Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
216/15.5T8GRD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: NOTA DE CUSTAS DE PARTE
INCIDENTE DA RECLAMAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
COMPROVATIVO
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 25 Nº1 RCP, 145, 352, 558, 560, 570, 642 CPC
Sumário: As normas aplicáveis, relativamente à omissão da junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de justiça no incidente de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte (n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento de Custas Processuais), são as previstas nos artigos 570.º e 642.º Código de Processo Civil e não as previstas para a omissão em causa atinente à petição inicial (artigos 145.º, n.º 3, 552.º, n.º 3, 558.º, al. f) e 560.º, do mesmo código, devendo a secretaria, detetada a omissão, notificar o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, com acréscimo da multa devida.
Decisão Texto Integral:







I. Relatório

a) O presente recurso respeita ao despacho que a seguir se reproduz, o qual incidiu sobre o requerimento de reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentado pela recorrente.

A sequência de atos processuais foi esta:

No dia 19 de dezembro de 2018, a recorrente reclamou da nota discriminativa e justificativa de custas de partes apresentada pela co-ré I (…) Engenheiros, Lda., tendo concluído nestes termos:

«9. Deste modo, atenta a referida intempestividade do requerimento apresentado pela R., requer-se a V.Exa. se digne admitir que o mesmo não produz quaisquer efeitos».

Em 9 de janeiro foi proferido este despacho:

«Relativamente ao incidente de impugnação da nota discriminativa de custas de parte e à oposição subsequente, não tendo as partes autoliquidado e pago a taxa de justiça devida pelo incidente, notifique-as para, em 10 dias, documentarem o pagamento devido, sob pena de não se considerar a respetiva pretensão/oposição».

A expedição da notificação deste despacho foi certificada no sistema Citius com a data de 10 de janeiro de 2019.

O despacho sob recurso foi proferido no dia 29 de janeiro de 2019 e tem este teor:

«Despacho.

A autora vem reclamar da nota discriminativa de custas de parte apresentada pela ré (…), tendo-o feito sem documentar o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente.

O tribunal convidou-a a documentar o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente.

A autora/requerente não documentou o pagamento da taxa de justiça devida.

Assim, nos termos dos artigos 33º/1 e 4 da Portaria 419-A/2009, de 17 de abril, 6º/1, 7º/4 e 31º do Regulamento das Custas Processuais e 145º/3, 552º/3, 558º/f) e 560º do Código de Processo Civil, não tendo a reclamante documentado o pagamento da taxa de justiça devida no momento da prática do ato, nem nos 10 dias concedidos pelo tribunal para esse feito, o tribunal não admite a reclamação apresentada, determinando o seu desentranhamento.

Notifique».

A expedição da notificação deste despacho foi certificada no sistema Citius com a data de 30 de janeiro de 2019.

b) Como se disse, o recurso respeita a este despacho e as conclusões são as seguintes:

«1. O presente recurso tem por objeto toda a matéria constante do despacho de fls … e seguintes, – ref. 26665254 - pois, entende a recorrente que no mesmo se cometeram erros na apreciação e aplicação da matéria de direito, impondo-se, por isso, uma solução inversa à decidida no despacho ora impugnado, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura.

2. Por força das disposições conjugadas dos artigos 145.º n.º 1 e 539.º n.º 1 do Código de Processo Civil e artigo 31.º n.º 6, 1ª parte do Regulamento das Custas Processuais, a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte consubstancia um incidente processual inominado, e, por isso, está sujeito ao pagamento da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo seu valor mínimo previsto na tabela II que faz parte integrante do Regulamento das Custas Processuais, nos termos do artigo 7.º n.º 4 do mesmo diploma.

3. Dispõe, no entanto, o artigo 145.º n.º 3 do Código de Processo Civil que sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção no prazo de 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º do mesmo código.

4. Nos termos dos referidos artigos 570.º n.º 3 e 642.º n.º 1 do Código de Processo Civil (para os quais remete o supra citado preceito legal) quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito – no caso concreto, até 11 de Janeiro de 2019 - a secretaria judicial notifica o interessado para, em dez dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1UC nem superior a 5 UC.

5. Da análise dos referidos preceitos legais, conclui-se que, sempre que a parte não junte aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo estipulado, antes de ser rejeitado o ato processual, o tribunal deve conceder à parte a possibilidade de efetuar o pagamento em falta acrescido de uma multa.

6. Nos presentes autos, apesar de efetivamente, no seu despacho de 9 de Janeiro de 2019 – ref. 26616300 – o tribunal a quo ter ordenado que a recorrente documentasse o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação (quando ainda estava a decorrer o prazo para a mesma juntar aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça em singelo, isto é, sem multa) o certo é que, em incumprimento do disposto nos artigo 570.º n.º 3 e 642.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o mesmo não concedeu à recorrente a possibilidade de efetuar o pagamento omitido com o acréscimo de multa, pois, após ter ordenado que a mesma juntasse aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, rejeitou a sua reclamação, sem, repete-se, lhe ter dado a possibilidade de efetuar o pagamento em falta acrescido de multa.

7. Por ser violador dos artigos 145.º n.º 3, 570.º n.º 3 e 642.º do Código de Processo Civil, na medida em que, não tendo a recorrente junto aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte, a secretaria deveria ter notificado a mesma para efetuar o pagamento omitido com o acréscimo de multa, juntando aos autos o respetivo documento comprovativo, deverá o despacho ser julgado NULO, e de nenhum efeito.

8. O despacho sob censura, violou o disposto no artigo 145.º n.º 3, 570.º n.º 3 e 642.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

NESTES TERMOS,

e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provada e, em consequência, ser o despacho recorrido declarado nulo e de nenhum efeito, ou, sucedaneamente, ser revogado e substituído por outro que admita a reclamação apresentada pela recorrente, por já se encontrar paga a taxa de justiça, acrescida de multa, como aliás é de, DIREITO E DE JUSTIÇA».

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o presente recurso coloca apenas uma questão que é esta:

Saber se o tribunal antes de ter rejeitado a reclamação, por não estar no processo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, devia ter notificado a requerente, nos termos dos artigos 570.º, n.º 3, e 642.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, para pagar a taxa de justiça em falta e respetiva multa.

Por outras palavras, cumpre verificar se ao caso da omissão do comprovativo do pagamento desta taxa de justiça se aplicam as regras previstas no Código de Processo Civil para a petição inicial, como resulta das normas deste código aplicadas no despacho recorrido, isto é, as dos artigos 145.º, n.º 3, 552.º, n.º 3, 558.º, al. f) e 560.º, ou se se aplicam as normas dos artigos 570.º e 642.º, também do Código de Processo Civil.

III. Fundamentação

a) Matéria de facto processual

A matéria a considerar é de natureza processual e consta do relatório que antecede.

b) Apreciação da questão objeto do recurso

Vejamos então se antes de ter rejeitado a reclamação, por não estar no processo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, o tribunal devia ter notificado a requerente, nos termos dos artigos 570.º, n.º 3, e 642.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, para pagar a taxa de justiça em falta e respetiva multa.

Nos termos do n.º 4 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, «Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º do RCP».

A reclamação da conta é um incidente processual (cfr. artigo 31.º, n.º 6, do RCP) e, como tal, está sujeito ao pagamento de taxa de justiça prevista na Tabela II (Outros incidentes) que varia entre 0,5 UC e 5 UC.

Sendo assim, um requerente deve pagar a quantia de 0,5 UC, nos termos do n.º 6 do artigo 6.º do RCP, quando apresenta a reclamação.

Não vem questionada no recurso esta disciplina processual.

A falta do comprovativo da taxa de justiça vem regulada, em geral, no artigo 145.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, nestes termos:

«Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º».

A cominação prevista no artigo 570.º do Código de processo Civil, consta do seu n.º 3, nestes termos:

«Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».

A cominação prevista no artigo 642.º do Código de processo Civil, consta do seu n.º 1, e é idêntica:

«Quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».

Verifica-se, por conseguinte, que a omissão da junção do documento atinente ao pagamento da taxa de justiça devida pela reclamação relativa à nota justificativa, implica soluções distintas, consoante se equipare ou não esta reclamação a uma petição inicial.

Como se disse, o tribunal equiparou a reclamação à petição inicial, pois convidou a parte a documentar o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente, sob pena de rejeição da reclamação.

Vejamos então.

Afigura-se que não deve fazer-se a equiparação desta reclamação a uma petição inicial, pelas seguintes razões:

 Em primeiro lugar, a dedução do incidente ocorre no âmbito de um processo em curso e, por isso, está sujeito a um prazo processual, no caso de 5 dias, nos termos definidos no n.º 1 do artigo 25.º do RCP, onde se dispõe que «Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa».

A petição inicial não se encontra sujeita a um prazo processual, podendo estar submetida a um prazo substantivo nos casos em que é a própria lei substantiva a definir o prazo para a instauração da ação, como ocorre, por exemplo, com o prazo de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, para instaurar ação de indemnização com base em responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos.

Em segundo lugar, a recusa da petição inicial não implica a impossibilidade de renovação do ato, como se vê pelo disposto no artigo 560.º do Código de processo Civil, cuja redação é a seguinte:

«O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º [trata-se do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça], dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo».

O mesmo não ocorre com a recusa da reclamação contra a nota discriminativa e justificativa, pois a mesma tem um prazo processual preclusivo para ser apresentada, que é de 5 dias.

Por conseguinte, se o ato praticado nesses 5 dias vier a perecer pelo facto de não ser junto ao processo o documento relativo à taxa de justiça, fica precludido o direito de o praticar mais tarde, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que determina que «O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato».

Por isso, não é aplicável ao requerimento de reclamação da nota discriminativa e justificativa o benefício concedido ao autor no referido artigo 560.º do Código de Processo Civil, quando este não juntou com a petição o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Feita esta comparação, verifica-se que não é adequado equiparar a reclamação em causa a uma petição inicial e, sendo assim, não deve aplicar-se a esta reclamação a regra especial prevista para a petição, mas sim as regras gerais relativas aos restantes atos, nos termos previstos no artigo 145.º, n.º 3, 570.º e 642.º, todos do Código de Processo Civil.

Concluindo.

Assiste razão à Recorrente no sentido de que o tribunal a devia ter notificado «…para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».

No caso dos autos, esta notificação não ocorreu.

Procede, pois, o recurso, cumprindo revogar o despacho recorrido para que o processo prossiga segundo o procedimento mencionado nos artigos 570.º, n.º 3, e 642.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se o despacho recorrido para que o processo prossiga segundo o procedimento mencionado nos artigos 570.º, n.º 3, e 642.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

Custas pelo vencido a final.


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Coimbra, 26 de março de 2019

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo