Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
159/05.0GASPS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 125º, N.º 1, AL. A), DO C. PENAL
Sumário: A interposição de dois recursos, em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória que impôs ao arguido a pena de 6 meses de prisão - a cumprir em regime de prisão por dias livres -, aos quais foi fixado efeito suspensivo, inscreve-se nas causas de suspensão da prescrição da pena, previstas na alínea a), do n.º 1, do artigo 125º, do Código Penal.
Decisão Texto Integral:

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Processo n.º 159/05.0GASPS.C2

I. Relatório:
1. Nos autos de processo comum n.º 159/05.0GASPS, a correr termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, o arguido A..., com os sinais dos autos, interpôs recurso do despacho proferido em 26 de Junho de 2012, que declarou inexistir fundamento para a declaração da prescrição da pena que àquele fora imposta.
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2. Formulou na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª - O efeito suspensivo atribuído ao recurso contra a decisão proferida após trânsito em julgado da sentença de condenação, que não admitiu a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade não suspendeu qualquer ato de execução da pena de prisão pois esta podia e devia ter o seu início no dia seguinte ao trânsito em julgado daquela sentença de condenação.
2.ª - E, caso o recurso fosse julgado procedente, o recorrente cumpriria o restante da pena de prisão com trabalho a favor da comunidade.
3.ª - E mutatis mutandis relativamente ao recurso interposto contra a decisão que julgou incompetente para a execução da pena de prisão o Tribunal da Execução das Penas, pois a questão da competência apenas se colocou durante o decurso do prazo da prescrição da pena e não no início da execução da pena.
4.ª - Nenhum dos recursos interpostos e com efeitos suspensivos impediam o início da execução da pena de prisão.
5.ª - Razões de certeza e segurança jurídica impõem a execução da pena dentro do prazo que o legislador consagrou, findo o qual o Estado perde o interesse na punibilidade do condenado.
6.ª - Viola o princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP a norma do artigo 125.º, n.º 1, alínea c), na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal a quo no sentido de que os recursos interpostos pelo condenado no âmbito do processo de execução impediram que o Estado iniciasse a execução da pena.
Termos em que, deve ser julgado procedente o presente recurso e, a final, ser proferido acórdão que declare a prescrição da pena de 6 meses de prisão.
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3. O Ministério Público respondeu ao recurso, preconizando, a final, a manutenção da decisão recorrida.
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4. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 501/502, pronunciou-se, de igual modo, no sentido da improcedência do recurso.
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5. Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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6. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No caso sub judice, vistas as conclusões, o recurso demanda para conhecimento apenas as questões de saber: se está prescrita a pena imposta ao arguido no âmbito dos presentes autos; se a interpretação dada pelo tribunal a quo à norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do CPP é inconstitucional, por violar o princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
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2. Elementos relevantes à decisão:
a) Após julgamento, em processo comum com intervenção de tribunal singular, por decisão final transitada em julgado em 5 de Maio de 2008, o arguido A... foi condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98 de 3 de Janeiro, e 122.º, n.º 1, do Código da Estrada, na pena de 6 meses de prisão, ,a cumprir por dias livres, em 36 períodos de 36 horas cada período, entre as 9.00 horas de sábado e as 21.00 horas de domingo, nos termos previstos no artigo 45.º do Código Penal (cfr. sentença de fls. 93/99 e acórdão da Relação de Coimbra de fls. 147/157);
b) Em despacho de fls. 216, lavrado no dia 11 de fevereiro de 2012, o Sr. Juiz do tribunal de 1.ª instância determinou o cumprimento do disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CPP e fixou, como início da execução do regime imposto, o dia 13 de Março de 2009 (cfr. fls. 216);
c) Face à falta de comparência do arguido no Estabelecimento Prisional, o mesmo foi ouvido sobre as razões determinantes, tendo invocado o que consta a fls. 232 e 235 dos autos.
d) Na sequência de proposta que lhe foi comunicada, por si aceite, em despacho exarado a fls. 244 dos autos, foi alterado o regime de prisão por dias livres em moldes tais que o cumprimento de cada período de 36 horas, com início em 24 de Julho de 2009, deveria ocorrer entre as 9.00 horas de sexta-feira e as 21.00 horas de sábado;
e) No dia 22 de Julho de 2009, o arguido veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 58.º do Código Penal, a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. fls. 254/283 e 291/316);
f) A pretensão do arguido mereceu despacho de indeferimento, datado de 22 de Julho de 2009; o recurso interposto pelo arguido, ao qual foi fixado efeito suspensivo (artigo 408.º, n.º 3, do CPP), foi rejeitado, através de decisão sumária proferida em 23 de setembro de 2009, dada a sua manifesta improcedência (cfr. fls. 328/334, 339/346, 364, do processo principal, e 166/175 do apenso 159/05.0gasps-A);
g) O Sr. Juiz fixou novo dia para início do cumprimento da prisão por dias livres. Porém, o condenado não se apresentou no Estabelecimento Prisional na data determinada, nem posteriormente (cfr. fls. 371/373, 381/382 e 388);
h) Ouvido, o condenado informou, por escrito, a impossibilidade de apresentação no Estabelecimento Prisional, devida a razões de ordem profissional (dever de cumprimento do horário de trabalho ao fim-de-semana) e à circunstância de a sua mulher se encontrar doente, com necessidade do seu acompanhamento durante todo o dia (cfr. fls. 404);
i) Realizadas diligências probatórias, após promoção do Ministério Público e exercício do contraditório por parte do condenado (cfr. fls. 409/432), o Sr. Juiz exarou nos autos despacho, com data de 17 de Outubro de 2011, que, nas passagens mais significativas, agora se reproduz:
«Resulta documentalmente dos autos Como se alcança da promoção do Ministério Público de fls. 421 e seguintes que aqui se segue de perto. o seguinte:
1. Por decisão transitada em julgado em 5/5/2008 foi o arguido condenado como autor material de um crime de condução ilegal, na pena de 6 meses de prisão a cumprir em dias livres, em 36 períodos de 36 horas cada período entre as 9h de sábado e as 22 h de domingo, nos termos previstos no artigo 45 do CP (fls. 157).
2. Em 15 de Junho de 2008 o arguido veio requer que a prisão por dias livres fosse executada através de permanência na habitação nos dias em que estava de folga do trabalho coincidindo com a sexta e sábado (fls. 184).
3. Foi indeferido o requerido (fls.198) e após trânsito de tal despacho por decisão proferida nos autos em 16/11/2008 (fis.209) foi designado o dia 9/1/2009 para início do cumprimento da prisão por dias livres, o que foi comunicado ao EP e IRS junto do mesmo, não tendo, no entanto, sido entregue a respectiva guia de apresentação ao arguido em conformidade com o disposto no artigo 487.º, n.º 3 do CPP, razão pela qual viria a ser designada como nova data para apresentação do arguido o dia 13 de Março de 2009 (fls. 215), sendo que desta feita, foi devidamente cumprido o disposto no citado normativo conforme fls. 221 a 223.
4. Não obstante, o arguido não se apresentou no EP em tal data para início do cumprimento da pena (fls. 225).
5. Em observância do disposto no artigo 488.º, n.º 3 do CPP então em vigor foi ouvido o arguido para explicar as razões da não comparência (fls.227 e ss.), tendo vindo alegar que não compareceu porque trabalhava ao domingo e por isso não podia cumprir a pena durante o fim de semana (fls. 232).
6. Por isso foi-lhe facultada a possibilidade de cumprir a pena entre as 9h de sexta e as 21 de sábado (fls. 232, 236-238), o que o arguido aceitou (fls. 239); foi considerada justificada a sua falta no dia 13/3/2009 e foi designado o dia 24 de Julho para início do cumprimento da pena, determinando-se também que a mesma ocorresse, pelas razões profissionais invocadas pelo arguido, entre as 9h de sexta e as 21 horas de sábado (fls. 243 e ss.).
7. Contudo, o arguido em 22/7/2009, em vez de se apresentar, veio requerer a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade com imposição de regras de conduta.
8. Tal propósito foi-lhe indeferido (fls. 254-290), tendo sido o arguido pessoalmente notificado dessa decisão de indeferimento em 23/7/2009 (fls. 325), ou seja, ainda a tempo de se apresentar para cumprir a pena.
9. Em vez disso, inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão de indeferimento (fls. 328 e ss.), ao qual coube efeito suspensivo (fls. 364).
10. Por decisão transitada em julgado proferida em 23/9/2009 foi tal recurso rejeitado por manifesta improcedência em conformidade com o disposto no artigo 420, n.º 3 do CPP (cfr. apenso 159/05.0gasps-A.Cl).
11. Já estando, de novo, o processo neste tribunal, foi designado o dia 13 de Novembro de 2009 para início do cumprimento da pena (fls. 371).
12. Contudo, apesar de ter sido dado adequado cumprimento ao disposto no art. 487.º, n.º 3 do CPP (fls. 382) o arguido, mais uma vez, não se apresentou no EP naquele dia (fls. 388).
13. De novo ouvido para esclarecer as razões do incumprimento, isto já em Setembro de 2010, uma vez que, por lapso, não houve comunicação atempada do EP sobre a falta do arguido, nem tão pouco este veio aos autos dizer ou requerer o que quer que fosse até essa data, mantendo-se no mais absoluto silêncio (fls.388 e ss.), veio alegar simplesmente que «foi por razões de ordem profissional - cumprimento do horário de trabalho ao fim-de-semana - que não pôde comparecer no estabelecimento prisional. Por outro lado, a sua mulher ficou doente tendo necessidade de acompanhamento durante todo o dia por parte do marido» (fls. 398).
14. De novo notificado para explicar e concretizar as razões invocadas nomeadamente quais as alterações ocorridas no horário de trabalho, quando ocorreram e por quanto tempo; quando ficou doente a esposa e qual a razão de necessitar de acompanhamento e por quanto tempo e em que condições é efectuado tal acompanhamento, bem como para juntar prova de tudo quanto alegasse (fls. 409 e ss.) limitou-se a juntar o documento de fls. 415 dizendo simplesmente tratar-se de «documento comprovativo do estado de saúde da sua mulher, que apesar de se referir ao mês de Junho de 2008, se mantém até hoje» (o que não prova minimamente - fls. 414. Quanto às genericamente invocadas razões de ordem profissional nada disse.
15. Do documento que juntou a fls. 414, verifico tratar-se da cópia de um boletim clínico referente ao internamento da esposa no serviço de psiquiatria do Hospital de Viseu, em 16/6/2008, com o diagnóstico de “crise suicidária + perturbação de personalidade emocional instável”, tendo tido alta no dia 24/6/2008, para o domicílio simplesmente com a indicação de marcação de consulta de psicologia. Mais se refere em tal boletim, em resumo do episódio clínico, o seguinte: “doente do sexo feminino de 37 anos de idade internada por gesto suicidário impulsivo em contexto de conflito conjugal. …O internamento visou intervir na crise. Solicitou-se consulta de psicologia clínica”.
Uma vez mais seguindo de perto a posição do Ministério Público, o “histórico” processual antes expresso deixa manifesto, à luz das regras da lógica e do senso comum, a intenção do arguido em se furtar ao cumprimento da prisão em que foi condenado e de usar todos os mecanismos (em abstracto) admissíveis - apesar de ter visto recusado um recurso por manifesta improcedência - para não cumprir a pena.
A última tentativa é, uma vez mais, a expressão dessa intenção de se furtar ao cumprimento da prisão. E tão manifesto é que o documento comprovativo da necessidade de auxiliar a esposa e de supostamente justificar a falta de ingresso no EP no dia 13 de Novembro de 2009 pela simples razão de que tal documento diz respeito a facto ocorrido à mais de um ano antes (…).
Não foi alegado, por isso, qualquer facto que justificasse o incumprimento da obrigação de se apresentar para cumprimento da prisão.
A decisão condenatória transitou há cerca de 3 anos. Neste momento, não é legalmente possível, nem se justificaria, suspender a execução da pena, como se requer novamente, numa nova tentativa de se furtar ao cumprimento da prisão.
A falta há-de considerar-se injustificada, impondo-se, ao abrigo do disposto no artigo 488.º, n.º 3, do CPP, que se determine o cumprimento da prisão em regime contínuo.
Uma vez mais, como refere o Ministério Público e numa posição que se subscreve na íntegra, «não obstante este normativo tenha sido já em data posterior à falta do arguido revogado pela Lei 115/2009, de 12/10, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, entrada em vigor em 12/4/2010, a qual veio atribuir a competência material ao TEP para “ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres (artigo 138, n.º 4, alínea l) do diploma em referência), é nosso entendimento que continua a aplicar-se in casu, continuando a ser este Tribunal da condenação o competente para julgar justificada ou injustificada a falta (exactamente como acontecia à data em que a mesma se verificou) visto que a aplicação do novo normativo que atribui a competência ao TEP para apreciação de tal questão importaria quebra de harmonia e unidade dos vários actos praticados no processo, sendo certo, aliás, que o TEP nunca teve sequer, notícia destes autos, os quais desconhece em absoluto.
Na verdade, o artigo 9.º da Lei 115/2009, de 12/10, contém disposições transitórias onde estabelece que “as disposições do livro II do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade (onde se insere o normativo supra citado) não se aplicam aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do recluso ou quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo, continuando, nesses casos, os processos a reger-se, até final, pela legislação revogada”.
Ou seja, as referidas disposições têm aplicação imediata (como é natural atento o seu carácter de leis processuais), mas, já assim não será quando de tal aplicação imediata resulte agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do recluso ou quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo, excepções essa que, aliás, sempre resultariam do CPP (artigo 5.º).
Sobre este conceito remetemos para o que referem os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, in Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, Coimbra Editora 2009, págs. 35 e 36, que passamos a citar:
“Como salienta Castanheira Neves: os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um «processo» - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pressuposto para consequência - decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unitariamente com o sentido e valor dos actos seus pressupostos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção (...). No que se refere à quebra de harmonia e unidade dos actos processuais, Simas Santos e Leal-Henriques referem que: “a nova lei não “joga” não se amolda ao sistema anterior, por forma a estabelecer uma convivência pacífica entre ambos” (sic). Ora, é exactamente uma situação dessa natureza que ocorre in casu com a alteração da competência para considerar, ou não, justificada a falta de apresentação do arguido no EP para iniciar o cumprimento da prisão por dias livres e consequentemente, determinar o cumprimento da pena em regime contínuo”.
Vale por dizer, portanto, que este tribunal e neste processo, em concreto, permanece o competente para decretar o cumprimento, em regime contínuo, da prisão.
Assim, e pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 488.º, n.º 3, do CPP, determino que o arguido cumpra a pena de 6 meses de prisão - que havia de ser cumprida por dias livres, em 36 períodos de 36 horas - em regime continuo»;
J) Ao recurso interposto desse despacho, pelo condenado, foi atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 408.º do CPP (cfr. fls. 441/447 e 456);
K) Em acórdão de 23 de Maio de 2012, notificado ao Advogado do condenado no dia 30 de Maio do mesmo ano, o Tribunal da Relação de Coimbra, negando provimento ao recurso, confirmou, na íntegra, o despacho sob recurso (cfr. fls. 115/121 dos autos de recurso em separado 159/05.0GASPS-B);
L) Em 15 de Junho de 2012, o condenado requereu fosse declarada a extinção da pena, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea d), do CPP (cfr. fls. 465);
M) O Ministério Público pronunciou-se sobre a pretensão do arguido nos moldes infra transcritos (cfr. fls. 466):
«O arguido interpôs dois recursos nos autos - o que se encontra ainda pendente de decisão e o que foi interposto a fls. 328, aos quais foi fixado efeito suspensivo - como se impunha. Assim e com a interposição de tais recursos e durante a sua pendência verificou-se, a nosso ver, a causa de suspensão da prescrição da pena prevista no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na medida em que, enquanto se mantiverem pendentes de decisão, não pode começar a execução da pena.
Assim sendo, é nosso entendimento que a pena não prescreveu».
N) O Sr. Juiz proferiu, em 26 de Junho de 2012, o despacho recorrido, que se passa a transcrever:
«Concordo integralmente com a douta promoção que antecede, a cujos fundamentos aderimos na íntegra e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, para todos os legais efeitos.
Consequentemente, atentos tais fundamentos, indefere-se o requerido a fls. 463/465, uma vez que se verifica causa de suspensão da prescrição da pena».
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3. Mérito do recurso:
De acordo com o disposto no artigo 122.º, n.ºs 1, alínea d) e 2, do Código Penal, as penas de prisão inferiores a dois anos prescrevem no prazo de quatro anos, começando esse prazo a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
Contemplando normativamente a suspensão da prescrição, refere o artigo 125.º do citado diploma:
«1. A prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».
A prescrição da pena, como é sabido, é um pressuposto negativo da punição. Tendo decorrido um prazo considerado pela lei como suficientemente longo desde o trânsito em julgado da sentença que impõe uma pena sem que se inicie a respectiva execução, esfuma-se a carência de pena e, com ela, as necessidades de prevenção especial e geral da punição.
A prescrição da pena tem, pois, uma natureza mista, substantiva e processual, bem podendo dizer-se que as normas relativas a esta matéria são normas processuais materiais Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, págs. 335/6..
Nas palavras sugestivas do Professor Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 699 e ss., a prescrição da pena cria um obstáculo à sua execução apesar do trânsito em julgado da sentença condenatória e ganha, nesta medida, o carácter de um autêntico pressuposto negativo ou um obstáculo de realização (execução) processual. Já no que toca à vertente substantiva, pode dizer-se que o problema se põe em termos análogos aos que ocorrem quanto à prescrição do procedimento: ainda aqui a prescrição se funda, na verdade, em que o decurso do tempo tornou a execução da pena sem sentido e, por aí, o facto deixou de carecer de punição.
Na exegese do julgador do tribunal de 1.ª instância, vertida no despacho recorrido, a interposição dos dois recursos acima descritos, em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória que impôs ao arguido a pena de 6 meses de prisão - a cumprir em regime de dias livres -, aos quais foi fixado efeito suspensivo, inscreve-se nas causas de suspensão da prescrição da pena previstas na descrita alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal.
Afigura-se-nos correcta essa posição.
Do ponto de vista da sua estrutura, em contraposição às penas principais [as que se encontram expressamente cominadas nos tipos legais de crime e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras (prisão e multa)] e às penas acessórias [as que apenas podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal ou pena de substituição que tome o lugar daquela], existem as penas de substituição, quer em sentido próprio - não detentivas e pressupondo a prévia determinação da medida da pena - quer em sentido amplo ou impróprio - consubstanciadas em formas de cumprimento da pena de prisão em meio não prisional ou de modo descontínuo em meio prisional.
Deste modo, estão previstas na parte geral do Código Penal, como penas de substituição em sentido próprio, a multa de substituição (artigo 43.º, n.º 1), a pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade (artigo 43.º, n.º 3), suspensão da execução da pena (artigo 50.º e ss.), prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º) e admoestação (artigo 60.º); e como penas de substituição em sentido impróprio, o regime de permanência na habitação (artigo 44.º), prisão por dias livres (artigo 45.º) e prisão em regime de semidetenção (artigo 46.º).
Neste contexto, com a autoridade que todos lhe reconhecemos, escreve Figueiredo Dias Obra citada, págs. 335/336. sobre as penas de substituição em sentido próprio: «estas penas de substituição deverão responder a um duplo requisito: terem, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade (no sentido de extramuros), correspondendo deste modo, pelo melhor, aos propósitos político-criminais do movimento de luta contra a pena de prisão; e pressuporem, por outro lado, a prévia determinação da medida da pena de prisão, para serem então aplicadas em vez desta, correspondendo deste modo, pelo melhor, ao perfil dogmático das penas de substituição (…)»; e acerca das penas de substituição detentivas/em sentido amplo/impróprias: «nestas se contam a prisão por dias livres e o regime de semidetenção. À primeira vista, dir-se-ia não ter sentido, ou constituir mesmo rematado absurdo, considerar como penas de substituição da prisão sanções que são cumpridas intramuros, em instituições prisionais; sanções que são elas mesmas, numa palavra, penas de prisão! E daí justamente que em muitas doutrinas e legislações - e mesmo entre nós - medidas deste tipo sejam consideradas ainda dentro da problemática da prisão, preferentemente como formas especiais de cumprimento (ou de execução) da pena de prisão.
Mas, se bem que estas sanções possam ser consideradas também sob este ponto de vista, é inteiramente correcto contá-las entre as penas de substituição. São-no certamente do ponto de vista dogmático, uma vez que a sua aplicação supõe a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, que depois é substituída (di-lo a lei expressamente, de resto, no art. 44-1» (hoje, art. 45.º), «a propósito da prisão por dias livres (…). Por outro lado - e é o essencial -, qualquer das medidas em causa nutre-se do mesmo húmus histórico e político-criminal das restantes penas de substituição: o da luta contra as penas (curtas) de prisão. Pois é claro e indiscutível que os inconvenientes político-criminais graves que a estas penas se apontam - e que podem resumir-se no que se chama o efeito criminógeno da prisão - valem para a pena de prisão contínua, mas já não (ou só de forma muito atenuada) para a prisão por dias livres ou para o regime de semidetenção».
Dito isto, e para devido esclarecimento de toda a problemática relacionada com o tema do recurso, impõe-se distinguir a prescrição da pena principal da prescrição da pena de substituição (em sentido próprio e impróprio).
Constituindo esta, como aquela, uma verdadeira pena, também se encontra sujeita ao decurso dos prazos de prescrição fixados no artigo 122.º do Código Penal.
Como referido no Ac. da Relação de Évora de 25 de Novembro de 2003 Proferido no proc. n.º 2281/03 e publicado em www.dgsi.pt., «o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido».
Entendemos, pois, que da natureza de qualquer uma das penas de substituição, em sentido próprio ou impróprio, decorre a necessidade da sua sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, mas de igual duração.
Consequentemente, tal como sucede com a pena principal, também a pena de substituição, qualquer que ela seja, está submetida às causas de suspensão e de interrupção da prescrição taxativamente elencadas nos artigos 125.º e 126.º do Código Penal.
E, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do mesmo compêndio legislativo, a prescrição da pena de substituição conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, o mesmo não acontece com o início do prazo de prescrição da pena principal.
Tendo em conta, mais uma vez, as considerações do Prof., Figueiredo Dias Idem, pág. 90., «(…) substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena».
Daí que, na racionalidade do seu pensamento, as penas de substituição constituem elas mesmas, enquanto espécies de categoria mais ampla de reacções criminais, verdadeiras penas autónomas que não devem ser entendidas como simples incidentes, ou mesmo só como uma modificação da execução da pena Ibidem, pág. 339..
Como se refere no acórdão da Relação de Évora de 10 de Julho de 2007 Proc. n.º 912/07-1, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt, «não obstante a pena principal seja fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr. arts. 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação da pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum».
Seja como for, “apelando a uma perspectiva essencialmente objectivista na interpretação da lei”, nos termos assinalados por aquele douto aresto, ou partindo da “interpretação objectiva actualista da causa de suspensão da prescrição da pena acolhida na al. a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal”, a conclusão para que se converge é sempre a de que, “para efeitos da definição do dies a quo do prazo de prescrição da pena principal substituída por pena de substituição, há-de entender-se que a decisão que aplicou a pena (cfr. artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal) é a decisão que determine a execução da pena principal, na sequência da revogação da pena de substituição aplicada, e não a sentença condenatória” Cfr. Ac. da Relação do Porto de 28 de Maio de 2008, proc. n.º 0742530, in www.dgsi.pt..
Aplicando estes princípios dogmáticos ao caso dos autos, os elementos vertidos no processo permitem-nos saber que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ocorrido em 5 de Maio de 2008, o condenado interpôs dois recursos, diga-se, com o claro propósito de se eximir ao cumprimento da pena de substituição (prisão por dias livres) que lhe foi imposta. O primeiro, em 24 de Julho de 2009, rejeitado por manifesta improcedência, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, através de decisão sumária proferida em 23 de Setembro de 2009 e notificada ao recorrente em 28 do mesmo mês e ano. O segundo, em 15 de Novembro de 2011, que foi julgado totalmente improcedente, por meio de acórdão de 23 de Maio de 2012, notificado ao recorrente em 28 de Maio de 2012. A ambos os recursos foi atribuído, por imperativo legal, efeito suspensivo.
Esse efeito recursório obstou à execução da pena substitutiva de prisão por dias livres e, deste modo, só pode concitar uma hermenêutica da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º adequada a integrar na abrangência da norma a fenomenologia do caso concreto verificado no domínio dos autos.
Sendo assim, entre a data do trânsito em julgado da decisão condenatória (5 de Maio de 2008) e a data do trânsito em julgado da última das duas decisões relativas aos dois recursos subsequentes (Julho de 2012), descontados os dois períodos suspensivos contados entre as datas de interposição de cada um dos recursos e o data do trânsito em julgado das respectivas decisões, não decorreu o prazo de 4 anos.
Com a prolação do despacho de 17 de Outubro de 2011, transitado em julgado no dia 15 de Junho de 2012, que determinou o cumprimento da pena de 6 meses de prisão, e a partir desta data, começou a correr novo prazo de prescrição, desta feita da pena principal.
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Segundo o disposto no artigo 2.º da Constituição, «A República Portuguesa é um Estado de direito democrático baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».
Ora, não se vê como a interpretação da al. a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal, no sentido acima referido, ou seja, de essa norma contemplar como circunstâncias suspensivas os dois recursos considerados, interpostos pelo condenado, pode atentar contra o princípio do Estado de direito democrático, em qualquer uma das raízes abrangentes, nomeadamente na dimensão protectora dos direitos, liberdades e garantias.
Interpretação diversa, essa sim, violaria patentemente o dever/direito punitivo do Estado e a eficácia em fazer cumprir as decisões dos tribunais, em casos, como o presente, onde está demonstrada uma intenção exacerbada do arguido em se furtar, através de expedientes irrazoáveis, dilatórios e diáfanos, ao cumprimento da sanção decorrente de sentença condenatória.
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas a cargo do arguido, com 4 UC de taxa de justiça [arts. 513.º e 514.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal, 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, estes do Código das Custas Judiciais].
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Coimbra, 30 de Janeiro de 2013
(processo e revisto pelo relator, o primeiro signatário)

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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)