Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3635/18.1T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PRAZO
SOCIEDADE COMERCIAL
ASSEMBLEIA GERAL
PRESIDENTE DA MESA DA ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.380 CPC, 374, 377 CSC
Sumário: I – Em caso de falta ou não comparência do presidente da mesa da assembleia geral, a atribuição das respectivas funções às pessoas mencionadas nos nºs 3 e 4 do artigo 374º do Código das Sociedades Comerciais (presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão ou, na falta destes, um accionista) pressupõe que não exista ou não compareça nenhuma pessoa que tenha sido eleita para a mesa da assembleia geral; enquanto tal seja possível, as funções de presidente devem ser atribuídas a quem já faz parte da mesa por para tal ter sido eleito, seja ao vice-presidente (se existir), seja ao secretário.

II – Nessas circunstâncias, faltando (ou não existindo) o presidente da mesa e o vice-presidente, tais funções são atribuídas ao secretário da mesa que, nessa qualidade, também terá competência para convocar a assembleia geral (cfr. artigo 377º, nº 1, do CSC);

III – A irregularidade da convocatória que releva para efeitos de contagem do prazo previsto no artigo 380º do CPC (prazo para requerer a suspensão das deliberações sociais) é apenas a irregularidade que tem idoneidade para impedir o sócio/accionista de tomar efectivo conhecimento da realização da assembleia e das deliberações que nela foram tomadas; se o sócio toma efectivo conhecimento da realização da assembleia e da respectiva ordem de trabalhos e se nela comparece, a mera circunstância de a abandonar não lhe permitirá invocar o desconhecimento da deliberação que aí venha a ser tomada sobre assunto que constava da ordem de trabalhos e, portanto, ainda que a convocatória padecesse de alguma irregularidade, o prazo para requerer a suspensão da deliberação deverá ser contado a partir da data da assembleia nos termos previstos na 1ª parte do nº 3 do citado artigo 380º.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

C (…) , residente (…), (...) , veio instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra C (…) - (...) , S.A., com sede na (...) , pedindo que seja determinada a suspensão das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Requerida de 27/06/2018.

Para fundamentar essa pretensão, alega: que é sócio da referida sociedade, sendo titular de acções correspondentes a 50% do seu capital social; que as deliberações em causa são inválidas por ausência de convocatória válida, uma vez que, na falta do Presidente da Mesa (que havia renunciado), a convocatória foi subscrita pelo Secretário da Mesa na qualidade de presidente interino sem que tivesse competência para o efeito, já que, nos termos do disposto no artigo 374º era o Requerente, na qualidade de accionista mais antigo, que tinha competência para presidir à Assembleia; que tais deliberações também são inválidas por violação da lei uma vez que, em face da ausência do Notário que o Requerente considerava essencial e em face da insistência do autoproclamado Presidente da Mesa interino da mesa para continuar a reunião, o Requerente enquanto accionista com maior antiguidade, assumiu as suas funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral – por via do art. 374º, n.º 4 do CSC - deu por encerrada a Assembleia por ausência de Notário e abandonou o local e, nessas circunstâncias, tudo o que aconteceu em momento posterior equivale a uma assembleia não convocada e, portanto, nula nos termos do disposto no art. 56º, n.º 1, al. a) do CSC; que, ainda que se considerasse que o Requerente não poderia assumir o papel de Presidente, as deliberações seriam sempre nulas uma vez que, dada a ausência do Requerente enquanto accionista, não estava reunida a totalidade do capital social como seria necessário nos termos do artigo 54º por estar em causa uma assembleia universal; que as deliberações em causa também violam o pacto social uma vez que nos termos do n.º 1 do art. 11º do pacto social da Requerida, a Assembleia Geral só se considera regularmente constituída e poderá deliberar validamente quando estiverem presentes ou representados mais de 50% do capital social, quer em primeira, quer em segunda convocação, o que não aconteceu já que o Requerente não estava presente nem representado, pelo que as deliberações tomadas são inválidas, nos termos do disposto no art. 58º, n.º 1, al. a) do CSC; que tais deliberações causam danos quer à Sociedade, quer ao Requerente enquanto sócio.

A Requerida veio deduzir oposição, invocando a caducidade do procedimento cautelar por ter sido instaurado após o decurso do prazo fixado no artigo 380º do CPC e sustentando, em resumo, que a deliberação social não padece de qualquer vício, uma vez que: a assembleia foi regularmente convocada por quem tinha competência para o efeito (o Secretário da Mesa dada a falta do Presidente); a saída do Requerente da Assembleia não alterou o quórum constitutivo e deliberativo que se havia constituído no início da reunião e esse quórum respeitava as exigências estatutárias e a deliberação foi aprovada com a maioria qualificada que era exigida pelos Estatutos (sendo certo que, em face da ausência do Requerente, foi aprovada por 100% dos votos emitidos). Mais alega que o Requerente não invocou qualquer dano concreto que tenha sido gerado pelas deliberações tomadas e conclui dizendo que o procedimento deve ser julgado improcedente.

Realizada a audiência, foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção da caducidade do direito do Requerente a propor o presente procedimento cautelar, absolveu a Requerida do pedido.

Inconformado com essa decisão, o Requerente C (…)  veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A Recorrida apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto no que toca aos pontos de facto que são impugnados pelo Apelante;

• Saber se caducou o direito de requerer a suspensão das deliberações por ter decorrido o prazo a que alude o artigo 380º do CPC, o que se reconduz a saber se o Apelante foi (ou não) regularmente convocado para a assembleia e se o aludido prazo deve ser contado a partir da data da assembleia ou a partir da data em que o Apelante tomou conhecimento das deliberações;

• Saber – caso se conclua que não decorreu o aludido prazo – se estão verificados os pressupostos de que depende a providência solicitada (suspensão das deliberações), o que se reconduz a saber se as deliberações em causa são inválidas (por terem sido tomadas em assembleia não convocada e por não ter sido respeitado o quórum constitutivo que era exigido pelo pacto social) e se a sua execução pode causar dano apreciável.


/////

III.

Na 1ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A Requerida é uma sociedade gestora de participações sociais, isto é, uma sociedade holding, que encabeça o Grupo C (…) tendo apenas dois accionistas. – artigo 1º do requerimento inicial

2. O Requerente é titular de 2.388.551 acções da Requerida, correspondentes a 50% do seu capital social. – artigo 3º do requerimento inicial

3. As restantes acções da requerida, correspondentes a 50% do capital social, pertencem a uma sociedade denominada “A (…) SGPS, S.A.”, cuja administração é controlada pela sociedade gestora “O (…) , S.A.”, gestora do Fundo de Reestruturação Empresarial. – artigo 4º do requerimento inicial

4. No dia 11 de Outubro de 2013, a “A (…)  sucedeu ao “FRE” na titularidade da participação de 50% do capital da Requerida, adquirida por este em 29 de Julho de 2013, como previsto no acordo parassocial celebrado na mesma data de 29 de Julho de 2013, entre os dois accionistas da Requerida. – artigo 5º do requerimento inicial

5. Para o conselho de administração da Requerida foram eleitos para o triénio 2016/18 os seguintes administradores:

a. C (…), presidente do conselho de administração, aqui Requerente;

b. A (…), vogal, filha do aqui Requerente;

c. M (…), vogal;

d. I (…), vogal; e

e. I (…), vogal. – artigo 6º do requerimento inicial

6. O Requerente C (…) e a sua filha A(…)encontram-se suspensos judicialmente das funções de administração na Requerida C (…) por decisão cautelar de 20 de Outubro de 2017, proferida no processo nº4039/17.9T8LRA que correu termos no J1 do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, confirmada por esse Tribunal em 11 de Maio de 2018 após oposição dos Requeridos. – artigo 7º do requerimento inicial e 88º da oposição.

7. A requerida detém 100% do capital nas seguintes sociedades operacionais do grupo C (…):

a. “M (…), S.A.”;

b. “M (…), S.A.”;

c. “F (…), S.A.”;

d. “M (…), S.A.”;

e. “M (…).” (sociedade constituída de acordo com as leis da Turquia). – artigo 8º do requerimento inicial

8. A Requerida é ainda titular de uma participação no capital social da sociedade “A (…)  S.A.”, correspondente a 71,12% do seu capital. – artigo 9º do requerimento inicial

9. E é, também, por via da A (…), accionista indirecta das sociedades:

a. “A (…), S.A.”, a qual é detida a 100% pela A (...)

b. “C (…) SA.”, a qual é detida em 25% pela A (...) e

c. “A (…), Lda.” que é detida em 15% pela A (...) . – artigo 10º do requerimento inicial

10. A Requerida controla ainda indirectamente a “S (…) Lda.”, a qual é detida em 66,67% pela F (…). – artigo 11º do requerimento inicial

11. O Sr. Dr. (…), secretário da mesa da assembleia geral, foi eleito pelos accionistas para o triénio em curso através da deliberação da AG (...) de 22 de Abril de 2016. – artigo 39º do requerimento inicial e artigo 29º do requerimento inicial

12. O presidente da mesa da assembleia geral da Requerida eleito para o triénio em curso, renunciou ao referido cargo no passado mês de Novembro. – artigo 18º do requerimento inicial

13. Na sequência dessa renúncia, a Requerida encontra-se actualmente sem Presidente da Mesa eleito. – artigo 19º do requerimento inicial

14. A Requerida não tem, nem nunca teve um vice-presidente. – artigo 28º do requerimento inicial

15. A Requerida não tem conselho fiscal, nem comissão de auditoria, nem conselho geral e de supervisão. – artigo 30º do requerimento inicial

16. O Requerente é o accionista mais antigo na sociedade Requerida. – artigo 1º do requerimento inicial

17. Dispõe o Artigo 10º dos estatutos da Requerida W (...) SGPS, sob a epígrafe “(Mesa da Assembleia Geral)” que: “A Mesa da Assembleia Geral é composta por um Presidente e um Secretário, podendo qualquer deles ser ou não accionista.

Nos termos do Artigo 11º, nº1 dos estatutos “A Assembleia Geral considera-se regularmente constituída e poderá deliberar validamente em primeira convocação ou segunda convocação, apenas se estiverem presentes ou representados accionistas titulares de mais de 50% do capital social da Sociedade”.

Nos termos do Artigo 11º, nº2 dos Estatutos da Requerida “As deliberações da Assembleia Geral são tomadas por maioria de 60% dos votos emitidos e não se contando as abstenções, salvo disposição diversa da lei ou dos presentes estatutos.

Nos termos do Artigo 11º, nº3, al. d) dos mesmos Estatutos “As deliberações da Assembleia Geral que versem sobre as seguintes matérias necessitam de ser aprovadas por maioria qualificada de 67% do capital social da sociedade; … d) Aumento ou redução do capital social da sociedade, …

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18. Na Assembleia Geral realizada em 24-11-2017, a representante do Requerente, após ter defendido que a presidência deveria ser assumida pelo fiscal único (e, nunca, pelo Requerente), acabou por aceitar que a presidência da mesa da AG se mantivesse no secretário e sem prejuízo do advertir da necessidade de respeitar a lei e os estatutos. As deliberações tomadas nessa assembleia geral extraordinária, também presidida pelo actual secretário da mesa da assembleia geral, nunca foram impugnadas pelo Requerente C (…). – artigo 38º do requerimento inicial

19. No dia 24 de Maio de 2018, o Requerente recebeu uma carta, datada de 18 de Maio de 2018, intitulada de “Convocatória”, subscrita pelo Sr. Dr. (…), secretário da mesa da assembleia geral da Requerida, intitulando-se presidente interino da mesa da assembleia geral – artigo 20º do requerimento inicial e 13º da oposição

20. A carta referida em 19 tinha o conteúdo constante da cópia de fls. 22 verso e 23 que aqui se dá por integralmente reproduzido. Nesta se declara “A Assembleia Geral Anual terá a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um: Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas e demais documentos de prestação de contas do exercício da Sociedade findo a 31 de Dezembro de 2017;

Ponto Dois: Deliberar sobre a proposta de aplicação dos resultados da Sociedade relativos ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2017;

Ponto Três: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da Sociedade relativamente ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2017;

Ponto Quatro: Proceder à discussão das medidas a tomar para efeitos do disposto no artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que o capital próprio da Sociedade é inferior a metade do seu capital social, em concreto, a (i) dissolução da Sociedade; (ii) redução do capital social; ou (iii) realização pelos sócios de novas entradas para reforço da cobertura do capital.”. – artigo 22º do requerimento inicial

21. O Requerente – na qualidade de accionista – enviou para a sede da Requerida, ao cuidado do conselho de administração, uma missiva datada de 11 de Junho de 2018, na qual solicitava a presença de Notário na reunião do dia 27 de Junho de 2018, ao abrigo do disposto no nº6 do art. 63º do CSC, a fim de lavrar a acta respectiva. – artigo 42º do requerimento inicial e artigo 19º da oposição.

22. O Requerente C (…), a fim de participar na assembleia geral do dia 27 de Junho do 2018, solicitou ao Novo Banco a emissão de declaração de depósito e bloqueio dos títulos representativos de 50% do capital social da W (...) SGPS com vista a fazer prova da sua qualidade de accionista; - artigo 19º da oposição.

23. No dia 27 de Junho de 2018, foi realizada uma Assembleia Geral da Requerida, a que o Requerente compareceu. – artigos 21º e 41º do requerimento inicial

24. Tratava-se já da realização da Assembleia Geral Anual em segunda convocatória, não tendo o Requerente comparecido na reunião inicialmente convocada para o dia 11 de Junho de 2018. – artigo 18º da oposição

25. Na assembleia estiveram presentes, ou representados, os dois únicos accionistas: O Requerente C (…) e a “A (…), S.A.”, conforme lista de presenças, a qual foi assinada pelos accionistas e seus representantes. – artigo 13º e 71º da oposição

26. Na reunião esteve presente o fiscal único, ou seja, o Dr. (…) - artigo 37º da oposição.

27. Nessa data (27-06-2018), o Requerente não levantou qualquer questão relativa à convocatória, nem suscitou qualquer oposição relativamente à ordem de trabalhos, que aceitou. – artigo 16º da oposição

28. Na assembleia Geral da requerida de 27 de Junho de 2018 não compareceu qualquer notário, tendo o requerente sido informado que não se conseguiu garantir a presença deste Oficial Público para o acto. – artigo 43º do requerimento inicial

29. A Notária com competência territorial em (...) – local da sede da Requerida - a Dra. (…), não se mostrou disponível para comparecer na reunião da assembleia geral, tal como sucedeu, de resto, com os cartórios notariais dos concelhos limítrofes aos de (...) . – artigo 43º da oposição

30. Na sequência das referidas recusas, a mesa da assembleia geral contactou também a Ordem dos Notários a fim de indicar um profissional para o efeito, mas também sem sucesso. – artigo 44º da oposição

31. O presidente da mesa interino propôs aos presentes a gravação da totalidade da reunião da assembleia geral a fim de a utilizar na redacção da acta e garantir a sua máxima fidedignidade. – artigo 45º da oposição

32. O Requerente referiu então que não estavam reunidas as condições para prosseguir com a reunião, uma vez que não prescindia da presença de Notário na Assembleia. – artigos 44º e 45º do requerimento inicial

33. O Sr. Dr. (…), na qualidade de presidente interino insistiu na realização da reunião – sob a sua presidência - invocando que iria proceder ao registo áudio da mesma e que dali faria uma fiel reprodução para o livro de actas. – artigo 46º do requerimento inicial

34. O Requerente enquanto accionista com maior antiguidade pretendeu assumir as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral e deu por encerrada a Assembleia por ausência de Notário e abandonou o local. – artigo 49º do requerimento inicial

35. Antes de o Requerente se ausentar, pelo Dr. (…) foi referido que, ainda que o Requerente não quisesse prosseguir com a Assembleia, a mesma iria continuar. – artigo 55º do requerimento inicial e artigo 20º da oposição

36. As deliberações tomadas foram de (i) aprovação das contas da Sociedade do exercício findo a 31 de Dezembro de 2017; aprovação da proposta de aplicação de resultados (negativos) e (iii) de apreciação da Administração e da Fiscalização da Sociedade. – artigo 80º da oposição

37. Na reunião de 27 de Junho de 2018 não foi aprovado qualquer aumento ou redução de capital da Requerida. – artigo 76º da oposição

38. Nessa reunião não foram deliberadas nenhuma das medidas propostas no âmbito do último ponto da ordem de trabalhos e determinadas pelo art. 35.º do CSC, por se considerar que ainda se encontra em curso o processo de reavaliação das reservas e activos das sociedades subsidiárias da Sociedade e, por esse motivo, desconhecer-se ainda a dimensão total do impacto final da reavaliação da situação patrimonial de todo o grupo encabeçado pela Requerida. – artigo 83º da oposição

39. A acta de assembleia geral, cuja cópia consta dos autos de fls. 128 a 131 verso e aqui se dá por integralmente reproduzida, foi devidamente assinada por aqueles que nela serviram como presidente e secretário, e notificada ao Requerente. – artigo 13º da oposição

40. As contas individuais e consolidadas relativas ao exercício de 2017 foram depositadas no dia 19-07-2018. – artigo 56º do requerimento inicial

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41. Pelo menos desde 2013, a Requerida nunca teve capitais próprios inferiores ao capital social, nos termos dos relatórios e contas aprovados sem reservas. – artigo 75º do requerimento inicial

42. Nas contas de 2016 os capitais próprios ascendiam a €24.031.460,80 e o seu capital social era de €23.885.510,00. – artigo 76º do requerimento inicial

43. Foram realizadas sondagens a algumas pedreiras e concessões do grupo W (...) , designadamente, da “A (…) (participada da A (…) e indirectamente da C(…)) e da “M (…)”, o que levou a uma “correcção” do valor pelos quais os mesmos estavam escriturados, o que determinou uma redução considerável do valor dos capitais próprios das respectivas sociedades e da própria Requerida. – artigo 77º do requerimento inicial

44. Existia nos colaboradores da empresa a convicção quanto ao reduzido valor das pedreiras da A (…) - artigo 93º da oposição

45. No final de 2017, a gestão da Requerida determinou que fosse empreendida uma avaliação das reservas dos activos das participadas do grupo, em consistência com o que se fizera antes em 2008 e 2012, pese embora com o cuidado de o fazer de forma totalmente independente e com recurso a novas sondagens assim como a um dos mais reputados especialistas no mercado português, a empresa V (...) . - artigo 97º da oposição

46. O resultado do trabalho desta empresa revelou o que já se suspeitava face à performance medíocre das concessões: as reservas estavam substancialmente sobreavaliadas e, relativamente às que efectivamente existiam, a configuração final de escavação aprovada pela Direcção-Geral de Energia e Geologia e as características das jazidas tornavam em grande parte economicamente inviável a sua exploração. - artigo 98º da oposição

47. Este facto implicou a necessidade de proceder ao “desreconhecimento” do activo no montante de 11.1 milhões de euros e nos capitais próprios de 8.7 milhões de euros, - artigo 99º da oposição

48. Relativamente à M (…)  foi realizado idêntico exercício e a Requerida seguiu a mesma metodologia. - artigo 100º da oposição

49. O resultado da avaliação da V (…) implicou o registo de um ajustamento negativo no activo consolidado no montante de 16 milhões de euros, com impacto negativo nos capitais próprios de 12.4 milhões de euros. - artigo 101º da oposição

50. O Grupo encabeçado pela Requerida encontra-se a dar sequência à avaliação das respectivas reservas em ordem a determinar o seu justo valor, trabalho que está em curso. - artigo 102º da oposição

51. A Requerida pretende avaliar os recursos de lítio das minas da F (…) a qual implica um substancial investimento, da ordem dos milhões de euros. - artigo 104º da oposição

52. Existem vários barreiros, pedreiras e concessões das empresas do Grupo, tendo por base apenas o valor de aquisição dos terrenos afectos às mesmas, muitos dos quais adquiridos há vários anos, ou seja, sem que se contabilize o valor das reservas que esses terrenos possuem. – artigo 81º e 82º do requerimento inicial

53. De acordo com o relatório e contas, os administradores afectos à sócia “A(…)”, registaram imparidades sobre dívidas do Requerente ao Grupo C (…)que até hoje não foram reclamadas. – artigo 85º do requerimento inicial

54. Estas dívidas remontam a datas anteriores a 2013, estão registadas na contabilidade, e desde sempre foram aceites pelo Requerente. - artigo 107º da oposição

47. E registaram uma imparidade no montante de 613.000,00€ relativo a uma dívida a um cliente E (…) com fundamento no “elevado risco na cobrabilidade desta dívida”, não obstante, os pagamentos efectuados pelo referido cliente entre Janeiro e Março de 2018 no valor de mais de cem mil euros – artigo 86º do requerimento inicial

48. O registo da imparidade referida em 47 deve-se ao facto de se ter desencadeado um conflito entre o cliente E (…)  e o Grupo C (…) decorrente da interposição do Grupo C (…). - artigo 105º da oposição

49. Em consequência deste diferendo, e não estando o referido devedor a cumprir com o plano de regularização da sua dívida antiga, registou-se a imparidade sobre a dívida vencida há mais de 180 dias. - artigo 106º da oposição

50. E, como também consta do relatório e contas, os administradores eleitos pela Argitop vieram registar uma imparidade sobre o goodwill do Grupo C (…), reduzindo-o a zero. – artigo 87º do requerimento inicial

51. O registo da imparidade referida em 50 decorreu da análise dos indicadores em presença na sequência da realização dos respectivos testes anuais obrigatórios de imparidade, analisados, validados e aprovados pelos auditores (…) - artigo 108º da oposição

52. No relatório e contas reconhece-se que no mercado nacional o Grupo C (…) tem uma posição consolidada, que no mercado externo cresceu de forma bastante acentuada nos últimos anos, de tal forma que “permitiu um reconhecimento a nível internacional como uma alternativa de qualidade aos grandes players mundiais”, e que desde 2012 o volume de negócios vem crescendo a uma taxa média anual de 10%.– artigo 88º do requerimento inicial

53. Os auditores, (…), apuseram uma reserva na certificação legal de contas, nos termos que constam da cópia desse documento a fls. 95. – artigo 79º do requerimento inicial e artigo 103º da oposição


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E julgaram-se não provados os seguintes factos:

- A 1.ª Requerida é, à data de hoje, titular de uma participação de 100% do capital social da sociedade M (…)., a qual, até ao passado dia 2 de Outubro pertencia em 50% a uma sociedade detida pela O (…)  e em 50% a A (…), filha do Requerente. – artigo 12º do requerimento inicial

- No dia 27 de Junho de 2018, foi realizada uma Assembleia Universal da Requerida, ao abrigo do disposto no art. 54º do CSC. – artigo 41º do requerimento inicial

- O Dr. (…) é sócio da sociedade de advogados que representa a accionista “A (…).”, do seu accionista único, o Fundo de Reestruturação empresarial e a O (…) e ainda dos seus representantes legais. – artigo 47º do requerimento inicial

- O Dr. (…)dispôs-se a assumir e aceitou assumir, no passado dia 2 de Outubro, o cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral das participadas, em substituição do respectivo presidente, em curso de mandato e instrumentalizando as sociedades e o referido cargo social nas mesmas, tendente à consecução da estratégia da sua cliente de assunção do controlo exclusivo desta sociedade e das suas representadas. – artigo 48º do requerimento inicial

- O Requerente foi surpreendido quando, ao consultar a certidão permanente da Requerida, através do site https://bde.portaldocidadao.pt/EVO/Services/Online/Pedidos.aspx?service=CCP, com o código de acesso (…), verificou que tinham sido depositadas as contas individuais e consolidadas relativas ao exercício de 2017. – artigo 56º do requerimento inicial

- Os administradores da Requerida arquitectaram uma abrupta descida do capital próprio da Requerida. – artigo 74º do requerimento inicial

- Os administradores indicados pela accionista A (…)decidiram realizar sondagens selectivas a algumas pedreiras e concessões do grupo C (…), - art. 77º do requerimento inicial.

- Os administradores eleitos pela A (…) não quiseram realizar sondagens em outros activos das sociedades do Grupo, nomeadamente da própria A(…), bem como de outras sociedades do Grupo C (…), como por exemplo da F (…) por saberem que os resultados dessas sondagens implicariam um aumento considerável dos capitais próprios. – artigo 80º do requerimento inicial

- É o caso, por exemplo, dos terrenos com mina de lítio da F (…) numa altura em que o lítio está na moda e Portugal e, em particular, as zonas de (...) – onde a F (…) tem minas – tem vastas e valiosíssimas reservas. – artigo 83º do requerimento inicial

- Os terrenos que possuem minas de lítio estão escriturados pelo seu valor de aquisição e não tem em consideração estes valiosos recursos naturais, sendo que, caso tivesse em consideração tais recursos, os capitais próprios seriam muitíssimo superiores. – artigo 84º do requerimento inicial

- A realização selectiva de sondagens a apenas alguns activos das participadas, com o intuito de reduzir artificialmente o valor dos capitais próprios do Grupo C (…), acompanhada do registo de imparidades e da redução do goodwill a zero, visa permitir à A (…) lançar mão das medidas previstas no art. 35º do CSC…– artigo 89º do requerimento inicial

- … e assim diluir a posição accionista do Requerente, em face dos constrangimentos financeiros que este atravessa e que lhe dificultarão certamente a participação num aumento de capital da Requerida. – artigo 90º do requerimento inicial

- Constrangimentos que são conhecidos e foram causados pelo Bloco A (…). – artigo 91º do requerimento inicial

- Prosseguindo assim o Bloco (…) a estratégia manifestamente abusiva de se apropriar e controlar sozinho e a seu bel prazer o Grupo C(…) e todos os seus activos, orientando a sua gestão no seu exclusivo interesse, em detrimento do Requerente, accionista detentor de 50% do capital social. – artigo 92º do requerimento inicial

- Tentam agora os administradores do Bloco (…) forçar a diluição da posição accionista do Requerente, não se coibindo, para o efeito, de falsear a real situação dos capitais próprios do Grupo C (…) – artigo 93º do requerimento inicial

- As contas não espelham com realidade a verdadeira situação da sociedade Requerida. – artigo 97º do requerimento inicial.


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IV.

Comecemos por analisar a excepção de caducidade, uma vez que a eventual improcedência do recurso no que toca a essa questão – com a consequente confirmação da decisão recorrida – tornará inútil a apreciação das demais questões suscitadas.

Dispõe o artigo 380º, nº 1, do CPC: “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”, dispondo o nº 3 que “O prazo fixado para o requerimento da suspensão conta-se da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento das deliberações”.

A decisão recorrida considerou que o aludido prazo de dez dias já havia decorrido à data em que foi instaurado o procedimento cautelar por ter entendido que esse prazo se contava a partir da data da assembleia onde foi tomada a deliberação em questão.

Tal conclusão/decisão assentou nos seguintes pressupostos:

• Na falta de presidente da mesa (uma vez que o presidente havia renunciado ao cargo sem que tivesse sido eleita outra pessoa em substituição), tal cargo deve ser deferido pela ordem prevista no artigo 374º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais;

• Nesses termos, porque o pacto social nada previa e porque também não existia vice-presidente, era ao secretário da mesa – que havia sido eleito e estava em funções – que cabia assumir as funções de presidente interino da mesa;

• Assim, porque a convocatória para a Assembleia foi assinada pelo referido secretário e porque não padece de qualquer irregularidade, impõe-se concluir que o Requerente foi regularmente convocado para a Assembleia, sendo, por isso, a partir dessa data que se conta o referido prazo de dez dias, em conformidade com o disposto no citado artigo 380º, nº 3.

 

O Apelante faz, contudo, uma leitura diferente do citado artigo 374º, nº 3, sustentando que não resulta da norma em questão que o presidente da mesa seja substituído pelo secretário e que, quando ali se alude a “pessoas eleitas” não se pretende estabelecer uma ordem de substituição. Sustenta, portanto, que a Assembleia não foi regularmente convocada – na medida em que a convocatória foi subscrita por pessoa a quem não cabia o exercício do cargo de presidente da mesa – pelo que o prazo de dez dias a que alude o citado artigo 380º, nº 3, conta-se a partir da data em que o Apelante tomou conhecimento da deliberação (o que sucedeu em 19/07/2018), não tendo ainda decorrido à data em que veio requerer a suspensão da deliberação.

O artigo 374º do Código das Sociedades Comerciais dispõe nos seguintes termos:

1 - A mesa da assembleia geral é constituída, pelo menos, por um presidente e um secretário.

2 - O contrato de sociedade pode determinar que o presidente, o vice-presidente e os secretários da mesa da assembleia geral sejam eleitos por esta, por período não superior a quatro anos, de entre accionistas ou outras pessoas.

3 - No silêncio do contrato, na falta de pessoas eleitas nos termos do número anterior ou no caso de não comparência destas, serve de presidente da mesa da assembleia geral o presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão e de secretário um accionista presente, escolhido por aquele.

4 - Na falta ou não comparência do presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, preside à assembleia geral um accionista, por ordem do número de acções de que sejam titulares caso se verifique igualdade de número de acções, deve atender-se, sucessivamente, à maior antiguidade como accionista e à idade”.

Ora, perante o disposto na norma citada, pensamos ser correcto o entendimento plasmado na decisão recorrida.

De facto, o que ali se dispõe é que, no silêncio do contrato e na falta – ou não comparência – de pessoas eleitas para a mesa da assembleia geral, as funções correspondentes aos cargos obrigatórios (presidente e secretário) serão exercidos pelas pessoas ali designadas e pela ordem enunciada, pelo que as funções de presidente da mesa serão exercidas pelo presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão e, caso estes não existam ou não compareçam, por um accionista nos termos previstos no nº4.

Mas a atribuição das funções de presidente às pessoas ali mencionadas (presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão ou, na falta destes, um accionista) pressupõe – como resulta da norma citada – que não exista ou não compareça nenhuma pessoa que tenha sido eleita para a mesa da assembleia geral, sendo certo que, enquanto tal seja possível, as funções de presidente devem ser atribuídas a quem já faz parte da mesa por para tal ter sido eleito, seja ao vice-presidente (se existir), seja ao secretário.

Pensamos, na verdade, que essa é a interpretação que melhor se compatibiliza com a letra da lei e a aquela que terá estado subjacente ao espírito do legislador, sendo certo que não fará muito sentido chamar ao exercício das funções de presidente uma pessoa externa à mesa que não foi sujeita a qualquer escrutínio quando existem pessoas (o vice-presidente ou, se este não existir, o secretário) que, por já fazerem parte da mesa da assembleia geral, poderão exercer essas funções com maior competência e maior legitimidade, por estarem mais familiarizados com o seu funcionamento e por terem passado por uma eleição que os designou para ocupar um cargo na mesa.

Neste sentido se pronuncia Paulo Olavo Cunha[1] no excerto que, pela sua relevância, passamos a reproduzir:

Na ausência do presidente, a assembleia é conduzida pelo vice-presidente ou, na falta deste, pelo secretário da mesa; e não pelo presidente do conselho fiscal e muito menos pelo fiscal único. Fundamentamos esta nossa interpretação no elemento histórico (a contrario) e na própria letra da lei atual (cfr. art. 374.º, n.º 3). Isto é, a lei anterior (ao Código das Sociedades Comerciais) impedia, implicitamente, o secretário da mesa de dirigir os trabalhos na falta do presidente (e do vice-presidente) da mesa, ao cometer esse encargo ao maior acionista (cfr. art. 182.º § 2.º do CCom), ao mesmo tempo que previa um regime especificamente aplicável à substituição do próprio secretário (cfr. art. 182.º § 3.º do CCom). A lei atual não só eliminou essa limitação – em coerência com o reconhecimento de que a mesa constitui um verdadeiro subórgão societário –, como previu expressamente que os presidentes do conselho fiscal (e agora também da comissão de auditoria) ou do conselho geral e de supervisão, sirvam de presidente da mesa da assembleia geral na falta ou na não comparência de pessoas eleitas nos termos do nº 2 do artigo 374.º, isto é, quando não estiver presente na assembleia geral qualquer membro da mesa, incluindo o respectivo secretário.

Assim, só nesse caso – falta ou ausência de qualquer membro da mesa – cumprirá ao presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, conforme o modelo de governação da sociedade em causa (coadjuvado por um accionista presente por ele escolhido), dirigir os trabalhos”.

  No mesmo sentido se pronuncia Paulo de Tarso Domingues quando afirma[2]:

Tenha-se, contudo, presente que o secretário permanente da mesa poderá ser chamado – na ausência do presidente permanente eleito pelos sócios – a exercer as funções de presidente da mesa. Na verdade, o artigo 374º, 3 estabelece que o presidente do órgão de fiscalização só deve assumir a presidência da assembleia “na falta de pessoas eleitas nos termos do número anterior”. Ora, no nº 2 da norma inclui-se o presidente, o vice-presidente e os secretários. Por isso, na ausência dos primeiros (do presidente e, se o houver, do vice-presidente), incumbirá ao secretário eleito pelos sócios assumir a presidência da assembleia”.   

Assim, na falta do presidente da mesa da assembleia geral da Requerida (que havia renunciado ao cargo) e não existindo – porque não havia sido eleito – vice-presidente, cabia, efectivamente, ao secretário da mesa (eleito) assumir as funções de presidente da mesa.

E cabendo ao secretário assumir e exercer as funções de presidente da mesa da assembleia geral, também tinha competência, nessa qualidade, para convocar a assembleia geral (cfr. artigo 377º, nº 1, do CSC)[3].

Assim, porque o Apelante foi convocado para a Assembleia por carta subscrita pelo secretário da mesa, na qualidade de presidente interino da mesa da assembleia geral, impõe-se concluir – como se concluiu na decisão recorrida – que o Apelante foi regularmente convocado para a aludida Assembleia (a convocatória foi subscrita – conforme referimos – por quem detinha, naquele momento, a competência para o efeito e não foi invocada qualquer outra circunstância que seja susceptível de afectar a regularidade dessa convocatória).

Nessas circunstâncias e não se verificando a situação prevista na 2ª parte do nº 3 do artigo 380º do CPC (falta de convocação regular), o prazo de dez dias para requerer a suspensão das deliberações contava-se a partir da data em que foi realizada a Assembleia onde foram tomadas tais deliberações, nos termos da 1ª parte do citado nº 3 do artigo 380º.

Ora, sendo certo que a Assembleia foi realizada em 27/06/2018, o referido prazo de dez dias terminava em 09/07/2018 (2ª feira) e, como tal, à data em que o Requerente/Apelante veio instaurar o presente procedimento cautelar (30/07/2018) já estava largamente ultrapassado o referido prazo.

Importa notar, além do mais, que, ainda que a convocatória não fosse regular – por se considerar (como considera o Apelante) que o secretário da mesa da assembleia não tinha competência para a emitir –, sempre seria de considerar que o prazo em questão se contava da data de realização da assembleia.

Ao determinar que o prazo se conta da data do conhecimento da deliberação quando o requerente não foi regularmente convocado para a assembleia onde foi tomada a deliberação, o que o legislador pretendeu foi assegurar a efectividade do direito de requerer essa suspensão a quem não teve conhecimento oportuno dessa deliberação por não ter sido regularmente convocado para a assembleia. Mas, sob pena de abusos injustificados e inerentes prejuízos para a sociedade, o alargamento desse prazo não deverá, na nossa perspectiva, ser aplicável quando a irregularidade da convocatória não teve idoneidade para impedir o sócio/accionista de tomar efectivo conhecimento da realização da assembleia e das deliberações que nela foram tomadas.

A propósito desta matéria, diz Coutinho de Abreu[4]:

…não será qualquer irregularidade na convocação que leva à contagem do prazo de dez dias a partir da data em que o requerente teve conhecimento da deliberação. Compreende-se que seja assim, por exemplo, nos casos em que o sócio não foi convocado, a convocatória não continha na ordem do dia o assunto sobre que foi adotada a deliberação, ou a convocatória, por falta de forma exigida, não chegou (ou podia não chegar) ao sócio – e, em qualquer destes casos, o sócio requerente da providência cautelar não participou da assembleia. Não assim nos casos em que, apesar da irregularidade na convocação, o sócio (ausente) soube da realização da assembleia para se deliberar sobre determinados assuntos”.

Mais diz o citado autor[5] – ainda que a propósito do prazo para a acção anulatória, mas com total pertinência a propósito do prazo para requerer a suspensão da deliberação – “…que não é qualquer irregularidade na convocação que permitirá a um sócio arguir a anulabilidade em prazo de trinta dias que só começa a correr a partir da data em que tome conhecimento da deliberação. Só será assim quando a irregularidade impeça o sócio de participar na assembleia e de, por isso, tomar então conhecimento do que aí se deliberou. Um sócio convocado, ainda que irregularmente, de modo a saber que em certa data haverá assembleia para se deliberar sobre determinados assuntos fica ciente do ónus de, não participando nela, informar-se sobre o que foi deliberado”.

Ora, no caso que analisamos, o Requerente/Apelante recebeu a convocatória para a Assembleia onde veio a ser tomada a deliberação que agora pretende ver suspensa e que incidiu sobre assunto que constava da ordem de trabalhos mencionada na convocatória; após recepção da convocatória, o Apelante enviou carta para a sede da Requerida solicitando a presença de notário na reunião; o Apelante nada disse, nessa ocasião (ou antes da assembleia), a propósito de qualquer irregularidade na convocatória e compareceu na data e local designados para a realização da Assembleia.

O Apelante tomou, portanto, conhecimento da Assembleia e dos assuntos que nela iriam ser objecto de deliberação e esteve, efectivamente, presente em tal Assembleia. É certo que não estava presente quando foi tomada a deliberação porque, entretanto, abandonou a Assembleia. Mas a verdade é que, não obstante se tivesse arrogado presidente da mesa e nessa qualidade tivesse declarada encerrada a Assembleia, é o próprio Apelante que alega (no artigo 55º da sua petição inicial) ter sido avisado pelo secretário da mesa – que se assumia (legitimamente como vimos) como presidente da mesa – que a Assembleia iria continuar.

Nessas circunstâncias, o Apelante não poderá legitimamente afirmar que só mais tarde (quando consultou a certidão permanente da Requerida) tomou conhecimento da deliberação, para o efeito de poder beneficiar de prazo mais alargado para requerer a suspensão de tal deliberação. Na verdade, o Apelante teve conhecimento da Assembleia, esteve presente e se não tomou conhecimento efectivo da deliberação nessa data foi apenas porque entendeu abandonar o local. De qualquer forma, tendo sido avisado que a Assembleia iria prosseguir, tinha todos os elementos para concluir – ou pelo menos, presumir – que iria ser tomada uma deliberação e, portanto, tinha o ónus de se informar sobre aquilo que se havia passado na sua ausência e sobre o teor de qualquer deliberação que tivesse sido tomada.

Concluimos, portanto, em face do exposto, que caducou, efectivamente, o direito de requerer a suspensão das deliberações sociais aqui em causa por ter decorrido o prazo previsto no artigo 380º do CPC.

Consequentemente, confirma-se a decisão recorrida, ficando prejudicada a apreciação das demais questões que eram suscitadas no recurso.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Em caso de falta ou não comparência do presidente da mesa da assembleia geral, a atribuição das respectivas funções às pessoas mencionadas nos nºs 3 e 4 do artigo 374º do Código das Sociedades Comerciais (presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão ou, na falta destes, um accionista) pressupõe que não exista ou não compareça nenhuma pessoa que tenha sido eleita para a mesa da assembleia geral; enquanto tal seja possível, as funções de presidente devem ser atribuídas a quem já faz parte da mesa por para tal ter sido eleito, seja ao vice-presidente (se existir), seja ao secretário;

II – Nessas circunstâncias, faltando (ou não existindo) o presidente da mesa e o vice-presidente, tais funções são atribuídas ao secretário da mesa que, nessa qualidade, também terá competência para convocar a assembleia geral (cfr. artigo 377º, nº 1, do CSC);

III – A irregularidade da convocatória que releva para efeitos de contagem do prazo previsto no artigo 380º do CPC (prazo para requerer a suspensão das deliberações sociais) é apenas a irregularidade que tem idoneidade para impedir o sócio/accionista de tomar efectivo conhecimento da realização da assembleia e das deliberações que nela foram tomadas; se o sócio toma efectivo conhecimento da realização da assembleia e da respectiva ordem de trabalhos e se nela comparece, a mera circunstância de a abandonar não lhe permitirá invocar o desconhecimento da deliberação que aí venha a ser tomada sobre assunto que constava da ordem de trabalhos e, portanto, ainda que a convocatória padecesse de alguma irregularidade, o prazo para requerer a suspensão da deliberação deverá ser contado a partir da data da assembleia nos termos previstos na 1ª parte do nº 3 do citado artigo 380º. 


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

                              Coimbra, 2019/02/20

                                         Maria Catarina Gonçalves ( Relatora )

                                          Ferreira Lopes

                                           Freitas Neto


[1] Direito das Sociedades Comerciais, 5ª edição, págs. 572 e 573.
[2] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. VI, Almedina, 2013, pág. 52.
[3] Neste sentido, Paulo Olavo Cunha, ob. cit., pág. 648 e Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, 2005, pág. 575.
[4] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2ª edição, pág. 733.
[5] Ob. cit. pág. 726.