão. Assim solicitamos que nos sejam entregues as chaves das nossas instalações, pois temos vários interessados aos quais temos de as mostrar».

Do ponto de vista da R. este email demonstra o desinteresse da A. no contrato – daí que impugne a expressão constante do ponto 5.31, «quando ainda se mantinha interessada em ceder-lhe as instalações» - tanto mais que «já estava (e sublinha o já estava) a diligenciar com vista ao arrendamento do imóvel sub judice».

Sucede que neste email não se diz que já se está a diligenciar pelo arrendamento do imóvel. Com ele, apenas se pretendia  - como resulta da normal interpretação do seu teor -  lembrar à R. que, se ela já não estava interessada no arrendamento, haveria mais quem pudesse estar.

Que foi esse o sentido desse email, resulta também das subsequentes comunicações escritas da A. à R.

Concretamente, a carta referida no ponto 5.31 de 18 de Fevereiro de 2014, na qual, além do mais aí exarado, a A. comunicou à R: “(…) No momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje. Fizemos imensos contactos para que reiniciassem as obras, sem sucesso. Até hoje nada nos pagaram. O prédio encontra-se em parte repleto de obras inacabadas. A licença de obras caducou, entretanto. Assim, vimos pela presente comunicar-vos que vos concedemos o prazo até final do mês em curso para que nos comuniquem por escrito se mantêm o propósito de realizar as obras em falta, ocupar o espaço, entregarem o contrato de arredamento assinado, pagarem o devido até ao presente, para que possamos dar entrada de novo pedido de licenciamento de obras para o efeito, junto do Município ..., sob pena de, em caso de silêncio da vossa parte, considerarmos que perderam definitivamente o interesse no projetado negócio e considerarmos resolvido o contrato que nos une».

 A verdade é que a A., como se refere no não impugnado ponto 5.32, não obteve qualquer resposta à referida comunicação, e em 10/3/2014 – como se refere no também não impugnado ponto 5.33 -enviou à R. uma carta, que esta recebeu em 13/3/2014, a comunicar-lhe: “Damos aqui por reproduzidos os factos alegados na nossa carta de 2014-02-18. Inexplicavelmente, V. Exas não responderam àquela missiva. Por conseguinte, não estando obrigados a manter-nos na situação em que nos colocaram, vimos comunicar-vos que pela presente resolvemos o contrato que nos une, com todas as consequências daí decorrentes”.

Aqui, sim, a A. deixou de estar interessada no arrendamento.

De todo o modo, ainda que estes elementos escritos pudessem não ser decisivos para a decisão do momento em que a A. pôs fim ao relacionamento contratual com a R. -  em Novembro de 2012, do modo descrito pela R., ou em Março de 2014, através da referida carta – a verdade é que também no aspecto em apreço, as testemunhas da A. se mostraram mais confiáveis do que as da R., ao negarem  o incidente em causa  e referenciando – sem exacta precisão temporal   -a colocação da tabuleta  com o “Arrenda- –se”, «em 2014 ou 2015», (testemunha CC),  «depois de termos tomado conta daquilo» (testemunha BB).

Acresce que se a R, como agora o diz, em Novembro de 2012 estivesse interessada na manutenção da relação contratual, não deixaria, decerto, de o evidenciar em função de qualquer escrito que dirigisse à A..

Na sequência do que se vem expendendo, considera-se improcedente a impugnação da R. em apreço, mantendo-se como não provados os arts 2, 21 a 34 da contestação (sendo os artigos 35 e 36 meramente conclusivos) e mantendo como provados os pontos 5.30, a parte do 5.31 que se reporta à circunstância de em 18 de Fevereiro de 2014 a A.  ainda se manter interessada em ceder à R. as instalações), o 5.34 e o 5.35 (Em data que em concreto não foi possível apurar, mas posterior ao envio de tais cartas, a autora colocou no prédio uma placa com o dizer: “arrenda-se”). .

A – 3ª - Retornando à apelação da A., e relativamente às questões que a mesma coloca no que concerne ao facto 5.45, convém, também aqui, lembrar o seu conteúdo:

«A A. teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço, tendo vindo a ceder a sua utilização para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização, cedência essa que ocorreu em data não apurada, mas posterior a 20 de Janeiro de 2016 e anterior à apresentação do relatório pericial junto aos autos, em 24 de Abril de 2018».

Refere a Exma Juíza a quo para justificar a inserção dos factos em referência na matéria de facto provada, que, o aí inserto, «em parte resulta do alegado no art. 96º da petição inicial» e que, no mais, resulta «da instrução da causa, nos termos do art. 5º, nº 2 , a) do C.P.C”.)

Ora, do art 96º da petição consta que «este (o prédio) teve antes e continua a ter diversos interessados em utilizar as instalações que a R. estragou, mediante o pagamento de um preço».

Compreende-se, por isso, a asserção inicial de que a A. teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço.

Por outro lado, é verdade que desde que foi junto aos autos o resultado da perícia, tornou-se neles conhecido que «à data da vistoria todo o edifício (nave central e espaços contíguos do rés do chão e 1º piso) se encontrava ocupado por um ginásio em normais condições de utilização», podendo, por isso, concluir-se que a A. tem vindo a ceder a  utilização do prédio para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização, como se diz na 1ª parte do ponto 5. 45.

Mas, o que a A/apelante põe em causa, é mesmo a 2ª parte do constante desse ponto – que essa cedência, tendo ocorrido em data não apurada, tenha sido posterior a 20 de Janeiro de 2016.

A verdade é que a fundamentação da decisão da matéria de facto não contempla a razão em função da qual a Exma Juíza concluiu que a referida cedência foi posterior a 20/1/2016, quando, efectivamente, e como decorre com suficiente linearidade da petição, à data da instauração da acção – 3/3/2017 – o imóvel estava inapto para ser utilizado e não o poderia ser enquanto não fossem feitas obras de reparação que permitissem a sua utilização, conclusão essa que decorre com segurança da matéria de facto tal como a mesma foi enunciada na sentença. 

Quer dizer, nenhuma dúvida poderá existir relativamente à circunstância de, ao contrário do que é aí enunciado, a cedência do prédio para ginásio ter sido seguramente posterior a 3/3/2017.

Mas a objecção da apelante vai mais longe.

Entende que não se trata de nenhum facto instrumental e que por isso o facto em causa deve ser excluído da matéria de facto, tanto mais que «nem sequer foi declarada previamente a prevalência dele como instrumental, para sobre o mesmo poder ser produzida prova no exercício do contraditório».

Neste ponto, e salvo o devido respeito, a apelante não terá razão, na medida em que, relativamente aos factos instrumentais, como resulta da contraposição entre a al a) do nº 2 do art 5º CPC - que aos mesmos respeita – e a al b) desse mesmo preceito – que respeita aos factos complementares ou concretizadores  -  o juiz não tem que oferecer às partes a possibilidade de sobre eles se pronunciarem  para os poder considerar.

Dito isto, é necessário que se tenha presente que de nenhum facto, de per si, é possível dizer-se ser instrumental ou complementar ou concretizador. A relação de complementariedade ou de concretização estabelece-se com os factos essenciais (em sentido estrito), que são aqueles que constituem a causa de pedir ou as excepções invocadas e que cabe (sempre) às partes alegar - nº 1 do art 5º. A noção de instrumentalidade de um facto advém, por isso, e em primeiro lugar, por exclusão de partes – factos instrumentais são os que não são essenciais em sentido estrito ou lato.

Ora, desde o momento em que a Exma Juíza a quo se serviu do facto que fez inserir no facto 5.45 para conhecer da causa de pedir na acção, vindo a concluir que, por não corresponder a um dano suportado (ou que venha a ser suportado) pela autora o valor das obras orçamentadas (mas não executadas pela autora) - € 206.018,36 – não é devido»,  nunca poderia qualifica-lo como instrumental.

 E, que se serviu desse facto, resulta evidente das seguintes considerações que precederam a referida conclusão: «As obras orçamentadas pela autora para repor o pavilhão no estado anterior ao início da relação contratual com a ré não foram efetuadas, e não o serão, uma vez que naquele espaço se encontra atualmente instalado um ginásio. Certo é que a autora não alegou ter executado e custeado as obras com vista à instalação do ginásio, e tais obras não correspondem às que no seu articulado considerou ser necessárias. Daqui decorre que as obras que a autora alega na petição inicial não foram, nem poderão ser realizadas. Consequentemente, sob pena de um enriquecimento ilícito, não deve a autora ser ressarcida de um custo que não suportou e não irá suportar, realidade que esteve na base da resposta negativa que foi dada à factualidade relativa “à necessidade” de a autora ali executar as obras por si orçamentadas. Efetivamente, caso a autora tivesse alegado ter efetuado as obras de instalação/edificação do ginásio e demonstrasse ter suportado o respetivo custo, já o seu pagamento poderia ser devido. Porém, a autora alegou a necessidade de realização de obras diversas (as de reposição do edifício no estado primitivo), que não foram realizadas, nem o poderão ser e, consequentemente, que não prova. O próprio relatório pericial não demonstra a realização das obras cujo custo é peticionado pela autora, pois as questões que aí são respondidas a esse respeito são puramente hipotéticas. Ou seja, os peritos consideraram que, caso a autora quisesse repor o prédio com a configuração inicial (anulando as várias alterações estruturais aí levadas a cabo pela ré), os orçamentos que apresentou se revelavam adequados. Porém, obras hipotéticas não produzem custos efetivos. Repetindo, perante o que se apurou quanto à utilização do pavilhão em fase posterior à saída da ré, as únicas obras cujo custo esta poderia ser obrigada a suportar seriam as de edificação/instalação de um ginásio (e não as de regresso a um estado ex ante que nunca se verificou, nem é já possível de verificar-se). E o certo é que não se justificava o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, dado que a autora alegou a necessidade de realização das tais outras obras que não passaram, nem passarão, de hipotéticas. De tudo isto se conclui que não se apurou que a autora tivesse suportado qualquer dano com a realização de obras, o que justifica a não prova destes factos. Efetivamente, não tem qualquer sentido determinar-se o pagamento, a título indemnizatório, de trabalhos de construção civil com base num orçamento que se sabe que não foi, e que nunca poderá ser, cumprido. Para esta conclusão ainda concorre o facto de a autora ter feito uma nova oficina, para a qual transferiu a sua atividade em 2008, inexistindo qualquer alegação e prova de que perspetivasse o regresso àquele espaço, para o fim que ali desenvolveu (oficina de pesados)».

Constituindo-se o facto em causa – o de que a A.  cedeu a utilização do prédio para instalação de um ginásio em data posterior à da entrada da acção – na perspectiva com que a Exma Juíza o encarou (como facto impeditivo do direito da A. à restauração natural), como facto essencial, não podia a mesma servir-se dele, porque não alegado, ou no mínim, porque não deu possibilidade às partes de sobre ele se pronunciarem.

Na verdade, a adoptar-se o ponto de vista substantivo da sentença recorrida – que como se verá, não será o caso do presente Tribunal -  teria cabido à R., depois que foi junto o relatório da perícia, ter procedido à alegação desse facto (impeditivo) como subjectivamente superveniente, o que não fez.

Quando se perspective o facto inserto no ponto em referência como instrumental, nada obsta à sua presença na matéria de facto.

E, na verdade, o facto em causa assume importância meramente probatória para a valoração da prova pericial, como acima já referiu.

Do que se veio de referir, resulta manter-se o ponto em referancia na matéria de facto, mas nos seguintes termos:

A A. teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço, tendo vindo a ceder a sua utilização para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização em data subsequente à da entrada da presente acção e anterior à apresentação do relatório pericial junto aos autos, em 24 de Abril de 2018.

A – 4ª - Cumpre agora saber, e ainda no que se reporta à apelação da A., se, ao contrário do que o entendeu a sentença recorrida em função das considerações acima reproduzidas, os factos provados exigem que a R. seja condenada relativamente aos prejuízos que causou no imóvel enquanto esteve na sua detenção.

Antes de mais, porém, há que caracterizar a relação que intercedeu entre as partes.

 Salientou a sentença recorrida, na fundamentação da decisão da matéria de facto, que «a prova produzida evidenciou que, não obstante o contrato junto aos autos não ter sido assinado pela ré, mereceu o seu acordo/consenso. Efetivamente, a ré deu início à execução das obras em função do vínculo contratual assumido pela autora. Afigura-se, pois, que os contactos estabelecidos ultrapassaram a fase das negociações, e que ambas as partes se vincularam ao cumprimento do acordo junto aos autos que, embora não assinado por legal representante da ré, mereceu o consenso final de ambos os outorgantes».

E mais adiante, em sede de apreciação do pedido, veio a concluir que «o enquadramento jurídico das pretensões feitas valer nos autos pela autora deve ser encontrado no domínio da responsabilidade contratual», entendendo que «a factualidade (provada) evidencia a efetiva celebração do acordo perspetivado entre as partes, tanto mais que está em causa negócio consensual, que não depende da observância de forma especial – cfr. artigo 219º, nº 1, CPC. Consequentemente, a falta de assinatura do acordo escrito por parte da ré não obstaculiza a consideração de que ambas as partes se vincularam ao cumprimento do mesmo».

 Ferreira de Almeida [1] na análise que faz da formação dos contratos que resultam de declarações conjuntas, diz ser possível distinguir nela três fases - «a fase preliminar, o acordo pré-contratual final e a subscrição», não necessariamente todas presentes, concomitantemente, na formação do mesmo contrato.

Quanto à primeira dessas fases, refere que «a fase preliminar ou preparatória (os “preliminares” a que se refere o art 227º) é preenchida pelo conjunto de actos de comunicação através dos quais se desenvolve o diálogo conducente ao acordo» (…), «troca de informações e intenções de extensão e complexidade ainda variáveis, que se inicia por alguma modalidade de convite a contratar e prossegue com actos de contéudo substancialmente equivalente ao de propostas e contrapropostas (…); acordo quanto à opção por um dos modelos pré-redigidos; redacção de sucessivos projectos escritos do contrato que antecedem e preparam o texto final e definitivo subscrito pelas partes».

Menciona ainda: «Nesta fase, surgem também acordos pré-contratuais, isto é, acordos não contratuais preparatórios da celebração de um contrato», cuja eficácia apenas pré-contratual, não origina obrigações contratuais, mas «constitui meio privilegiado de concretização e reforço dos deveres pré-contratuais ex lege, aumentando a probabilidade de justificar a confiança (…).

São o que designa por acordos pré-contratuais intermédios -«aqueles que eventualmente se estabelecem em qualquer momento entre o início e o termo das negociações para a celebração de um contrato. Têm por efeito típico a criação de deveres pré-contratuais de iniciar ou de prosseguir negociações»,

Já os acordos pré-contratuais finais, que por vezes antecedem a vinculação no contrato, são «aqueles que surgem no final das negociações. O seu efeito típico consiste na criação do dever pré-contratual de contratar, concluindo assim o contrato negociado».

Na situação dos autos está-se manifestamente perante um acordo pré-contratual final.

Mas ainda que esta conclusão se imponha, a verdade é que no caso sub judice se deverá dar como ultrapassada a  fase das negociações,s e concluir-se, como se concluiu na sentença recorrida,  de que a falta de assinatura do acordo escrito por parte da R., estando em causa um contrato não solene, que pode celebrar-se por quaisquer meios declarativos  aptos a exteriorarem a vontade negocial,  não obsta a que se considere  que ambas as partes se vincularam ao cumprimento do contrato, tal como ele emerge do escrito de fls 317 vº a 318 (escrito esse enviado pelo representante da A., KK, à R., por email de 3/3/2012, cfr fls 319).

 Se disso houvesse dúvidas, elas dissipar-se-iam em função dos termos com  que a R. se defendeu nos autos, falando sistematicamente de “arrendamento” e do prédio como “locado “.

Não obstante, atente-se à forma como o procedimento negocial entre A. e R. foi evoluindo:

A A. permitiu que a R. entrasse na posse do prédio em Fevereiro de 2012  e avançasse com obras de adaptação  que esta entendesse por necessárias para que o centro de inspeções abrisse rapidamente ao público, como era interesse desta, tendo ficado acordado e constante do escrito atrás referido  - cláusula 3ª al c) - que a 1ª renda só seria devida apos a obtenção da Licença de Obras, e igualmente acordado que o pedido de licenciamento fosse feito através da A. que assinaria tudo o que fosse necessário ao referido fim, competindo à R. elaborar os respectivos requerimentos e procedimentos  e suportar as inerentes despesas, assim tendo sucedido, vindo a ser emitida a referida Licença em  2/1/2013, com prazo de validade até 3/4/2013 – factos 17 a 24 .

Como resulta ainda da matéria de facto, a R. abandonou as obras que vinha realizando no prédio em Agosto de 2012 - facto 5.29 – consequentemente, antes da emissão da Licença.

A A., estranhando o comportamento da R., como atrás se referiu, estimulou-a ao cumprimento do contrato através do email de 28/12/2012, constante de fls 321 vº .

E veio a resolver o contrato em 13/3/2014, consoante consta do facto 5.3, salientando no email enviado para o efeito, «não estamos obrigados a manter-nos na situação em que nos colocaram», resolução essa que constituiu o ponto final da interpelação que havia feito à R. em 18/2/2014, em carta cuja cópia consta de fls 322 vº, e  cujo conteúdo, constante do ponto 5.31, aqui se recorda:

«No momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje. Fizemos imensos contactos para que reiniciassem as obras, sem sucesso. Até hoje nada nos pagaram. O prédio encontra-se em parte repleto de obras inacabadas. A licença de obras caducou, entretanto. Assim, vimos pela presente comunicar-vos que vos concedemos o prazo até final do mês em curso para que nos comuniquem por escrito se mantêm o propósito de realizar as obras em falta, ocupar o espaço, entregarem o contrato de arredamento assinado, pagarem o devido até ao presente, para que possamos dar entrada de novo pedido de licenciamento de obras para o efeito, junto do Município ..., sob pena de, em caso de silêncio da vossa parte, considerarmos que perderam definitivamente o interesse no projetado negócio e considerarmos resolvido o contrato que nos une».

José Carlos Brandão Proença, qualificando, como a demais doutrina, a resolução, como modo da ineficácia em sentido estrito, caracteriza-a como «a relevância negocial negativa  (a sua frustração ) de um facto (tipicamente unilateral  ou atipicamente natural) extrínseco e superveniente (o facto relevante ocorre num momento posterior à formação do negócio e à verificação dos seus efeitos imediatos ou, pelo menos, de alguns» [2], referindo decorrer dela «um direito de indemnização pelo próprio dano resolutivo (ou da frustração contratual) em consequência de um comportamento  da contraparte  (a quem a resolução é declarada ) atentatório do dever de cumprir e da boa fé (objectiva)  que deve presidir à execução contratual  (arts 406º/1 e 762/2 CC)»[3] .

A  resolução «surge motivada por factores supervenientes e exteriores ao próprio corpo negocial, que geram situações violadoras da disciplina contratual originária» e constitui, como instrumento jurídico, «uma das opções que se abrem ao contraente adimplente ou lesado», permitindo a tutela neste, do «duplo interesse liberatório – recuperatório»[4]. [5]

Por outro lado, a resolução corresponde a uma declaração unilateral recipienda ou recepticia, pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio retroactivamente, destruindo assim a relação contratual; e é vinculada, pois só e admitida se fundada na lei ou em convenção – art 432º/1 CC- prevendo-a a lei, entre o mais, em caso de mora que acarrete a perda do interesse do credor na prestação ou de incumprimento definitivo – art 801º/2 e 808º CC.

O art 433º CC remete os efeitos da resolução entre as partes para as regras da nulidade e da anulabilidade.

Pais de Vasconcelos salienta que «a resolução faz cessar o contrato, mas não cria um vácuo jurídico»[6]. Entre as partes dá lugar, em principio, à restituição entre elas  daquilo que houverem recebido em execução do contrato, e por isso, a parte que não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem direito a resolver o contrato (art 432º/2). Mas, como ainda assinala, «a retroactividade é uma ficção segundo a qual se devem ter como não verificados os efeitos que na realidade já se verificaram», e, por assim ser, «não tem o condão de fazer recuar o tempo e, por isso, acarreta problemas nem sempre de solução fácil».(…). Acrescentando: «A resolução, extinguindo, embora, a relação contratual, constitui, em seu lugar, uma “relação de liquidação”. Que visa, como o próprio nome diz, assegurar a justiça e adequação material da eficácia da resolução. A relação de liquidação é dirigida à reposição de modo equilibrado da situação anterior ao contrato, impondo atribuições patrimoniais correspondentes quer à restituição das prestações já executadas, se possível, quer à indemnização das que já não são possíveis, quer á compensação entre umas e outras, quer ainda a desvinculação de prestações ainda não executadas».

Na expressão de Baptista Machado [7], «o que neste processo de liquidação se pretende é coordenar todos os expedientes ou tramites que melhor se ajustem  a essa função liquidativa e facilitem um adequado tratamento dos interesses de ambas as partes».

 Na expressão de Brandão Proença [8], «a resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (máxime quando houver um principio de execução contratual) uma “liquidação” adequada à própria função normal (ou funcionalidade) do direito: o “regresso”  (não necessariamente retroactivo)  ao estado económico-juridico anterior à frustração ou à alteração contratual  numa base, quanto possível, igualitária entre ambas as partes».

Já se viu o entendimento da sentença recorrida a respeito do pedido de condenação da R. a pagar à A. a indemnização relativa aos prejuízos causados nas instalações da A .

Não pode, naturalmente, concordar-se com o aí decidido.

Na sequência das referências doutrinárias acima mencionadas, o regresso ao estado económico-jurídico anterior à frustração contratual, nem sempre é passível de se obter em função da restauração natural.  Continuando a citar Brandão Proença, o princípio restitutório «pode implicar uma retroactividade real (ou directa) mas também pode implicar o direito a uma indenização que respeite à deterioração do objecto a restituir». Acrescentando [9]: «A restauração, envolvendo, em princípio, uma restituição natural das coisas prestadas (ou per tantundem, se se tratar de coisas genéricas), pode ter que traduzir-se numa mera restituição do valor correspondente  (ou do equivalente) em caso de impossibilidade material». Nestas circunstâncias, o sentido reintegrador da resolução implicará o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados, que terá como medida o estado anterior da coisa, pois que «a deterioração não essencial do objecto representa uma diminuição efectiva do património do adimplente».

È nesta lógica recuperatória que se insere a indemnização pedida pela A., com a qual nada tem a ver a circunstância desta ter cedido o imóvel, ainda deteriorado ou já não, a terceiro, para arrendamento, como sucedeu com a aqui A. relativamente ao ginásio que agora o vem usufruindo. Efectivamente, e como a aqui apelante o frisa nas alegações, a A. não tinha que aguardar a decisão final da presente acção para rentabilizar o imóvel. E se o tivesse feito, que não fez, e a acção procedesse no âmbito agora aqui em causa, recebida a indemnização restitutória, não tinha que a utilizar necessariamente na reparação do imóvel.  O que ela tem é de ser indemnizada pela R., desde o momento em que as obras que esta iniciou e não acabou - e que conduziram a que o imóvel tivesse ficado inapto para o fim a que antes se destinava bem como para o fim a que a R. o pretendia utilizar – se traduziram em danos, cuja eliminação só pode ter como medida o estado em que a R. recebeu o imóvel.

Repare-se que se se exigisse à A. que aguardasse o fim da acção para rentabilizar o espaço que está em causa, a R. teria que ser responsabilizada pelos prejuízos da A. referentes à perda daquela oportunidade contratual, que, porventura, seriam maiores do que a indemnização que está em causa.

Por isso, em função dos elementos que os autos já potenciavam na 1ª instância e com os que agora resultaram da alteração da matéria de facto, há que condenar a R. a pagar à A.  a indemnização de € 156.797,244,  resultante da soma das parcelas a que se reporta o introduzido ponto 5.25-A e os pontos 47 a 60 e 81 a 87 ( o primeiro e o segundo 87).

A – 5ª - Vejamos agora se a acção procederá relativamente ao que a A. designou na apelação por “privação da posse do imóvel”.

Como se viu, a R. foi condenada na 1ª instância a pagar à A. o valor de  € 75.000,00 referente as rendas vencidas desde a emissão da licença de obra em Janeiro de 2013 até à a data da resolução do contrato – Março de 2014  (€ 5.000,00 * 15 meses).

E a Exma Juíza teve o cuidado de referir que mesmo no regime da responsabilidade pré–contratual, se se entendesse a mesma como aplicável , «o avançado estado da negociação entre as partes (ao ponto de estar elaborado e ser consensual o texto final do acordo que as iria vincular e de o prédio ter sido já entregue à arrendatária que aí iniciara obras) criou na esfera da autora uma legítima expetativa a auferir o rendimento em causa, desde o momento da concessão da licença de obras», sendo pois indiscutível a responsabilização da R. a este nível pelos danos correspondentes ao interesse contratual positivo, devendo colocar-se a mesma  na situação em que ela se encontraria se o contrato tivesse chegado ser celebrado.

Mas a sentença, muito claramente, chamou a atenção para o facto de, porque  «não se apurou que, para além do período de resolução, a ré se tenha mantido na posse do edifício e que a autora do mesmo tenha estado privada, nem tal facto se deve extrapolar do apuramento de que a arrendatária não entregou o prédio à autora (5.34),  não é devido qualquer outro valor a título de contrapartida pela utilização do imóvel, para além do mês de março de 2014 (mês da resolução)».

É contra esta conclusão que a A./apelante agora se insurge, entendendo – conclusão 22ª – que, para além daquele valor de rendas, «a R. deve ser condenada  a pagar uma indemnização à A. referente ao período em que esteve privada da utilização do imóvel  por o mesmo, em virtude da intervenção da R. ter ficado inapto para a função que tinha, sendo de considerar que o período de tempo a ter em conta será desde a data da resolução do acordo feito entre a A. e a R. (Março de 2014)  até à data em que passou a poder utilizar o imóvel, posterior à data da instauração da acção, a fixar em liquidação ulterior .

Não tem razão a A.

A A. deixou de estar privada da detenção do imóvel a partir do momento em que procedeu à resolução do contrato.

 Detenção e não posse, salvo o devido respeito.

Como é sabido, para que haja posse é necessário algo mais do que o simples poder de facto: é necessário que haja por parte do detentor a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela, como sucede com o arrendatário. E a defesa possessória que é concedida ao arrendatário (art 1037º/2 CC ) –  pelo menos no entendimento que é mais comum na matéria – tem por base a relação jurídica de mera detenção.

Ora a esta detenção pôs a A. termo com a resolução do contrato.

Mas, ainda que assim não se entendesse e de posse verdadeira se pudesse falar- com o que não se concorda - sempre haveria de concluir que a R. deixou de ter o corpus da mesma desde que abandonou a obra. Na carta que a A. lhe dirigiu e que antecedeu a resolução, concedeu-lhe prazo até ao final do mês em curso «para que nos comuniquem por escrito se mantêm o propósito de realizar as obras em falta, ocupar o espaço, …». Nada tendo a R. respondido a essa carta e nada tendo respondido à subsequente de resolução – e desde o momento em que não resultou provado que a A. tivesse impedido à R. o exercício dos poderes de facto sobre o imóvel desde Novembro de 2012  - sempre se deveria entender que esta teria junto à falta de corpus, a falta de animus, deixando de ter a posse do imóvel na data da resolução.

È curioso registar a incongruência da A/apelante quando, entendendo que a data em que passou a poder utilizar o imóvel terá sido posterior à data da instauração da acção -  embora, sintomaticamente, nunca a tivesse definido na pendência desta  - apenas pediu o pagamento da electricidade até à data da resolução do contrato, e não também, e afinal, até àquela outra que ficou por definir.

Por outro lado, e ainda neste âmbito das rendas, não se vê que a circunstância da perícia ter estimado como adequado o valor de € 4.670,0 como valor locativo para o  imóvel em 2012, se tenha de repercutir no valor restituitório da possibilidade de gozo do mesmo pela R. que o  contrato - que se viu ter vinculado as partes -  lhe permitiu, e que o situou em € 5.000,00 .

O que significa que do nosso ponto de vista não se justificaria a correcção do valor  fixado na 1ª instância a este nível, mas, desde o momento em que a apelante o requereu,   haverá que situar o valor em causa, não em € 75.000,00 (5.000,00 * 15) mas em € 70.050,00  ( € 4.670,00* 15).

B – 1ª -Esgotada a apelação da A., vejamos a parte da apelação da R. que se mostra por conhecer.

Cabendo, à cabeça, apreciar a arguida nulidade da sentença.

Entende a R. que a sentença é nula, nos termos do art 615º/ al c), por contradição entre o facto  provado no ponto 5.42  e o que foi  decidido no ponto 9.8 da “fundamentação de direito”,  nulidade essa, cujo suprimento, se bem se entende o seu ponto de vista, implicaria  a sua absolvição do pedido de pagamento de quaisquer rendas.

Diz-se no ponto 5.42: «A R. utilizou o imóvel e ali efectuou obras desde Fevereiro de 2012 até Agosto de 2012  …» .

Por sua vez, no referido ponto 9.8 da sentença escreveu-se:

«9.8 – Analisando as pretensões indemnizatórias deduzidas nos autos, verifica-se que, contrariamente ao acordado, a ré não liquidou as rendas devidas por cada mês de utilização do espaço. Assim, estão em dívida as rendas vencidas desde a emissão da licença de obra (janeiro de 2013) até à data da resolução do contrato (março de 2014), no valor de € 75.000,00 (€ 5.000,00 x 15 meses), nos termos estipulados pelos outorgantes do acordo em causa»

Entende a R., que, porque se diz que “apenas utilizou” o imóvel desde Fevereiro de 2012 a Agosto de 2012, não podia ser condenada no pagamento das rendas entre Janeiro de  2013 a Março de 2014 .

Em primeiro lugar, não se diz, como a R. invoca, “apenas” utilizou.

E depois, não há, evidentemente , contradição nenhuma, como resulta do mais que é dito na sentença .

E evidentemente também, não há previamente nulidade da  sentença, desde logo  porque as nulidades da sentença não se prendem com o mérito, «antes respeitam ao teor do acto decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objecto e limites do julgamento, não quanto ao mérito desse julgamento»[10].

De todo o modo, e como é também evidente, a nulidade a que a apelante se reporta – da al c) do nº 1 do art 615º CPC -  pressupõe o que não ocorre na situação figurada pela apelante – que, o conteúdo decisório, ele próprio, e não uma antecedente consideração jurídica, esteja em oposição com os fundamentos de facto e de direito. 

Como o assinala Rui Pinto, «a contradição entre fundamentos e decisão é estritamente no plano lógico da construção da decisão. Coisa diversa é o próprio silogismo estar errado no seu mérito, por conter uma contradição com os factos ou com o Direito: trata-se de erro do julgamento de facto decorrente de o juiz decidir contrariamente aos factos apurados, ou de o julgamento de direito decorrente de o juiz decidir contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente».»

B- 6ª -A R. socorre-se da exceptio non adimpecti contractus para se subtrair às condenações de que foi alvo na 1ª instância , mas, sem êxito, visto que a sua versão dos factos foi julgada não provada – não pode a R. pretender que não cumpriu porque primeiramente o não fez a A. ao suprimir-lhe a possibilidade de prosseguir as obras que vinha efectuando. pois que nada disso se provou.

Reitera a R. nas alegações do presente recurso o entendimento de que a A. litiga em manifesta contradição com a posição que assumiu perante ela desde Novembro de 201, e parece aditar às considerações feitas na 1ª instância a esse respeito, a circunstância de a A. ter demorado seis anos a propor a presente acção, o que entende como facto que contradita a sua conduta anterior, pretendendo configurar, por isso, a propositura da accao como um venire contra factum proprium . 

Refere o art 436º/2 CC, a respeito de quando se efectiva a resolução, que «não havendo prazo convencionado para a resolução do contrato, pode a outra parte fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para que o exerça sob pena de caducidade». Por assim ser, o direito de resolução extingue-se (ou caduca) quando não for exercido no prazo convencionado ou no prazo razoável fixado pela contraparte ao titular do direito. Mas, não se verificando qualquer destas duas situações, e não estando fixado prazo legal para a caducidade do direito à resolução do contrato ou da acção, como acontece noutras situações – ali cfr arts 891º/2 , 929º, 1104º/3, 1224º do CC, aqui, arts 966º, 1094º, e 2248º/3 do CC -  a resolução estará sujeita à prescrição ordinária, como o refere Brandão Proença [11].

O que, legitimando a demora da A. na propositura da acção, não impediria que o não exercício desse direito durante um certo prazo não pudesse vir a configurar abuso de direito. 

Mas para que tal sucedesse seria sempre necessário bem mais do que a simples inércia no exercício do direito.[12]

Costumam afirmar-se como pressupostos para o abuso do direito na modalidade em causa, a) uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia; b) uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível; c) um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma conduta na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; d) uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo reconduzível.

Na situação dos autos não há qualquer justificação para a confiança da R. na não propositura da acçâo pela A. para o exercício judicial dos seus direitos, nem antes, nem depois que em 2014 a A. procedeu à resolução do contrato.  A R. só podia ter esperança que isso não sucedesse, mas não confiança, por a mesma não se mostrar sequer plausível.

No tocante a um abuso de direito que tivesse como base a contradição da A.  com a posição que assumiu perante a R. desde Novembro de 2012, a partir do momento em que o referido episódio de Novembro de 2012 não se provou, nenhuma consideração há a tecer relativamente a esse possível abuso de direito.

Importa ainda, antes de finalizar, fazer referência ao IVA referente ao valor no referido montante de € 156.797,24, que a A peticionou, ainda que referentemente  ao valor referido no art 46º da petição.

Aqui, sim, farão sentido, salvo melhor opinião, as considerações da sentença recorrida, quando nela se referiu que não estando em causa um dano suportado ou que venha a ser suportado pela A., o mesmo não é devido.

  

Há, pois, que concluir pela procedência parcial de uma e outra das apelações e pela revogação correlativa da sentença recorrida, sendo que, no que respeita à apelação da R., a procedência respeita apenas aos consumos de electricidade, devendo ser condenada, não no valor de € 2.770,87, pedido a esse nível pela A., mas no  de € 2.569,80. E no que à apelação da A. respeita, deverá a R. ser condenada a pagar-lhe a titulo de rendas, o valor de  € 70.030,00, e não o de € 75.000,00 constante da sentença, e  o valor de  € 156.797,24,  referente aos danos que a mesma lhe causou durante o período de tempo em que deteve o imóvel e que acima se assinalaram.      

V – Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedentes as apelações, revoga-se correlativamente a sentença recorrida, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia global de € 229.397,04, acrescida de juros de mora desde a citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa de juros aplicável às empresas comerciais, absolvendo-se a R. do demais peticionado.

Custas na 1ª instância e nesta, pela A. e pela R. em função do respectivo decaimento.

Coimbra, 11 de Outubro de 2022
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Pires Robalo)




[1]- «Contratos- Conceito- Fontes-Formação», 4ª ed., p. 139
               [2] «A Resolução do Contrato no Direito Civil»,Coimbra 1982, p 19
               [3] - Obra referida, p. 34
               [4] - Obra referida, p 64/65
               [5] - Veja-se, com interesse nesta matéria, o Ac desta Relação de 4/5/2020 (Barateiro)
               [6] - «Teoria Geral do Direito Civil», 2012, 7ª ed, p 657
               [7] -  «A Resolução por Incumprimento e a Indemnização» p 203
               [8] - Obra referida, 178
               [9] - Obra referida, p.181
               [10] - Rui Pinto, «Os meios reclamatórios comuns da decisão civil ( arts 613º a 617º do CPC)», Revista Julgar Online, Maio de 2020
               [11]  - Obra referida, p.168/169
               [12] -Cfr a respeito do abuso de direito de propor a acção  Ac STJ 3/10/2019 ( Rosa Tching),  Ac STJ  8/9/2021( José Rainho), Ac R G  14/2/2020 ( Moreira Dias), Ac R L 8/10/2020 (Pedro Martins), Ac  R P 12/9/2019 (Amaral Ferreira), Ac STJ 22/6/2021 (Pinto de Almeida)