Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
545/09.7T2ILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. FREITAS NETO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÃO INEXACTA
OMISSÃO
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL DE ÍLHAVO, COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 429.º DO C. COMERCIAL; ARTIGOS 251.º; 257.º DO C. CIVIL
Sumário: 1. Se os elementos de facto sobre que versam as declarações do tomador do seguro não podem ser inexactos ou objecto de manifestação reticente, com isso o legislador quis significar que também não são toleradas aquelas declarações em que se omitem aspectos relevantes para a decisão da seguradora ou que se limitem a criar um estado de dúvida ou incerteza sobre situações que podem pesar na avaliação do risco que a esta compete.

2. Não importa a ponderação que o segurado ou o médico que o acompanhava hajam elaborado acerca do valor de exames complementares de diagnóstico, como indício de problemas de saúde supervenientes e eventualmente mais graves do que a doença crónica já diagnosticada e declarada. O que avulta é sonegação à seguradora de um facto ao qual ela poderia atribuir diferente significação ou alcance, eventualmente com novos exames ou nova metodologia.

3. O que se tem de averiguar é o saber se a seguradora, ao segurar o risco de vida do proponente em benefício dos seus herdeiros, estava (ou não) ciente de todas as circunstâncias em que o fazia, por o proponente a ter (ou não) inteirado de todos os factos que influiriam na análise desse risco ou se parte desse circunstancialismo foi (ou não) subtraído ao seu conhecimento, ainda que não dolosamente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B..., veio intentar no Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Ílhavo, Comarca do Baixo Vouga, uma acção declarativa com processo sumário contra C... SEGUROS S.A., pedindo se declare que o contrato de seguro facultativo celebrado pela Ré que ficou titulado pela apólice nº 19.263.284 é válido e eficaz, e, consequentemente, se condene a mesma Ré a pagar à herança representada pela A. a quantia de € 17.600,00, correspondente à cobertura garantida pela dita apólice, assim como os juros vencidos desde o óbito de B....

Para tanto alega que sendo cabeça de casal da herança deixada por este último, na qual são únicas herdeiras ela própria como cônjuge e a filha do casal, o então seu marido B... subscreveu diversas propostas de seguros comercializados pela Ré; uma delas deu lugar à identificada apólice nº 19.263.284, respeitante ao seguro denominado “ C... Star – Multi Vida”, por via da qual, em caso de morte do tomador, a Ré se obrigou a pagar certo capital aos respectivos herdeiros; que tendo aquele B... subscrito aquela proposta em 16/11/2004, e vindo a falecer em 12/10/2005, a Ré recusa-se a pagar a indemnização a que se vinculou, apesar de para isso intimada pela A., invocando a prestação de declarações inexactas pelo tomador; sucede que no momento do preenchimento da proposta contratual o aludido B... referiu expressamente sofrer de laringite crónica desde os 10 anos, sendo o seu estado estável, e não ter efectuado exames complementares de diagnóstico; na verdade, embora tivesse feito um TAC em 27/09/2004 e uma biopsia em 1 de Abril de 2005, não se revelou qualquer alteração da doença crónica de que padecia e só em 28 de Julho de 2005 é que lhe foi efectuado diagnóstico definitivo de carcinoma na laringe; pelo que sendo exactas as declarações que anteriormente fez, e nada tendo sido omitido, deve a Ré ser responsabilizada pela cobertura do risco que assumiu.

Citada, a Ré contestou invocando a nulidade do seguro em causa uma vez que o tomador B... omitiu a declaração de que entre 30 de Março a 1 de Abril de 2005 havia estado em internamento hospitalar para realização de uma biopsia, de tal modo que se acaso tivesse tomado conhecimento desse facto não teria aceite a proposta por aquele subscrita. Termina com a improcedência da acção e absolvição do pedido.

A A. respondeu acentuando que a proposta de seguro em causa foi efectuada pelo falecido B... ainda em Novembro de 2004 mas os seus efeitos é que foram diferidos para 3 de Maio de 2005. Rematou como na p.i..

A final foi prolatada sentença a julgar a acção improcedente por não provada, com a absolvição da Ré do pedido.     

Inconformada, desta sentença interpôs a A. recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

                                                                                  *

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância, sem qualquer espécie de impugnação:

1- A Autora foi casada com B..., tendo o casamento sido dissolvido pelo óbito deste, ocorrido em 12.10.2005 – (al. A) dos Factos assentes).

2- A Autora e a sua filha são as únicas e universais herdeiras da herança aberta por óbito de B... – (al. B) dos Factos assentes).

3- B... sofria desde os 13 anos de idade de uma patologia da laringe – (al. C) dos Factos assentes).

4- B... subscreveu três propostas de seguro relativas a vários produtos comercializados pela Ré, as quais foram por esta aceites e deram origem aos contratos a que correspondem as apólices nº 10.244.252 ( C... Star), nº 10.234.082 ( C... Geração Segura) e nº 10.263.284 ( C... Star – Multi Vida) – (al. D) dos Factos assentes).

5- Nos formulários relativos às propostas a que correspondem as apólices nº 10.263.284 e nº 10.234.082, B... respondeu à pergunta sobre se «sofre ou sofreu de», escrevendo «sim» e «laringite crónica desde os 13 anos de idade e o estado é estável» – (al. E) dos Factos assentes).

6- A Autora participou o óbito do tomador de seguro nas várias apólices por ele subscritas junto da Ré – (al. F) dos Factos assentes).

7- A resposta da Ré foi comunicada à Autora em 26.01.2006, sendo nos três contratos idêntica, conforme documentos de fls. 31, 32 e 33, cujo teor se dá por reproduzido – (al. G) dos Factos assentes).

8- A Ré, após revisão dos seus processos, comunicou à Autora em 05.03.2007 que iria liquidar as apólices 10.244.252 e 10.234.082 – (al. H) dos Factos assentes).

9- A Ré manteve a posição inicial relativamente ao seguro de vida a que corresponde a apólice nº 10.263.284, conforme documento de fls. 34, cujo teor aqui se dá por reproduzido – (al. I) dos Factos assentes).

10- Com o contrato a que corresponde a apólice nº 10.263.284 ( C... Star – Multi Vida) era garantida a cobertura, em caso de invalidez permanente e absoluta ou de morte, até ao valor de 17.600€, a pagar no segundo caso aos herdeiros legais do segurado – (al. J) dos Factos assentes).

11- Os contratos a que correspondem as apólices nº 10.234.082 ( C... Geração Segura) e nº 10.244.252 ( C... Star) iniciaram-se, respectivamente, em 01.12.2004 e em 01.02.2005 – (al. K) dos Factos assentes).

12- A proposta correspondente à apólice nº 10.234.082 ( C... Geração Segura) foi preenchida e assinada em 16.11.2004 – (al. L) dos Factos assentes).

13- A Ré não solicitou a realização de exames médicos para avaliação da doença referida em E) – (al. M) dos Factos assente

14- As propostas referidas em D) foram todas preenchidas e assinadas por B...

Orlando Vieira Monteiro em 16 de Novembro de 2004 – (resposta ao artigo 1º da Base

instrutória).

15- O contrato a que corresponde a apólice nº 10.263.284 iniciou-se em 03.05.2005, após a rescisão do contrato que B... mantinha com a D...do Grupo E...– (resposta ao artigo 2º da Base instrutória).

16 - B... era subscritor de diversas apólices junto da Ocidental, designadamente do ramo vida – (resposta ao artigo 3º da Base Instrutória).

17 - Por sugestão do seu mediador, B... rescindiu todos os contratos que tinha com a D... – (resposta ao artigo 4º da Base instrutória).

18 - Em 16.11.2004, a patologia referida em C) era considerada benigna, obrigando-o a acompanhamento médico de vigilância, o que observou desde a adolescência – (resposta ao artigo 7º da Base instrutória).

19 - B... era enfermeiro e tinha conhecimentos específicos sobre a sua doença, a sua natureza e tratamentos – (resposta ao artigo 8º da Base instrutória).

20 - Em 29.09.2004 e no âmbito do acompanhamento médico de vigilância a que se submetia, B... efectuou uma Tomografia Axial Computadorizada – (resposta ao artigo 9º da Base instrutória).

21 - Em 07.10.2004, o médico de B... concluía que a sua patologia não apresentava sinais de malignidade – (resposta ao artigo 10º da Base instrutória).

22 - Em 01.04.2005, no âmbito do acompanhamento médico de vigilância a que se submetia, B... efectuou biopsia por microlaringoscopia, o que fez no Centro Regional de Oncologia de Coimbra – (resposta ao artigo 11º da Base instrutória).

23 - Na sequência do exame efectuado em 01.04.2005, concluiu-se que a lesão de B... não era de natureza neoplásica – (resposta ao artigo 12º da Base instrutória).

24 - … e remeteu-se para o médico de família com tratamento medicamentoso consistente em amoxicilina e paracetamol – (resposta ao artigo 13º da Base instrutória).

25 - Entre 13 e 15 de Julho de 2005, B... é internado no Centro Regional de Oncologia de Coimbra onde lhe foi efectuada biopsia à laringe – (resposta ao artigo 14º da Base instrutória).

26 - Na sequência do internamento ocorrido entre 13 e 15 de Julho de 2005, em 15.07.2005, B... foi remetido para o seu médico de família com um diagnostico provisório de lesão tumoral da corda vocal esquerda – (resposta ao artigo 15º da Base instrutória).

27 - Em 22.07.2005, B... efectua outra Tomografia Axial Computadorizada – (resposta ao artigo 16º da Base instrutória).

28 - Em 28.07.2005, foi diagnosticado a B... um carcinoma da laringe – (resposta ao artigo 17º da Base instrutória).

29 - A Ré não solicitou a realização de exames médicos para avaliação da doença referida em E) porque acreditou que B... não tinha realizado, nos últimos dois anos, exames de diagnóstico – (resposta ao artigo 18º da Base instrutória).

30 - Na altura em que preencheu a proposta correspondente à apólice nº 10.263.284, B... omitiu ter estado internado no IPO de Coimbra entre 30 de Março e 01 de Abril de 2005 a fim de lhe ser feita uma biopsia – (resposta ao artigo 20º da Base instrutória).

31 - Em consequência da omissão relativa ao internamento no IPO de Coimbra entre 30 de Março e 01 de Abril de 2005, a Ré aceitou a proposta correspondente à apólice nº 10.263.284 – (resposta ao artigo 21º da Base instrutória).

32 - A proposta correspondente à apólice nº 10.263.284 deu entrada nos serviços da Ré em 04.05.2005 e teve o seu início em 01.07.2005 – (resposta ao artigo 22º da Base instrutória).

33 - Se a Ré tivesse conhecimento do teor da biopsia efectuada entre 30 de Março e 01 de

Abril de 2005 não teria aceite a proposta correspondente à apólice nº 10.263.284 – (resposta ao artigo 23º da Base instrutória).

Por se encontrar admitido por confissão e provado por documento, acrescenta-se à matéria consignada mais o seguinte facto:

34 - No ponto 15 do formulário [ou questionário] que acompanhava a proposta de seguro subscrita por B..., aludida em 12, cuja cópia se acha junta de fls. 20 a 22, às perguntas “Nos últimos dois anos (excepto por rotina/prevenção) consultou algum médico?” e “Foram feitos exames complementares de diagnóstico?” respondeu aquele “Não”.  

                                                                                  *

A apelação.

Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação a apelante limita-se a questionar a posição da sentença recorrida de julgar o contrato de seguro em apreço inválido e ineficaz por força da não prestação pelo tomador de toda a informação necessária e relevante à ponderação do risco pela seguradora, que no caso foi a Ré e agora apelada.

A Ré contra alegou, pugnando pela confirmação do decidido.

E desde já se adianta que a razão está do lado da sentença, pelo que o recurso não é merecedor de provimento.

Se não vejamos.

Resulta com relevo da matéria provada e estabilizada que:

O falecido B..., sendo subscritor na seguradora D...do grupo E...de vários seguros, incluindo o ramo vida, por sugestão do seu mediador, rescindiu os contratos que com aquela mantinha, rescisão que relativamente ao seguro do ramo vida, operaria a partir de 3 de Maio de 2005;

Em função disso, em 16 de Novembro de 2004 subscreveu junto desse mediador uma proposta de seguro da modalidade C... Star Multi Vida a que veio a corresponder a apólice nº 10.263.284 cujos efeitos se produziriam a partir daquela data de 3 de Maio de 2005;

No formulário [em rigor: questionário] inerente a essa proposta o B... apôs no ponto 13 à pergunta se sofre ou sofreu de qualquer doença a resposta “sim”, “laringite crónica desde os 13 anos de idade e o estado é estável”.

No ponto 15 do mesmo formulário [ou questionário] às perguntas “Nos últimos dois anos (excepto por rotina/prevenção) consultou algum médico?” e “Foram feitos exames complementares de diagnóstico?” respondeu “Não”.  

Esta proposta deu entrada nos serviços da Ré em 4 de Maio de 2005 e o seguro respectivo teve o seu início em 1 de Julho de 2005.

Em 29/09/2004, no âmbito do acompanhamento médico de vigilância a que se submetia, B... efectuou uma Tomografia Axial Computorizada;

No mesmo âmbito, em 1/04/2005, efectuou biopsia por microlaringoscopia, o que fez no Centro Regional de Oncologia de Coimbra;

B... era enfermeiro e tinha conhecimentos específicos sobre a sua doença, sua natureza e tratamentos.

Em causa na acção e no recurso está basicamente o problema de saber se o seguro efectuado pelo tomador B... está ferido de invalidade à luz da norma do corpo do art.º 429 do C. Comercial, em que se preceitua:

“Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.

§ Único: (…)”.

Tem sido discutida a natureza da sanção cominada neste artigo, no sentido de se tratar de uma verdadeira nulidade ou antes de mera anulabilidade. Mas parece preferível a orientação dos que defendem esta última, orientação que se alicerça na recondução das anomalias ali previstas à teoria geral do erro, in casu, do erro-vício, por se tratarem de motivos determinantes da vontade referentes ao objecto do negócio, cuja essencialidade para o declarante – que aqui é a seguradora - não poderia ser ignorada pelo declaratário, tudo em consonância com o disposto nos art.ºs 251 e 247 do Código Civil[1].

São, pois, os seguintes os pressupostos de que depende a declaração de invalidade do contrato com base na norma aludida:

Que haja declarações inexactas ou reticentes;

Que essas declarações sejam conhecidas do segurado ou de quem faz o seguro;

Que essa inexactidão ou reticência tenha influído na decisão da seguradora de celebrar o seguro, de tal sorte que, se confrontada com a declaração exacta ou completa, ou não teria contratado ou teria contratado em termos diversos.

Se os elementos de facto sobre que versam as declarações do tomador do seguro não podem ser inexactos ou objecto de manifestação reticente, com isso o legislador quis significar que também não são toleradas aquelas declarações em que se omitem aspectos relevantes para a decisão da seguradora ou que se limitem a criar um estado de dúvida ou incerteza sobre situações que podem pesar na avaliação do risco que a esta compete.

Estamos diante de uma fórmula que traduz, em termos gerais, a necessidade da presença da boa fé em quem recorre ao contrato de seguro, como é decorrência do princípio consagrado no art.º 227 do C. Civil para quem negoceia e intervém na formação contratual. A tal ponto que os questionários que em determinado tipo de seguros acompanham as propostas respectivas devem merecer respostas cabais e transparentes, abarcando toda a realidade que pode condicionar a decisão da entidade seguradora.

E assim sendo, por emergir da aludida necessidade de boa fé ou de verdade contratual, é igualmente imprescindível a prestação pelo proponente de qualquer outra informação complementar pertinente, mesmo que ela se lhe não imponha inequivocamente no questionário formulado.

Argumenta a recorrente que ao efectuar a proposta, em 16 de Novembro de 2004 a declaração de que sofria de laringite crónica desde os 13 anos e que esta era estável, definia plenamente a sua situação clínica nessa data, nada mais carecendo a Ré seguradora de conhecer.

Não podemos concordar.

Na verdade, a Ré tinha interesse em saber se o proponente tinha feito exames complementares de diagnóstico, exames que poderia querer estudar e avaliar, inclusivamente pela utilização de peritos da sua confiança, em ordem a calcular possíveis desenvolvimentos da doença. Por isso é que no ponto 15 do questionário o proponente era especificamente perguntado sobre esse ponto. E sobre ele o infeliz B... respondeu negativamente, quando é certo que tinha feito um TAC cerca de um mês e meio antes. Para mais, o proponente era enfermeiro de profissão, e não deveria desconhecer o que radicava nesse interesse da seguradora. Não importa aqui a ponderação que o B... ou o médico que o acompanhava hajam elaborado acerca do valor do TAC de 29/09/2004 como indício de problemas de saúde supervenientes e eventualmente mais graves do que a laringite crónica já diagnosticada. O que avulta é sonegação à seguradora de um facto ao qual ela poderia atribuir diferente significação ou alcance, eventualmente com novos exames ou nova metodologia.

Também objecta a recorrente contra a consideração da sentença de que o B... omitiu a informação de que entre 30 de Março e 1 de Abril de 2005 esteve no IPO de Coimbra a efectuar uma biópsia, contra-aduzindo desde logo que a proposta que preencheu foi apresentada em data anterior (Novembro de 2004).

É certo que em Novembro de 2004 o B... não podia referir o que havia de acontecer em Março ou Abril do ano seguinte. E, por isso mesmo, o que consta do provado em 30 é literalmente contraditório. Mas podia aquele aditar à informação inicialmente fornecida o que então se viria a passar, actualizando o que constava proposta. Com efeito, não se pode ignorar que, conforme os factos provados em 15 a 17, a proposta de seguro só deveria produzir efeitos a partir de 3 de Maio de 2005, uma vez que só então operava a cessação do seguro de vida que o proponente tinha em curso relativamente a outra seguradora (a Ocidental).

Daí que se nos afigure que aquele mencionado facto provado (em 30) precise de uma leitura hábil no segmento em que se fala da “altura em que preencheu a proposta”, expressão que deve ser tomada como a do tempo em que a proposta esteve sem produzir efeitos, e ao longo do qual podia ser repreenchida ou até retirada (art.º 230, nº 1, do CC).

Ora era dever do proponente advertir a seguradora das ocorrências descritas em 22 a 24 dos factos provados, dado que aquela ainda não tinha recebido e aceite a proposta, e esta podia (e devia) ser completada com esse apreciável elemento. É que – como se nos afigura que aquele proponente certamente não podia ignorar – ninguém se submete a uma biópsia se esse meio de diagnóstico não estiver ligado a uma determinada suspeita.

Por fim, alega ainda a recorrente que não há evidência de que entre a doença crónica de que o proponente reconhecidamente padecia aquando da proposta – laringite – e a lesão maligna que lhe sobreveio - e lhe viria a provocar a morte - se possa estabelecer um nexo de causalidade.

Mas este nexo de causalidade também não é exigido pelo art.º 429 do C. Comercial para a invalidade do seguro aí cominada. A razão de ser da invalidade do seguro é o desequilíbrio da prestação da seguradora e repousa meramente na insuficiência da base factual de avaliação do risco por esta assumido na aceitação da proposta, por incumprimento do dever de informação e esclarecimento que cabe ao proponente do seguro. A prestação da seguradora pode qualificar-se de desequilibrada face à prestação do tomador do seguro (de satisfazer o prémio contratado) quando – diversamente do que com esta sucede – assenta no risco que suportou mas cuja extensão efectivamente não podia conhecer, cuja dimensão não era para ela calculável ou mensurável. É que nesta hipótese a seguradora é chamada a responder - e efectuar a prestação convencionada - por virtude de um condicionalismo para a verificação do sinistro que não podia dominar inteiramente ao aceitar a proposta contratual, por o mesmo não lhe ter sido adequada e atempadamente transmitido por quem dele estava ciente (isto é, pelo segurado ou por quem fez o seguro).

O que, por conseguinte, se tinha de averiguar era o saber se a Ré, ao segurar o risco de vida do proponente em benefício dos seus herdeiros, estava (ou não) ciente de todas as circunstâncias em que o fazia, por o proponente a ter (ou não) inteirado de todos os factos que influiriam na análise desse risco ou se parte desse circunstancialismo foi (ou não) subtraído ao seu conhecimento, ainda que não dolosamente.

Não importa, por conseguinte, apurar se o sinistro se concretizou como consequência adequada dos factos omitidos ou incompletamente revelados pelo proponente, mas, tão só, se esses factos, tendo sido, no todo ou em parte, por este ocultados ou dissimulados, poderiam importar na ponderação do risco que a outra parte (a seguradora ora Ré) iria efectivamente suportar.

E não há dúvida de que tal sucedeu no caso em preço.

Bem andou, portanto, a 1ª instância ao denegar à herança representada pela A. o direito à indemnização contratualizada com a Ré pelo falecido B..., com fundamento na invalidade do seguro por este celebrado.

Donde que o recurso esteja votado ao insucesso.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença.

Custas pela apelante.

Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, p. 380, e as posições aí referidas de Rodrigues Bastos e Pinheiro Torres nas obras e localizações aí citadas.