Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
460/10.1GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 03/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 69º, DO C. PENAL
Sumário: Não tem fundamento legal a suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69º, do C. Penal, nem a sua substituição por prestação de caução de boa conduta.
Decisão Texto Integral:

I - RELATÓRIO
1. No processo sumário n.º 460/10.1GCPBL do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, o arguido MF..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), num total de € 420 (quatrocentos e vinte euros), bem como na (pena acessória) de proibição de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.

2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, circunscrevendo-se o mesmo à pena acessória, que, no entender do recorrente, deveria ser suspensa na sua execução, por se mostrar suficiente à satisfação das finalidades de prevenção geral e especial que o caso exige.
Finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Violação dos critério dosimétricos dos arts 40º e 7l do código penal, nomeadamente
no que toca à influência da pena sobre o agente (condições pessoais e situação económica).
2. O recorrente praticou os factos a título de negligência,
3. Do ilícito cm causa nos autos não resulta qualquer perigo concreto para o trânsito de veículos ou pessoas, nem foi causa de qualquer acidente.
4. O Recorrente confessou integral e livremente.
5. O recorrente é primário.
6. A ilicitude do facto e a culpa do agente podem considerar-se diminutas. Por outro lado,
7. Como se alegou já, o recorrente nunca foi condenado, pela prática de qualquer crime, incluindo rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave ou mesmo leve.
8. Não se vislumbram razões de prevenção que se possam opor à suspensão da Sanção acessória de inibição de conduzir, permitindo-se com base nos factos supra descritos esperar que a sanção terá o efeito choque, por constituir o primeiro confronto com OS órgãos repressivos, evitando a prática de novas condutas semelhantes,
9. O arguido tem 48 anos de idade e 30 de condução, e de forma imaculada.
10. A medida da sanção acessória cria os transtornos já supra referidos afectando directamente todo um agregado familiar porquanto cerceia uma actividade que depende da condução de veículos para ser exercida, a única que o recorrente conhece.
Termos em que, revogando a D. decisão recorrida, substituindo-a por outra decisão que SUSPENDA parte da pena aplicada, ou seja, a sanção acessória, com base nos fundamentos supra expostos, farão Vs Exs JUSTIÇA».

3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra.
Conclui desta forma o MP:
«1) Estabelece o disposto no art. 69°, n.° 1, do Código Penal, que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido, pela prática do crime previsto no art. 292°.
2) Penas acessórias são aquelas que só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal.
3) A aplicação de uma pena acessória tem, assim, como pressuposto formal, a condenação do arguido numa pena principal por crime cometido no exercício da condução.
4) No caso em apreço, o arguido foi condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por ter sido detido a conduzir um veículo automóvel, com uma TAS de 1,61 gramas por litro de sangue.
5) Por seu turno, a aplicação de uma pena acessória tem, como pressuposto material, a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do arguido, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.
6) A determinação da medida da pena acessória deve opera-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 70º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.
7) No caso concreto, foi aplicada ao arguido a pena acessória de inibição de conduzir veículos pelo período de quatro meses, quando o limite mínimo se fixa nos três meses.
8) Foi portanto devidamente sopesado pelo Tribunal, o facto do arguido ser primário, a confissão integral dos factos, o valor da taxa de alcoolemia, bem como a situação económica e social do arguido.
9) Com efeito, atendendo aos critérios de determinação da pena previstos no já mencionado artigo 71º do Código Penal, a proibição de condução pelo período de quatro meses mostra-se adequada e proporcional no caso concreto.
10) A pena acessória encontra-se muito próximo do limite mínimo exigível, o que demonstra a consideração das circunstâncias pessoais e sociais do arguido.
11) No que tange à suspensão da pena acessória, a mesma não é possível, face à génese e natureza da pena acessória em causa.
12) Com efeito, o objectivo visado com a aplicação de uma pena acessória distingue-se do objectivo visado pela pena principal, sendo certo que a proibição de conduzir apenas concerne à perigosidade do agente e às exigências de prevenção geral.
13) Se a pena acessória visa prevenir a perigosidade, sendo-lhe pois alheia a finalidade de reintegração do agente na sociedade, é por demais evidente a insusceptibilidade de aplicação àquela do instituto da suspensão consagrado no aludido art. 50.° do C. Penal.
14) Existindo duas finalidades diversas, não pode a pena acessória beneficiar do mesmo juízo de prognose favorável referente à suspensão da pena principal, pelo que se exclui a sua aplicação no caso em apreço.
15) Pelo que a presente decisão não merece qualquer reparo, devendo o presente recurso ser considerado improcedente, por inexistência de violação dos critérios de determinação da pena acessória.
Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão nos precisos termos em que foi formulada, fazendo, desta forma, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a costumada JUSTIÇA».

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, a fls. 59 a 63, no sentido de que o recurso merece parcial provimento, concluindo que:
«Pelo exposto, sem necessidade de quaisquer outros considerandos, emite-se parecer no sentido da procedência parcial do recurso, embora por razões diversas do recorrente, por entendermos que a sentença impugnada enferma do vício do art° 410º, n°2. a) do CPP e,
Caso esta perspectiva não obtenha acolhimento, reconhecido que seja o facto do arguido ser primário, deve reduzir-se o tempo de inibição de conduzir fixado, 4 meses, ao mínimo legalmente permitido, ou seja, para 3 (três) meses».

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.
formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir consiste em saber:
- se a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta ao arguido deverá ser suspensa na sua execução.

2. DA SENTENÇA RECORRIDA
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, colocando a final a respectiva fundamentação (atente-se que a sentença já foi elaborada nos trâmites do CP revisto pela Lei 26/2010 de 30/8, em vigor desde 29/10/2010, o que significa que a factualidade provada foi ditada oralmente, sem redução a escrito – cfr. artigo 389º-A do CP):
«a)- O arguido, no dia 29-11-2010, cerca das 20h49m, conduzia, na estrada que dá acesso á Rua …, ..., na área desta comarca, o veiculo ligeiro de mercadorias de matrícula …;
b)- O arguido, ao ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,61 gramas por litro.
c)- O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, não obstante saber que havia ingerido bebidas alcoólicas e que a condução de veículo a motor pela via pública ou equiparada, nessas circunstâncias, é proibido por lei penal.
d)- O arguido é resineiro, é condutor por conta própria, ganhando cerca de € 500 mensais.
e)- O arguido é casado, estando separado de facto, tem uma filha de 13 anos que vive com a mãe, pagando € 100 mensais para o sustento desta.
f)- Não tem outros encargos financeiros.
g)- Confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos vertidos no auto de fls. 2, e mostrou-se arrependido.
h)- O arguido não tem antecedentes criminais.
i)- O arguido necessita da carta de condução para o exercício da sua profissão.
Contribuíram para formar a convicção do Tribunal, as declarações confessórias do arguido, as quais confirmaram o teor do auto constante de fls. 2 dos autos e esclareceram o Tribunal sobre as suas condições de vida; bem como o talão relativo ao teste de alcoolemia junto aos autos e o certificado do registo criminal do arguido».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Não se verificando qualquer dos vícios enunciados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (ao contrário do que sustenta a Exmª PGA, os factos dados como provados, e por mim ouvidos na gravação que foi feita, são mais do que suficientes para a decisão que foi tomada, encontrando-se no rol de factos provados os dados fácticos referentes à condição familiar e económica do arguido), consideram-se assentes os factos supra descritos, sendo certo que não foi, de todo em todo, impugnada a matéria de facto.

3.2. A condenação do arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, não foi posta em causa no presente recurso, pois que, “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
De facto, o crime em questão é também punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, a fixar entre três meses e três anos, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/01,de 13 de Julho.
Portanto, o recorrente questiona, apenas, o facto de não lhe ter sido suspensa a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, que o tribunal a quo fixou em 4 meses.

3.3. A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é, tal como a pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 71º do CP.
O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena (leia-se, então, também medida da pena acessória) deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...

3.4. Esta pena acessória (e não rigorosamente uma sanção acessória, essa destinada a sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, sendo mais uma medida de segurança administrativa) tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.
No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, pois subjacente ao preceito em apreciação visa-se o combate à sinistralidade rodoviária em que o álcool tem um papel muito relevante, pois a condução sob o efeito do álcool põe em risco não só a própria vida do condutor como a dos restantes utentes da via, reclamando, por isso, uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.
Face à factualidade considerada provada nos autos, encontram-se, no caso vertente, integralmente reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da pena acessória da proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses a três anos.
Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de três meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (cf. art. 71º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor assenta no pressuposto formal duma condenação do agente numa pena principal por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º do Código Penal, ou por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, sendo que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 165).
A proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69.º do Código Penal constitui, como se disse, uma pena acessória que, como tal, se baseia num juízo de censura e tem por fim (mediato) a tutela dos bens jurídicos subjacentes ao tipo de crime praticado (Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Porto, 2007, p. 209). Como pena acessória tem em vista complementar uma outra pena, a principal, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à natureza ou gravidade do crime.
A este propósito, o Acórdão do Pleno das Secções Criminais do S.T.J. n.º 5/99 do STJ (DR I.ª Série-A de 20 de Julho de 1999) fixou jurisprudência no seguinte sentido: «O agente do crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal».
A proibição de conduzir decretada nos termos do citado artigo 69.º, n.º 1, não emerge automaticamente da lei, antes pressupõe a intervenção mediadora do Juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso e perante a avaliação da culpa do agente, deve fixar a sua concreta duração.
Quer isto dizer que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal como a pena de prisão e a multa, deve ser graduada dentro dos limites legais, ou seja, entre 3 meses e 3 anos, atendendo aos critérios e factores mencionados no artigo 71.º do Código Penal vigente, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
De facto, ambas as penas – principal e acessória – assentam num juízo de censura global pelo crime praticado, remetendo a sua determinação concreta para os critérios do referido normativo.
Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, a moldura de prevenção é definida entre o limiar mínimo abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias, e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas.
Dentro desses limites, relevam as exigências de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 238 e segs.).
Para a avaliação do grau de ilicitude, há que considerar que o arguido conduzia, pelas 20h49m, um veículo ligeiro mercadorias, com uma taxa de alcoolemia de 1,61 gr/l, o que corresponde a 0,41 gr/l acima do limite que confere significado criminal à conduta praticada.
Ficou provado que o arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, bem sabendo que tinha uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e, não obstante, decidiu conduzir a viatura nessas circunstâncias e que agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Quer isto dizer que a actuação do arguido foi claramente dolosa, na sua vertente directa.
Tendo em conta que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez pode ser cometido a título de negligência, a comissão dolosa pode e deve ser valorada na determinação da medida concreta da pena, como factor que releva por via da culpa, com efeito agravante, sem que se corra o risco de incorrer numa não permitida dupla valoração.
O arguido mostra-se socialmente integrado, sendo primário.
As razões de prevenção geral são sempre prementes neste tipo de crimes, dada a elevada incidência da sinistralidade rodoviária.
Como se disse, o arguido conduzia com uma taxa de 1,61 gr./litro, pelo que o grau de ilicitude do facto deve ser considerado médio.

3.5. O tribunal «a quo» decidiu aplicar-lhe a pena acessória de 4 meses, um mês mais do que o mínimo legal.
Como tal, e como bem pondera o Exmº Magistrado do MP de 1ª instância, a condenação do arguido já teve em linha de conta o facto de o mesmo ser primário e o de ter confessado a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez que lhe vinha imputado nos autos, tendo sido igualmente tido em consideração a TAS do arguido aquando da fiscalização, razão pela qual a pena acessória de proibição que lhe foi aplicada foi muito perto do mínimo legal (o que não deixa de redundar numa relativa benevolência).
Sabemos que não se deve procurar estabelecer nenhuma coincidência entre a determinação concreta da medida da pena e a taxa de álcool no sangue verificada numa concreta situação.
Contudo, não obstante, «o diferencial existente em relação ao patamar inicial da TAS impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória» (in Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Março de 2000, Processo n.° 83212000, disponível para consulta em http:www.dqsi.ptl).
Por outro lado, «só em casos pontuais e devidamente comprovados pode haver “benevolência” na aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados» (in Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2001, Processo n.° 2315/2001, disponível para consulta em http:www.dgsi.jtl).
No caso em análise, não se vislumbram razões suficientemente fortes para usar dessa benevolência pois inexistem as excepcionais circunstâncias que poderiam legitimar essa especial “bondade”, não se tendo sequer provado qualquer facto – de força maior - que justificasse ter o arguido ingerido bebidas alcoólicas e depois conduzido.
Diga-se que a actual letra do artigo 69º do CP foi introduzida pela Lei n.º 77/2001 de 13/7 – esta alteração legislativa não se limitou a introduzir uma automática sanção acessória de proibição de condução para o agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo agravado, de modo significativo, a pena abstracta da mencionada pena acessória, alterando-a, no seu limite mínimo, de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos.
Deste modo, tal agravação derivou de uma inequívoca opção político-criminal que reconhece – sabia e pragmaticamente - que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador.
Assim, a pena acessória fixada pela 1.ª instância (quatro meses) está suficientemente longe do mínimo da moldura (três meses) e algo distanciada do seu máximo (três anos), o que permite concluir que, tendo em vista a ilicitude aferida pela taxa de alcoolemia, e o grau de culpa pelo menos médio, o tribunal a quo, na determinação da pena concreta, foi ponderado e razoável, sendo insuficiente a pena de três meses pedida pelo arguido face ao facto de ser esse o limite mínimo, mais pensado para taxas de alcoolemia mais reduzidas.
O juiz não é um computador e ainda bem, diga-se – não se coloca, como premissa, a taxa de alcoolemia detectada para depois, em nome de um infrene e indesejado automatismo, esperar pelo «quantum» da pena a aplicar.
Tudo depende de vários factores que deverão ser sopesados, nomeadamente do passado rodoviário do arguido.
Por tal razão, não fará grande sentido invocar precedentes judiciários nesta sede – cada caso é um caso (só nos pode vir à memória esta frase batida) e não deverá o julgador fixar a exacta medida da pena acessória apenas com base na taxa de alcoolemia detectada.
Aplicar-lhe uma pena superior aos ditos 3 meses torna-se, assim, inevitável.
Desta forma, não será de esperar – esse o nosso desejo - que volte de delinquir pois já sabe a falta que lhe faz a carta.
Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção (ter actuado com dolo directo, conduzindo com uma taxa de álcool no sangue de 1,61 g/l, não ter antecedentes criminais, os elevados índices de sinistralidade no nosso País, provocados justamente por condutores que ingerem bebidas alcoólicas com TAS igual ou superior a 1,2 g/l), considera-se justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 (quatro) meses, não nos merecendo qualquer censura a – sensata - sentença recorrida neste particular.
Agora, usar, ainda de forma acrescida uma segunda benevolência (a que redundaria uma suspensão da execução deste pena) é absolutamente intolerável e indefensável.

3.6. De facto, a suspensão da execução da pena acessória está totalmente fora de cogitação in casu.
E está-o, também porque tal tem sido uniformemente decidido pelos nossos tribunais superiores (vejam-se os acórdãos invocados pelo Exmº PGA a fls 73, a título meramente exemplificativo -. designadamente, Ac. R. C. de 17/01/01, Col. Jur. 1-50, Ac. R. C. de 29/11/00, Col. Jur. V - 50; Ac. R.C. de 14/06/2000, Col. Jur. III - 53; e ainda Ac. R. P. de 28/01/04, Col. Jur. 1-206)
Mas a improcedência do recurso radica desde logo no facto de se entender não estar prevista na nossa lei tal requerida suspensão
Na realidade, a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir só está prevista no CE, quanto a contra-ordenações graves, não estando pensada tal figura para as penas acessórias, como aquela que foi aplicada no caso vertente.
O regime de suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir previsto no artigo 141.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, apenas é aplicável às contra-ordenações graves.
Tem-se entendido (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 21/11/2007, in Processo n.º 3974/06-4TBVIS.C1) não se reconhecer no dispositivo do art. 141.º, n.º 1, qualquer omissão ou lacuna legislativa quanto à suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir cominada a agente de infracção contra-ordenacional rodoviária muito grave.
Recorde-se - é do seguinte teor o texto em vigor dos artigos 141.º e 147.º do Código da Estrada:
Artigo 141.º (“suspensão da execução da sanção acessória”):
«1 - Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.
2 - Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.
3- A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:
a)- À prestação de caução de boa conduta;
b)- Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;
c)- Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.
(...)».
Artigo 147.º (“inibição de conduzir”):
«1 - A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contra-ordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir (...)».
Esta proibição de conduzir assume-se cada vez mais como verdadeira pena, de estrita aplicação judicial e não ope legis, sempre ligada ao facto e à culpa do agente, ditada de uma moldura penal própria, impondo a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/95 de 15/3/1995, in DR, II Série, de 20/6/1995).
De facto,
1º- Inexiste disposição legal que preveja tal requerida suspensão;
2º- Não sendo admissível, em termos penais, a suspensão da execução da pena principal (multa), exige a unidade da pena que a acessória não o seja (a suspensão da execução de uma pena terá sempre de abranger toda a pena, não podendo fraccionar-se);
3º- Sendo à pena acessória alheio o fim de reintegração do agente na sociedade, por força do artigo 50º do CP, não lhe pode ser aplicável o instituto da suspensão.
Diga-se ainda que não é possível a substituição da pena acessória por caução de boa conduta (essa aliás nem sequer pedida expressamente nas alegações de recurso do arguido), na medida em que tal benesse só está prevista para as sanções acessórias do Código da Estrada.
Não se deixará de dizer que o facto de o arguido alegar precisar da carta de condução para a sua vida diária/profissional não é razão suficiente para a suspender, podendo nós afirmar que, desta forma, ele sentirá mais na pele a falta de tal título de transporte, o que só poderá contribuir para que, doravante, pense duas ou três vezes antes de conduzir após ingestão de álcool.
Desta forma, repete-se: não será de esperar – esse o nosso desejo - que volte de delinquir pois já sabe a falta que lhe faz a carta.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, é nossa DECISÃO não suspender a execução da pena acessória, tal como requerido.

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III].

Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena