Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
972/08.7TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE MENORES E FAMÍLIA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ARTIGO 2003.º DO CÓDIGO CIVIL,
Sumário: I – Não se tendo provado que, no decorrer da acção, o requerido pagou mensalmente alimentos ao menor no valor de 90 €, improcede a pretensão, que se funda em tal facto, de alterar o valor dos alimentos devidos mensalmente e dos vencidos na pendência da acção.

II – Os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

O Ministério Público, em representação do menor A..., instaurou, na comarca de Coimbra, a presente acção de regulação do exercício do poder paternal, contra os pais deste B... e C....

Alegou, em síntese, que o menor, nascido a 12 de Janeiro de 2008, vive com a mãe e que não existe acordo entre os pais quanto à regulação do exercício do poder paternal.

Realizou-se a conferência a que se refere o artigo 175.º da OTM, onde não se obteve acordo quanto à regulação do poder paternal, tendo-se então fixado um regime provisório do mesmo[1].

A requerida e o requerido apresentaram alegações[2].

Foram elaborados relatórios sociais[3].

Realizou-se julgamento.

Foi proferida sentença em que se decidiu:

Pelo exposto, decido regular o exercício das responsabilidades parentais em relação ao menor A...., nos termos que se seguem:

a) o menor fica confiada à guarda da mãe, a quem compete o exercício do poder paternal;

b) o pai poderá visitar o menor sempre que o desejar, sem prejuízo das horas de descanso e das actividades escolares deste, avisando previamente a mãe;

c) o pai pagará a título de alimentos ao menor a quantia mensal de 120 (cento e vinte) euros, até ao dia 8 de cada mês, quantia esta actualizada anualmente em função da taxa média da inflação a publicar pelo INE para o ano anterior, com início em 2011;

d) o pai pagará a título de alimentos vencidos na pendência da presente acção o montante de 1.560 euros (mil, quinhentos e sessenta) euros.

Inconformado com tal decisão, o requerido dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1- O recorrente desde 2008 que tem despendido mensalmente cerca de 90,00 euros, valor que entrega à avó paterna ou que é usado directamente por este na aquisição dos bens necessários ao dia a dia do menor no período em que se encontra na casa da avó;

2- Isto mesmo é admitido na sentença recorrida e nos relatórios sociais junto aos autos;

3- Quando se propôs entregar à mãe do menor, até um máximo de 75,00 euros mensais a título de pensão de alimentos, fê-lo no pressuposto de continuar a despender os referidos 90,00 euros pelo que não se percebe a conclusão a que se chega na sentença de que o recorrente quer entregar menos do que os 90,00 euros que já despendia;

4- Conclui-se ainda que apesar de contribuir com uma quantia mensal aproximada de 90,00 euros o recorrente não "tem prestado alimentos, limitando-se a adquirir algumas peças de vestuário e produtos de higiene", algo que entra em contradição com o disposto no artigo 2003.º do C.C.;

5- Pelo que condenar o recorrente a entregar uma prestação de alimentos no valor de 120,00 euros mensais, só terá justificação se esse valor já incluir os 90 euros que este já entrega à avó paterna, passando a progenitora a ficar responsável por essa entrega enquanto o menor continuar a passar "parte do dia ( .. ) aos cuidados da avó paterna";

6- Se assim for, a sentença deveria ter sido clara, especificando que os custos inerentes ao período em que o menor fica com a avó, serão, a partir de agora, suportados pela mãe do menor;

7- A presente sentença viola o disposto no artigo 2004.º do C.C. uma vez que condena o recorrente a pagar um valor claramente desproporcionado relativamente às necessidades do menor;

8- Além dos 90,00 euros mensais, o recorrente tem feito regularmente transferências bancárias de valores diversos para a conta da mãe do menor, sempre que esta lhe solicita;

9- Em 31/08/2009 transferiu 33,60 euros, em 30/1 0/2009 transferiu 85,00 euros, em 30/1112009 transferiu 100,00 euros, num total de 218.60 euros - cfr. docs 1, 2, 3;

10- Contabilizando a entrega de 90,00 euros mensais ao longo dos treze meses em que o processo de desenrolou, temos um total de 1.170.00 euros, o que somado aos 218,60 euros que o recorrente transferiu para a conta da mãe do menor, dá um total de 1.388,60 euros:

11- Valor que deverá ser reduzido aos 1.560.00 euros a que o recorrente foi condenado a entregar;

12- Face ao exposto, deverá ser proferida nova sentença que fixe uma prestação de alimentos que tenha em consideração o valor que o recorrente já despende mensalmente relativo ao período em que o menor fica em casa da avó paterna (90,00 euros);

14- Em alternativa, mantendo-se a prestação de 120,00 euros, dever-se-á especificar que passará a ser a mãe a custear esse valor;

15- Deverá igualmente reduzir aos 1.560,00 euros o quantitativo total de 1.388,60 euros conforme descriminação prevista em 10, assim como outros valores que se venham a apurar através da análise dos documentos que o recorrente protestou juntar no requerimento de interposição de recurso;

16- Só assim se fará a tão costumada JUSTIÇA.

A requerida não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público contra-alegou sustentado a manutenção da decisão recorrida.

Face às conclusões com que findam as alegação de recurso, as questões a decidir consistem em saber se:

a) se deve manter o montante mensal de 120 €, a título de alimentos devidos ao menor;

b) se, aos 1.560 € estabelecidos como valor dos alimentos vencidos na pendência da acção, devem ser abatidos 1.388,60 €.


II

1.º


Estão provados os seguintes factos:

1. O menor A.... nasceu em 12 de Janeiro de 2008, em Coimbra (Sé Nova), sendo filho dos requeridos.

2. Os pais do menor viveram em união de facto durante algum tempo, tendo-se separado antes do nascimento do menor.

3. O pai do menor não acompanhou a gravidez nem visitou o menor na maternidade. Porém, cerca de dois meses depois do seu nascimento começou a participar activamente na vida do filho. Entre Junho e Agosto de 2008 o menor ficou ao cuidado do pai e da avó paterna, dado que a mãe ausentou-se para Inglaterra. Depois de os progenitores do menor terem vivido um com o outro durante cerca de um mês, o menor ficou a residir com a mãe.

4. O menor encontra-se a residir com a mãe, em casa arrendada com más condições de habitabilidade, devido a infiltrações e humidades.

5. O menor frequenta uma creche a meio tempo, pelo que durante parte do dia fica aos cuidados da avó paterna.

6. A mãe do menor trabalha num cabeleireiro e aufere o salário mínimo nacional. Recebe 51 € de prestação familiar.

7. Paga 175 € de renda de casa, 70 € de creche e 40 € de fraldas.

8. O pai do menor não lhe tem prestado alimentos, limitando-se a adquirir algumas peças de vestuário e produtos de higiene.

7. O menor mantém contactos regulares com o pai de acordo com a disponibilidade de tempo deste.

8. O pai do menor vive sozinho num apartamento arrendado de tipo T3.

9. Trabalha por conta de outrem, tem um vencimento mensal de 725 € acrescidos de subsídio de alimentação.

10. Paga 300 € de renda de casa e 80 € de amortização de um crédito pessoal.


2.º

O requerido defende que o valor dos alimentos mensais, fixados em 120 €, deve ser reduzido por que ele tem despendido mensalmente cerca de 90,00 euros, valor que entrega à avó paterna ou que é usado directamente por este na aquisição dos bens necessários ao dia a dia do menor e por isso condená-lo a entregar uma prestação de alimentos no valor de 120,00 euros mensais, só terá justificação se esse valor já incluir os 90 euros que este já entrega à avó paterna.[4]

Nesta parte importa, desde já, salientar que, ao contrário do que afirma o requerido[5], não figura nos factos provados que ele vem contribuindo com 90 € (em dinheiro ou em bens) de alimentos para o seu filho. Logo, é evidente que o requerido funda o seu raciocínio num facto que não se provou e que de tal facto (não provado) nenhum efeito jurídico pode ser retirado, nomeadamente para a determinação do montante dos alimentos devidos ao menor.

Na verdade, na sentença recorrida não se encontra, em lado algum, dado como provado que o requerido contribui com 90 € de alimentos. Neste matéria a Meritíssima Juíza limitou-se a, na fundamentação de direito, dizer que estranha-se que, tendo até agora o pai do menor contribuído com a aquisição de produtos que contabiliza em 90 euros (de acordo com o que se refere no relatório social de fls. 36 e ss), pretenda contribuir com quantia inferior para os alimentos do seu filho[6] (sublinhado nosso). Ao fazê-lo, a Meritíssima Juíza não está a dizer que o requerido despende 90 €; está somente a referir que o requerido contabiliza a sua contribuição em 90 €, argumentando com base naquilo que o requerido terá mencionado (mas que não se demonstrou) aquando da realização do relatório social das folhas 36 a 41, pois na sua parte final faz-se menção de que este referiu que assume tais encargos.

Não sendo verdadeira a premissa em que se funda esta pretensão do requerido, naturalmente que a conclusão que dela extrai também não é verdadeira; isto é, não estando provado que o requerido contribui com 90 € de alimentos para o menor, não há razões para se ter presente tal montante quando se fixa em 120 € os alimentos devidos.

Por outro lado, é certo que se provou que o requerido tem adquirido algumas peças de vestuário e produtos de higiene para o menor.

Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2003.º do Código Civil, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. Por isso, as peças de vestuário e os produtos de higiene que o requerido tem adquirido para o seu filho não podem deixar de ser juridicamente qualificados como alimentos. Mas, sucede que não se provou se essa contribuição do requerido tem alguma regularidade, nomeadamente mensal, nem tão pouco se conhece quer a quantidade, quer o valor desses bens. Deste modo, não se podendo quantificar os alimentos que dessa forma foram prestados, naturalmente que nenhum efeito daí se pode retirar ao nível do quantum de alimentos que são devidos.

Finalmente, tendo presente o que o requerido afirma na conclusão 14.ª, convém dizer que estando estabelecida a sua obrigação de pagar mensalmente alimentos no valor de 120 €, nada mais tem que entregar para além desse valor. E esse pagamento tem que ser feito à requerida, pois foi a esta que se confiou a guarda do menor e a quem se atribuiu o poder paternal.

Mas, isso não significa que o requerido fique inibido de voluntariamente poder contribuir com mais, nomeadamente face às necessidades concretas do seu filho.  


3.º

No que se reporta aos alimentos vencidos na pendência da acção, que são devidos nos termos do artigo 2006.º do Código Civil, o requerido entende que deve ser contabilizada a entrega de 90,00 euros mensais ao longo dos treze meses em que o processo de desenrolou[7], ou seja, que aos 1.560 €[8] estabelecidos na sentença se terão que abater 1.170 €[9].

Como já se disse, não se provou que o requerido, no decorrer deste processo, tenha pago mensalmente 90 € de alimentos para o seu filho, o que significa que, por essa via, não há qualquer fundamento para pagar menos do que os 1.560 € que figuram na decisão recorrida.

Mas, o requerido acrescenta que, neste capítulo, também se deverá considerar o total de 218,60 € que, no decurso da acção, transferiu para a conta da mãe do menor, em três parcelas de 33,60 €, 85 € e 100 €[10].

Se no que toca ao facto relativo ao pagamento mensal de alimentos no valor de 90 € ainda se pode entender que não se trata de um facto novo (apesar de o requerido não o ter referido nas alegações a que se refere o artigo 178.º da OTM[11]), visto que a ele se faz alusão, nos termos atrás mencionados, no relatório das folhas 36 a 41, já quanto ao agora alegado pagamento de um total de 218,60 € por transferência para a conta da mãe do menor o mesmo não se pode dizer, pois este é um facto absolutamente novo, não antes mencionado no processo que, por isso mesmo, não pôde ser apreciado pelo tribunal a quo.

Como é sabido, os recursos destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida[12], constituindo um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias[13], sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.

Assim, sendo o alegado pagamento, por parte do requerido, de 218,60 € por transferência para a conta da mãe do menor, uma questão nova, dela não se pode conhecer.

De qualquer forma, regista-se que, não obstante nas alegações de recurso o requerido mencionar ter feito três transferências bancárias de 33,60 €, 85 € e 100 €, que totalizam 218,60 €, e dizer que elas se efectuaram a 31-8-09, 30-10-09 e 30-11-09, no seu requerimento da folha 99, que acompanha os documentos que visavam provar tais transferências, aquele já diz que estas, afinal, totalizam 112,50 € e que foram de 12,50 €, 70 € e 30 € e que se realizaram 29-4-09, 8-6-09 e 13-7-09. Perante este cenário, não só não se encontram provados na sentença recorrida os pagamentos que o requerido mencionou nas suas alegações de recurso, como é ele próprio quem, com o seu requerimento da folha 99, acaba por os desmentir.


4.º

O requerido sustenta ainda que a decisão em apreço viola o disposto no artigo 2004.º do C.C. uma vez que condena o recorrente a pagar um valor claramente desproporcionado relativamente às necessidades do menor[14]. Essa desproporção resulta, na sua perspectiva[15], de, tendo ele pago na pendência da acção um total de 1.170 € de alimentos (à razão de 90 € por mês) e realizado pagamentos, por transferência para a conta da mãe do menor, num total de 218,60 €, não ser minimamente justo que o recorrente ainda tenha agora que vir a entregar o referido quantitativo de 1.560 €, a título de alimento vencidos na pendência da acção. Acrescenta que o pagamento destes 1.560 € só seria admissível se efectivamente não tivesse contribuído com qualquer tipo de valores desde que o presente processo se iniciou.

Face a este enquadramento, não resta qualquer dúvida de que o requerido, ao dizer que foi condenado a pagar um valor claramente desproporcionado relativamente às necessidades do menor, não está a questionar o montante mensal de 120 € de alimentos, que à primeira vista poderia entender-se estar em causa; o que questiona é ter que suportar 1.560 € de alimentos vencidos na pendência da acção, quando, segundo defende, nesse período já fez pagamentos que ascendem a 1.388,60 €[16].

Sucede que, como resulta do que já se foi dizendo, não se provou que o requerido, na pendência da acção, pagou os alegados 1.388,60 €, pelo que nenhuma censura se pode fazer à decisão recorrida quando nela não se considera esta quantia e se condena aquele no pagamento dos mencionados 1.560 €.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo requerido.


António Beça Pereira (Relator)
Manuela Fialho
Távora Vítor


[1] Cfr. folhas 19 e 20.
[2] Cfr. folhas 22 a 24 e 26.
[3] Cfr. folhas 30 a 41.
[4] Cfr. conclusões 1.ª e 5.ª.
[5] Cfr. nomeadamente a folha 90 e conclusão 2.ª.
[6] Cfr. folha 63.
[7] Cfr. conclusão 10.ª.
[8] 120 € x 13 meses = 1.560 €.
[9] 90 € x 13 meses = 1.170 €.
[10] Cfr. folha 91 e conclusão 10.ª.
[11] Cfr. folha 26.
[12] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 23.
[13] Cfr. artigo 676.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Neste sentido pode ver-se Ac. STJ de 28-04-2010, Proc. 2619/05.4TTLSB www.dgsi.pt/jstj e Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 23
[14] Cfr. conclusão 7.ª.
[15] Cfr. folha 91.
[16] 1.170 € + 218,60 € = 1.388,60 €.