Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
99/11.0TBCLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
VALOR
SOLO PARA OUTROS FINS
Data do Acordão: 04/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 23º Nº 1 E 27º Nº 3 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: 1. Em matéria da fixação da indemnização, é jurisprudência assente e uniforme a que considera que o Tribunal deve, como regra, acolher o parecer dos peritos e nestes, dar prevalência ao dos escolhidos/nomeados pelo Tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas garantias de imparcialidade e isenção que oferecem.

2. Dada a impossibilidade de se determinar, a maioria da vezes, o valor dos solos para outros fins com recurso ao critério fiscal, o n.º 3 do artigo 27.º do Código das Expropriações consagra o que se pode designar por critério do rendimento na sua avaliação, o qual toma por base o rendimento médio anual que o prédio a expropriar produz, ou poderia produzir, e efectua a sua transformação em capital através de uma taxa de capitalização.

3. Este deve ser temperado com o “critério do rendimento efectivo”, valorizando o solo de acordo com o aproveitamento que se encontrava a ser realizado à data da publicação da DUP e, só quando este critério não conduzir ao seu valor real e corrente, é que deve considerar-se o rendimento possível, para o que deve atender-se às culturas predominantes na região em terrenos com a mesma natureza e condicionalismos, segundo os métodos de cultivo usuais.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante o IEP – Instituto das Estradas de Portugal e expropriada A..., SA”, aquela interpôs recurso da decisão arbitral que fixou o valor da indemnização em 92.330,70 €, pela expropriação da parcela, com o n.º 11, com a área de 15.978 m2, da planta parcelar e mapa de expropriações das parcelas necessárias à execução da obra da EN 229 – Variante de Aguiar da Beira, reformulação do projecto de execução e do seu aditamento n.º 1, que fazia parte do seguinte prédio:

Rústico, situado em Vais, na freguesia e concelho de Aguiar da Beira, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1963 e descrito na Conservatória de Registo Predial de Aguiar da Beira sob o n.º 545/19900821.

            No recurso propugnou que a justa indemnização a fixar pela parcela expropriada seria de 52.548,30 €, alegando que embora concorde com a classificação do solo, o seu valor não poderá exceder 0,85 €/m2, dado seu baixo valor e que o cálculo dos valores para fazer face aos encargos com as obras a levar a efeito não está correcto, porque não se tomou em linha de conta que o material a aplicar é fabricado pela própria expropriada, a maquinaria é de sua pertença e os custos de transporte são residuais, pelo que se deve considerar o valor de 1,50 €/m2.

            Por requerimento de 30 de Maio de 2011, veio a B... S.A. requerer que lhe seja reconhecida a qualidade de credora da expropriada no valor global de € 486.123,35, bem como que o respectivo crédito goza de garantia hipotecária sobre o imóvel objecto de expropriação. Requer, ainda, que seja lhe reconhecido o direito a ser-lhe entregue o montante arbitrado (€ 92.330,70) e que, em consequência, lhe seja pago aquele montante a aplicar nos montantes em dívida nos empréstimos invocados.

Por despacho de fls. 259 dos autos, foi admitido o recurso da decisão arbitral interposto pela entidade expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A. e notificada a expropriada para, querendo, responder.

Por requerimento de 13 de Junho de 2011, veio a expropriada requerer a improcedência dos pedidos efectuados pela interessada B... S.A., em particular, o direito a ser-lhe entregue o montante arbitrado, com a preferência resultante da hipoteca invocada, bem como a ser-lhe pago o montante arbitrado.

Em resposta ao requerimento da expropriada, veio a interessada B... S.A. impugnar a interpretação vertida pela expropriada no seu requerimento, bem como a alegação de que a indemnização apenas parcialmente respeita ao valor do solo da parcela expropriada.

Notificada do recurso interposto pela entidade expropriante, veio a expropriada apresentar resposta e interpor recurso subordinado da decisão arbitral.

Na resposta, sustenta a expropriada, em suma, que o solo da parcela de terreno expropriada insere-se em “Espaços não urbanos – Espaços Florestais” com capacidade construtiva e por isso deverá ser qualificado como “solo apto para construção”, na sequência do que não aceita o valor de € 0,85 por m2, atribuído ao solo da parcela pela expropriante.

Já no que respeita ao valor da regularização do terreno e valor da preparação do parque de máquinas, sustenta a expropriada que, não obstante as máquinas a utilizar sejam de sua pertença e os materiais a aplicar serem por si produzidos, o certo é que, enquanto afectas àquelas tarefas, tais máquinas o não estão à sua actividade comercial, pelo que há custos de operação que estão a ser suportados e que não geram lucro, já no que respeita à produção dos materiais a aplicar, alega terem sido aqueles equacionados no acórdão arbitral, para efeitos de indemnização, já sem margem de lucro.

No recurso subordinado, a expropriada discorda de três pontos do acórdão arbitral, a saber, da classificação e do valor do solo da parcela, do valor da regularização do terreno e do valor da preparação do parque máquinas. Entende a expropriada que os árbitros incorreram em manifesto erro, uma vez que o solo deveria ter sido qualificado como “solo apto para construção” ao invés da qualificação de “solo apto para outros fins”, designadamente, porque não foi devidamente considerada, a inserção da parcela expropriada no PDM de Aguiar da Beira em “Espaços não urbanos - Espaços florestais”, nos termos do qual se estatui um regime de edificabilidade nos espaços florestais, pelo que, o valor da indemnização no que respeita ao valor do solo nunca poderia ser inferior a € 80.217,00. No que concerne ao valor da regularização do terreno e ao valor da preparação do parque de máquinas, alega que, por recurso ao método do custo directo de produção expresso em horas de máquinas e de inertes utilizados, tal valor cifrar-se-á em € 122.754,00, sendo € 54.354,00 correspondentes à regularização do terreno e € 68.400,00 correspondentes à preparação do parque de máquinas. Tudo somado, invoca um valor a título de justa indemnização nunca inferior a € 202.971,00.

Por despacho de fls. 318 dos autos, foi admitido o recurso subordinado da decisão arbitral interposto pela expropriada e notificada a entidade expropriante para, querendo, responder.

Notificada do recurso subordinado interposto pela expropriada, veio a expropriante apresentar resposta, em que pugnou pela correcta qualificação do solo como “solo apto para outros fins”, bem como pelo valor de € 0,85 por m2 a título de justa indemnização devida pela expropriação do metro quadrado do solo da parcela. Alega ainda que a actividade da expropriada não foi afectada, que todo o material existente na linha de expropriação foi por esta aproveitado, desconhecendo os factos alegados pela expropriada quanto às operações envolvidas na construção do novo parque, sustentando, ainda assim, a necessidade de a expropriada fundamentar aquelas operações com estudos e licenciamentos. Defende também que o valor por si considerado reflecte o valor dos custos a suportar pela expropriada nos trabalhos e aplicação de inertes a desenvolver, sendo que o material aplicado pela empresa na regularização do solo para criação da plataforma necessária não será da mesma qualidade e granometria daquela que vende ao público.

Foi determinada a avaliação a que se reporta o artigo 61.º, n.º 2, do Código das Expropriações e nomeados os peritos, no decurso da qual, os Peritos nomeados procederam à avaliação da parcela expropriada e atribuíram as seguintes indemnizações:

- peritos do tribunal e da expropriada: € 140.102,10 (€ 15.978,00 + € 124.124,10);

- perito da entidade expropriante: € 62.343,72 ou, caso se considere que o valor do solo deve ser considerado na indemnização, o valor de € 66.338,22 – cfr. relatório de fls. 333 a 342 dos autos.

Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64.º do Código das Expropriações, apenas a expropriada apresentou alegações, em que  pugna pela fixação da indemnização devida na quantia de 140.102,10 €.

Os Srs. Peritos prestaram os esclarecimentos que lhes foram solicitados, ficando documentada nos autos a impossibilidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 27.º, n.º 1, do Código das Expropriações (cfr. fls. 372 a 389 dos autos).

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 411 a 439, na qual se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto:

1. Julgo improcedente o recurso principal interposto pela entidade expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A. e parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pela expropriada A..., S.A. e, em consequência, decido:

A. Fixar o montante da indemnização a pagar pela entidade expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A. à expropriada A..., S.A., pela expropriação da parcela com área total de 15.978m2, designada no mapa de expropriações DUP com o n.º 11, a destacar do prédio rústico, situado em Vais, na Freguesia e Concelho de Aguiar da Beira, inscrito na matriz predial sob o artigo 1963 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira sob o n.º 545/19900821, em € 140.102,10 (cento e quarenta mil cento e dois euros e dez cêntimos).

B. Determinar a actualização da quantia descrita em 1. nos termos do disposto no artigo 24.º do Código das Expropriações e de acordo com o entendimento sufragado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2001, de 12/07/2001, com referência à data da Declaração de Utilidade Pública, devendo ser aplicados os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo I.N.E., ano a ano, incidindo cada um deles sobre o resultado apurado na aplicação do índice anterior, sem prejuízo do abatimento do capital por referência à data em que tiver havido recebimento parcial da indemnização.

C. Condenar a entidade expropriante e a expropriada no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, ao abrigo do disposto nos artigos 446.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, que se fixa em 58,21% para a entidade expropriante e em 41,79% para a expropriada.

D. Condenar a entidade expropriante no pagamento das custas de parte, nos termos do disposto nos artigos 447.º-D do CPC e 26.º do RCP e desde que se mostrem verificados os requisitos do artigo 25.º do RCP.

2. Indefiro o requerido pela interessada B..., S.A..”.

            Inconformadas com a mesma, interpuseram recurso a expropriante e a B..., recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 485 – entretanto, a B..., veio desistir do recurso que interpusera, desistência que foi admitida, cf. despacho de fl.s 489), pelo que apenas resta conhecer do recurso das Estradas de Portugal, SA., que finalizou as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da sentença que condenou a expropriante a pagar uma indemnização no montante de € 140.102,10, com a qual não nos conformamos.

2. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão totalmente no relatório pericial maioritário, que na opinião da recorrente calcula erradamente a indemnização, colocando assim em causa o princípio da justa indemnização.

3. Pois na valorização do solo não teve em consideração as reais características do solo e que constam da prova efectuada junto aos autos.

4. Sendo que o cálculo do valor das benfeitorias teve em conta o valor do material reaproveitado duplicando assim o valor indemnizatório atribuído a esse título.

5. Além de que a fundamentação dada está em manifesta contradição com a prova constante dos autos, o que conduz à nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c).

6. O Tribunal a quo também não justifica a aplicação de um valor em detrimento do outro o que conduz a decisão não fundamentada.

Terminam, peticionando a procedência do seu recurso, nessa medida, se revogando a sentença recorrida.

            Contra-alegando, a expropriada, pugna pela manutenção da decisão recorrida por conforme aos preceitos legais aplicáveis, designadamente o recurso à cultura dominante para o cálculo do valor do solo, bem como que correcto se mostra o cálculo das benfeitorias e porque deve dar-se prevalência ao laudo maioritário, principalmente se subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635, n.º 4, do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Se a sentença recorrida padece da nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do nCPC e;

B. Se a indemnização fixada viola o princípio da justa indemnização, por proceder a uma valorização do solo que não teve em consideração as reais características deste e porque o cálculo do valor das benfeitorias teve em conta o valor do material reaproveitado, duplicando, assim, o valor indemnizatório atribuído a esse título.

            É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:

1. Por despacho n.º 9933/2009 de 02 de Abril de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 72, de 14 de Abril de 2009, o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações declarou a utilidade pública com carácter de urgência, da expropriação da seguinte parcela necessária à execução da obra da EN 229 – Variante de Aguiar da Beira – reformulação do projecto de execução e do seu aditamento n.º 1:

- Parcela com área total de 15.978 m2, a destacar do prédio rústico, com área total de 34.490,00 m2, situado no lugar de Vais, na freguesia e concelho de Aguiar da Beira, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1963 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira sob o n.º 545/19900821, com as seguintes confrontações: Norte, Sul e Poente com Junta de Freguesia e Nascente com caminho.

2. O titular da propriedade do prédio referido em 1. é A..., S.A..

3. Sobre o prédio referido em 1., mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira, pela Ap. 2 de 2001/07/11, hipoteca a favor de B..., S.A., constando do respectivo registo:

“CRÉDITO: 598.557,48 Euros

MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 873.893,92 Euros (…)

Para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou assumir por “Beira – Arreal – Sociedade Transformação Areias, Britas e Derivados, SA”, perante a credora, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente, mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas a ordem, letras, livranças, cheques, extractos de facturas, warrents, darantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas. Juro anual ate 10% acrescido de uma sobretaxa até 4% ao ano, em caso de mora, e a título de cláusula pena; - Despesas: 23942,30 euros,”.

4. Em 18 de Maio de 2009, foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” à parcela expropriada.

5. Em 15 de Junho de 2009, a entidade expropriante entrou na posse administrativa da parcela descrita em 1..

6. Em 17 de Novembro de 2010, foi proferido Acórdão Arbitral em relação à parcela referida, tendo sido atribuída indemnização no valor de € 92.330,70 (noventa e dois mil trezentos e trinta euros e setenta cêntimos).

7. A parcela confronta do Norte e do Sul com A..., S.A., do Nascente e Poente com Terreno do Estado.

8. A expropriação atinge parcialmente a área do prédio, dividindo-o, resultando duas áreas sobrantes, uma a Sul da parcela a expropriar e outra a Norte, com uma área total de 15.522,00 m2.

9. A parcela encontrava-se inserida em “Espaços Florestais” possuindo capacidade construtiva, nos termos do PDM do Concelho de Aguiar da Beira, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n.º 22/95, de 9 de Fevereiro de 1995, publicada no Diário da República, 1.ª Série B, n.º 69, de 22 de Março de 1995, sendo as áreas brutas máximas de construção permitidas para habitação: 500 m2; para uso turístico e instalações: 1.827,15 m2; área bruta máxima de construção para instalações não destinadas a habitação ou turismo: 3.000 m2.

10. A envolvente da parcela é caracterizada por ocupação dominante agro/florestal, com predominância para terrenos de pinhal, a curta distância do núcleo urbano de Aguiar da Beira.

11. Na data referida em 4., a parcela era constituída por uma faixa de terreno de configuração rectangular, com uma extensão de 330 metros e uma largura variável entre 37 e 60 metros.

12. Na data referida em 4., encontrava-se instalada no prédio a empresa A..., S.A., cuja actividade é a exploração de pedreira destinada à extracção de inertes: areias, britas e tout-venants.

13. Na propriedade afectada pela expropriação estava instalada unidade industrial para a exploração de pedreira destinada à extracção de inertes: areias, britas e tout-venants.

14. A parcela expropriada destinava-se ao depósito de inertes (areias, britas e tout-venants) produzidos na unidade industrial referida, sendo que para a preparação desta zona foi necessário: efectuar a decapagem dos terrenos, levando os solos aráveis a depósito; efectuar a regularização do terreno, distribuir uma camada uniforme de tout-venant com m3, por cada metro quadrado de área; e, numa zona com uma área de 100 m x 100 m, foi necessário sobrelevar em cerca de 2 metros, igualmente em tout-venant, a fim de permitir a manobra das viaturas pesadas e a descarga para a zona mais baixa dos inertes produzidos.

15. O acesso à propriedade era feito por estrada em terra batida, em bom estado de conservação, transitável a veículos pesados, partindo da EN 229, a qual se encontra a uma distância de cerca de 900 metros.

16. A referida propriedade era servida por rede de distribuição de energia eléctrica e rede telefónica.

17. Todos os peritos classificaram a parcela como “solo para outros fins”.

18. Os peritos indicados pelo tribunal e pela expropriada consideraram o solo apto para uma cultura potencial florestal de pinheiro bravo, atribuíram ao valor do solo a quantia de € 15.978,00 e ao valor das benfeitorias a quantia de € 124.124,10, utilizando os critérios de avaliação explanados no relatório de avaliação de fls. 333 a 342 cujo teor se dá aqui como reproduzido para todos os efeitos legais, atribuindo à parcela o valor de € 140.102,10.

19. O perito indicado pela entidade expropriante, atribuiu à parcela o valor de € 62.343,72, ou, caso seja de considerar o valor do solo, o valor de € 66.338,22 (€ 62.343,72+€ 3.994,50), utilizando os critérios de avaliação explanados no relatório de avaliação de fls. 333 a 342 cujo teor se dá aqui como reproduzido para todos os efeitos legais.

A. Se a sentença recorrida padece da nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do nCPC.

Alega a recorrente que a sentença em apreciação padece da apontada nulidade, por a respectiva fundamentação estar em manifesta contradição com a prova constante dos autos.

O artigo 615, n.º 1, al. b), do nCPC, sanciona com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

            Cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

            Ora, salvo o devido respeito, não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

            Isto porque na mesma se aderiu à fundamentação exposta no Laudo maioritário dos Sr.s Peritos (em que se incluem os nomeados pelo Tribunal) e, consequentemente, se acolheu a indemnização por eles proposta, como melhor nela se explicita.

            A expropriante e ora recorrente manifesta o seu desacordo quanto ao mérito de tal decisão, mas o mérito/demérito da substância da sentença recorrida não configura a existência da nulidade em causa.

Consequentemente, não padece a sentença recorrida da apontada nulidade.

            Pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

B. Se a indemnização fixada viola o princípio da justa indemnização, por proceder a uma valorização do solo, que não teve em consideração as reais características deste e porque o cálculo do valor das benfeitorias teve em conta o valor do material reaproveitado, duplicando, assim, o valor indemnizatório atribuído a esse título.

Defende a recorrente que a decisão recorrida viola o princípio da justa indemnização prevista no artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, porque seguiu acriticamente o Laudo maioritário, que se apoia em critérios que violam a lei, ao computarem erradamente o valor do solo, dado o baixo rendimento que o mesmo poderia proporcionar, por ser “constituído por afloramentos rochosos e matos”, bem como porque a sua capacidade produtiva havia sido destruída para a construção do parque de depósito de inertes, afecto à actividade levada a cabo pela expropriada e, ainda, porque, no seu entender, no cálculo do valor das benfeitorias, não se teve em linha de conta que o material a aplicar no novo parque foi aproveitado do já existente na zona expropriada; o material para a construção/complemento do novo parque é fabricado pela própria expropriada; as despesas com o respectivo transporte têm um valor residual, por a pedreira se encontrar a escassos metros do local e porque as máquinas utilizadas são pertença da expropriada.

Responde esta alegando que, em caso de disparidade, se deve atender ao Laudo maioritário, principalmente se subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal, dado o carácter técnico das questões a decidir e as maiores garantias de imparcialidade e isenção destes e que dado que o terreno a expropriar se insere em zona de cultivo de pinheiro bravo, apesar de afecto a depósito de inertes, deve ser esta a afectação de cultivo a ter em conta.

No que se refere ao valor das benfeitorias, considera que foi obrigada a deslocar o parque de depósito dos produtos acabados e não obstante usar produtos por si fabricados, tem de suportar os respectivos custos de produção e que não os pode vender e não obstante usar máquinas de sua pertença, tem de suportar, igualmente, os respectivos custos.

Na sentença recorrida, aderiu-se aos fundamentos constantes da avaliação efectuada pelos Peritos maioritários, ali se incluindo os Peritos nomeados pelo Tribunal, fixando-se a indemnização nos moldes e valores ali explicitados.

Conforme o disposto no artigo 62.º, n.º 2 da CRP, “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.

O que se garante neste preceito é o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte e que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, 1.º volume, Coimbra Editora, 1984, a pág.s 336 e 337, o que em tal preceito se consagra é o direito de que ninguém pode ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado em caso de desapropriação, visando-se com a fixação da justa indemnização, por referência ao valor de mercado, a proibição da atribuição de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado.

Mas como do mesmo resulta, não fixa o legislador constitucional o que se deva considerar, em concreto, como a justa indemnização, tarefa que relegou para o legislador ordinário.

Este, veio a consagrar os mecanismos de cálculo da justa indemnização através do denominado “Código das Expropriações”, à luz do qual se vieram a estabelecer as regras de cálculo da justa indemnização.

À “justa indemnização se referem, primordialmente, os artigos 1.º, in fine e 23.º, n.º 1, ambos do Código das Expropriações.

Este último delimita o conceito de justa indemnização afirmando por um lado que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas sim ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medido pelo valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da DUP, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data, onde não se podem incluir as mais-valias mencionadas no seu n.º 2.

Quanto aos limites e conteúdo do que se deva entender por justa indemnização, parece-nos ser de seguir o ensinamento de Alves Correia, in As Garantias Do Particular Na Expropriação Por Utilidade Pública, Separata do volume XXXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que a pág.s 128 e 129 ali refere:

“A obrigação de indemnização por expropriação não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação de deveres contratuais. Ao passo que este abrange todas as perdas patrimoniais (…) do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que aquele deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual.

De uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda”.

Ali acrescentando a fl.s 130 que:

“Sendo concedida ao expropriado uma indemnização correspondente ao valor de mercado do bem, aquele é teoricamente colocado na situação de poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente”.

Assim sendo, não podem entrar no cômputo da justa indemnização nem critérios especulativos nem factos de incerta concretização, apenas sendo de atender ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da dup e tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

Em primeiro lugar, cumpre referir ser jurisprudência assente e uniforme a que considera que o Tribunal deve, como regra, acolher, em matéria da fixação da indemnização, o parecer dos peritos e nestes, dar prevalência ao dos escolhidos/nomeados pelo Tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas garantias de imparcialidade e isenção que oferecem.

Trata-se de questões de índole essencialmente técnica, devendo, por princípio dar-se grande relevância à avaliação efectuada pelos peritos, mormente se, de forma unânime, os peritos indicados pelo Tribunal, justificam, em conformidade com a legislação aplicável, a opção que tomaram.

Neste sentido, v.g., veja-se João Pedro Melo Ferreira, in Código das Expropriações Anotado, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, a pág.s 278 e 279 e Pedro Elias da Costa, in Guia Das Expropriações Por Utilidade Pública, 2.ª Edição, Revista Actualizada E Aumentada, Almedina, 2003, a pág.s 202 e 203 e o Acórdão desta Relação, de 07/02/2012, Processo n.º 5/10TBGRD.C1, disponível no respectivo sítio da dgsi, onde se cita outra jurisprudência no mesmo sentido.

Assim, nada obsta, ao invés, tudo aconselha a que na decisão recorrida se acolhesse, como acolheu, o laudo maioritário, para mais quando subscrito por todos os peritos nomeados pelo Tribunal.

Quanto à específica questão do valor atribuído ao solo, como já referido, insurge-se a recorrente contra o valor fixado, porque o terreno expropriado é de baixo rendimento, por ser constituído por afloramentos rochosos e matos e, ainda, porque a sua capacidade produtiva se encontrava destruída por força da sua afectação a depósito de inertes.

Como resulta do relatório de avaliação (cf. fl.s 336 v.º a 337), os Sr.s Peritos, na impossibilidade de recurso ao disposto no n.º 1 do artigo 27.º do Código das Expropriações, seguiram o critério fixado no n.º 3 deste preceito, de acordo com o qual:

“Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.”.

Manda, pois, este preceito, que se tome em linha de conta a afectação possível ou potencial do terreno em causa, tendo em conta, nomeadamente, as culturas ali predominantes.

Ora, como referido no já mencionado Relatório de Avaliação, todos os Peritos, com excepção do indicado pela expropriante, referiram que “Tendo em conta a envolvente, classificação do PDM e características do solo, considerou-se a produção potencial de pinhal” e ali se explicitando (a fl.s 336 e v.º e 337) os respectivos critérios de avaliação, sem que haja, do ponto de vista legal, qualquer reparo a fazer-lhe.

Consequentemente, adere-se à forma de cálculo e respectivos constantes de fl.s 337 e que se passam a reproduzir:

“Os peritos do tribunal e da expropriada avaliaram unanimemente a parcela em € 140.102,10, segundo o método analítico, recorrendo, quanto ao valor do solo, com cultura potencial florestal de pinheiro bravo, à fórmula VR = RF* (1+ta)/ta=> VR=297*1,03/0,03= 10.197€/ha=+-1,00€/m2. Atenderam a vários factores que descrevem no seu relatório, tendo por referência:

- produção: 11,0 m3/ha/ano

- preço unitário: 30€/m3

- rendimento bruto: 330€/ha/ano

- encargos anuais: 33,00€/ha

- rendimento fundiário: 297,00€/ha

- taxa de capitalização: 3%

Relativamente às benfeitorias, consideraram:

- desmatação, regularização do terreno, espalhamento, nivelamento e compactação de inertes: 0,35€/m3

- Fornecimento de inertes: 3,10€/m3

E concluíram:

- Valor da plataforma de 15.978 m2 * 1m = 15.978 m3 * (3,10€/m3 + 0,35€/ m3) =

55.124,10€

- Valor da plataforma de 10.000 m2 * 2m = 20.000m3 * (3,10€/m3 + 0,35€/m3) = 69.000,00€.”.

            Seguindo mais uma vez os ensinamentos de Pedro Elias da Costa, ob. cit., a pág. 310 e seg.s, nos números 1 e 2 do Código das Expropriações, acolhe-se um critério fiscal na avaliação dos solos para outros fins, que se traduz no valor médio alcançado através do cálculo a que se alude no n.º 1 de tal preceito.

            Ao passo que no seu n.º 3 se refere o critério supletivo e mais usual, dada a impossibilidade de se determinar, a maioria da vezes, o valor dos solos com recurso ao critério fiscal, que se pode designar por critério do rendimento, o qual toma por base o rendimento médio anual que o prédio a expropriar produz, ou poderia produzir, e efectua a sua transformação em capital através de uma taxa de capitalização.

            O qual, no entendimento do autor que ora seguimos e a que se adere, deve ser temperado com o “critério do rendimento efectivo”, ou seja valorizando o solo de acordo com o aproveitamento que se encontrava a ser realizado à data da publicação da DUP e só quando este critério não conduzir ao seu valor real e corrente é que deve ser atendido o rendimento possível, para o que deve atender-se às culturas predominantes na região em terrenos com a mesma natureza e condicionalismos, segundo os métodos de cultivo usuais.

            Ali referindo, expressamente, a fl.s 313 que:

“A referência expressa do legislador às culturas predominantes, deve ser interpretada extensivamente como “aproveitamentos predominantes”.

Note-se que um solo para outros fins não se esgota num aproveitamento agrícola ou florestal. Poderá haver possibilidades de rendimentos de outra natureza, como estaleiro, parque de máquinas, depósito de materiais a céu aberto, colocação de cartazes publicitários, etc.. É essencial que o valor do bem seja calculado em função do aproveitamento que, na sua maioria, seja dado aos solos semelhantes, na zona envolvente do prédio expropriado.”.

            Foi precisamente isto que se fez ao atender à predominância do cultivo de pinheiro bravo naquela envolvência.

            Também, no que concerne ao valor atribuído às benfeitorias, somos de opinião que se dever acolher a decisão dos Peritos maioritários, face aos critérios expostos na avaliação e que já tomaram em linha de conta os custos com a necessidade de a expropriada transferir para outro local o depósito de inertes, em virtude de o anterior se localizar na área expropriada.

Por tudo isto, igualmente, quanto a esta questão, tem de improceder o recurso interposto.

Nestes termos se decide:       

Julgar por improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a sentença recorrida.

            Custas pela expropriante.

            Coimbra, 08 de Abril de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves