Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/19.0PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: VÍCIO DE INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
CONDIÇÕES PESSOAIS
REINCIDÊNCIA
FURTO QUALIFICADO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 4)
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 410º, N.º 2, AL. A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 75º E 76º DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: I- Mantendo-se o arguido em paradeiro desconhecido, a falta de outros elementos quanto à sua condição pessoal para além dos constantes de relatório social é da sua responsabilidade, não padecendo a sentença do vício de insuficiência da matéria de facto.
II- Estando em causa uma “atuação duplicada” na prática do mesmo tipo de crimes por um arguido “empenhado numa criminalidade homogénea” e não se descortinando da factualidade a existência de circunstâncias que tivessem impedido de atuar a advertência resultante da condenação anterior, justifica-se o acréscimo da censura ínsito na agravante da reincidência.
Decisão Texto Integral: Relatora: Cândida Martinho
Adjuntos: Capitolina Fernandes rosa
Maria Fátima Sanches Calvo

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Acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.Relatório

1.

No âmbito do processo comum coletivo nº18/19.OPEVIS, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz ... foi proferido acórdão em 5/11/2020, nos termos do qual foi decidido, para além do mais:

- Absolver os arguidos da prática do crime de furto simples que lhes estava imputado;

- Condenar os arguidos AA e BB, pela prática, em coautoria, e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) do Código Penal.

- Condenar o arguido AA, como reincidente, ao abrigo do disposto nos arts. 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de dois anos e nove meses de prisão e a arguida BB, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e seis meses, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, 51.º, n.º 1, al. a) e 53.º do Código Penal, sob as seguintes condições:

- pagar a CC a quantia de € 700 (setecentos euros), no prazo de seis meses, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, o que deverá comprovar nos autos;

- sujeitar-se a regime de prova a elaborar pela DGRSP;

- Condenar o arguido AA como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3 de janeiro, e como reincidente, ao abrigo do disposto nos arts. 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar o arguido, AA na pena única de três anos e três meses de prisão efetiva.

            2.

            Não se conformando com o decidido, veio o arguido AA interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

            “I- Foi arguido AA, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de furto qualificado , p. e p. pelos artigos 203º nº 1 e 204º nº 1 al. f) do Código Penal , como reincidente na pena de dois anos e nove meses e como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº 1 e nº2 do DL nº 2 /98 de 3 de Janeiro , e como reincidente na pena de um ano e três meses de prisão, e em cúmulo jurídico das penas parcelares na pena única de três anos e três meses de prisão efectiva.

II- Com todo e o devido respeito que é muito, os factos dados como provados pelo douto Tribunal são insuficientes para fundamentar a medida das penas aplicadas ao ora recorrente.

III- O arguido foi julgado na ausência.

IV- Não constam do douto acórdão quaisquer factos referentes à personalidade e situação socioeconómica do arguido para sustentar a medida concreta da pena aplicada.

V- Não constando factos essenciais para a decisão que deviam ter sido apurados em julgamento, tanto para a escolha e determinação da medida da pena, como para a reincidência.

VI- O art..º. 71º do Código Penal no seu nº 2 determina ao julgador que deve atender, para a determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor e contra o agente, desde que relevantes para a culpa e a prevenção, geral e especial, como ademais decorre do n.º 1.

VII- E ainda o n.º 3 do mesmo preceito impõe que “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” E ainda o n.º 3 do mesmo preceito impõe que “ Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”

VIII- O douto tribunal tinha o poder-dever de recorrer a outros meios probatórios para apurar as condições económicas e pessoais do arguido, no momento da pratica dos factos e atualizados ao momento mais próximo possível do acórdão.

IX- Tem maioritariamente assim a jurisprudência entendido que a nulidade decorrente da omissão do apuramento de factos relativos à situação pessoal e económica do arguido implica o reenvio do processo para novo julgamento, conforme se encontra previsto nos arts. 426º, n.º 1, e 426º-A do Código de Processo Penal.   

X- Porém também pacificamente se entendido que quando a nulidade decorrente da verificação de um vício da sentença não envolve o juízo sobre a culpabilidade já efetuado nos termos do art. 368º do Código de Processo Penal, no plano dos princípios vigentes no processo penal nada obsta a que o mesmo juiz reabra a audiência para produção de prova suplementar com vista à determinação da sanção.

XI- “ Dada a importância do apuramento das condições relativas à personalidade e modo de vida do agente, o Código de Processo Penal consagrou o sistema de césure: a produção de prova na audiência de julgamento é cindida: só depois de concluir ser de aplicar no caso uma pena ou medida de segurança se produz prova ( incluindo a elaboração de relatório social) relativa à personalidade e condições pessoais do arguido, podendo reabrir a audiência para produção de prova suplementar com esse objectivo ( artigo 368º a 371º do Código de Processo penal ) “ ( Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 22-03-2023, in www.dgsi.pt).

XII- O douto Acordão em crise padece de vicio de insuficiência da matéria de facto provada, nos termos e para efeitos do artigo 410º nº 2 alínea a) do Código de Processo Penal.

XIII- O que impõe neste caso a reabertura da audiência de julgamento para o apuramento das condições sociais, familiares e económicas, do arguido- com audição deste para produção de prova suplementar o que se requer- , com posterior prolação de nova decisão que deverá ter em consideração os factos que se venham a provar relativos às condições de vida do arguido.

Sem Prescindir

XIV- Além do mais não pode o arguido ora recorrente conformar-se com a sua condenação como reincidente.

XV- In casu o douto Tribunal a quo fundou a convicção nos factos provados 22 a 29 como suficientes para considerar a punição a título de reincidência aplicável,

XVI- Ora, tais factos provados resultam tão só e unicamente do registo criminal do arguido, ora recorrente.

XV- A reincidência é admissível caso a acusação descreva os factos concretos dos quais se intui que o arguido não sentiu a advertência da condenação anterior. O que no entender do ora recorrente não foi feito.

XVI- Não foram apresentados em concreto, factos inerentes à personalidade do arguido e dos quais, se possa concluir, que o mesmo, não tenha interiorizado a advertência das condenações anteriores.

XVII- É na acusação, atendendo ao princípio do acusatório e do contraditório, que deveriam ter sido expostos, factos concretos e o raciocínio relativo ao pressuposto material da reincidência.

XVIII- De facto no caso concreto nem a acusação nem o acórdão condenatório justificam e explicam, fundamentos e razões, de forma a concluir que, as anteriores condenações, não serviram de advertência.

XIX- É previsto no nosso Código Processo Penal, no seu artigo 410.º a necessidade de fundamentar suficientemente a sentença no que respeita, também, a estes elementos.

XX- Concluindo pela aplicação da medida da pena – na sua natureza e medida concreta- com base em meros documentos – registo criminal e relatório social inexistente quanto ao momento da prática dos factos e posteriormente á prática dos factos - considera, com o devido respeito, enfermar a sentença de vício de insuficiência conducente à nulidade da mesma.

XXI- Não teve o douto Tribunal “a quo” em conta a linha orientadora que o Código de 1982 traça de um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.

XXII- E douto tribunal “a quo” não considerou o critério orientador da escolha da pena, fixada no artigo 71° e 72° do Código Penal.

XXIII- Subsiste também a insuficiência de matéria de facto para a decisão por não se verificar o pressuposto material da reincidência.

XXIV- Em face do exposto deve o arguido ser absolvido da prática do crime a título de reincidência com as legais consequências.

NESTES TERMOS e nos mais de direito, apelando ao elevadíssimo sentido de Justiça de Vossas Excelências, se requer Veneranda e Respeitosamente, se dignem conceder provimento ao presente Recurso, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra onde se decida em conformidade com as conclusões.

Logo, dando V. Exas como darão, provimento ao Recurso, farão a costumada Justiça!”.

3.

            A Exma Procuradora da República junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:
1) Não foi violada qualquer norma jurídica, nem ocorreu contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova.
2) A factualidade dada como provada resultou do exame crítico do conjunto das provas produzidas e examinadas em audiência, não se verificando qualquer omissão de factos concretos sobre o pressuposto material da reincidência.
3) A decisão recorrida não merece qualquer reparo.

4.

  Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, por, no seu entender, o acórdão recorrido padecer de uma nulidade por falta de fundamentação no que tange à aplicação do regime da reincidência.

5.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do C.P.P., o arguido apresentou qualquer resposta ao parecer.

6.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº3, al. c), do diploma citado.

II. Fundamentação


A) Delimitação do objeto do recurso

Definindo-se o âmbito do recurso pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam, no caso vertente, atenta a conformação das conclusões formuladas, as questões a decidir são as seguintes:
  - Saber se sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, vício a que alude o artigo 410º, nº2, al. a), do CPP.
- Saber se se mostram verificados os pressupostos da condenação do arguido como reincidente.

B) Com vista à apreciação das questões supra enunciadas, importa ter presente os seguintes segmentos do acórdão recorrido:
“(…)

            Factos provados

1. Pelas 10h00m, do dia 19 de Fevereiro de 2019, os arguidos dirigiram-se à rua ..., ..., mais concretamente ao estabelecimento comercial denominado “A...”, pertença de CC, que também o explorava comercialmente, com intenção de retirarem e levarem consigo o dinheiro que aí se encontrasse, uma vez que a arguida BB, por ter trabalhado para uma firma denominada “B...”, de ..., que fornecia o dito mini-mercado, sabia o local onde aquela CC habitualmente guardava o dinheiro para pagar aos fornecedores, tendo dito ao arguido AA que a mesma guardava tal dinheiro no interior de uma carteira que se encontrava atrás duma porta sita no interior das instalações daquele mini-mercado, porta essa que dava acesso ao armazém contíguo ao mesmo.

2. Para tanto os arguidos deslocaram-se no automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-UL-.., de cor ..., marca ..., modelo ..., que tinha sido alugado num rent a car da C..., por DD, conduzido pelo arguido AA, que o estacionou em frente ao chafariz, a cerca de 20 metros do estabelecimento comercial “A...”, sito na rua ....

3. Após, e na execução de acordo previamente firmado entre os dois arguidos, o arguido AA dirigiu-se para o interior daquele “A...” no sentido de verificar quantas pessoas ali se encontravam, tendo constatado que no seu interior apenas se encontravam a dona de tal estabelecimento comercial, a dita CC e uma cliente.

4. Nessa altura, o arguido AA, para justificar a sua presença naquele mini-mercado e para que a sua dona não desconfiasse das suas reais intenções, dirigiu-se ao balcão deste estabelecimento comercial e comprou um pacote de pastilhas elásticas, tendo pago em dinheiro e recebido o respectivo troco daquela CC, o que lhe permitiu ver que no interior da caixa registadora também havia algum dinheiro.

5. De seguida o arguido saiu do dito mini-mercado e foi ter com a arguida BB que o aguardava no interior do supra mencionado veículo automóvel, tendo entre ambos combinado que a BB deveria atrair para fora do estabelecimento comercial, aquela CC e a única cliente ali se encontrava, enquanto o arguido AA, aproveitando a circunstância de ninguém se encontrar em tal estabelecimento comercial, entraria para o interior do mesmo e daí retiraria o dinheiro para pagamento aos fornecedores que se encontrava na supra mencionada carteira e também aquele que se encontrava no interior da gaveta da caixa registadora daquele estabelecimento comercial.

6. Assim, na execução do combinado entre os arguidos, a arguida BB entrou naquele mini-mercado, apresentando-se chorosa e aflita perante a dita CC, dizendo-lhe que alguém tinha embatido no sobredito veículo automóvel de marca ..., mais dizendo que tal veículo pertencia ao seu pai, tendo convencido a dita CC e a única cliente que na altura se encontrava naquele mini-mercado a saírem para o exterior do mesmo e a dirigirem-se para o local onde se encontrava estacionado o veículo de marca ... a fim de verem os riscos que a parte lateral esquerdo desse veículo ostentava.

7. O local para onde a arguida BB atraiu a CC e a sobredita cliente, onde estava estacionado o dito veículo de marca ..., situava-se a 20 metros do dito mini-mercado e não permitia que aquela CC e cliente visualizassem se alguém entrava no interior daquele estabelecimento comercial.

8. Nessa altura, a arguida, a chorar, disse para aquelas CC e cliente, que o seu pai lhe tinha emprestado aquele veículo de marca ... e não sabia o que havia de fazer, mantendo nesse local uma conversação com as mesmas que durou cerca de cinco minutos, a fim de dar tempo ao arguido AA de entrar naquele mini-mercado e daí retirar os bens e valores que ali se encontrassem.

9. Por sua vez, o arguido AA, logo que a dita CC e a referida cliente se afastaram daquele mini-mercado na companhia da arguida BB, na execução do plano anteriormente firmado entre os arguidos, aproveitou para penetrar para o interior do dito mini-mercado, pois que nessa altura não se encontrava aí ninguém, abriu a porta que dava acesso para o armazém contíguo ao mesmo e entrou no corredor que conduzia a tal armazém, vendo que a carteira da ofendida CC se encontrava por detrás dessa porta.

10.Uma vez aí, o arguido retirou a carteira e os 1700 euros que a mesma continha no seu interior e dirigiu-se para o local onde se encontrava a caixa registadora daquele mini-mercado, tendo retirado a gaveta da mesma, com o dinheiro que aquela continha cerca de 60 euros. De seguida, o arguido saiu daquele mini-mercado levando consigo a dita carteira, gaveta da caixa registadora e o dinheiro.

11. Nessa altura, a arguida apercebeu-se que o arguido tinha saído do interior daquele mini-mercado, pelo que terminou a conversação que vinha mantendo com a CC e a cliente do mini-mercado e conduziu o dito veículo automóvel de marca ... para local previamente combinado entre si e o arguido.

12. De seguida, o arguido entrou para o interior daquele veículo automóvel, onde já se encontrava a arguida à sua espera, e conduziu o mesmo pela Estrada Nacional nº ...29, até local incerto da cidade ..., tendo os arguidos levado consigo a dita carteira, gaveta da caixa registadora e 1870 euros em dinheiro, assim os fazendo seus.

13. A referida carteira, gaveta da caixa registadora e os 1870 euros que o arguido levou consigo eram pertença da ofendida CC, sendo que a gaveta da caixa registadora valia 17 euros e aquela carteira valia 20 euros.

14. O local onde se encontrava a dita carteira e dinheiro era de acesso reservado aos funcionários e à dona daquele mini-mercado, não sendo aí permitida a entrada de outras pessoas, nomeadamente dos clientes do mesmo, o que os arguidos bem sabiam e que ao agirem nas circunstâncias atrás descritas o faziam no desconhecimento e contra a vontade daquela CC.”

15. Os arguidos apoderaram-se da carteira de CC que continha 1.700,00€ (mil e setecentos euros) no seu interior e da gaveta da registadora que continha cerca de 60,00€ (sessenta euros) em moedas variadas, apesar de saberem que nem a carteira, nem o interior da registadora, nem o dinheiro lhes  pertencia e que ao apoderarem-se desses objectos e dessas quantias agiam contra a vontade da sua dona. (8 acs)

16. Os arguidos chegaram a ... e começaram a gastar o dinheiro de que se apoderaram, pagando o almoço com esse dinheiro, a despesa do cabeleireiro onde a arguida BB foi e outras despesas correntes, como dois maços de cigarros. (9 acs)

17. “Pelas 17h00m, do dia 19 de fevereiro de 2019, o arguido AA conduziu o supra mencionado veículo automóvel ligeiro de passageiros, de maraca ..., com o número de matrícula ..-UL-.., pela Rua ..., em ..., tendo sido nessa altura abordado por elementos da PSP a quem entregou 1100 euros dos 1760 euros que havia retirado do A..., nas circunstâncias atrás descritas, dinheiro este que, após, foi entregue à ofendida CC.” (substitui facto 10 da acs).

18. Os arguidos agiram, sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de fazer seu o dinheiro existente na carteira de CC e no interior da caixa registadora, de que se apropriaram, apesar de saber que não lhes pertenciam. (11 acs).

19. O arguido também sabia que as ruas, avenidas e estradas por onde conduziu o automóvel em causa, eram públicas e sabia, que para aí conduzir o veículo ligeiro supramencionado tinha de ser titular da respectiva habilitação legal. Não obstante, quis conduzir e conduziu por essas artérias o automóvel mencionado, o ... ..-UL-... (12 acs).

20. Ambos os arguidos agiram em todas as circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crimes. (13 acs).

21. “No âmbito do Processo Comum Singular nº 556/10...., do ... Juízo criminal do Tribunal Judicial de Leiria, foi o arguido condenado, por sentença proferida em 13 de julho de 2011, transitada em julgado em 6 de fevereiro de 2012, por factos cometidos em 28 de fevereiro de 2010, quando cumpria uma pena única de sete anos e oito meses de prisão, pela prática de um crime de evasão, p. e p. pelo art. 352º, nº1 do Código Penal, na pena de oito meses de prisão efectiva.

22. Já no Processo Comum Colectivo nº 112/12...., do, à data, ... Juízo do Tribunal Judicial de Guarda, foi o arguido condenado, por acórdão proferido em 26 de setembro de 2012, transitado em julgado no dia 4 de abril de 2013, por factos cometidos em 30 de Maio de 2012, pela prática de um crime de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203 e 204º, nº2, al e) do Código Penal, na pena parcelar de quatro anos e três meses de prisão e pela prática de um crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 3/01, na pena parcelar de um ano  de prisão. Em cúmulo jurídico destas duas penas de prisão, foi o arguido condenado na pena única de quatro anos e oito meses de prisão efectiva.

23. Este arguido esteve ininterruptamente preso, em cumprimento das sobreditas penas de prisão efectiva que lhe foram aplicadas nos processos nºs 556/10.... e 112/12.... e, ainda, do remanescente de um ano, três meses e sete dias de prisão, decorrente da revogação da liberdade condicional que lhe havia anteriormente sido concedida, entre o dia 21 de junho de 2012 e o dia 9 de dezembro de 2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

24. Do que atrás constata-se que entre a prática de qualquer um daqueles crimes pelos quais o arguido foi condenado e entre o último desses e aqueles por que ora se encontra acusado, descontado o tempo durante o qual este arguido cumpriu pena de prisão e se encontrou em situação de prisão preventiva, não decorreram cinco anos.

25. Atentos os antecedentes criminais deste arguido, que este revela uma acentuada propensão para a prática de crimes estradais e contra o património.

26. O que é comprovado pela circunstância do arguido voltar sistematicamente, quando se encontra em liberdade, a reincidir na sua prática, prolongando-se esta sua conduta delituosa já por mais de quinze anos a esta parte, indiferente às condenações por aquele, entretanto já sofridas, de pesadas penas de prisão efectiva.

27. O arguido cometeu novo crime quando se encontrava no período da liberdade condicional, pois no Processo Sumário nº 50/18...., do Juízo de Competência Genérica ...-J..., foi novamente condenado, por sentença prolatada em 10 de Outubro de 2018, transitada em julgado no dia 26 de Novembro de 2018, por factos cometidos no dia 27 de Setembro de 2018, pela prática de um crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do DL nº 2/98, de 3/01, na pena de um ano e dois meses de prisão, substituída pela pena de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.

28. Posteriormente, por decisão datada de 24 de setembro de 2019, transitada em julgado no dia 4 de novembro de 2019, foi revogada tal pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e determinado o cumprimento da pena principal de um ano e dois meses de prisão aplicada ao arguido.

29. Aquelas condenações e respectivas penas não foram suficientes para o afastar da criminalidade e conseguir a sua recuperação social, dado que este se mostra totalmente insensível à advertência ínsita nas mesmas, revelando que as penas (parcelares e única) de prisão anteriormente aplicadas não produziram os seus efeitos preventivos de ressocialização, de reintegração na comunidade e como forma de prevenção da prática de novos crimes, continuando, nesta data, este arguido a revelar uma acentuada propensão para a prática do crimes estradais e contra o património.”

Das condições pessoais do arguido AA.

30. O arguido é o mais novo de três filhos de um casal de condição socio- económica modesta, tendo crescido inserido no seu agregado familiar de origem.

31.Os seus pais trabalhavam (pai era carpinteiro e mãe empregada de supermercado) e puderam proporcionar aos descendentes adequadas condições de vida.

32. Ingressou na escola em idade própria, até ao 4º ano de escolaridade em escola pública e depois no colégio ... onde os pais o colocaram em regime de externato, de forma a estar mais apoiado já que eles tinham horários alargados de trabalho, tendo aí permanecido até completar o 6º ano de escolaridade, manifestando capacidades de aprendizagem, mas já com indicadores de fraca motivação e de dificuldades de adaptação ao sistema escolar que se traduziam pelas ausências da escola, acabando por reprovar por faltas durante o 7º ano. O arguido repetiu esse ano noutros estabelecimentos de ensino da cidade sem sucesso porque gradualmente se agravou a desmotivação e a taxa de absentismo escolar.

33. Iniciou nesta altura o consumo de haxixe, passando mais tarde à heroína e cocaína, porém sem situação de grande dependência e passou a conviver com indivíduos mais velhos, com condutas desviantes, com quem passava os seus tempos livres.

34. A família deixou de ter capacidade de exercer qualquer controlo pois o arguido nada acatava, chegando a efetuar fugas de casa por períodos razoáveis de tempo.

35. Perante a incapacidade que sentiam em conter este comportamento os pais solicitaram apoio à Comissão de Proteção de Menores e mais tarde ao Tribunal no sentido de o institucionalizarem.

36. Neste contexto vivencial desviante o arguido regista o primeiro processo tutelar educativo, com 14 anos sem que esta primeira intervenção lograsse alterar o seu modo de vida.

37. Foi preso preventivamente em 2005, indiciado por crimes de roubo, furto qualificado e associação criminosa, passando nesse ano ao cumprimento a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo incumprido esta medida ausentando-se ilegitimamente tendo sido capturado quatro dias depois.

38. Voltou a ser preso preventivamente e foi condenado a uma pena de 7 anos e 8 meses de prisão.

39. Durante a pena de prisão concluiu o 9º ano e trabalhou em alguns períodos, mas o seu percurso prisional foi globalmente instável, com várias infrações disciplinares e uma evasão entre 28/02/2010 e 31/03/2010.

40. Fez tratamento à toxicodependência com apoio do CRI em meio prisional aparentando alguma estabilidade, ainda que com necessidade de consolidação.

41. A liberdade condicional foi concedida em outubro de 2011 aos 5/6 da pena e o arguido prosseguiu o acompanhamento do CRI ..., onde compareceu regularmente em consultas até fevereiro de 2012, mostrando-se equilibrado; registando testes de despiste com resultados negativos.

42.A partir dessa data deixou de comparecer no CRI verbalizando ter deixado de consumir.

43. Em maio de 2012 casou-se com a namorada, de quem teve uma filha.

44.Integrava também o agregado a enteada e residiam num apartamento arrendado com razoáveis condições de habitabilidade.

45. O arguido trabalhava ocasionalmente no sector da construção civil, auferindo € 30/dia.

46.Recebiam ajuda por parte dos pais de ambos, em géneros alimentares e

dinheiro.

47. O arguido deu entrada novamente no Estabelecimento prisional ... em junho de 2012, onde manteve comportamentos instáveis tendo registado várias sanções disciplinares.

48.Voltou a beneficiar de acompanhamento terapêutico com o CRI ....

49. AA saiu em liberdade condicional por decisão de 3/12/2017, tendo reintegrado o seu agregado, formado pela a esposa, a filha e a enteada, ambas menores.

50.Viviam em casa arrendada, de tipologia T3, com condições de habitabilidade.

51. A esposa trabalhava numa pastelaria mediante um salário de 670€ mensais.

52.As menores frequentavam a escola.

53. O arguido começou por frequentar um curso profissional no IEFP da Guarda, remunerado com bolsa de 421€/mês, iniciado a 22-01-2018 e com termo previsto para setembro desse ano, seguido de estágio profissional. Desistiu para trabalhar na empresa ``D...´´, de abril até junho, depois foi admitido no E... no mês de julho de 2018, onde auferia o ordenado mínimo nacional.

54.Na altura em que frequentava as aulas de código, para a obtenção da licença de condução, foi também encaminhado para o CRI ..., tendo comparecido em algumas consultas.

55. AA, deixou comparecer na DGRSP às entrevistas de acompanhamento no âmbito da liberdade condicional no mês de dezembro de 2018.

(…)

72. Além do já supra provado de 20 a 22, o arguido AA foi condenado pela prática dos seguintes crimes:

- um crime de furto qualificado, praticado em 2003, em pena de prisão substituída por multa;

- um crime de furto qualificado, um crime de roubo e um crime de ofensa à integridade física, praticados no ano de 2005, pelos quais foi condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;

- Um crime de violência depois da subtracção e um crime de condução sem habilitação legal, praticados no ano de 2005, pelos quais foi condenado na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão;

- Dois crimes de roubo, praticados no ano de 2005, pelos quais foi condenado na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão;

73.A arguida BB não tem antecedentes criminais.

Factos não provados

Que a gaveta da caixa registadora referida em 10 dos factos provados contivesse 170 euros.

Que, ao todo, os arguidos se tenham apoderado de 1870 euros.

(…)”.

Das consequências jurídicas dos crimes

Refere o art. 40.º do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (considerações de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção especial). O n.º 2 do artigo citado enuncia o princípio geral e estruturante do direito penal, o princípio da culpa, através do qual se afirma que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

Reafirma o art. 71.º, n.º 1 do Código Penal que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor ou contra o agente.

Da natureza da pena.

                “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta determinar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”, art. 70.º do Código Penal.

Ao crime de furto qualificado imputado aos arguidos é aplicável uma pena de multa até 600 dias ou uma pena de prisão de 1 a 5 anos, sendo que o mesmo sucede relativamente ao crime de condução sem habilitação legal que é imputado ao arguido AA, embora com diferente moldura, até 240 dias de multa ou até 2 anos de prisão.

Quanto ao arguido AA, em face dos seus – vastos – antecedentes criminais, não há qualquer dúvida que a pena de prisão é a única que, de forma adequada e suficiente, cumpre as finalidades de punição, desde logo, pelas muito elevadas exigências de prevenção especial.

Já quanto à arguida BB, dado que é primária e jovem, poderia a opção pela pena de multa ser a adequada, todavia, a sua falta de reconhecimento dos factos, sem qualquer consciência crítica relativamente aos mesmos, e, consequentemente, a sua falta de arrependimento, obrigam a que o momento da escolha da pena reflicta essas mesmas circunstâncias, pois que a personalidade assim revelada (por muito que o tribunal compreenda que a arguida queira apagar o seu passado e pretenda reconstruir a sua vida, nos moldes, aliás, que resultam provados e sem dúvida o tribunal reconhece como muito positivos – cfr. factualidade provada respeitante às suas condições pessoais –, não deixa de se lamentar que essa vontade de construir uma vida nova não parte do total reconhecimento dos erros praticados, o que não dão muita tranquilidade relativamente ao seu comportamento futuro) não permite concluir que a multa seja suficiente para satisfazer as finalidade da punição, maxime as atinentes à prevenção especial, que o caso obriga, razão por que também se optará, quanto à arguida, por uma pena de prisão.

Das sanções abstractamente aplicáveis.

Feita a opção pela pena privativa da liberdade, ao crime de furto qualificado imputado aos arguidos é aplicável uma pena de prisão de 1 a 5 anos e ao crime de condução sem habilitação legal que é imputado ao arguido AA é aplicável uma pena de prisão até 2 anos.

Das penas em concreto.

Determinada a moldura penal abstracta, cabe agora a este tribunal, numa segunda etapa, determinar qual a pena que, em concreto, deve ser aplicada ao arguido, sendo certo que como directrizes têm de ser considerados os arts. 40.º, 70.º e 71.º todos do Código Penal.

À culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicado, sendo em função de considerações de prevenção, quer geral de integração, quer especial de socialização, que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena, de modo a que, através deste processo de determinação da  medida da pena, se acentue a integração e o reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança em face da violação da norma (numa função de protecção do ordenamento jurídico - reacção contrafáctica das normas).

Da medida das penas.

Considerando as circunstâncias relativas à prática dos factos criminosos, o seu grau de ilicitude, que é elevado, o dolo, que foi intenso (esta intensidade decorre, não da sua conduta típica, como também do contexto que envolveu a sua prática, numa actuação perfeitamente coordenada entre si, visando atingir concretizar o furto, o registo criminal do arguido AA, a sua idade, as consequências da prática dos factos (que se medem, pelo modo como os factos foram praticados, pelo valor dos bens furtados e pelos danos causados na sua perpetração, mas também a recuperação parcial do produto do crime), assim se medindo o grau de lesão da propriedade das pessoas afectadas, e pela intensidade como foram atingidos os bens jurídicos protegidos.

Há, quanto ao arguido AA, ainda a ponderar a sua condição de reincidente, cujos requisitos materiais ou substantivos se mostram previstos no art. 75.º do Código Penal, nos seguintes termos:

“1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra              o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”

Conforme se mostra explanado no Acórdão da Relação de Coimbra de 30 de maio de 2012, proferido nos autos 68/10.1GAVGS.C1, disponível in www.dgsi.pt:

“1.Para efeitos de reincidência exige-se a verificação dos seguintes pressupostos: a)

Formais: o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.

b) Material: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime;

O preenchimento do pressuposto material tem de assentar em factos concretos, não bastando a mera menção ao certificado de registo criminal;

3. Torna-se necessário explicitar, designadamente da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e  a forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efetiva não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas.”

A factualidade provada permite confirmar (cfr. factos provados 22 a 29), de modo pleno, quer os pressupostos formais, quer os substanciais da reincidência relativamente ao arguido AA, pelo que à moldura abstracta referida temos de ter em consideração a punição a título de reincidência, que se mostra prevista nos seguintes termos no art. 76.º do Código Penal:

“1 - Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. 2 - As disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência.”

Em face dos factores referidos, temos por adequada e proporcional aplicar as seguintes penas de prisão para cada um dos arguidos:

- Arguido AA:

- dois anos e nove meses de prisão pela prática do crime de furto qualificado e um ano e três meses pela prática do crime de condução sem habilitação legal.

(…)

Pena do concurso relativamente ao arguido AA

Dispõe o art. 77.º, n.º 2 do Código Penal: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

Moldura do concurso

O limite máximo resulta, de acordo com a directriz acabada de enunciar, da soma das penas concretamente aplicadas ao arguido, o que dá quatro anos de prisão.

O limite mínimo é dado pela pena concretamente mais elevada, o que dá dois anos e nove meses de prisão.

Medida da pena do concurso

“Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”, é o que dispõe a parte final do n.º 1 do art. 77.º do Código Penal, consistindo este num critério especial, além dos critérios gerais fornecidos pelo art. 71.º do Código Penal.

E aqui, ao ter por critério primeiro aquele acabado de enunciar, não há o risco de se cair numa dupla valoração, pois, como afirma o FIGUEIREDO DIAS: “...deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não há haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração.”, in ob. cit., p. 292.

Há então que fazer uma análise sobre a "gravidade do ilícito global” (F. DIAS) de modo a fazer a conexão correspondente entre os ilícitos praticados.

De acordo com os factos provados e analisados a propósito da determinação da medida da pena de cada um dos crimes cometidos, conclui-se que a prática dos factos se revela de gravidade acentuada, atingindo, de forma persistente, bens jurídicos de diversa natureza, numa propensão criminosa significativa a exigir uma resposta do sistema formal de controlo, que permita fazer face ao alarme social provocado com tal tipo de condutas, devendo somar-se a tendência delituosa revelada pelos crimes que já resultam do seu C.R.C.

Neste contexto, entendemos por adequado, de modo a sinalizar a gravidade global da conduta ilícita do arguido, fixar a pena única de prisão em três anos e três meses.
(…)”.

C) Apreciação do recurso

- Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - art.410º, nº2, al. a), do CPP.

Começa o recorrente por defender que do acórdão recorrido não constam quaisquer factos referentes à sua personalidade e situação socioeconómica, factos esses que deviam ter sido apurados em julgamento, tanto para a escolha e determinação da medida da pena, como para a reincidência, cabendo ao tribunal o poder-dever de recorrer a outros meios probatórios para apurar as condições económicas e pessoais do arguido, no momento da prática dos factos e atualizados ao momento mais próximo possível do acórdão.

Tal alegação remete-nos para a questão de saber se o acórdão recorrido padece do vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Vem sendo entendimento praticamente unânime dos tribunais superiores que quando a averiguação das condições pessoais e económicas do agente e da sua personalidade se configurar como indispensável à boa decisão da causa no tocante á determinação da sanção, a ausência dela acarreta a verificação do vício previsto na alínea a) do nº2 do artigo 410º, do CPP.

Os vícios decisórios a que aludem as três alíneas do citado artigo 410º,nº2, têm por objeto defeitos lógicos da sentença e não do julgamento.

Por isso, a demonstração da sua existência só pode ser feita através do respetivo texto, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, não sendo admissível, para este efeito, lançar mão de elementos alheios à sentença, ainda que constem do processo.

Tal regime legal dos vícios da decisão não contempla a reapreciação da prova - contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto - limitando-se a atuação do tribunal de recurso, à sua deteção e, não podendo saná-lo, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal).

Ora, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só existe quando o Tribunal a quo, podendo fazê-lo, deixa de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a matéria de facto apurada não possibilita, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação.

Deste modo, pressupondo então a verificação deste vício que o tribunal tenha deixado de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão, facilmente se conclui que, no caso vertente, o mesmo não se verifica, tendo o tribunal recorrido assumido o dever de investigação do que podia e devia relativamente às condições pessoais de vida do arguido e da sua personalidade.

O tribunal a quo investigou o que podia e devia, e daí que a matéria de facto apurada é mais do que suficiente para a decisão de direito a proferir em sede de escolha e medida da pena e da reincidência.

Evola de forma clara dos autos que o tribunal recorrido, previamente à realização da audiência de julgamento, ordenou a realização do relatório social, o qual foi junto aos autos na véspera do dia designado para a audiência de julgamento (17/9/2020), no início da qual foi notificado aos sujeitos processuais, nada tendo a defesa do arguido oposto ou requerido na sequência do mesmo.

O arguido não compareceu à audiência de julgamento apesar de, para tal, estar legalmente notificado, e daí que, por esta via, mostrava-se inviabilizada a obtenção de outros elementos atinentes às suas condições pessoais de vida, tendo-se mantido em paradeiro desconhecido até à data da notificação do acórdão recorrido, esta ocorrida quase decorridos três anos, apesar das várias diligências efetuadas no sentido da sua localização.

            Posto isto, se, no seu entender, existiam outros elementos (mais atuais) que a respeito de tais condições poderiam ter sido trazidos à liça no decurso da realização da audiência, a sua a falta só ao arguido se pode assacar.

Atentando-se na facticidade vertida nos pontos 30 a 55, a mesma é abundante a respeito das condições pessoais de vida do arguido, só por mero lapso ou distração se concebendo a afirmação feita no presente recurso de que “não constam do douto acórdão quaisquer factos referentes à personalidade e situação socioeconómica do arguido para sustentar a medida concreta da pena aplicada”.

Ademais, quanto à personalidade do arguido, valem ainda os seus antecedentes criminais (pontos 21 a 29 e 72), a atuação descrita na factualidade, sem esquecer a sua postura de alheamento aos termos da audiência.

Em suma, a matéria de facto elencada no acórdão recorrido é assim suficiente para possibilitar uma ponderação dos elementos a que o n.º 2 do artigo 71º do Código Penal manda atender para a determinação da medida da pena, improcedendo, neste segmento, o recurso interposto.


- Da verificação dos pressupostos da condenação do arguido como reincidente

Não se conformando também com a sua condenação como reincidente, defende o recorrente que o Tribunal a quo ao considerar suficientes os factos provados nos pontos 22 a 29, para efeitos da punição a título de reincidência, cingiu-se tão só e unicamente ao registo criminal do arguido, ora recorrente.

Mais defende que nem a acusação, nem o acórdão condenatório, justificam e explicam, fundamentos e razões, de forma a concluir que as anteriores condenações, não serviram de advertência.

Conclui, em suma, dever ser absolvido da prática do crime a título de reincidência com as legais consequências.

            Adiantando a nossa conclusão, cremos que não assiste razão ao recorrente.

A nosso ver, a factualidade supra enunciada contém factos com base nos quais não pode deixar de concluir-se que o arguido, ora recorrente, foi indiferente à condenação anterior, de tal modo que, por força dessa sua insensibilidade, veio a reincidir.

 Nos termos do art.75.º n.º1 do C.Penal «É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime»

E o nº 2 acrescenta: «o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade»

São, assim, pressupostos formais da reincidência:

- que o crime agora cometido seja um crime doloso;

- que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

- que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança.

Além destes pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material:  que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime, pressuposto  indicador que a verificação da agravante qualificativa da reincidência não é automática, exigindo-se, ao invés, uma concreta ponderação a respeito da verificação ou não deste pressuposto constante da parte final do citado artigo 75º,nº1.

O recorrente não questiona a verificação dos pressupostos formais. A sua divergência incide apenas sobre o preenchimento do pressuposto material.

A este propósito, acentua o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §377 e 378, pág.268/269:

 «É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e, portanto, para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. (…)».

E continua « o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, (…) é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel».

Esta doutrina, como se salientou no Ac. do STJ de 29/2/2012, proc. 999/10.9TALRS-S1(Santos Cabral) tem obtido acolhimento uniforme na jurisprudência do nosso mais alto Tribunal. “Argumenta-se no sentido de que, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor”.

 No mesmo sentido, salientando a necessidade de uma conexão estreita entre o novo crime e o crime anterior, situam-se, entre outros, os acórdãos de 22-06-2006, Proc. 06P1790 (Santos Carvalho), de 27.02.2008, Proc. 08P419 (Pires da Graça), de 18-06-2009, Proc. 159/08.9PQLSB.S1 (Sousa Fonte), de 17.10.2012, Proc. 87/11.0PJAMD.S1 (Santos Cabral), de 26-09-2012, Proc. 3/11.0PJAMD.L1.S1 e de 13.9.2018, Proc. 184/17.9JELSB.L1.S1 (Maia Costa) e, entre os mais recentes, os acórdãos de 23.03.2022 (do mesmo relator), Proc. 4/17.4SFPRT.P1.S1, de 19.05.2022 (Adelaide Sequeira), Proc. 356/20.9GHVFX.L1.S1, de 12.10.2022 (do mesmo relator), Proc. 17/21.1GABCL.S1, e de 12.10.2022 (Pedro Branquinho Dias), Proc. 2043/20.9PBBRR.S1, em www.dgsi.pt).

            Sem que se coloque em causa tal posição unânime do STJ - “não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores”; “a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente”- vem sendo igualmente uniforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de afirmar a conexão entre crimes que protegem o mesmo bem jurídico e, especialmente, nos crimes de tráfico de estupefacientes.

Como se consignou no Acórdão do STJ de 9/6/2014, Proc.04P1128 (Henriques Gaspar), “o juízo necessário quanto à verificação dos pressupostos subjetivos da agravante da reincidência (não ter servido a condenação anterior de suficiente advertência contra o crime) não supõe idêntico método de análise ou igual grelha de leitura nos casos de reincidência imprópria ou própria”; “nesta espécie de reincidência (homótropa), em diverso daquela (polítropa), a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, mas apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior em condições semelhantes de um mesmo crime, como é o tráfico de estupefacientes, e logo durante o período de liberdade condicional, revela suficientemente, em tal direita relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática do novo crime” .

Nesta linha jurisprudencial sustentou-se também no citado Ac. de 29/02/2012 que “estando em causa uma reincidência homogénea, ou especifica é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado. Se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática, é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir.

Na verdade, se o que se pretende são provas que permitam fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido, então é perfeitamente legitimo o apelo a uma regra de experiência comum que nos diz que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes do mesmo tipo. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo.

Aliás, em face de uma atuação duplicada na prática do mesmo tipo de crime por agente empenhado numa criminalidade homogénea, que outros factos se podem invocar em vista da afirmação de uma conexão entre os crimes praticados que não a prática dos mesmos crimes? (sublinhado nosso)

A afirmação contida na decisão de primeira instância de que “Porém tais condenações não foram suficientes para impedir os arguidos AA de praticar novos factos puníveis criminalmente com pena de prisão, nos cinco anos seguintes ao cometimento do anterior crime, descontado o tempo em que esteve preso, mantendo a prática deste tipo de ilícitos como meio de vida” constitui fundamento bastante para o funcionamento da agravante da reincidência».

No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 18-02-2016, Proc. 35/14.6GAAMT, no qual igualmente se sustenta que “se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo. Pelo que, não existem dúvidas de que no caso se verifica a reincidência como qualificativa da pena a aplicar aos arguidos”.

E ainda os Acórdãos do mesmo Tribunal, de 09-05-2019, Proc. 13/17.3SWLSB.L1.S1 e de 19/1/2022,  proferido no âmbito do proc.3/20.9FCOLH.S1, reproduzindo este último a argumentação do citado acórdão de 29/02/2012.

No caso concreto, a atuação do arguido, como resulta da factualidade supra descrita, integra a prática pelo mesmo de um crime de furto qualificado (este em coautoria) e um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.

Tais ilícitos criminais estiveram também na origem da sua anterior condenação, no âmbito do processo 112/12...., por factos ocorridos em 30 de maio de 2012 ( nestes autos o arguido também cometeu um crime  de furto qualificado em coautoria com pessoas do sexo feminino, conduzindo nesse dia o veiculo automóvel em que se fizeram transportar para o local do furto, sem a corresponde habilitação legal).

O arguido esteve ininterruptamente preso entre o dia 21 de junho de 2012 e o dia 9 de dezembro de 2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

Foi esta condenação (a que se reporta o ponto 22 da factualidade) que o tribunal recorrido teve em consideração para efeitos de aferir a reincidência.

 Posto isto,  estando em causa uma “atuação duplicada” na prática do mesmo tipo de crimes por um arguido “empenhado numa criminalidade homogénea” e não se descortinando da factualidade a existência de circunstâncias (por ex. a existência de carências económicas, de índole familiar ou outras) que tivessem impedido de atuar a advertência resultante da condenação anterior, temos para nós, na senda da posição que o STJ vem assumindo nos casos de reincidência homogénea ou homótropa, espelhada no citado Ac. de 29/02/2012, que a recidiva do arguido resultou da sua indiferença à advertência contida nas condenações anteriores, evidenciando o mesmo uma personalidade particularmente deformada e avessa ao direito que, só por si, justifica o acréscimo da censura ínsito na agravante em apreço.

Trazendo novamente à liça o citado acórdão (…) se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática, é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir.

(…) é perfeitamente legitimo o apelo a uma regra de experiência comum que nos diz que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes do mesmo tipo

Atente-se ainda que os factos em apreço foram cometidos um ano e um mês sobre a sua restituição à liberdade e volvido menos de um mês do termo do período da liberdade condicional - (o termo da liberdade condicional como resulta dos autos ocorreu em 26/1/2019), sendo que, no dia 27 de setembro de 2018, quando ainda se encontrava em liberdade condicional, já havia incorrido na prática de novo crime de condução sem habilitação legal, pelo qual veio a ser condenado por sentença transitada em julgado em 26 de novembro de 2018, tendo no mês seguinte deixado de comparecer na DGRSP às entrevistas de acompanhamento no âmbito da liberdade condicional, como decorre do ponto 54 da factualidade.

Tal condenação e postura do arguido, ainda que irrelevantes para efeitos da reincidência em apreço, vêm no fundo consolidar a conclusão a que chegámos sobre a recidiva do arguido e do que a motivou - indiferença à advertência contida nas anteriores condenações – evidenciando uma personalidade do arguido desconforme ao direito, desafiante, propensa, para além mais, à prática de crimes de condução sem habilitação legal, tudo a apontar no sentido de que as condenações já sofridas não foram suficientes para o tornar um homem fiel ao direito.

Em suma, a factualidade apurada permite, fora de qualquer dúvida, concluir pela verificação do pressuposto material da reincidência, inexistindo qualquer fundamento para o afastamento da agravante da reincidência.

Não restam dúvidas de que o arguido é reincidente nos crimes de furto qualificado e de condução ilegal, pelos quais foi condenado nestes autos.

Em suma, deverá improceder o recurso interposto pelo arguido.

(…)

 

III. Dispositivo

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se o acórdão recorrido.

            Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4UC.

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)