Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS TEIXEIRA | ||
Descritores: | DISPENSA DE PENA | ||
Data do Acordão: | 07/03/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS74º Nº 1 A), B) E C) CP E 280º Nº 1 CPP | ||
Sumário: | O arquivamento do inquérito por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa de pena, só pode ocorrer, caso se verifiquem os pressupostos dessa dispensa: - se a ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas; - se o dano tiver sido reparado; - e se não houver razões de prevenção que se oponham a essa dispensa. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I 1. Nos autos de processo de inquérito nº 1240/12.5PBVIS a correr termos na secção de processos dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Viseu, Findo o respectivo inquérito, pelo Ministério Público foi determinado o arquivamento dos autos com o fundamento na verificação dos respectivos pressupostos para a dispensa de pena, quanto aos crimes de ofensas à integridade física simples que então se indiciavam. 2. Este arquivamento mereceu a concordância da Srª Juiz de instrução, que também entendeu verificarem-se os respectivos pressupostos. 3. Entretanto, a assistente A..., melhor id. nos autos, na sua qualidade de ofendida e assistente, veio interpor recurso deste despacho judicial de concordância com o arquivamento determinado pelo Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: I. VEM O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DO DESPACHO DA M.MA JUIZ DE II. O INSTITUTO DA DISPENSA DA PENA ESTÁ, CONFORME DECORRE DA LEI, PREVISTO PARA OS ILÍCITOS DE REDUZIDA DIGNIDADE PENAL, EM QUE A ILICITUDE DO FACTO E A CULPA DO AGENTE SÃO DIMINUTAS E EM QUE NÃO SE VERIFICA A OCORRÊNCIA DE QUAISQUER DANOS OU SE VERIFICA A SUA REPARAÇÃO INTEGRAL PELO AGENTE (CFR. ALS. A) A C) DO N.° 1 DO ART. 74.° DO C.P.); III. TAL NÃO É, MANIFESTAMENTE, O CASO DOS PRESENTES AUTOS, ATENTA A GRAVIDADE DA AGRESSÃO, PERPETRADA PELA ARGUIDA B..., QUE PROVOCOU GRAVES LESÕES CORPORAIS À ASSISTENTE, E QUE DEMANDOU QUE ESTA FOSSE, DE IMEDIATO, ASSISTIDA PELO INEM E CONDUZIDA, DE URGÊNCIA, AO HOSPITAL DE S. TEOTÓNIO, ONDE, ALÉM DE EFECTUAR DIVERSOS EXAMES, TEVE AINDA DE SER SUBMETIDA A UMA PEQUENA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA (SUTURA NO NARIZ); IV. ACRESCE QUE A ASSISTENTE TEVE, AINDA, DE SUPORTAR DIVERSOS CUSTOS ASSOCIADOS À ASSISTÊNCIA MÉDICA DE QUE CARECEU (CFR. DOC. N.° 2 E 3), FICOU COM O SEU VESTUÁRIO RASGADO, PERDEU PARTE DO SEU RENDIMENTO MENSAL (CFR. DOC. N.° 4), EM VIRTUDE DE BAIXA MÉDICA E SOFREU DANOS NÃO PATRIMONIAIS RELEVANTES, OS QUAIS NÃO FORAM, DE FORMA ALGUMA, RESSARCIDOS PELA ARGUIDA B...; V. A REPARAÇÃO DO DANO É “CONDITIO SINE QUA NON’ PARA A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DISPENSA DA PENA, PELO QUE NÃO SE VERIFICANDO A MESMA NOS PRESENTES AUTOS, ENCONTRA-SE VEDADA AO MINISTÉRIO PÚBLICO A SUA APLICAÇÃO E À M.MA JUIZ A QUO A CONCORDÂNCIA COM A MESMA, INCASU. VI. ADEMAIS, CONSIDERANDO AS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELA ORA ASSISTENTE, PELA OFENDIDA C... E PELA TESTEMUNHA D...(A FLS. 127), SEMPRE ESTARIA, INCLUSIVAMENTE, EM CAUSA A VERIFICAÇÃO DAS AIS. A) E B) DO N.° 3 DO ART. 143.° DO C.P.; VII. A POSSIBILIDADE DE DISPENSA DE PENA, PREVISTA NO ART. 280.° DO C.P., FOI, INEQUIVOCAMENTE, CONCEBIDA PARA ILÍCITOS DE ESCASSA RELEVÂNCIA PENAL E SOCIAL, DE DIMINUTA ILICITUDE E CULPA DO AGENTE, DE INEXISTÊNCIA DE DANOS OU DO SEU RESSARCIMENTO INTEGRAL PELO AGENTE E NÃO PARA SITUAÇÕES DE OFENSA À VIII. O DESPACHO DA M. JUIZ DE INSTRUÇÃO A QUO, DE CONCORDÂNCIA COM O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS POR DISPENSA DE PENA, VIOLOU, DESIGNADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTS. 74º E 143. °, AMBOS DO C.P. E DO ART. 280.° DO C.P.P.; IX. PELO QUE SE IMPÕE, ATENTO O EXPOSTO E AS NORMAS LEGAIS APLICÁVEIS, A REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE NÃO CONCORDE COM O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS, QUANTO AO CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA DE QUE FOI VÍTIMA A ASSISTENTE, POR PARTE DA ARGUIDA B..., TUDO COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. Ora, com todo o respeito, e como já havíamos referido no nosso despacho que determinou tal arquivamento, dos autos resulta suficientemente indiciada a existência de agressões mútuas entre a assistente e sua filha, por um lado, e a ofendida B...por outro, sendo que cada uma destas partes faz recair sobre a outra a culpa pelo início da contenda. 8. Nesta Relação foi emitido parecer pelo Exmº Sr. PGA, no qual se pronuncia no sentido da concordância com a resposta do MºPº em primeira instância, pelo que o recurso deverá improceder. 9. Foram os autos a vistos e procedeu-se a conferência. II 1. É do seguinte teor o despacho do Ministério Público que determinado o arquivamento dos autos com o fundamento na verificação dos respectivos pressupostos para a dispensa de pena, quanto aos crimes de ofensas à integridade física simples que então se indiciavam: “ A..., veio, a fls. 4, participar criminalmente contra B..., a quem imputou a prática dos seguintes factos: Por sua vez, B... veio a fls. 15 participar criminalmente contra A... e C... , alegando que nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, se dirigiu à primeira avisando-a de que quando se cruzassem na rua que ela não se metesse com ela, sendo que a denunciada C... , sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe uma bofetada na face esquerda, fazendo com que os óculos saltassem e caíssem no chão, ficando danificados. De seguida, a denunciada A... agarrou-a pelo vestido, puxando-a e caindo ambas desamparadas no chão, sofrendo a queixosa ferimentos nos membros superiores e inferiores, apesar de não ter necessitado de tratamento médico. Mais declarou que a denunciada também a injuriou. Em face do exposto, conclui-se que a situação dos autos tem cabimento na previsão do Cumpre ainda referir que também se verificam os requisitos previstos no artigo 74°, n°1, do Código Penal, ex vi, n°3 do mesmo artigo. Com efeito, no que concerne à ilicitude dos factos, a mesma mostra-se diminuta, atenta a brandura das agressões e as quase inexistentes consequências das mesmas. Assim conclua os autos à Mm.a Juiz de Instrução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280º, n°1 do Código de Processo Penal. Caso o presente despacho mereça a concordância da Mm.a J.I.C., notifique os 2. Por sua vez, o despacho judicial recorrido tem o seguinte teor: “No âmbito dos presentes autos, veio o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 280º, n.º 1 do Código de Processo Penal, requerer a concordância para efeitos de dispensa de pena quanto aos factos imputados às arguidas B..., A... e C... . O crime em causa, ofensa à integridade física, previsto e punido pelo disposto no artigo 143º do Código Penal admite expressamente a dispensa de pena (artigo 143º, nº 3, alíneas a) e b) do Código Penal) nos casos em que tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro ou nos casos em que o agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor. Dos autos resulta que as arguidas agrediram-se reciprocamente, não tendo sido possível determinar quem deu início às agressões, sendo certo que estas existiram de parte a parte, mas não se descortinando quem actuou com o intuito de agredir, quem actuou ou se actuou com o intuito de se defender. A ilicitude e a culpa são diminutas, e não se verifica pela existência de necessidade de reparação de qualquer dano, sendo que as exigências de prevenção também se situam num patamar diminuto, pelo que se considera que as mesmas ficarão devidamente acauteladas com a aplicação da dispensa de pena. Considerando então o disposto nos artigos 74º, nºs 1 e 3 e 143º, nº 1 e 3 do Código Penal e artigo 280º do Código de Processo Penal, por se verificarem os pressupostos de aplicação da dispensa de pena aí previstos, conclui-se ser esta a medida mais adequada a aplicar ao caso concreto, pelo que se concorda com a douta posição manifestada pelo Ministério Público no sentido do arquivamento dos autos por dispensa de pena”. III Questões a apreciar: A eventual verificação de todos os pressupostos para a determinação do arquivamento do processo com o fundamento na dispensa de pena, quanto aos crimes de ofensas à integridade física simples que então se indiciam. IV Apreciando: 1. Está em causa nos presentes autos, a indiciação da prática de três crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo disposto no artigo 143º do Código Penal. Ora, nos termos do nº 3 deste preceito, o tribunal pode dispensar de pena quando: a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.
2. Por sua vez, o artigo 280º do Código de processo Penal, sob a epígrafe, “arquivamento em caso de dispensa de pena”, dispõe nos seus nºs 1 e 2, o seguinte: 1 - Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa. 2.1. Ou seja, verificados “os pressupostos da dispensa da pena”, o processo pode ser arquivado tanto em fase de inquérito como em fase de instrução. Se ocorrer naquela (fase de inquérito), torna-se necessária a concordância do juiz de instrução. Se ocorrer nesta (fase de instrução), torna-se necessária a concordância do Ministério Público. Todavia, em ambas as situações ou fase, é exigência legal a verificação dos necessários pressupostos.
2.2. Neste concreto caso, o primeiro pressuposto verifica-se[1], face aos crimes indiciados e ao previsto no mencionado nº 3, alínea a), do artigo 143º, do Código Penal. Com efeito, tendo em conta os elementos recolhidos e existentes nos autos, tudo indica ou aponta para a existência de ter havido lesões recíprocas e não provar (no caso, indiciar) qual dos contendores agrediu primeiro.
Mas este não é o único pressuposto legalmente exigível. Temos de levar ainda em conta os previstos no artigo 74º, do Código Penal[2] - com a epígrafe de “dispensa de pena -, alíneas a), b) e c), do nº 1 ou seja, quando: a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas; b) O dano tiver sido reparado; e c) À dispensa de pena não se opuserem razões de prevenção.
3. Quanto aos pressupostos das alíneas a) e c) do referenciado nº 1 do art. 74 do CP, o Ministério Público apoiou a sua posição no seguinte:
“Com efeito, no que concerne à ilicitude dos factos, a mesma mostra-se diminuta, atenta a brandura das agressões e as quase inexistentes consequências das mesmas. (…) No que se reporta às exigências de prevenção, as mesmas também resultarão satisfeitas através da aplicação deste instituto, desde logo porque, para além de não se mostrarem muito acentuadas ao nível da prevenção especial, no que concerne à prevenção geral a ideia de equilíbrio e compensação que está subjacente ao instituto da dispensa de pena, que agora se aplica, será suficiente para que a colectividade interiorize o valor contido na norma jurídica. Dos autos resulta que as arguidas agrediram-se reciprocamente, não tendo sido possível determinar quem deu início às agressões, sendo certo que estas existiram de parte a parte, mas não se descortinando quem actuou com o intuito de agredir, quem actuou ou se actuou com o intuito de se defender. A ilicitude e a culpa são diminutas…, sendo que as exigências de prevenção também se situam num patamar diminuto, pelo que se considera que as mesmas ficarão devidamente acauteladas com a aplicação da dispensa de pena. 3.1. Esta posição não merece censura na medida em que os indícios dos autos reflectem efectivamente uma ilicitude e culpa diminutas e não existem razões especiais de prevenção quanto a qualquer das arguidas. Mas se é assim quanto a estes pressupostos, já nos merecem sérias reservas o decidido quanto à questão da reparação dos danos, pressuposto exigido pela alínea b), do nº 1 do artigo 74º do CP. Os autos indiciam perfeitamente a existência de danos reparáveis quanto à recorrente A... (única de que aqui trataremos porque apenas ela recorreu). Diz esta nas suas conclusões de recurso: “ATENTA A GRAVIDADE DA AGRESSÃO PERPETRADA PELA ARGUIDA B..., QUE PROVOCOU GRAVES LESÕES CORPORAIS À ASSISTENTE, E QUE DEMANDOU QUE ESTA FOSSE, DE IMEDIATO, ASSISTIDA PELO INEM E CONDUZIDA, DE URGÊNCIA, AO HOSPITAL DE S. TEOTÓNIO, ONDE, ALÉM DE EFECTUAR DIVERSOS EXAMES, TEVE AINDA DE SER SUBMETIDA A UMA PEQUENA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA (SUTURA NO NARIZ);
ACRESCE QUE A ASSISTENTE TEVE, AINDA, DE SUPORTAR DIVERSOS CUSTOS ASSOCIADOS À ASSISTÊNCIA MÉDICA DE QUE CARECEU (CFR. DOC. N.° 2 E 3), FICOU COM O SEU VESTUÁRIO RASGADO, PERDEU PARTE DO SEU RENDIMENTO MENSAL (CFR. DOC. N.° 4), EM VIRTUDE DE BAIXA MÉDICA E SOFREU DANOS NÃO PATRIMONIAIS RELEVANTES, OS QUAIS NÃO FORAM, DE FORMA ALGUMA, RESSARCIDOS PELA ARGUIDA B...;
A REPARAÇÃO DO DANO É “CONDITIO SINE QUA NON’ PARA A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DISPENSA DA PENA, PELO QUE NÃO SE VERIFICANDO A MESMA NOS PRESENTES AUTOS, ENCONTRA-SE VEDADA AO MINISTÉRIO PÚBLICO A SUA APLICAÇÃO E À M.MA JUIZ A QUO A CONCORDÂNCIA COM A MESMA, IN CASU”. 3.2. O Ministério Público, ao fundamentar o despacho de arquivamento diz a propósito da reparação do dano: “Quanto aos danos por reparar, de notar é certo que todos os queixosos manifestaram já o seu desejo de virem a deduzir pedido de indemnização civil nestes autos, sendo que a queixosa A... foi até admitida a neles intervir como assistente. Por sua vez, na resposta ao recurso da recorrente, acrescenta: Por último, quanto à reparação dos danos, se é certo que os danos sofridos por cada uma das ofendidas (e não apenas pela recorrente) não se encontram reparados, é igualmente verdade que também isso foi explicado no nosso despacho de arquivamento. Com efeito, tivemos em devida conta que não houve lugar à reparação de nenhum dano, mas explicámos também que perante os elementos já juntos aos autos, dificilmente se logrará provar em sede de audiência até que ponto cada uma das três arguidas é responsável pelos danos sofridos pelas outras. “…e não se verifica pela existência de necessidade de reparação de qualquer dano…”. Ou seja, o despacho judicial é praticamente omisso quanto aos fundamentos ou razões pela não necessidade de reparação do dano. Tudo indicando que o despacho concorda com os fundamentados apresentados pelo Ministério Público na sua proposta. 3.3. Se se reparar na posição do MºPº sobre este concreto pressuposto da reparação dos danos, pelo mesmo é reconhecida a sua existência, nomeadamente quanto à recorrente A... e a vontade desta em formular tal pedido de modo a vê-los ressarcidos. Questiona outrossim, o próprio MºPº, a dificuldade em provar os danos exactos tendo em conta o modo como ocorreram os factos, acrescentando, agora já em sede de resposta ao recurso que a única forma de conseguir reparar tais danos seria possivelmente recorrendo ao critério da equidade. E que, como todas as arguidas sofreram danos, uns mais outros possivelmente menos, não reparando não exigindo a reparação de qualquer um deles, é uma forma equitativa de solucionar a questão.
3.4. Não nos parece que esta forma de abordagem da reparação dos danos tenha sido a melhor e que a opção pela sua não reparação ou dar como assente que não haveria que reparar o que quer que fosse, satisfaça o pressuposto do artigo 74º, nº 1, alínea b), do CP. Sobre este aspecto merece-nos relevância a referência que o Ministério Público faz no seu despacho, quando afirma: “Por outro lado, relativamente ao artigo 143°, n°3 alínea a) do Código Penal, escrevem Leal Henriques e Simas Santos in “O Código Penal Anotado”, 2° volume, 3 edição, página 226 e 227, que esta “situação visa contemplar aqueles casos em que não se logrou apurar quem deu início à contenda, havendo assim falta de sustentáculo probatório quanto à determinação do grau de responsabilidade e dos motivos determinantes de cada um dos contendores, em que qualquer um deles pode ter agido em retorsão.” E mais adiante acrescentam que “este n°3 tem, pois, fim utilitário (ajuda o julgador em caso de dúvida) e função subsidiária (só funciona em última instância, isto é, quando analisada a situação, não for possível determinar a sequência das ofensas submetidas ao juízo do tribunal). 3.5. Ora, se esta opção do legislador se justifica tendo em vista a dita preocupação de justiça, tal preocupação ocorrerá, ou deverá ocorrer para contemplar aqueles casos em que não se logrou apurar quem deu início à contenda – justificando-se deste modo os referenciados fim utilitário e função subsidiária, supra concretizados na citação feita. Ou seja, estamos a falar de uma situação em que já se esgotou toda a produção de prova possível para apurar como os factos ocorreram, aqui incluindo os danos efectivamente sofridos e o seu modo de produção e imputabilidade.
Os autos indiciam pelo menos – mesmo sem se mostrar ainda formulado o pedido de indemnização da assistente A..., pois não lhe foi dada oportunidade processual para o efeito -, que a referida a A... careceu de 20 dias para cura das suas escoriações, dos quais 5 com afectação da sua capacidade para o trabalho em geral e profissional. É do senso comum e da experiência normal de vida que estas lesões provocaram quer danos patrimoniais quer não patrimoniais. Com certeza que estão sujeitos a prova. Mas é desde já certo que tais danos se mostram indiciados. Quanto à dificuldade da eventual prova sobre tais danos efectivos, como se produziram ou sobretudo quem os produziu – v. averiguação do nexo de causalidade entre a conduta da arguida B... e estes danos -, julgamos que é prematuro quer o Ministério Público quer o Juiz de Instrução estarem a fazer desde já um juízo prévio sobre se os mesmos se irão provar, em que medida e a quem os imputar concretamente. Mas a verdade é que, atento o modo como os factos ocorreram e se indicia a sua prática, alguns danos serão de imputar, eventualmente ou hipoteticamente, à conduta da arguida B.... A justificação avançada pelo Ministério Público de que: “…uma vez mais convocamos o facto de estarmos perante lesões recíprocas, em cujo cenário cada ofendida é igual e simultaneamente agressora, e que por vezes acaba por se magoar em consequência das suas próprias reacções, acaba por se desequilibrar quando ela própria ia agredir, acaba por se magoar quando se desvia para acertar na outra, ou mesmo acaba por sair magoada quando uma terceira (no caso, a C... ) se interpõe para separar e inadvertidamente empurra ou puxa ambas”, Afigura-se-nos, com todo o respeito, que é bastante, especulativa[3] e foge à verdadeira questão que é a de tentar averiguar quem produziu efectivamente os danos da recorrente A.... Para determinar o arquivamento com base na dispensa de pena, não exige a lei o consentimento da assistente, ora recorrente. Mas já exige a reparação dos danos por esta sofridos. São exactamente estes danos que a recorrente vem reclamar. Este pressuposto - reparação dos danos – é tão relevante como os demais, pois é o próprio artigo 74º, nº 2, do CP que prevê expressamente o seguinte: “Se o juiz tiver razões para crer que a reparação do dano está em vias de se verificar, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro de um ano, em dia que logo designará”. 3.6. De tudo quanto se disse, entendemos que afastar a reparação dos danos no caso concreto, é uma decisão prematura, que não satisfaz na plenitude o fim visado com a dispensa de pena. Nem a eventual dificuldade em concretizar ou determinar tais danos é obstáculo para a solução pugnada pelo MºPº a que a Srª Juiz de instrução deu a sua concordância. Sobre tal aspecto poderiam/deveriam ser ouvidas as arguidas/assistentes e eventualmente propor ou determinar um montante para os respectivos danos e consequente reparação. Montante que, em último caso poderia ser proposto segundo o critério de equidade. Esta formalidade não se mostra legalmente proibida. E se tal dano fosse aceite e reparado, poderia caminhar-se para a dita dispensa de pena com o respectivo arquivamento. Caso contrário, não poderia seguir-se essa solução, por falta da verificação de um pressuposto essencial[4]. Nestes termos, entendemos que assiste razão à recorrente quanto à impugnação do despacho recorrido com a concordância do arquivamento do processo pelo Ministério Público, pois não se mostra nem verificado nem fundamentado tal pressuposto da reparação do dano. V Decisão: Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso da recorrente A... e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na medida em que deu a sua concordância quanto ao arquivamento do processo pelo Ministério Público, sem que se mostre verificado o pressuposto da reparação do dano, despacho que deve ser substituído por outro em que seja negada tal concordância pelos fundamentos expostos neste acórdão.
Sem custas.
(Relator, Luís Teixeira) (Adjunto, Calvário Antunes)
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