Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
630/07.0TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 06/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS - COIMBRA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61º, Nº 2 DO CP
Sumário: Não há que cumprir qualquer período mínimo de seis meses de prisão entre cada apreciação da liberdade condicional
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Por despacho de 3 de Fevereiro de 2008, proferido nos autos de Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional, a Ex.ma Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra decidiu, designadamente, não conceder a liberdade condicional ao arguido A………….. e renovar a instância, para efeitos de liberdade condicional, para Julho de 2008, ordenando que oportunamente se cumpra o disposto no art.484.º, parte útil, do C.P.P., para efeitos do art.61.º do C.P. e que juntos os necessários elementos, abrisse vista.

Inconformado com o despacho de 3 de Fevereiro de 2008, na parte em que remete a renovação da instância, para efeitos de liberdade condicional, para Junho de 2008, dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. São recorríveis todas as decisões penais que versem sobre direitos fundamentais, como é o caso da decisão em crise.
2. No domínio do processo criminal, por força dos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1 da Constituição, acha-se constitucionalmente assegurado o duplo grau de jurisdição.
3. No recurso da sentença que nega a liberdade condicional pode-se atacar a parte da decisão que fixa a data da nova apreciação da liberdade condicional.
4. A decisão que difere a apreciação da liberdade condicional para cinco meses mais tarde, em vez de na data em que ocorrem os 2/3 prejudica de forma séria o recluso.
5. Não há que cumprir qualquer período mínimo de seis meses de prisão entre cada apreciação da liberdade condicional.
6. Foram violadas as normas do artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal e o artigo 484.º do Código de Processo Penal.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a que a mesma fixe a data da reapreciação da libertação condicional do recluso para os 2/3 da sua pena ( 9/4/08 ), pois assim é de Direito e só assim se fará Justiça.

O arguido A…………. respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela procedência do recurso.

A Ex.ma Juíza sustentou, de folhas 25 a 27, a decisão recorrida.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho de 3 de Fevereiro de 2008, na parte em causa, tem o seguinte teor:

« (…) Por tudo o exposto, decide-se não conceder ao arguido, A………., a Liberdade Condicional. Notifique e comunique ao EP e à DGRS.
Sendo embora certo que os 2/3 da pena que cumpre, ocorrerão já em 09/04/08, menos certo não é que, atento o critério definido no artigo 61.º, n.º 2 do Código Penal, entre cada apreciação, deve haver um período mínimo de 6 meses para possibilitar que o arguido se reoriente, e permita um juízo diferente, na próxima apreciação.
Assim renovo a instância, para efeitos de liberdade condicional, para Julho/08. Atentas a datas em causa, e os fundamentos acabados de referir, não se nos afigura viável a antecipação da apreciação da situação do arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 62.º do Código Penal.
Oportunamente, cumpra-se o disposto no art.484.º, parte útil, do C.P.P., para efeitos do artigo 61.º do C.P. e, juntos os necessários elementos, abra Vista.».
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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o acórdão do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:
- se o despacho recorrido ao decidir que entre cada apreciação da liberdade condicional deve haver um período mínimo de 6 meses, diferindo a apreciação da liberdade condicional para cinco meses mais tarde, em vez da data em que ocorreu o cumprimento dos 2/3 da pena de prisão, viola o disposto nos artigos 61.º, n.º 3 do C.P. e 484.º do C.P.P., pelo que deve fixada em 9/4/2008 a data daquela reapreciação.
Passemos ao conhecimento da questão.
Importa, antes do mais, fazer uma referência aos preceitos legais que o recorrente entende terem sido violados pelo despacho recorrido, fazendo recair a nossa atenção em especial sobre o art.61.º do Código Penal , expressamente invocado no despacho recorrido para sustentar o momento para que se remete a reapreciação da liberdade condicional.
Para este efeito iremos atender essencialmente à letra ou texto da norma , porque este é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, cabendo-lhe , desde logo , uma função negativa: eliminar tudo quanto não tenha apoio ou correspondência no texto da norma.
Sem prejuízo dos elementos sistemático e histórico , o elemento racional tem aqui particular importância, pois dele resulta o fim visado pela norma , nas soluções que tem em vista e nas finalidades que pretende realizar.
O art.61.º do Código Penal, enuncia, sem dúvidas, os pressupostos e duração da liberdade condicional.
Para este efeito, estabelece, designadamente, o seguinte:
« 1 – A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 – O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores , o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena. (…).»
Por sua vez, o art.484.º do C.P.P. regula o processo de liberdade condicional, estabelecendo , designadamente, o seguinte:
« 1. Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação , com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução de Penas:
a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso;
b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento.
2. Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução de Penas solicita aos serviços de reinserção social:
a) Plano individual de readaptação;
b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou
c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional. (…).».
É pacífico que com a liberdade condicional visa-se criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, de modo a que o recluso readquira o sentido da vida em comunidade , debilitado pela reclusão.
È ainda uma maneira de incentivar o recluso a que durante o cumprimento da pena no estabelecimento prisional mantenha um comportamento de acordo com as normas legais e regulamentares.
De acordo com o n.º 2 do art.61.º do Código Penal , é pressuposto da liberdade condicional o cumprimento pelo condenado de metade da pena de prisão e no mínimo 6 meses de prisão efectiva, e ainda a verificação dos dois requisitos substanciais a que aludem as duas alíneas do preceito.
No âmbito ainda da chamada liberdade condicional facultativa e de acordo como o n.º 3 do art.61.º, do C.P., o arguido poderá ser colocado em liberdade condicional logo que se cumprirem 2/3 da pena e no mínimo seis meses, bastando agora a verificação do requisito substancial a que alude a al. a), n.º 2 , do mesmo preceito.
Sobre os mencionados períodos previsto no art.61.º do Código Penal , diz o Conselheiro Maia Gonçalves que « Trata-se aqui de afloramento da ideia de que as penas de prisão de muita curta duração não podem realizar os fins das penas , nem permitem prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente.» Código Penal anotado, Almedina 8ª edição, pág. 337..
Nem da letra , nem do espírito do preceito , resulta que o legislador quis estabelecer no art.61.º do Código Penal um período mínimo para a reapreciação da liberdade condicional.
Se o quisesse fazer não deixaria de o referir expressamente, como o fazia o art.97.º do DL n.º 763/76, de 29 de Outubro, que estabelecia que «Quando a liberdade condicional não seja concedida, o caso do recluso deve ser reexaminado de doze em doze meses, contados desde o meio da pena.» - e que temos como revogado com a entrada em vigor do Código Penal de 1982 , que alterou significativamente o regime da liberdade condicional previsto no Código Penal de 1886.
Do exposto resulta que o TEP deverá reapreciar a liberdade condicional aquando do cumprimento da metade da pena de prisão e dos dois terços da mesma pena e se tiver como verificados todos os pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional facultativa, seja ao meio da pena, seja aos 2/3 do seu cumprimento, tem o mesmo o poder-dever de a conceder.
O art. 484.º do Código de Processo Penal ao estabelecer que os serviços prisionais, até 2 meses antes da data admissível para a liberdade condicional do condenado, deve remeter ao TEP os relatórios nele previstos e que até 4 meses antes da data admissível para a liberdade condicional do condenado o TEP deve solicitar os relatórios ali previstos aos serviços de reinserção social , apenas permite concluir que os serviços supra referidos devem fornecer atempadamente os elementos necessários à apreciação e reapreciação da liberdade condicional.
Pode acontecer que, por razões diversas, não tenha sido possível ao TEP realizar a apreciação da liberdade condicional ao meio do cumprimento da pena de prisão e o tempo para a reapreciação dos 2/3 de cumprimento da pena seja relativamente próximo.
Uma vez que os requisitos da liberdade condicional aos 2/3 da pena são diferentes dos necessários para a metade da pena e não há um período legal mínimo para a sua reapreciação entendemos que ainda assim deve reiniciar-se o processo da liberdade condicional , sendo que se não houver novos elementos poderão os serviços prisionais e os de reinserção social limitar-se a renovar a posição anteriormente tomada nos relatórios.
Só assim ficam seguramente acautelados os direitos que aos reclusos são concedidos no art.61.º do Código Penal.
No presente caso, a Ex.ma Juíza do TEP de Coimbra, defende no despacho recorrido e no despacho de sustentação que , nos termos do art.61.º, n.º 2 do C.P. , entre cada apreciação da liberdade condicional deve haver um período mínimo de 6 meses para possibilitar que o arguido se reoriente pelo que, tendo a apreciação da liberdade condicional a que se deve proceder ao abrigo do art.61.º, n.º 2 do C.P., tido lugar apenas a cerca de dois meses da reapreciação dos 2/3 a que alude o n.º 3 do mesmo preceito , esta não deverá ser efectuada nessa data , mas quando se perfizer o tal período mínimo de 6 meses.
Tendo o Tribunal da Relação já decidido que a interpretação do art.61.º, n.º2 do Código Penal não permite considerar ali estabelecido um período mínimo entre cada apreciação da liberdade condicional , designadamente um período de 6 meses, não pode subsistir o despacho recorrido de 3 de Fevereiro de 2008 que determinou a renovação da instância para Julho de 2008 – em Agosto de 2008 fariam os 6 meses da anterior apreciação.
Tendo ocorrido em 9/4/2008 os 2/3 da pena de prisão cumprida pelo arguido , importa que o TEP, com a brevidade possível, reaprecie a liberdade condicional facultativa relativa àqueles 2/3, desencadeando para o efeito e desde já os respectivos procedimentos.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e revogar a decisão recorrida, devendo esta ser substituída por outra que desencadeie os respectivos procedimentos com vista à imediata reapreciação da liberdade condicional do arguido relativamente aos 2/3 da pena de prisão cumprida.
Sem custas.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,