Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4680/08.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: TRIBUNAIS PORTUGUESES
COMPETÊNCIA MATERIAL
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
PESSOA JURÍDICA
IGREJA CATÓLICA
Data do Acordão: 05/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 65º-A, AL. C) CPC.
Sumário: Sendo os tribunais portugueses competentes para apreciar os pedidos relativos a bens patrimoniais, propostos por uma pessoa jurídica ligada à Igreja Católica contra outra pessoa jurídica também ligada à Igreja Católica, nos termos do disposto no artº 65º-A, al. c) do CPC compete também aos tribunais judiciais apreciar a regularidade e a validade da representação em juízo de tais pessoas jurídicas, ainda que tal representação na administração dos bens resulte de decreto do Ordinário da Diocese.
Decisão Texto Integral:     Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

A Pia União …, identificada como, pessoa colectiva n°…, associação privada de fiéis, reconhecida canonicamente por decreto do Bispo de Leiria Fátima de 8 de Março de 1959 e reconhecida civilmente por registo na Secretaria do Governo Civil de Santarém nº 181, com sede … e, G…, solteira, maior, residente …, propuseram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a Diocese de Leiria-Fátima, com sede …, representada pelo respectivo Bispo, residente na sede da Diocese e que igualmente se demanda individualmente, e ainda contra C…, sacerdote católico, residente igualmente na sede da Diocese, e L…, casado, residente …,

Alega que:

A Pia União é uma «associação privada de fiéis» erigida canonicamente nos termos dos cânones 321, 325 parágrafo 1 e 1257, parágrafo 2 do Código de Direito Canónico, cuja legal representante é a sua Superiora, eleita por todas as associadas já com votos, nos termos dos respectivos Estatutos (art. 15°) e que administra livremente os seus bens, que não são bens públicos ou eclesiásticos, mas bens privados da associação, nos termos do já citado cânone 325 do CDC (Doc. 1).

A Pia União, como associação privada de fiéis, tem a mesma capacidade civil que o direito português atribui às pessoas colectivas de idêntica natureza, nos termos do art. 11º da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n° 74/2004, de 16 de Novembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 80/2004, da mesma data.

Ora, o Código de Direito Canónico, no seu Título V «das associações de fiéis» distingue entre as associações privadas, da iniciativa dos fiéis (cânone 299) e associações públicas, da iniciativa da autoridade eclesiástica (cân. 301, par. 2 e 3).

Porém, só em relação às associações públicas é que a autoridade eclesiástica pode substituir os dirigentes livremente eleitos ou designar um comissário para dirigir temporariamente a associação - cân. 318, inserido no capítulo II «das associações públicas de fiéis» do Título V do Código de Direito Canónico.

O Senhor Bispo de Leiria-Fátima, titular da respectiva diocese, conhece perfeitamente o regime jurídico acima enunciado, não lhe sendo lícito invocar desconhecimento das diferenças de regime entre associações públicas e associações privadas, nomeadamente pelo cargo que exerce eclesiasticamente, e não pode ter dúvidas, face à clara distinção de regimes hoje constante do Código de Direito Canónico, que a Pia União é uma associação privada, da iniciativa das associadas, à qual não é aplicável nenhuma das normas específicas das associações públicas, constantes do Capítulo II do Título V.

Bem sabendo o 2° R., enquanto autoridade eclesiástica, que não pode, em caso algum, substituir-se à vontade da Associação livremente expressa em eleição entre pares, na designação da Superiora e, muito menos, adoptar medidas de tutela substitutiva relativamente à administração e disposição dos seus bens, que não são bens eclesiásticos.

Não obstante, enquanto Bispo da Diocese a 1ª R., emitiu um «decreto», datado de 15 de Julho de 2008, designando o 3° R., ecónomo diocesano, como comissário, e o 4° R., como comissário adjunto, invocando como norma habilitante o já referido cânone 318, aplicável exclusivamente a associações públicas (doc.3) e a bens eclesiásticos.

Sendo a 1ª A. uma associação privada, tal acto é nulo, por fundamentado em norma que não lhe é aplicável e porque as associações privadas só têm as limitações à sua autonomia constantes do Código de Direito Canónico, nos termos do art. 11 ° da Concordata.

Não tendo os 2 primeiros RR., quer individualmente o segundo, quer no exercício de autoridade eclesiástica como representante do primeiro, poder ou atribuição para a prática do acto em causa, o que configura o que tradicionalmente se designava por acto inexistente.

Contudo, apesar da sua nulidade ou inexistência, tal acto foi utilizado para a prática de actos jurídicos, nomeadamente para a constituição de mandatários, revogação de procurações e desistência ou confissão de acções em que a A. é A. ou R., designadamente:

Acção declarativa ordinária que correu pela Vara de Competência Mista de Coimbra, sob o nº 2153/06.TBCBR, da 2ª Secção, em que a ora A. obteve ganho de causa relativamente ao reconhecimento da aquisição da propriedade sobre um prédio urbano, por usucapião, por sentença da data em que foi exarado o "decreto" diocesano - apresentando-se o 4° R. para desistir da acção, por termo (doc. 4), e, outra acção em que a ora A. é R., que corre pelo Tribunal da Comarca de Ponta Delgada, sob o n° 635/07.0TBPDL, do 2° Juízo, em que o mesmo 4° R. declarou confessar em nome da ora A., bem sabendo não ter poderes para o efeito (doc. 5), e, bem assim, para a instauração de providência cautelar contra a ora 2a A., um seu mandatário e uma Fundação constituída pelas AA. visando dar continuidade Fundação do Divino Coração de Jesus (doc. 6).

Actos com os quais os RR., bem sabendo serem ilícitos, por não terem, nenhum deles, competência ou atribuição para o efeito, visavam prejudicar patrimonialmente a ora 1a A., causando-lhe a perda da propriedade de 3 prédios urbanos, um sito em Coimbra e 2 em Ponta Delgada, prédios cuja propriedade era discutida nos processos referidos, em benefício exclusivo mas ilícito e ilegítimo da Diocese de Angra do Heroísmo.

Aliás, é a Diocese de Angra e o respectivo Bispo quem verdadeiramente age, pela mão dos RR.. Com efeito,

Não é por acaso, nem por respeitar directamente a bens imóveis, que a providência cautelar referida em 19° foi instaurada em Ponta Delgada - estando em causa comportamentos de abstenção a regra geral quanto à competência determinaria que fosse instaurada no domicílio da maioria dos RR., na Comarca de Ourém, nem é por acaso que o 4° R., residente nos Açores e sem ligação à diocese de Leiria - mas com reconhecidas ligações à Diocese de Angra, que o indicou como testemunha nos processos que, em representação do Seminário Pio XII, mantém contra a 1ª A. – foi designado «comissário adjunto» e verdadeiro agente para a prática dos diversos actos referidos: foi quem se apresentou a desistir e/ou a confessar nas referidas acções, quem revogou procurações, quem outorgou mandato para a providência cautelar... e o mais que ainda se desconhece mas se suspeita legitimamente!

Ainda que a ora A. venha a conseguir impugnar com sucesso todos os actos ilícitos praticados pelos RR., tal obriga a despesas avultadas com taxas de justiça, honorários, despesas com deslocações, pedido de certidões, paralisação de actos de administração dos bens da 1ª A. e mais prejuízos decorrentes da actuação ilícita dos RR., cujo valor e liquidação só poderão ser apurados em liquidação de sentença.

Actos que os RR. puderam praticar aproveitando-se do desconhecimento do Direito Canónico por parte de diversas entidades, nomeadamente do Cartório Notarial onde procederam à «revogação» de procuração emitida pela 1ª A., criando a convicção de que se trataria de uma associação pública, e que se trataria de bens eclesiásticos ou, pelo menos, criando a convicção de que a administração dos bens das associações privadas é susceptível de tutela substitutiva - isto é., que o Bispo pode, em substituição da Superiora livremente eleita, praticar actos relativos ao património da associação.

Actos que os RR. praticaram dolosamente, bem sabendo que não têm poderes ou atribuições para se intrometerem na autonomia administrativa da associação, Pia União, e com a intenção de lhe causarem prejuízo, directamente a ela Pia União e indirectamente à Fundação que ela valida e livremente constituiu, em benefício exclusivo ou predominante da Diocese de Angra do Heroísmo.

Sendo certo que a Diocese, na pessoa do anterior Bispo, …, tinha pleno conhecimento de todos os actos agora postos em causa, como resulta do documento de 18 de Outubro de 2005, que se junta como Doc. nº 7, pelo qual o referido Bispo faz saber que a Pia União é representada pela 2ª A. e que esta tem plenos poderes para agir em nome e representação daquela, nomeadamente para constituir uma Fundação para dar continuidade da sua acção social.

E como bem sabe o actual Bispo, o 2° R., porque tal lhe foi transmitido por carta de 3 de Outubro de 2006 (doc. 8), à qual respondeu através de cartão pessoal manuscrito de 31 do mesmo mês (doc. 9).

Pelo que, mesmo que o 2° R. pudesse substituir-se à vontade livre das associadas, com fundamento na falta de autorização dos actos que dela carecessem - e nenhum destes actos carece de autorização, como claramente se demonstrou - o acto continuaria a ser nulo, por faltarem os pressupostos da sua prática, uma vez que teria de entender-se, nesse caso, que os actos foram autorizados pelo referido documento de 18 de Outubro de 2005.

Os actos praticados pelos RR. são nulos ou inexistentes, designadamente por violação do art. 163° e 170° do Código Civil, não havendo limitação à autonomia da 1ª A. decorrente do Código de Direito Canónico, para onde remete, para aferição da sua admissibilidade, o art. 11° da Concordata.

Nulidade que deve ser declarada por falta de competência ou atribuição do autor do suposto acto, nulidade que há-de repercutir-se em todos os actos praticados ao abrigo do suposto «decreto» do Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, nomeadamente as confissões ou desistências em processos judiciais, procurações e respectivas revogações emitidas ao abrigo daquele «decreto» e quaisquer actos subsequentes destes, condenando-se os 2 primeiros RR., solidariamente, a pagarem às AA. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença - por absoluto desconhecimento actual da extensão e valor dos danos - pelos danos causados às AA., nomeadamente por eventual perda de propriedade de algum dos prédios cuja propriedade vem a ser discutida nos processos identificados, pelas despesas judiciais a que derem causa, pelos honorários de advogado, despesas com deslocações, certidões e outras directamente resultantes do decreto e, condenando-se os 3° e 4° RR., solidariamente com os dois primeiros, pelos danos causados directamente pelos actos em que tenham tido ou venham a ter intervenção directa.

A 2ª A. é uma pessoa idosa, com mais de 80 anos, profundamente religiosa e que dedicou toda a sua vida a colaborar com a Igreja e com missões de apoio a crianças e jovens social e economicamente desfavorecidos.

Sempre acreditou na Igreja, nas autoridades eclesiásticas e no desprendimento material inerente à própria condição religiosa, em que os bens materiais são vistos como meros instrumentos da acção assistencial.

Tem, por isso, sofrido profundamente com a constatação de que a Igreja tem no seu seio também quem se mova por meros interesses materiais e que não olha a meios ou instrumentos para acrescentar o respectivo património.

Requerendo, por isso, a condenação dos RR. a pagarem-lhe, a título de reparação por este profundo desgosto, indemnização no valor de € 2.500,00, compatível com a riqueza da Diocese de Leiria, nomeadamente, que ela destinará à assistência dos mais desfavorecidos.

Citados para contestar, os réus invocaram a seguinte excepção:

I - Da Incompetência Material:

Com a presente acção, pretendem as A.A. que seja declarada a nulidade do Decreto do Bispo de Leiria-Fátima de 15 de Julho de 2008 que, intervindo na organização e vida interna da 1ª A., designou os 3° e 4° R.R., respectivamente, como comissário e comissário adjunto para, em seu nome, dirigirem temporariamente aquela Associação de Fieis e para praticarem os actos para que foram ali mandatados.

Em consequência, pedem também que sejam declarados nulos todos os actos praticados ao abrigo daquele Decreto e que sejam os R.R. condenados a indemnizar as A.A. pelos danos patrimoniais e morais derivados da prática daqueles actos.

Para tanto, alegam que a 1ª A. é uma Associação de Fieis que se reveste da natureza de Associação Privada de Fieis e não de Associação Pública de Fieis, pelo que, nessa qualidade, não estaria sujeita à autoridade do Ordinário do Lugar nem às normas de Direito Canónico que foram invocadas no dito Decreto, nomeadamente o Canône 318, aplicável apenas às Associações Públicas de Fieis.

Ou seja, se a 1ª A. se revestisse da natureza de Associação Privada de Fieis - como se pretende fazer crer na douta p.i. – a intervenção do Bispo de Leiria Fátima na organização daquela seria ilegal à luz do Direito Canónico, mas a tratar-se de Associação Pública já essa intervenção, nos termos das normas do Direito Canónico, seria válida.

Em suma, o que está em causa é a apreciação da validade de um acto do Bispo de Leiria-Fátima que intervém no seio da vida interna da 1ª A. e na sua organização enquanto Associação de Fieis erigida canonicamente, ou seja, com personalidade jurídica canónica, invocando-se como fundamento para a pretendida nulidade a violação de normas do Direito Canónico.

Diga-se desde já que, estando em causa um acto relativo à organização de uma pessoa jurídica canónica praticado com fundamento no Direito Canónico, a apreciação da sua validade cabe em exclusivo ao ordenamento jurídico canónico, estando essa matéria vedada aos Tribunais Comuns, por força do disposto na Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 18 de Maio de 2004 e também por força dos dispositivos constitucionais aplicáveis conforme melhor se verá de seguida.

Desde logo e como pano de fundo, há que atentar em que, nos termos do disposto no art. 41º nº 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP): "As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e dos culto",

Trata-se aqui da emanação dos princípios da separação entre as Igrejas e o Estado, bem como da liberdade de organização daquelas.

Por outro lado, dispõe o art. 8° n°2 da CRP que "As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português."

Em interpretação deste preceito, retira o Tribunal Constitucional que "as normas do direito internacional convencional detêm primazia na escala hierárquica sobre o direito interno anterior e posterior" (Vide Acórdãos do T.C. n.°s 118/85: 409/87 e 218/88 in BMJ n.°s 360, 501, 370, 175, e 380, 183 respectivamente).

No que ao caso interessa, dúvidas não podem restar de que as Concordatas que Portugal assinou com a Santa Sé estão compreendidas no conceito de Convenção Internacional e que vigoram na ordem interna com primazia sobre o direito interno.

A Concordata de 18 de Maio de 2004, formalizada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, no artigo 10 nº 1, dispõe expressamente:

"A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do direito canónico e constituir, modificar e extinguir pessoas jurídicas canónicas a que o Estado reconhece personalidade jurídica e civil."

Pelo que, por força deste normativo, bem como do artigo 11º nº1 da mesma Concordata, essas pessoas jurídicas canónicas regem-se na sua organização pelo Direito Canónico, sendo que, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 2° da Concordata, a República Portuguesa reconhece à igreja Católica "(...) a jurisdição em matéria eclesiástica (...), bem como o direito de "(...) aprovar e publicar livremente qualquer norma, disposição relativa à actividade da Igreja.

 O que significa, que o Estado reconhece também à Igreja Católica o direito de aplicar o direito canónico, quanto à organização das entidades com personalidade jurídica canónica, através de jurisdição ou órgãos jurisdicionais próprios.

Admitir o contrário seria violar o já referido princípio constitucional da separação entre a Igreja e o Estado, na sua dimensão de não interferência na organização interna, da instituição constituída na ordem canónica.

A esta luz, é absolutamente irrelevante a invocação por parte das A.A. de que a 1ª A. é uma Associação Privada de Fieis, pois que, mesmo que o fosse, estaria sujeita ao ordenamento jurídico canónico, sendo no entanto certo que o saber se é uma Associação canónica "privada" ou "pública" é questão que deve ser resolvida pelo próprio Direito Canónico, onde ambas se situam, não sendo obviamente os Tribunais do Estado que vão declarar se uma associação canónica é pública ou privada segundo o Direito Canónico.

Como ficou já dito, o acto que se pretende impugnar, é um acto de natureza organizacional afecto exclusivamente à pessoa jurídica canónica da 1ª A. e à sua tutela.

Ora, da já referida primazia da aplicação do ordenamento canónico resulta que - quer a 1ª A. seja uma Associação Publica quer seja uma Associação Privada de Fieis - é na sua jurisdição específica, ou seja no Tribunal Eclesiástico, que a questão em causa nos autos deverá ser julgada, porquanto é o próprio Estado Português que reconhece e aceita essa mesma jurisdição específica.

O Decreto de 15/07/2008, é um documento emanado por autoridade eclesiástica - o Bispo de Leiria-Fátima - ao abrigo do disposto no Direito Canónico, pelo que a sua validade é intocável na jurisdição do direito português e consequentemente os actos praticados por força deste Decreto não podem, também por isso, ser impugnados na jurisdição civil e pelos tribunais comuns.

Em face do exposto, o caso dos autos trata de uma questão de competência exclusiva da Igreja Católica, competência essa que o Estado Português reconhece, não sendo sindicável nos tribunais comuns as decisões nestas matérias de organização da vida de pessoas jurídicas canónicas, pois os mesmos carecem de competência em razão da matéria para as julgar.

Deverá por isso ser declarada a incompetência material deste Tribunal para julgar o pedido dos presentes autos e, consequentemente, serem os R.R.

Por decisão de fls. 245 a 257 o Tribunal recorrido e sobre a excepção de incompetência deduzida, decidiu julga-la procedente por provada e declarou-se incompetente para conhecer da acção absolvendo os réus da instância.

Fundamentou esta decisão afirmando que:

“Nesta acção está fundamentalmente em causa (1º pedido) apreciar da validade de um acto do Bispo de Leiria-Fátima que intervém no seio da vida interna da 1ª A. e na sua organização enquanto associação de Fieis com personalidade jurídica canónica.

A questão dos autos tem a ver, como acima se disse, com a competência do tribunal em razão da matéria e prende-se com a interpretação do art. IV, parte final da Concordata/ 1940, em conjugação com o disposto no art. 48º do DL 119/83, de 25.2.

Como se diz no preâmbulo da Concordata, as partes visaram "concluir entre si uma solene Convenção que reconheça e garanta a liberdade da Igreja e salvaguarde os legítimos interesses da Nação Portuguesa".

Daí que, no art. III se reconheça à Igreja o poder de se organizar livremente de harmonia com as normas do Direito Canónico, e constituir por essa forma associações ou organizações a que o Estado reconhece personalidade jurídica, bastando que, depois de canonicamente erectas, seja feita participação escrita à Autoridade competente pelo Bispo da diocese, onde as mesmas tiverem a sua sede.

Essas associações ou organizações "administram-se livremente sob a vigilância e fiscalização da competente Autoridade eclesiástica".

Sobre a matéria em questão, ensinava Marcelo Caetano, que o princípio é este: se as associações ou institutos religiosos têm por "fim o exercício de actividades especificamente religiosas, são estranhas à Administração Pública"; se se propuserem "também fins de assistência ou de beneficência,"em tal hipótese, e dada a coincidência destes fins com as atribuições da Administração Pública, aquelas associações e estes institutos ficam sujeitos ao regime legal das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, sem prejuízo da sua autonomia e da disciplina e espírito religiosos que os informam (lei da liberdade religiosa, base XIV, e C. Adm., arts. 453º e 454º" (Manual de Direito Administrativo, Vol I pág. 410).

Tendo em conta a natureza jurídica do acto posto em causa e a data em que foi proferido, parece-nos curial invocar aqui um trexo do AC. do STJ de 26/472009.

“Esta nossa construção complica-se, no entanto, com a entrada em vigor, em 18.12.2004, da Concordata actualmente vigente.

Nela se continua, para além do regime de liberdade de organização em geral, o regime de livre constituição, modificação e extinção de pessoas jurídicas canónicas, com reconhecimento da personalidade jurídica por parte do Estado Português.

Tendo-se também atentado nas pessoas jurídicas canónicas que, além dos fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade.

Estatuiu-se, em consonância com o que vinha da anterior concordata, que desenvolvem a respectiva actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas com fins da mesma natureza.

Mas existe uma diferença.

Desapareceu a referência do artigo 4º da Concordata de 1940 quanto à imposição do direito português pelo Ordinário competente. Pelo contrário, ficou estatuído, no artigo 11º, que, regendo-se as pessoas jurídicas canónicas pelo direito canónico e pelo direito português, cada um é aplicado pelas respectivas autoridades.

Está em causa a violação do direito canónico: será chamada a intervir a autoridade da Igreja. Está em causa a violação do direito interno português: recorre-se aos tribunais civis.

Levantar-se-ia, então, a questão de saber se os autores invocam a violação do direito canónico ou do direito interno português.

O que eles invocam é a violação do compromisso e este situa-se no âmbito do direito canónico, pois até na parte final se refere, em letra manuscrita, que estão conformes às Normas de Direito Geral da Igreja e do Regulamento Geral das Associações Religiosas.

Manteve-se, pois, para este caso, a competência do Ordinário (versão integral em www.dgsi.pt).

Por outro lado, tem sido jurisprudência dominante que o art. III da Concordata de 1940 reconhece à Igreja Católica o poder de se organizar livremente de harmonia com as normas do Direito Canónico, e constituir, por essa forma, associações ou organizações, a que o Estado reconhece personalidade jurídica, no condicionalismo aí referido, sendo as mesmas administradas sob a vigilância e fiscalização da competente autoridade eclesiástica.

No caso dos autos, é posto em crise um acto validade de um acto do Bispo de Leiria-Fátima que intervém na vida interna daquela.

Entendemos que a apreciação da legalidade compete aos tribunais eclesiásticos.”.

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os autores concluindo que:

Os réus contra alegaram concluindo que:

            … …

Fundamentação

Os factos que servem a decisão são os que constam do relatório razão pela razão se entende desnecessário repeti-los, sem prejuízo de os mesmos virem a ser a convocados e reproduzidos, por expresso, na medida em que tal for exigido pela exposição decisória.

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, a Apelação incide exclusivamente sobre o conhecimento da excepção de incompetência absoluta que o tribunal a quo julgou procedente, não havendo mais que decidir (nem sequer o que referem os recorridos nas contra alegações de recurso quanto à legitimidade dos recorrentes para proporem esta acção) uma vez que nenhum recurso de nenhuma outra decisão do tribunal a quo foi interposto.

Sobejamente circunstanciado o objecto do recurso, que consiste em apreciar o mérito da decisão que considerou que a apreciação da validade de um acto do Bispo de Leiria - Fátima, através do qual interveio na vida interna/representação da 1ª autora, é da competência exclusiva da autoridade eclesiástica, importa ter presente que, no essencial, a argumentação da decisão recorrida e que transcrevemos na íntegra, assenta na consideração de que a apreciação da validade do acto do Ordinário da Diocese que determina quem deve representar em juízo a 1ª Autora, Pia União, é da competência da autoridade eclesiástica, blasonando de fundado este entendimento na Concordata de 1940 e na aplicação deste direito concordatário no espaço da soberania do estado Português, sendo que, aludindo às normas vertidas no texto da Concordata de 1940, a decisão recorrida, sustenta-se no teor de um acórdão do STJ que transcreve e no qual se faz a apreciação da problemática de acordo com as normas constantes do texto da Concordata de 2004.

A questão suscitada entre as partes envolvidas neste processo foi já, de modo mais ou menos directo, apreciada por diversos tribunais, entre os quais esta Relação, e mereceu a atenção do STJ através do acórdão de 20-2-2011 no proc. 332/09.2TBPDL.L1.S1, in dgsi.pt.

Trazida agora a este pleito na forma de acção de indemnização, que tem na base a declaração da nulidade de um Decreto do Bispo de Leiria-Fátima de 15 de Julho 2008, o que no essencial se volta a pretender discutir, como o revelam os articulados, é se o significado útil desse decreto bispal que designou os 3º e 4º Réus comissário e comissário adjunto para administrarem os bens da 1ª Autora se impõe aos tribunais civis ou se, ao invés, estes últimos podem nas acções que neles tenham sido propostas sindicar e apreciar a regularidade da representação que decorre daquele decreto do Bispo. E é precisamente esta questão, na sua essencialidade, que já foi objecto de decisões judiciais, nomeadamente a que consta do mencionado acórdão do STJ.

Se como decreto o acto administrativo bispal (na nomenclatura usada pelo próprio Código de Direito Canónico nos seus canônes 29 a 75) pode ser objecto de recurso nas instâncias eclesiásticas segundo o próprio Codex (nos seus Canônes 1400 e seguintes), obviamente que nos tribunais comuns civis e nesta acção, não se tratará de arguir a nulidade daquele decreto bispal à luz do direito canónico, nos termos em que tal só poderá ser feito nos tribunais eclesiásticas. Tudo o que importará, à semelhança do que já foi abordado em outras decisões judicias, é apreciar se a existência desse decreto, com as suas implicações na representação da 1ª autora, se impõe à jurisdição civil, por ser da exclusiva competência do Direito Canónico, ou se, independentemente da validade formal e canónica de tal decreto, os tribunais comuns civis podem apreciar da regularidade da representação da 1ª autora nas acções que propôs nos tribunais comuns, mesmo que isso contenda com a letra do decreto bispal.       

Numa primeira abordagem à competência, maxime, a internacional, é a lei de processo - art. 61, 65 e 65-A do CPC - que fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, como prevê o art. 17 nº2 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais[1].

A competência internacional designa assim a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, face aos tribunais estrangeiros, para julgar acções que tenha algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras e depende da verificação de alguma circunstância discriminadas no art. 65 do CPC [2].

Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando os tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciação da causa (arts. 65 nº1 al. b) e 65-A do CPC, e essa competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania, sendo semelhante à reserva de ordem pública do estado do reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras - art. 1096 al.f)[3].

São vários os interesses que podem ser ponderados na consagração legislativa da competência exclusiva e a análise do art. 65-A revela que para o legislador português foi importante a protecção dos interesses económicos nacionais sendo estes que justificam a competência exclusiva dos tribunais portugueses para acções relativas a direitos reais sobre imóveis (propriedade fundiária e bens de produção, nomeadamente) situados em território português ou para aquelas outras relativas à apreciação da validade do acto constitutivo de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua sede em território nacional.

É porque as pessoas envolvidas nos autos são ambas pessoas da igreja católica que importa saber se há direito convencional regulador da matéria porquanto a Concordata vale no Direito Português mais do que a lei, embora menos que a Constituição, tal como todo o Direito Internacional convencional.

As relações entre a Santa Sé e Portugal são reguladas pela Concordata de 2004 e na parte que nos interessa, dispõe o art. 11 que “As pessoas jurídicas canónicas reconhecidas nos termos dos artigos 1, 8, 9 e 10, regem-se pelo direito canónico e pelo direito português, aplicados pelas respectivas autoridades, e têm a mesma capacidade civil que o direito português atribui às pessoas colectivas de idêntica natureza.».

Ora desta disposição concordatária não nos parece que resulte a vinculação da república Portuguesa à regra da competência internacional pois o que aí se estabelece é directamente e por remissão para o direito canónico é a obrigação do Estado Português reconhecer personalidade jurídica às associações e organizações que de acordo com as normas do direito canónico, a igreja constitua no exercício do seu direito de livre organização.

É certo que no canône 1400 §1 do Código de Direito Canónico se dispõe que são objecto a juízo a defesa ou a reivindicação dos direitos das pessoas físicas ou jurídicas ou a declaração de factos jurídicos e que no cânone 1401 se estabelece que por direito próprio e exclusivo da igreja conhece das causas que respeitam a coisas espirituais e conexas.

“Mas não resultando esta competência dos tribunais da Igreja de qualquer disposição concordatária ou de remissão sua, é certo e seguro tratar-se de competência atribuída por direito interno que não tendo dignidade convencional, não prevalece sobre as normas do art. 65-A do CPC português.

Acresce que na Concordata, único instrumento jurídico vinculante de ambos os Estados, a igreja reservou aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes, apenas, o conhecimento da causas concernentes à nulidade do casamento católico e dispensa do casamento rato e não consumado, não se referindo à questões de foro misto, sublinhando-se que o cânone 1288 confirma a competência dos tribunais do Estado quando dispõe que os administradores não proponham nem contestem nenhuma acção no foro civil em nome da pessoa jurídica pública sem licença prévia do ordinário próprio, por escrito. Pelo que a Concordata com a Santa Sé e a Republica Portuguesa não afasta a regra da competência exclusiva dos tribunais portugueses nas matérias a que se refere o art. 65-A do CPC.”[4]

Garantindo a CRP a não ingerência do Estado na organização das igrejas e no exercício das suas funções e do culto não podendo os poderes públicos intervir nessas áreas, a não ser na medida em que, por via normativa, regula a liberdade de organização e associação privada e o direito de reunião e manifestação e outros direitos instrumentais da liberdade de culto, “não se vê onde a reserva de competência aos Tribunais do Estado em matérias como o direito sobre imóveis sitos em território português (ainda que administrados por pessoas de direito canónico) possa ofender o principio da liberdade e da organização e independência da igreja, quando é certo que a própria igreja renunciou ao tradicional privilégio de for nestas questões de foro misto, em que as coisas temporais se misturam com as espirituais”[5].

Retomando agora o concreto do objecto do recurso, dissemos que mais importante do que determinar a possibilidade formal de nos tribunais civis comuns se poder declarar ou não a nulidade de um decreto bispal (o que como vimos é da competência dos tribunais eclesiásticos que no Códex tem um procedimento autónomo para ser feito) era saber se o que resulta de um tal decreto, que determine a representação de uma determinada pessoa jurídica canónica, se impõe à jurisdição civil, e esta observação é confirmada pelos próprios autores que, pretendendo no seu pedido que esse decreto seja declarado de nenhum efeito, pede igualmente que sejam declarados nulos “[t]odos os actos praticados ao abrigo dele, nomeadamente termos de desistência ou confissão, procurações, revogações de procurações e escrituras ou quaisquer outros dele resultantes”. O que está em causa para os próprios recorrentes é o efeito civil/patrimonial desse decreto e não propriamente a discussão sobre a sua natureza ou a forma de o tornar nulo e de nenhum efeito segundo as regras próprias da impugnação canónica.

Dito de modo simples, o que uma vez mais os recorrentes/autores pretendem é que os tribunais civis declarem que a designação dos comissário e comissário adjunto não constitui uma representação válida da 1ª autora nos tribunais civis onde se discutam interesses materiais da instituição e que, no conhecimento que os réus tinham dessa invalidade, sejam condenados em indemnização pelos danos a que a sua actuação voluntária e consciente terá dado causa, sendo esta formulação do problema que permite entender os termos da presente acção na sua causa de pedir e pedido, no sentido de que verdadeiramente o que é perseguido pelas autoras é uma indemnização com base numa determinada actuação dos réus que, independentemente de estar respaldada por um decreto bispal, deve ser julgada ilícita e de efeitos lesivos segundo as regras de apreciação e competência exclusiva dos tribunais civis comuns.       

Por outro lado, sublinhe-se ainda que em cada uma das acções que envolvem as partes que são partes também nesta acção, tem sempre sido suscitada, seja de que forma seja, a questão da regularidade da representação decorrente do decreto do Bispo de Leiria - Fátima, e como aí tem sempre essa questão sido decidida, não se poderia agora e aqui nestes autos proferir decisão que violasse o caso julgado firmado nessas outras acções, v.g. as desistências e confissões que nesses autos se produziram.

E renovada a colocação do problema nos termos sobreditos, com o significado de que na acção o que importa apurar não é a nulidade do decreto bispal segundo o modo como esse acto administrativo canónico foi produzido segundo o Codex, mas sim a inexistência dos seus efeitos na ordem jurídica interna portuguesa, por a designação dos comissário e comissário adjunto se não impor como representação válida da 1ª Autora nas acções em que ela é parte, para a solução desta problemática da competência suscitada pelo recurso seguimos o entendimento já firmado pelos acs. desta Relação de 3-3-2009 e 17-5-2011 no proc. 2047/08.TBPDL e pelo ac. do STJ de 20-2-2011 já citado.

Desde logo, como ali se entendeu, toda a situação surgiu da circunstância de a administração dos bens patrimoniais da 1ª Autora ter conduzido à prolação de um decreto por parte do Sr. Bispo de Leiria-Fátima no sentido de obstar a essa administração substituindo os administradores por outros designado nesse decreto.

Ora, neste contexto, impunha-se, como se impôs, considerar que “os tribunais portugueses são competentes para apreciar os pedidos (…) de reivindicação de bens patrimoniais, propostos por uma pessoa jurídica ligada à Igreja Católica contra outra pessoa jurídica também ligada à Igreja Católica, nos termos do disposto no art.º 65°-A, al. c), do C.Proc. Civil, na redacção actual e como tal já decidido pelo Tribunal Constitucional pelo Ac. n.º 68/2004 de 20/04/2004, ainda que reportada a redacção diferente, correspondendo aquela al. c) à anterior al. a).[6]. E mais se acrescentou, com interesse para a nossa decisão nestes autos, que “no caso vertente, a apreciação dessa competência pressuporia, igualmente, a da questão prévia da validade do Decreto Bispal que, nomeando comissários para acudir a uma alegada dissipação de bens patrimoniais da Pia União, pessoa jurídica canónica nos termos do cânone 318°, igualmente lhe conferiu poderes para, em nome desta, confessar o pedido no pleito em causa e que a opunha, numa disputa sobre imóveis, a outra pessoa jurídico-canónica.”[7].

A questão enunciada nesse segmento do acórdão reconduz-se aquilo a que nós reconduzimos o objecto do recurso nestes autos e que é a concreta questão de apurar e decidir a competência material para apreciar a legitimidade (validade, eficácia, existência ou o que se lhe queira chamar) da intervenção dos representantes da 1ª Autora designado pelo decreto bispal para intervirem na administração dos bens patrimoniais daquela e, por extensão, por se tratar de uma acção de indemnização, a licitude desse acto.

A esta questão o acórdão do STJ respondeu expressa e inequivocamente não só que cabia aos tribunais judiciais a apreciação dessa validade do decreto bispal, como também realizou essa apreciação através de uma exaustiva apreciação da natureza e tipologia da personalidade jurídica da 1ª autora e decidiu que a designação dos comissário e comissário adjunto como representantes da 1ª Autora realizada pelo decreto bispal deveria “[s]er considerada inválida (…)” na confirmação de que, como se refere no sumário do acórdão, compete aos tribunais judiciais resolver conflitos que possam surgir entre pessoas jurídicas canónicas erectas pela Igreja e com personalidade jurídica civil, no que concerne à organização e regime de funcionamento, designadamente quanto à sua autonomia no campo da administração e da disposição dos seus bens temporais.

Resumindo todos estes elementos de apreciação e repetindo, decerto de forma excessiva, que o pedido formulado pelas autoras no sentido da declaração da nulidade do decreto bispal tem no contexto da acção como único significado, não uma impugnação canónica desse acto administrativo eclesiástico, mas tão simplesmente a verificação por parte do tribunal judicial se a representação da 1ª Autora firmada no decreto do Sr. Bispo de Leiria-Fátima é válida ou não segundo as leis do Estado Português, somos de entender que o conhecimento dessa matéria é da competência exclusiva dos Tribunais Judiciais, como aliás já foi decidido pelo STJ no acórdão citado.

Nesta conformidade, procedem as conclusões de recurso dos recorrentes de vendo a decisão recorrida ser revogada e determinar-se a continuação dos autos por ser competente para conhecer dos pedidos o tribunal recorrido.

E de acordo com o disposto no art. 713 nº7 do CPC sumaria-se esta decisão nos seguintes termos:

- Sendo os tribunais portugueses competentes para apreciar os pedidos relativos a bens patrimoniais, propostos por uma pessoa jurídica ligada à Igreja Católica contra outra pessoa jurídica também ligada à Igreja Católica, nos termos do disposto no art. 65.°-A, al. c), do CPC, compete também aos tribunais judiciais apreciar a regularidade e a validade da representação em juízo de tais pessoas jurídicas ainda que tal representação na administração dos bens resulte de decreto do Ordinário da Diocese.

… …

 Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida por se julgar competente o tribunal recorrido para conhecer dos pedidos formulados na acção, determina-se que aí prossigam os autos.

Custas pelos Apelados.


Manuel Capelo (Relator)
Jacinto Meca
Falcão de Magalhães

[1] Vd. Montalvão Machado e Paulo Pimenta , o Novo Processo Civil, 2ª ed. p.82
[2] Vd. Antunes Varela , Manuel de Processo Civil, 2ª ed. P. 198 e ss.
[3] Vd. ac. STJ de 7 de Outubro de 2003 no proc. 2478/03 in CJ/STJ ano XI. Tomo III . p.80 e ss.
[4] Vd. Ac. STJ de 7 de Outubro de 2003 citado, p. 84
[5] Vd. Ac. STJ de 7 de Outubro de 2003 citado, p. 85.
 

[6] STJ através do acórdão de 20-2-2011 no proc. 332/09.2TBPDL.L1.S1, in dgsi.pt.
[7] Vd. ac STJ citado.