Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1240/12.5PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS74º Nº 1 A), B) E C) CP E 280º Nº 1 CPP
Sumário: O arquivamento do inquérito por crime relativa­mente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa de pena, só pode ocorrer, caso se verifiquem os pressupostos dessa dispensa:
- se a ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
- se o dano tiver sido reparado;
- e se não houver razões de prevenção que se oponham a essa dispensa.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

1. Nos autos de processo de inquérito nº 1240/12.5PBVIS a correr termos na secção de processos dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Viseu,

Findo o respectivo inquérito, pelo Ministério Público foi determinado o arquivamento dos autos com o fundamento na verificação dos respectivos pressupostos para a dispensa de pena, quanto aos crimes de ofensas à integridade física simples que então se indiciavam.

2. Este arquivamento mereceu a concordância da Srª Juiz de instrução, que também entendeu verificarem-se os respectivos pressupostos.

3. Entretanto, a assistente A..., melhor id. nos autos, na sua qualidade de ofendida e assistente, veio interpor recurso deste despacho judicial de concordância com o arquivamento determinado pelo Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

I.

VEM O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DO DESPACHO DA M.MA JUIZ DE
INSTRUÇÃO
A QUO, DE CONCORDÂNCIA COM O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO, POR DISPENSA DE PENA, PROPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, QUANTO AO CRIME DE OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA QUE VINHA IMPUTADO À ARGUIDA B...;

II.

O INSTITUTO DA DISPENSA DA PENA ESTÁ, CONFORME DECORRE DA LEI, PREVISTO PARA OS ILÍCITOS DE REDUZIDA DIGNIDADE PENAL, EM QUE A ILICITUDE DO FACTO E A CULPA DO AGENTE SÃO DIMINUTAS E EM QUE NÃO SE VERIFICA A OCORRÊNCIA DE QUAISQUER DANOS OU SE VERIFICA A SUA REPARAÇÃO INTEGRAL PELO AGENTE (CFR. ALS. A) A C) DO N.° 1 DO ART. 74.° DO C.P.);

III.

TAL NÃO É, MANIFESTAMENTE, O CASO DOS PRESENTES AUTOS, ATENTA A GRAVIDADE DA AGRESSÃO, PERPETRADA PELA ARGUIDA B..., QUE PROVOCOU GRAVES LESÕES CORPORAIS À ASSISTENTE, E QUE DEMANDOU QUE ESTA FOSSE, DE IMEDIATO, ASSISTIDA PELO INEM E CONDUZIDA, DE URGÊNCIA, AO HOSPITAL DE S. TEOTÓNIO, ONDE, ALÉM DE EFECTUAR DIVERSOS EXAMES, TEVE AINDA DE SER SUBMETIDA A UMA PEQUENA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA (SUTURA NO NARIZ);

IV.

ACRESCE QUE A ASSISTENTE TEVE, AINDA, DE SUPORTAR DIVERSOS CUSTOS ASSOCIADOS À ASSISTÊNCIA MÉDICA DE QUE CARECEU (CFR. DOC. N.° 2 E 3), FICOU COM O SEU VESTUÁRIO RASGADO, PERDEU PARTE DO SEU RENDIMENTO MENSAL (CFR. DOC. N.° 4), EM VIRTUDE DE BAIXA MÉDICA E SOFREU DANOS NÃO PATRIMONIAIS RELEVANTES, OS QUAIS NÃO FORAM, DE FORMA ALGUMA, RESSARCIDOS PELA ARGUIDA B...;

V.

A REPARAÇÃO DO DANO É “CONDITIO SINE QUA NON’ PARA A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DISPENSA DA PENA, PELO QUE NÃO SE VERIFICANDO A MESMA NOS PRESENTES AUTOS, ENCONTRA-SE VEDADA AO MINISTÉRIO PÚBLICO A SUA APLICAÇÃO E À M.MA JUIZ A QUO A CONCORDÂNCIA COM A MESMA, INCASU.

VI.

ADEMAIS, CONSIDERANDO AS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELA ORA ASSISTENTE, PELA OFENDIDA C... E PELA TESTEMUNHA D...(A FLS. 127), SEMPRE ESTARIA, INCLUSIVAMENTE, EM CAUSA A VERIFICAÇÃO DAS AIS. A) E B) DO N.° 3 DO ART. 143.° DO C.P.;

VII.

A POSSIBILIDADE DE DISPENSA DE PENA, PREVISTA NO ART. 280.° DO C.P., FOI, INEQUIVOCAMENTE, CONCEBIDA PARA ILÍCITOS DE ESCASSA RELEVÂNCIA PENAL E SOCIAL, DE DIMINUTA ILICITUDE E CULPA DO AGENTE, DE INEXISTÊNCIA DE DANOS OU DO SEU RESSARCIMENTO INTEGRAL PELO AGENTE E NÃO PARA SITUAÇÕES DE OFENSA À
INTEGRIDADE FÍSICA COM A GRAVIDADE DESCRITA, COM AS CONSEQUÊNCIAS E OS DANOS ENUNCIADOS E NAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE AQUELA OCORREU;

VIII.

O DESPACHO DA M. JUIZ DE INSTRUÇÃO A QUO, DE CONCORDÂNCIA COM O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS POR DISPENSA DE PENA, VIOLOU, DESIGNADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTS. 74º E 143. °, AMBOS DO C.P. E DO ART. 280.° DO C.P.P.;

IX.

PELO QUE SE IMPÕE, ATENTO O EXPOSTO E AS NORMAS LEGAIS APLICÁVEIS, A REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE NÃO CONCORDE COM O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS, QUANTO AO CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA DE QUE FOI VÍTIMA A ASSISTENTE, POR PARTE DA ARGUIDA B..., TUDO COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.
           
4. O Ministério Público respondeu ao recurso, dizendo o seguinte:

            Ora, com todo o respeito, e como já havíamos referido no nosso despacho que determinou tal arquivamento, dos autos resulta suficientemente indiciada a existência de agressões mútuas entre a assistente e sua filha, por um lado, e a ofendida B...por outro, sendo que cada uma destas partes faz recair sobre a outra a culpa pelo início da contenda.
            Quanto a testemunhos, veja-se que para além das três ofendidas, que são simultaneamente
arguidas, apenas foram inquiridos: F... (cunhado da A... e tio da C... ), que nos relatou ter havido agressões mútuas, tendo visto a assistente cair ao chão e a sua filha C... interpor-se, tentando separar a B...da sua mãe; E..., que conhece a assistente, mas nada viu das agressões e D... , vizinha da assistente e da filha desta, que não viu as agressões, tendo relatado o que ouvira dizer sem esclarecer quem lho contara.
            Face a tais relatos, mantemos que não há qualquer motivo para darmos mais credibilidade ao depoimento da recorrente e da sua filha do que ao depoimento da ofendida/arguida B... , aliás, corroborado pela testemunha F... , e assim uma vez mais concluirmos que
as agressões foram mútuas e não foi possível apurar quem iniciou as mesmas.
            Quanto à ilicitude dos factos, considerámos (tal como continuamos a considerar) a mesma diminuta porquanto as lesões que de tais agressões ocorreram não foram de grande monta e não passaram de meras escoriações e hematomas, apresentando a ofendida/arguida C... uma escoriação que lhe determinou 5 dias de doença todos sem qualquer incapacidade; a ofendida/arguida B...sofreu 2 escoriações e 3 hematomas, para cuja cura necessitou 8 dias de doença, o primeiro dos quais com afectação paro o trabalho geral mas todos sem afectação do trabalho profissional e a recorrente sofreu uma ferida contusa suturada na base da pirâmide nasal, 2 escoriações superficiais e 5 hematomas, cuja cura demandaram 20 dias de doença, sendo os primeiros 5 com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional.
            Nenhuma das três ficou com quaisquer consequências permanentes.
            Relacionado com esta escassa extensão dos danos causados (e impõe-se referir que se a recorrente ficou com roupa rasgada também a rasgou à ofendida B... ), há ainda que considerar o facto de que a recorrente caiu ao chão, e que entre si e a B...se interpôs a arguida/ofendida C... . Ora, é por demais sabido que nestas situações de agressões mútuas acaba por não se saber muito bem quem concretamente provocou cada uma das Iesões ou se acaso algumas dessas escoriações sofridas não acabam por ser consequência da acção da própria ofendida (veja-se que dos autos não se consegue perceber se foi a B...que empurrou a A... para o chão ou antes acabaram por cair as duas em virtude de estarem agarradas a lutar, também acabamos por não saber se as lesões que a recorrente sofreu acaso não resultaram dos seus próprios movimentos a debater-se com a outra, tão pouco nos parece que tal pudesse vir a ser apurado em sede de audiência de julgamento face aos já aludidos depoimentos das testemunhas inquiridas).
            No que concerne à culpa das arguidas, é a mesma tida por diminuta porquanto agiram as três em clima de grande exaltação, ofendendo-se umas às outras, tendo por início da discussão a relação amorosa que as arguidas B...e A... teriam tido com o mesmo homem, pelo que o comportamento de uma (e, repetimos, não se apurou qual foi a causadora da contenda) sempre será efeito/reacção ao comportamento da outra.
            Por último, quanto à reparação dos danos, se é certo que os danos sofridos por cada uma das ofendidas (e não apenas pela recorrente) não se encontram reparados, é igualmente verdade que também isso foi explicado no nosso despacho de arquivamento. Com efeito, tivemos em devida conta que não houve lugar à reparação de nenhum dano, mas explicámos também que perante os elementos já juntos aos autos, dificilmente se logrará provar em sede de audiência até que ponto cada uma das três arguidas é responsável pelos danos sofridos pelas outras.
            E, sem nos querermos repetir, uma vez mais convocamos
o facto de estarmos perante lesões recíprocas, em cujo cenário cada ofendida é igual e simultaneamente agressora, e que por vezes acaba por se magoar em consequência das suas próprias reacções, acaba por se desequilibrar quando ela própria ia agredir, acaba por se magoar quando se desvia para acertar na outra, ou mesmo acaba por sair magoada quando uma terceira (no caso, a C... ) se interpõe para separar e inadvertidamente empurra ou puxa ambas.
            Por isso dizíamos, lesões todas tiveram, umas mais outras menos, mas daí sequer se pode depreender que a que teve mais ou maiores lesões tenha sido a que mais foi agredida, danos na roupa e danos morais também todas apresentaram, tendo igualmente todas declarado pretenderem ser ressarcidas por tais danos,
O grande problema que se coloca é o de conseguir fazer uma imputação objectiva dos danos de cada uma à concreta conduta das outras, o que, na dúvida, nos deixará por certo na situação de não conseguir estipular tal reparação se não por recurso à equidade e, nesse caso, parece-nos pois que a solução do arquivamento por dispensa de pena será a que acaba por reflectir a melhor justiça material do caso concreto, deixando cada uma das lesadas/arguidas com os respectivos danos, sem reparação mas também sem obrigação de reparar, em clara alusão ao aforismo latino “suum cuique tribuere’
           
A este propósito não podemos deixar de referir que nos parece de todo despropositada a pretensão da recorrente em ser indemnizada pela quantia remuneratório que deixou de auferir por ter estado 2 meses de baixa. Perguntamos nós, a que título esteve aquela 2 meses de baixa se, em consequência das lesses causadas aquando das agressões aqui participadas entendeu o IML que teria estado apenas 5 dias com afectação da sua capacidade para o trabalho profissional e geral?
            Salvo o devido respeito, a baixa por 2 meses não nos parece objectivamente imputável aos factos aqui em questão, não se vendo por isso motivo para poder ser considerada em eventual ressarcimento a que pudesse ter lugar.
            Pelo que, mantendo na íntegra a decisão recorrida, e confirmando o arquivamento por dispensa de pena aqui posto em causa, Vªs Exªs farão, como sempre JUSTIÇA!

8. Nesta Relação foi emitido parecer pelo Exmº Sr. PGA, no qual se pronuncia no sentido da concordância com a resposta do MºPº em primeira instância, pelo que o recurso deverá improceder.

9. Foram os autos a vistos e procedeu-se a conferência.


II

1. É do seguinte teor o despacho do Ministério Público que determinado o arquivamento dos autos com o fundamento na verificação dos respectivos pressupostos para a dispensa de pena, quanto aos crimes de ofensas à integridade física simples que então se indiciavam:

            “ A..., veio, a fls. 4, participar criminalmente contra B..., a quem imputou a prática dos seguintes factos:
            No dia 18 de Agosto de 2012, cerca das 1 6h00m, na Rua Tenente Manuel Joaquim, frente ao café Praça de Goa 2, nesta cidade e comarca, a denunciada a injuriara, proferindo expressões que a ofenderam na sua honra e consideração, e de seguida a agredira fisicamente, ficando com ferimentos na cabeça, na zona da face e do couro cabeludo, pelo que teve de ser medicamente assistida no Serviço de Urgências do Hospital de Viseu, para onde foi transportada pelo INEM.
            A fls.9, também C... (filha da denunciante A...) participou contra a mesma denunciada B...porquanto nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar aquela a teria agredido fisicamente, causando-lhe ferimentos na zona do nariz e danificando-lhe duas peças de vestuário que envergava (designadamente, o soutien e o top) avaliados no valor total de 80,00€

            Por sua vez, B... veio a fls. 15 participar criminalmente contra A... e C... , alegando que nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, se dirigiu à primeira avisando-a de que quando se cruzassem na rua que ela não se metesse com ela, sendo que a denunciada C... , sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe uma bofetada na face esquerda, fazendo com que os óculos saltassem e caíssem no chão, ficando danificados. De seguida, a denunciada A... agarrou-a pelo vestido, puxando-a e caindo ambas desamparadas no chão, sofrendo a queixosa ferimentos nos membros superiores e inferiores, apesar de não ter necessitado de tratamento médico. Mais declarou que a denunciada também a injuriou.
            As denunciadas B... , A... e C... foram constituídas arguidas e, interrogadas nessa qualidade a fls.37,
53 e 61, não tendo qualquer delas prestado declarações.
            Já quando inquiridas como ofendidas, cada uma daquelas três manteve o teor da queixa que havia feito, sendo que as denunciantes A... e C... declararam não conhecerem a B... , ao passo que esta última disse que há já cerca de um ano a A... a provocava sempre que passava por si, mais acrescentando que teria sido a C... quem iniciou as agressões.
            Foram inquiridas as testemunhas indicadas, F... , E... e D... , os quais apenas referiram terem presenciado agressões mútuas entre as três ofendidas, sem todavia concretizarem quem teria iniciado tais agressões.
            Todas as queixosas terão sido medicamente assistidas e sujeitas a exame médico legal, constatou-se que sofreram simples escoriações, sendo que as da B... lhe determinaram um período de 8 dias de doença, sendo 1 com afectação do trabalho em geral e sem afectação da capacidade para o trabalho em especial; a C... , sofreu lesões cuja cura demandaram 5 dias todos sem qualquer afectação da sua capacidade para o trabalho em geral nem profissional
e a A... careceu de 20 dias para cura das suas escoriações, dos quais 5 com afectação da sua capacidade para o trabalho em geral e profissional.
            De acordo com a matéria indiciária recolhida, as arguidas/queixosas A..., C... e B... ter-se-ão agredido mutuamente, sendo certo que não foi possível apurar qual das três deu inicio àquele conjunto de agressões.
            Esta conclusão retira-se desde logo das declarações das próprias queixosa e bem assim das inquirições das testemunhas indicadas.
            Contudo, ninguém soube precisar nos autos QUEM iniciou as agressões físicas, sendo certo que foi a queixosa/arguida B... quem abordou inicialmente a queixosa/arguida A... para lhe dizer que não a voltasse a importunar (o que nos leva a concluir que as más relações já vinham de trás), abordagem que, para o presente efeito, não vem ao caso nem importa apreciar.
            Ora, estabelece o artigo 143°, n° 3, al. a) do Código Penal que “o tribunal pode dispensar de pena quando tiver havido agressões recíprocas e se não tiver provado qual deles agrediu primeiro.”
            Das diligências efectuadas no âmbito do inquérito resulta que existiram agressões de parte a parte, que as três agressoras/agredidas sofreram ferimentos diversos (todos leves), mas não foi possível apurar suficientemente qual das três mulheres na verdade deu início às mesmas agressões e quem começou a provocar quem.
            Por outro lado, atenta a pouca gravidade das lesões resultantes para as ofendidas - e considerando, ainda, que tudo aponta no sentido de que as agressões se produziram num clima de grande exaltação entre todos os intervenientes, por problemas passionais uma vez que ao que tudo indica a B... e a A... já se teriam relacionado com o mesmo homem (o tal Fernando Daniel), e há já muito mantinham más relações recíprocas, sendo que a participação da C... se terá circunstanciado apenas por aquela tomar partido e pretender defender a sua mãe, A..., revela-se substancialmente menor a censurabilidade das suas condutas.

            Em face do exposto, conclui-se que a situação dos autos tem cabimento na previsão do
artigo
280º do CPP, o qual versa sobre o arquivamento do processo em caso de dispensa de pena.
            Tal como se pode ler em Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal anotado”, 9a ed., pág.
525, “Através das disposições deste artigo, o Código avança significativamente com uma nova alternativa relativamente ao que têm sido os quadros do nosso Direito: a eventualidade de arquivamento em caso de crime a que corresponda dispensa ou isenção de pena, aqui se dando de algum modo conteúdo ao princípio da oportunidade acusatória, que porém se move dentro de critérios estritos de objectividade e de imparcialidade.
            O tratamento da pequena criminalidade e sua incidência processual, como se estabelece neste artigo e no seguinte, levou em conta experiências recentes do Direito comparado e os ensinamentos da doutrina estrangeira, quase inabarcável, e mesmo nacional, destacando-se nesta as exposições do Prof. Figueiredo Dias,
Para Uma Reforma Global do Processo Penal Português, p. 44-49 e do Dr. Manuel da Costa Andrade, O Novo Código Penal e a Moderna Criminologia, in Jornadas de Direito Criminal, ed. Centro de Estudos Judiciários, p. 205-206.”
            Por outro lado, relativamente ao artigo 143°, n°3 alínea a-) do Código Penal, escrevem Leal Henriques e Simas Santos in “O Código Penal Anotado”, 2° volume, 3 edição, página 226 e 227, que esta “situação visa contemplar aqueles casos em que
não se logrou apurar quem deu início à contenda, havendo assim falta de sustentáculo probatório quanto à determinação do grau de responsabilidade e dos motivos determinantes de cada um dos contendores, em que qualquer um deles pode ter agido em retorsão.” E mais adiante acrescentam que “este n°3 tem, pois, fim utilitário (ajuda o julgador em caso de dúvida) e função subsidiária (só funciona em última instância, isto é, quando analisada a situação, não for possível determinar a sequência das ofensas submetidas ao juízo do tribunal).
            E tem ainda uma
preocupação de justiça [atender ao modo como ocorreu a ofensa(...)]”.

            Cumpre ainda referir que também se verificam os requisitos previstos no artigo 74°, n°1, do Código Penal, ex vi, n°3 do mesmo artigo.

            Com efeito, no que concerne à ilicitude dos factos, a mesma mostra-se diminuta, atenta a brandura das agressões e as quase inexistentes consequências das mesmas.
            Quanto à
culpa das arguidas, tal como já foi supra referido, a mesma é igualmente diminuta, atento o clima de grande exaltação e em que os factos ocorreram.
            Quanto aos
danos por reparar, de notar é certo que todos os queixosos manifestaram já o seu desejo de virem a deduzir pedido de indemnização civil nestes autos, sendo que a queixosa A... foi até admitida a neles intervir como assistente.
            Todavia, do que atrás ficou dito, já se depreende da dificuldade com que, em sede de audiência de discussão e julgamento, se a ela houvesse lugar, o Tribunal se depararia para provar os mesmos danos, pois que, tendo em conta o modo como terão ocorrido as agressões (recíprocas e sem se saber quem as começou) e tendo ainda em conta que nenhum dos ofendidos tão pouco souberam precisar de forma convincente e coerente a forma como terão ocorrido as agressões, muito dificilmente se logrará provar o grau de culpa e a imputabilidade de tais danos à conduta de cada um dos intervenientes.
            No que se reporta às
exigências de prevenção, as mesmas também resultarão satisfeitas através da aplicação deste instituto, desde logo porque, para além de não se mostrarem muito acentuadas ao nível da prevenção especial, no que concerne à prevenção geral a ideia de equilíbrio e compensação que está subjacente ao instituto da dispensa de pena, que agora se aplica, será suficiente para que a colectividade interiorize o valor contido na norma jurídica.
            Pelo exposto, determino o
arquivamento dos presentes autos por dispensa de pena, nos termos do artigo 280º, n°1 do Código de Processo Penal, com referência aos artigos 143° nºs 1 e 3 alínea a-) e 74° n°s 1 e 3, ambos do Código Penal.

            Assim conclua os autos à Mm.a Juiz de Instrução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280º, n°1 do Código de Processo Penal.

            Caso o presente despacho mereça a concordância da Mm.a J.I.C., notifique os
arguidos B... , C... e B... , e a defensora desta última, nos termos do artigo 277°, nos 3 e 4 do Código de Processo Penal.
           
No tocante ao denunciado crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181°n°1 do Código Penal, notifique a assistente A..., através da sua Ilustre patrona oficiosa nomeada, para os efeitos do artigo 285°, n°1 do Código de Processo Penal, com indicação de que dos autos resultam indícios suficientes da prática de tal crime pela arguida B....
            Viseu, 18 de Outubro de 2012
            A Procuradora Adjunta”.

            2. Por sua vez, o despacho judicial recorrido tem o seguinte teor:

“No âmbito dos presentes autos, veio o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 280º, n.º 1 do Código de Processo Penal, requerer a concordância para efeitos de dispensa de pena quanto aos factos imputados às arguidas B..., A... e C... .

O crime em causa, ofensa à integridade física, previsto e punido pelo disposto no artigo 143º do Código Penal admite expressamente a dispensa de pena (artigo 143º, nº 3, alíneas a) e b) do Código Penal) nos casos em que tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro ou nos casos em que o agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.

Dos autos resulta que as arguidas agrediram-se reciprocamente, não tendo sido possível determinar quem deu início às agressões, sendo certo que estas existiram de parte a parte, mas não se descortinando quem actuou com o intuito de agredir, quem actuou ou se actuou com o intuito de se defender.

A ilicitude e a culpa são diminutas, e não se verifica pela existência de necessidade de reparação de qualquer dano, sendo que as exigências de prevenção também se situam num patamar diminuto, pelo que se considera que as mesmas ficarão devidamente acauteladas com a aplicação da dispensa de pena.

Considerando então o disposto nos artigos 74º, nºs 1 e 3 e 143º, nº 1 e 3 do Código Penal e artigo 280º do Código de Processo Penal, por se verificarem os pressupostos de aplicação da dispensa de pena aí previstos, conclui-se ser esta a medida mais adequada a aplicar ao caso concreto, pelo que se concorda com a douta posição manifestada pelo Ministério Público no sentido do arquivamento dos autos por dispensa de pena”.

III

Questões a apreciar:

A eventual verificação de todos os pressupostos para a determinação do arquivamento do processo com o fundamento na dispensa de pena, quanto aos crimes de ofensas à integridade física simples que então se indiciam.

                                                           IV

 Apreciando:

1. Está em causa nos presentes autos, a indiciação da prática de três crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo disposto no artigo 143º do Código Penal.

 Ora, nos termos do nº 3 deste preceito, o tribunal pode dispensar de pena quando:

a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou

b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.

2. Por sua vez, o artigo 280º do Código de processo Penal, sob a epígrafe, “arquivamento em caso de dispensa de pena”, dispõe nos seus nºs 1 e 2, o seguinte:

 1 - Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.
            2. Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto ela decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.

2.1. Ou seja, verificados “os pressupostos da dispensa da pena”, o processo pode ser arquivado tanto em fase de inquérito como em fase de instrução.

Se ocorrer naquela (fase de inquérito), torna-se necessária a concordância do juiz de instrução.

Se ocorrer nesta (fase de instrução), torna-se necessária a concordância do Ministério Público.

Todavia, em ambas as situações ou fase, é exigência legal a verificação dos necessários pressupostos.

2.2. Neste concreto caso, o primeiro pressuposto verifica-se[1], face aos crimes indiciados e ao previsto no mencionado nº 3, alínea a), do artigo 143º, do Código Penal.

Com efeito, tendo em conta os elementos recolhidos e existentes nos autos, tudo indica ou aponta para a existência de ter havido lesões recíprocas e não provar (no caso, indiciar) qual dos contendores agrediu primeiro.

Mas este não é o único pressuposto legalmente exigível.

Temos de levar ainda em conta os previstos no artigo 74º, do Código Penal[2] - com a epígrafe de “dispensa de pena -, alíneas a), b) e c), do nº 1 ou seja, quando:

a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;

b) O dano tiver sido reparado; e

c) À dispensa de pena não se opuserem razões de prevenção.

3. Quanto aos pressupostos das alíneas a) e c) do referenciado nº 1 do art. 74 do CP, o Ministério Público apoiou a sua posição no seguinte:

“Com efeito, no que concerne à ilicitude dos factos, a mesma mostra-se diminuta, atenta a brandura das agressões e as quase inexistentes consequências das mesmas.
            Quanto à
culpa das arguidas, tal como já foi supra referido, a mesma é igualmente diminuta, atento o clima de grande exaltação e em que os factos ocorreram.

(…)

No que se reporta às exigências de prevenção, as mesmas também resultarão satisfeitas através da aplicação deste instituto, desde logo porque, para além de não se mostrarem muito acentuadas ao nível da prevenção especial, no que concerne à prevenção geral a ideia de equilíbrio e compensação que está subjacente ao instituto da dispensa de pena, que agora se aplica, será suficiente para que a colectividade interiorize o valor contido na norma jurídica.
           
Esta posição mereceu a concordância da Srª Juiz de instrução que a propósito disse:

Dos autos resulta que as arguidas agrediram-se reciprocamente, não tendo sido possível determinar quem deu início às agressões, sendo certo que estas existiram de parte a parte, mas não se descortinando quem actuou com o intuito de agredir, quem actuou ou se actuou com o intuito de se defender.

A ilicitude e a culpa são diminutas…, sendo que as exigências de prevenção também se situam num patamar diminuto, pelo que se considera que as mesmas ficarão devidamente acauteladas com a aplicação da dispensa de pena.

3.1. Esta posição não merece censura na medida em que os indícios dos autos reflectem efectivamente uma ilicitude e culpa diminutas e não existem razões especiais de prevenção quanto a qualquer das arguidas.

Mas se é assim quanto a estes pressupostos, já nos merecem sérias reservas o decidido quanto à questão da reparação dos danos, pressuposto exigido pela alínea b), do nº 1 do artigo 74º do CP.

Os autos indiciam perfeitamente a existência de danos reparáveis quanto à recorrente A... (única de que aqui trataremos porque apenas ela recorreu).

Diz esta nas suas conclusões de recurso:

“ATENTA A GRAVIDADE DA AGRESSÃO PERPETRADA PELA ARGUIDA B..., QUE PROVOCOU GRAVES LESÕES CORPORAIS À ASSISTENTE, E QUE DEMANDOU QUE ESTA FOSSE, DE IMEDIATO, ASSISTIDA PELO INEM E CONDUZIDA, DE URGÊNCIA, AO HOSPITAL DE S. TEOTÓNIO, ONDE, ALÉM DE EFECTUAR DIVERSOS EXAMES, TEVE AINDA DE SER SUBMETIDA A UMA PEQUENA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA (SUTURA NO NARIZ);

ACRESCE QUE A ASSISTENTE TEVE, AINDA, DE SUPORTAR DIVERSOS CUSTOS ASSOCIADOS À ASSISTÊNCIA MÉDICA DE QUE CARECEU (CFR. DOC. N.° 2 E 3), FICOU COM O SEU VESTUÁRIO RASGADO, PERDEU PARTE DO SEU RENDIMENTO MENSAL (CFR. DOC. N.° 4), EM VIRTUDE DE BAIXA MÉDICA E SOFREU DANOS NÃO PATRIMONIAIS RELEVANTES, OS QUAIS NÃO FORAM, DE FORMA ALGUMA, RESSARCIDOS PELA ARGUIDA B...;

A REPARAÇÃO DO DANO É “CONDITIO SINE QUA NON’ PARA A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DISPENSA DA PENA, PELO QUE NÃO SE VERIFICANDO A MESMA NOS PRESENTES AUTOS, ENCONTRA-SE VEDADA AO MINISTÉRIO PÚBLICO A SUA APLICAÇÃO E À M.MA JUIZ A QUO A CONCORDÂNCIA COM A MESMA, IN CASU”.

3.2. O Ministério Público, ao fundamentar o despacho de arquivamento diz a propósito da reparação do dano:

“Quanto aos danos por reparar, de notar é certo que todos os queixosos manifestaram já o seu desejo de virem a deduzir pedido de indemnização civil nestes autos, sendo que a queixosa A... foi até admitida a neles intervir como assistente.
            Todavia, do que atrás ficou dito, já se depreende da dificuldade com que, em sede de audiência de discussão e julgamento, se a ela houvesse lugar, o Tribunal se depararia para provar os mesmos danos, pois que, tendo em conta o modo como terão ocorrido as agressões (recíprocas e sem se saber quem as começou) e tendo ainda em conta que nenhum dos ofendidos tão pouco souberam precisar de forma convincente e coerente a forma como terão ocorrido as agressões, muito dificilmente se logrará provar o grau de culpa e a imputabilidade de tais danos à conduta de cada um dos intervenientes.

           

Por sua vez, na resposta ao recurso da recorrente, acrescenta:

Por último, quanto à reparação dos danos, se é certo que os danos sofridos por cada uma das ofendidas (e não apenas pela recorrente) não se encontram reparados, é igualmente verdade que também isso foi explicado no nosso despacho de arquivamento. Com efeito, tivemos em devida conta que não houve lugar à reparação de nenhum dano, mas explicámos também que perante os elementos já juntos aos autos, dificilmente se logrará provar em sede de audiência até que ponto cada uma das três arguidas é responsável pelos danos sofridos pelas outras.
            E, sem nos querermos repetir, uma vez mais convocamos
o facto de estarmos perante lesões recíprocas, em cujo cenário cada ofendida é igual e simultaneamente agressora, e que por vezes acaba por se magoar em consequência das suas próprias reacções, acaba por se desequilibrar quando ela própria ia agredir, acaba por se magoar quando se desvia para acertar na outra, ou mesmo acaba por sair magoada quando uma terceira (no caso, a C... ) se interpõe para separar e inadvertidamente empurra ou puxa ambas.
            Por isso dizíamos, lesões todas tiveram, umas mais outras menos, mas daí sequer se pode depreender que a que teve mais ou maiores lesões tenha sido a que mais foi agredida, danos na roupa e danos morais também todas apresentaram, tendo igualmente todas declarado pretenderem ser ressarcidas por tais danos,
O grande problema que se coloca é o de conseguir fazer uma imputação objectiva dos danos de cada uma à concreta conduta das outras, o que, na dúvida, nos deixará por certo na situação de não conseguir estipular tal reparação se não por recurso à equidade e, nesse caso, parece-nos pois que a solução do arquivamento por dispensa de pena será a que acaba por reflectir a melhor justiça material do caso concreto, deixando cada uma das lesadas/arguidas com os respectivos danos, sem reparação mas também sem obrigação de reparar, em clara alusão ao aforismo latino “suum cuique tribuere’.
            Sobre este aspecto no despacho judicial apenas se refere que:

“…e não se verifica pela existência de necessidade de reparação de qualquer dano…”.

Ou seja, o despacho judicial é praticamente omisso quanto aos fundamentos ou razões pela não necessidade de reparação do dano. Tudo indicando que o despacho concorda com os fundamentados apresentados pelo Ministério Público na sua proposta.

3.3. Se se reparar na posição do MºPº sobre este concreto pressuposto da reparação dos danos, pelo mesmo é reconhecida a sua existência, nomeadamente quanto à recorrente A... e a vontade desta em formular tal pedido de modo a vê-los ressarcidos.

Questiona outrossim, o próprio MºPº, a dificuldade em provar os danos exactos tendo em conta o modo como ocorreram os factos, acrescentando, agora já em sede de resposta ao recurso que a única forma de conseguir reparar tais danos seria possivelmente recorrendo ao critério da equidade. E que, como todas as arguidas sofreram danos, uns mais outros possivelmente menos, não reparando não exigindo a reparação de qualquer um deles, é uma forma equitativa de solucionar a questão.

3.4. Não nos parece que esta forma de abordagem da reparação dos danos tenha sido a melhor e que a opção pela sua não reparação ou dar como assente que não haveria que reparar o que quer que fosse, satisfaça o pressuposto do artigo 74º, nº 1, alínea b), do CP.

Sobre este aspecto merece-nos relevância a referência que o Ministério Público faz no seu despacho, quando afirma:

“Por outro lado, relativamente ao artigo 143°, n°3 alínea a) do Código Penal, escrevem Leal Henriques e Simas Santos in “O Código Penal Anotado”, 2° volume, 3 edição, página 226 e 227, que esta “situação visa contemplar aqueles casos em que não se logrou apurar quem deu início à contenda, havendo assim falta de sustentáculo probatório quanto à determinação do grau de responsabilidade e dos motivos determinantes de cada um dos contendores, em que qualquer um deles pode ter agido em retorsão.” E mais adiante acrescentam que “este n°3 tem, pois, fim utilitário (ajuda o julgador em caso de dúvida) e função subsidiária (só funciona em última instância, isto é, quando analisada a situação, não for possível determinar a sequência das ofensas submetidas ao juízo do tribunal).
            E tem ainda uma
preocupação de justiça [atender ao modo como ocorreu a ofensa(...)]”.

3.5. Ora, se esta opção do legislador se justifica tendo em vista a dita preocupação de justiça, tal preocupação ocorrerá, ou deverá ocorrer para contemplar aqueles casos em que não se logrou apurar quem deu início à contenda – justificando-se deste modo os referenciados fim utilitário e função subsidiária, supra concretizados na citação feita.

Ou seja, estamos a falar de uma situação em que já se esgotou toda a produção de prova possível para apurar como os factos ocorreram, aqui incluindo os danos efectivamente sofridos e o seu modo de produção e imputabilidade.

Os autos indiciam pelo menos – mesmo sem se mostrar ainda formulado o pedido de indemnização da assistente A..., pois não lhe foi dada oportunidade processual para o efeito -, que a referida a A... careceu de 20 dias para cura das suas escoriações, dos quais 5 com afectação da sua capacidade para o trabalho em geral e profissional.

É do senso comum e da experiência normal de vida que estas lesões provocaram quer danos patrimoniais quer não patrimoniais. Com certeza que estão sujeitos a prova. Mas é desde já certo que tais danos se mostram indiciados. Quanto à dificuldade da eventual prova sobre tais danos efectivos, como se produziram ou sobretudo quem os produziu – v. averiguação do nexo de causalidade entre a conduta da arguida B... e estes danos -, julgamos que é prematuro quer o Ministério Público quer o Juiz de Instrução estarem a fazer desde já um juízo prévio sobre se os mesmos se irão provar, em que medida e a quem os imputar concretamente. Mas a verdade é que, atento o modo como os factos ocorreram e se indicia a sua prática, alguns danos serão de imputar, eventualmente ou hipoteticamente, à conduta da arguida B....

A justificação avançada pelo Ministério Público de que:

 “…uma vez mais convocamos o facto de estarmos perante lesões recíprocas, em cujo cenário cada ofendida é igual e simultaneamente agressora, e que por vezes acaba por se magoar em consequência das suas próprias reacções, acaba por se desequilibrar quando ela própria ia agredir, acaba por se magoar quando se desvia para acertar na outra, ou mesmo acaba por sair magoada quando uma terceira (no caso, a C... ) se interpõe para separar e inadvertidamente empurra ou puxa ambas”,

Afigura-se-nos, com todo o respeito, que é bastante, especulativa[3] e foge à verdadeira questão que é a de tentar averiguar quem produziu efectivamente os danos da recorrente A....

Para determinar o arquivamento com base na dispensa de pena, não exige a lei o consentimento da assistente, ora recorrente. Mas já exige a reparação dos danos por esta sofridos. São exactamente estes danos que a recorrente vem reclamar.

Este pressuposto - reparação dos danos – é tão relevante como os demais, pois é o próprio artigo 74º, nº 2, do CP que prevê expressamente o seguinte:

“Se o juiz tiver razões para crer que a reparação do dano está em vias de se verificar, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro de um ano, em dia que logo designará”.

3.6. De tudo quanto se disse, entendemos que afastar a reparação dos danos no caso concreto, é uma decisão prematura, que não satisfaz na plenitude o fim visado com a dispensa de pena.

Nem a eventual dificuldade em concretizar ou determinar tais danos é obstáculo para a solução pugnada pelo MºPº a que a Srª Juiz de instrução deu a sua concordância.

Sobre tal aspecto poderiam/deveriam ser ouvidas as arguidas/assistentes e eventualmente propor ou determinar um montante para os respectivos danos e consequente reparação. Montante que, em último caso poderia ser proposto segundo o critério de equidade. Esta formalidade não se mostra legalmente proibida.

E se tal dano fosse aceite e reparado, poderia caminhar-se para a dita dispensa de pena com o respectivo arquivamento. Caso contrário, não poderia seguir-se essa solução, por falta da verificação de um pressuposto essencial[4].

Nestes termos, entendemos que assiste razão à recorrente quanto à impugnação do despacho recorrido com a concordância do arquivamento do processo pelo Ministério Público, pois não se mostra nem verificado nem fundamentado tal pressuposto da reparação do dano.


V

Decisão:

Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso da recorrente A... e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na medida em que deu a sua concordância quanto ao arquivamento do processo pelo Ministério Público, sem que se mostre verificado o pressuposto da reparação do dano, despacho que deve ser substituído por outro em que seja negada tal concordância pelos fundamentos expostos neste acórdão.

Sem custas.

            (Relator, Luís Teixeira)

            (Adjunto, Calvário Antunes)


[1] Diz o nº 1 do art. 280º, do CPP:
“Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena…”.
[2] Neste sentido v. ac. do TRG de 23.3.2009, in CJ, 2009, T2, pg. 320, onde se decide:
II- A dispensa de pena prevista no art. 143º, nº 3, do Código Penal depende da verificação dos pressupostos constantes do artigo 74º, nº 1, do código Penal.
[3] Na verdade, tais hipóteses não se mostram minimamente indiciadas nos autos, pelo que as mesmas até ao momento, não passam disso: hipóteses sem suporte fáctico e que não deixam de fugir ao normal desenrolar dos acontecimentos.
[4] A solução seria o prosseguimento dos autos para julgamento sem prejuízo de, durante este, ainda ser possível a solução da eventual dispensa de pena.