Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
757/23.0T9LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO ADMINISTRATIVO
PRAZO JUDICIAL
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LAMEGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 59º, N-º3, DO RGCO; 445º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Sumário:
O prazo previsto no nº 3, do art. 59º, do RGCO não é um prazo judicial, mas um prazo de natureza administrativa, não se suspendendo nas férias judiciais.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. Por decisão da CCDRN - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, proferida em 05 Outubro de 2023, foi aplicada à sociedade arguida Sociedade A..., Lda., pela prática de uma contra-ordenação por violação da subalínea ii), da al. b), do nº 3, do art 2º, do DL nº 166/2008, de 22/08 alterado DL nº 239/2021, de 2/11 e pelo DL 96/2003, de 19/07, prevista e punida pela al. a), do nº 1, do art.º 37º, do DL nº 66 /2008 de 22/8, alterado pelo DL nº 239/2021, de 2/11 e pelo DL 96/2003, de 19/07, em conjugação com o disposto na al. b) do nº 2, do art.º 22º, da Lei nº 50/2006 de 29/08, a coima no valor de 1.000 euros.

2 Inconformada, a sociedade arguida interpôs impugnação judicial da referida decisão administrativa, a qual deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal ... e foi objecto de despacho de rejeição liminar por extemporaneidade.

*

3. A sociedade arguida, uma vez mais inconformada com o decidido, interpôs o presente recurso em que formula as seguintes conclusões (transcrição):

“A) A Recorrente, não concordando com a douta Decisão da autoridade administrativa CCDRN do Norte, dela interpôs recurso, para o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal ..., como ‘Impugnação judicial’.

B) Recebida aquela decisão em 20.06.2023, sendo o último de prazo o dia 18.Julho.2023, férias judiciais dos Tribunais, entendeu a Recorrente apresentar o sua impugnação judicial no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo: 01 de Setembro de 2023.

C) Conforme o Docº nº 1 agora apresentado que demonstra a expedição da Impugnação Judicial em 01.09.2023 e pela comprovação da data da telecópia ou Fax também de 01 de Setembro de 2023, entendemos ao contrário do douto Tribunal ‘a quo’, com todo o respeito, que estamos perante um Processo Judicial e não um procedimento administrativo, pelo que,

D) Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo de contraordenação, ademais dirigido ao Tribunal Judicial como ‘Impugnação Judicial’, vale como data, o da prática do acto processual, a da respetiva expedição e não da recepção pelos serviços administrativos. Artº 144º do CPC

E) Deve pois ser considerado um acto válido o acto da Impugnante praticado em 01.setembro.2023, o que nos reconduz à segunda questão tendo em conta o concluído em B) supra:

Deve consequentemente ser aceite como atempado e legal por se tratar de um acto “praticado em juízo” para todos os efeitos legais, nomeadamente o de ser-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil:

«o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».

F) E isto assim é porque, o Dec-Lei nº 244/95, de 14/09, alterou a letra do artigo 60º do RGCO que, sob a epígrafe “Contagem do prazo para impugnação”, passou a ter dois números prevendo a suspensão aos sábados, domingos e feriados e a transferência da possibilidade da prática do acto no primeiro dia útil seguinte.

Trata-se, pois, do termo do prazo, que não da suspensão do mesmo.

G) Ou seja, houve intervenção legislativa através da nova redacção do artigo 60º RGCO que alterou os termos da questão de direito ali decidida.

Para a interposição de um recurso de impugnação judicial é necessário apresentar escrito dirigido ao tribunal judicial competente – artigo 61º RGCO – não obstante apresentado à entidade administrativa decisora.

H) A apresentação à entidade decisora justifica-se por duas razões: possibilidade de revogação da decisão – artigo 62º, n. 2 do RGCO; a possibilidade de o Ministério Público tomar posição sobre ela, retirando a “acusação” (na prática revogando a decisão administrativa) - artigos 62º, n. 1 e 65º-A do diploma.

Mas não deixa de ser um recurso de “impugnação judicial” (e não de “impugnação administrativa”) e, portanto, deve ser considerado um acto “praticado em juízo” para todos os efeitos.

Neste conspecto e para concluir os artigos 32º e 41º do RGCO remetem para Direito enquanto Direito subsidiário e o artª 4º D CP da mesma forma para o CPC.

I) Como tal é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil, devendo ainda consequentemente, aplicar-se o artigo 296.º do mesmo diploma, que rege sobre a contagem dos prazos e determina que as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

Não há disposição especial em contrário!

E trata-se de termo fixado por lei, independentemente de saber se as entidades administrativas estão ou não de férias.

Ou seja,

J) o acto podia ser praticado no primeiro dia útil seguinte Como o foi exactamente em 01 de Setembro de 2023 por telecópia ou FAX e ainda pelo seguro do correio naquela, como o confirma o Docº nº 1 junto [Registo certificado dos CTT e cópia do recibo de pagamento ambos com data de 01.09.2023].

De todo o exposto e no mais de Direito que Vas. Exas. melhor e doutamente suprirão, aceitando o acto de Impugnação Judicial como tal e não um acto administrativo, praticado e expedido em 01.09.2023, no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo, logo em tempo útil e legal, devendo prosseguir como tal [processo judicial] os seus trâmites normais.

Assim fazendo, como esperamos convictamente, Vas. Exas. farão como sempre, JUSTIÇA.”

*

4. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu:

“ 1.        O prazo de 20 dias para interposição de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, previsto no artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, é um prazo administrativo, suspendendo-se, conforme previsto no artigo 60.º do mesmo diploma legal, aos sábados, domingos e feriados (vide neste sentido Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/94 de 14 de Setembro).

2.           A recorrente foi notificada da decisão administrativa no dia 19 de Junho de 2023, tendo-se iniciado o prazo para interposição de recurso no dia 20 de Junho de 2023 (vide artigo 87.º, al. b) do Código do Procedimento Administrativo e do artigo 279.º, al. b) em conjugação com o artigo 296.º, ambos do Código Civil)

3.           Nessa medida, o prazo em causa terminou no dia 18 de Julho de 2023, pelo que a apresentação do recurso em causa, ainda que no dia 01 de Setembro de 2023, é claramente extemporânea.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o recurso interposto pela arguida ser julgado improcedente e, consequentemente, ser integralmente confirmada a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

*

5. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

“Compulsados:

a) os fundamentos do despacho judicial recorrido proferido pelo Tribunal a quo (que não admitiu o recurso da arguida com o qual a mesma pretendia impugnar judicialmente uma decisão de entidade administrativa - CCDRN);

b) o teor do recurso apresentado; 

c) a resposta apesentada pela Sra. Procuradora da República;

d) os documentos constantes dos autos e as datas com relevância que deles constam;

somos de parecer que o recurso deverá ser julgado improcedente.

 A posição ora assumida é aquela que vai ao encontro da lei e do entendimento defendido pela doutrina de referência e pela jurisprudência maioritária (estamos em crer), já devidamente citadas na decisão recorrida e na resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância.

Assim se tem entendido também neste V. TRC.

Para além do douto acórdão de 24.5.20171 citado pela Sra. Procuradora da República na resposta apresentada, indica-se, a título exemplificativo, um outro prolatado a 18.10.20172, também no mesmo sentido. 

1 Disponível em:

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c1d3629ef0f8a40180258130003177ed?Ope nDocument&Highlight=0,255%2F16.9,T8SCD.C1

2 Disponível em:

Como nota final, diga-se que o modo de contar o prazo (de 20 dias – artº. 59º nº 3 do RGCO) para a impugnação da decisão de entidade administrativa, resultou, de forma clara e precisa, da redação que foi dada ao artº. 60º do RGCO – que tem a epígrafe “Contagem do prazo para impugnação” - pelo Dec. Lei nº. n.º 244/95 de 14/09 e que é a seguinte:

- o prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados (nº 1);

- o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (nº 2).

Estamos em crer que se o legislador quisesse que o prazo também se suspendesse durante as férias judiciais o teria afirmado de forma expressa, sem dificuldade, como o fez para o caso dos sábados, domingos e feriados, ciente que estava, certamente, do que, já então, se discutia a este propósito.

Se não o quis fazer, há que respeitar a vontade do legislador, devidamente expressa em letra de lei3.”

*

6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

*

7. Cumpre decidir.

*

II – Fundamentação

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 2 do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada e o que a esta Relação é permitido conhecer em sede contra-ordenacional, conforme estipulado pelo artigo 75.º, n.º 2 do RGCO, a questão a apreciar é a seguinte:

- Tempestividade da impugnação judicial interposta pela sociedade arguida.

*

2. 1. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):

“Autue como processo de contraordenação, alterando em conformidade a capa.

Vem a recorrente Sociedade A..., Lda. interpor - a fls. 62 e ss. - recurso de impugnação judicial da decisão da CCDRN - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte nos termos e para os efeitos do artigo art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), do art. 59.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – doravante RGCO) e do art. 52.º, n.º 1 da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto, doravante LQCA) aqui aplicável por força do art. 1.º deste derradeiro diploma legal.

O Tribunal é competente (art. 61.º, n.º 1 do RGCO).

Chegado que é o processo contraordenacional à sua fase jurisdicional, estatui o art. 63.º, n.º 1 do RGCO que o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.

Ora, reza o n.º 2 e n.º 3 do art. 59.º do RGCO que o “recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor” e que, de igual modo, deve ser “feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões”.

Prevendo-se depois no art. 60.º do RGCO que: “1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. 2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

Como sublinha Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, Lisboa: UCE, 2012, pp. 246-247) o prazo patente no art. 59.º, n.º 3 do RGCO não tem              natureza judicial “uma   vez que o recurso de impugnação em processo contraordenacional ainda faz parte da fase administrativa. Assim este prazo não se suspende nem interrompe durante as férias judiciais”.

Ou como, concordantemente, anota António Beça Pereira, “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 12.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2018, pp. 178-179, deve ter-se por plenamente válida a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94 de 14 de Setembro que decidiu pela natureza não judicial do prazo em juízo, “não se tratando de um prazo judicial, naturalmente que ele não se suspende nas férias judiciais. Acresce que o recurso é “apresentado à autoridade administrativa”, à qual não se aplica o regime das férias judiciais”. Concordantemente, entre vários, o aresto do Tribunal da Relação de Évora de 06-01-2015 (Relator Renato Barroso, Processo n.º 10/14.0T8LAG.E1) e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2018 (Relator Luís Gominho, Processo n.º 1970/18.8T9PDL.L1-5) os dois disponíveis em www.dgsi.pt.

Prazo administrativo que dúvidas não podem haver se aplica também no domínio das contraordenações ambientais (Cfr. o art. 49.º, n.º 1 da LQCA), acrescentando-se que foi, inclusivamente, indicada na notificação endossada à arguida a menção ao prazo de 20 dias úteis. Neste sentido, Nuno Casanova e Cláudio Monteiro, “Comentários à Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais”, p. 70, disponível em linha:

https://www.uria.com/documentos/publicaciones/1740/documento/art04.pdf?id=2137

In casu,

Conforme reconhecido pela própria recorrente recebeu aquela a decisão administrativa - remetida de acordo com o formalismo patente no art. 43.º, n.º 1 e n.º 2 da LQCA, conforme se afere ante fls. 52-54 e 70 - em 19-06-2023.

Sendo o dies a quo, por força do art. 87.º, al. b) do Código do Procedimento Administrativo e do art. 279.º, al. b) lido em consonância com o art. 296.º ambos do Código Civil, o dia 20-06-2023, não havendo aqui lugar à aplicação da dilação prevista no art. 113.º, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal porquanto, como acima se considerou, estamos ante um prazo administrativo e não judicial. Concordantemente, veja-se quer o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 2/94 de 10 de Março, quer o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-05-2011 (Relator Neto de Moura, Processo 301/09.2TFLSB.L1-5 disponível em www. dgsi.pt) e ainda, pese embora com argumentos diversos, Paulo Pinto de Albuquerque, Op. Cit., p. 248.

Donde, suspendendo-se, nos termos do art. 60.º, n.º 1 do RGCO, este prazo de vinte dias úteis apenas aos sábados, domingos e feriados, conclui-se que o seu terminus ocorreu no dia 18-07-2023.

Ao invés, a apresentação do recurso em apreço data de 04-09-2023, conforme menção de recebimento da autoridade administrativa (via FAX e pelos serviços) a fls. 61 verso e fls. 62 e ss., sendo certo que como se lê no recurso em juízo data o mesmo de 01-09-2023.

É assim manifestamente intempestivo o presente recurso, não se podendo ademais sequer invocar o previsto no art. 107.º, n.º 5 e 107.º A do Código de Processo Penal pois, repise-se, estamos ante um prazo administrativo. Assim, o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 26-02-2014 (CJ, 2014, T1, pág.153) onde se sumariou que “O prazo de impugnação judicial da decisão que aplicou uma coima por contra-ordenação prevista no Código da Estrada não tem natureza judicial. Não sendo prazo judicial, não lhe é aplicável o dispostos nos artigos 107º, nº5 e 107º-A do CPP”. Ademais, nada foi invocado ou provado relativamente a toda e qualquer situação corporizadora de justo impedimento.

Tudo isto, sem que deste regime especial advenha qualquer deterioração do comando constitucional plasmado no art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, porquanto se o processo penal é subsidiariamente aplicável ao processo contraordenacional (art. 41.º, n.º 1 do RGCO), coisa distinta é considerar que a Lei Fundamental pressupõe a identidade, uma colagem, dos princípios e garantias daquele. Nas palavras do Tribunal Constitucional “constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade directa e global aos processos contra-ordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal [...] A diferença de "princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra-ordenações" reflecte-se "no regime processual próprio de cada um desses ilícitos", não exigindo "um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal” (acórdão n.º 461/2011 de 11-11-2011, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

Nestes termos, pelas razões acima enunciadas e à luz dos sobreditos preceitos legais, por extemporâneo, rejeita-se o recurso interposto pela arguida Sociedade A....

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Custas pela recorrente que se fixam pelo mínimo legal (art. 92.º, n.º 1 e n.º 3, art. 93.º 3.º, n.º 3 e 4 todos do RGCO e art. 8.º, n.º 7 e Tabela III do RCP).

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Após trânsito, comunique a presente decisão à autoridade administrativa (art. 55.º, n.º 3 da LQCA e art. 70.º, n.º 4 do RGCO).

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2.2. Confirma-se que a decisão administrativa foi notificada à sociedade arguida em 19-06-2023.

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2.3. A sociedade arguida interpôs impugnação judicial da referida decisão administrativa em 01-09-2023.

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3. Apreciando.

3.1. Defende a recorrente que a impugnação judicial de decisão administrativa que interpôs em 01-09-23 foi tempestiva, por se tratar de um acto judicial praticado em juízo contra uma decisão proferida no âmbito de um processo contra-ordenacional e não em procedimento administrativo. E acrescenta que, recebida aquela decisão em 20.06.2023, sendo o último de prazo o dia 18.Julho.2023, férias judiciais dos Tribunais, entendeu a Recorrente aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil, apresentando a sua impugnação judicial no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo: 01 de Setembro de 2023.

Em favor da sua tese invoca o Ac da Relação de Évora, de 06-12-2016 proferido no Processo nº 236/15.0T8PTM.E1.

Vejamos.

Como supra se indicou a decisão condenatória da CCDRN foi notificada à recorrente em 19-06-2023 e esta interpôs a impugnação judicial em 01-09-2023 (de acordo com o Assento 1/2000 - DR de 20-0 de 20-04-2001).1

1. Assento 1/2001, de 03.03.2001, DR Série I-A, de 20.04.2001)

Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento ? autoridade administrativa que tiver aplicado a coima - artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000.(O artº. 150 do CPC em referência corresponde ao actual art.º 144 do CPC).

Conforme dispõe o Artigo 59.º do RGCC o recurso de impugnação judicial é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.

Está em causa no recurso a natureza - judicial ou administrativa - deste prazo.

Os Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral, na sua obra “ Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas” entendem que tal prazo não é um prazo judicial “ pois que se reporta a um momento em que não existe fase judicial.”

E argumentam que tal fase pode nem sequer iniciar-se caso a entidade administrativa revogue a decisão até ao momento em que deveria enviar o processo para tribunal.

Ora, se considerarmos que o prazo não é judicial, então não se suspende nem interrompe durante as férias.

Em idêntico sentido - os citados na decisão recorrida - Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Regime Geral das Contraordenações”, Lisboa: UCE, 2012, pp. 246-247) e António Beça Pereira, “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 12.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2018, pp. 178-179, que considera plenamente válida a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94 de 14 de Setembro que decidiu pela natureza não judicial do prazo em juízo. No mesmo sentido Ac Rel Coimbra de 18 de Outubro de 2017, relatora Des Helena Bolieiro e Ac RC de 24 de maio de 2017, relator Des Brízida Martins.

Em sentido contrário o Ac da Relação de Évora, de 06 de Dezembro de 2016, relator Des João Gomes de Sousa, que desde logo parte da premissa de que “um processo contra-ordenacional não é um processo administrativo.” E prossegue, após fundamentar “ o direito administrativo só serve para definir qual é a entidade administrativa com competência decisória e qual a sua forma de decisão.

(…)

Hoje a melhor doutrina reconhece ao direito contra-ordenacional um carácter autónomo, distinto quer do direito penal, quer do direito administrativo, apenas se encontrando nos tribunais judiciais – incluindo os de segunda instância – uma forte corrente no sentido da “administrativização” do processo contra-ordenacional, ao arrepio da lei (por interpretação contra-legem do Dec-Lei n. 433/82, designadamente do seu artigo 41º, n. 1 quando estabelece, sem fazer distinção entre fases processuais, que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”). Assim, ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4º do C.P.P.). Simples.”

E adiante explicita a tese que sufraga:

“A apresentação à entidade decisora justifica-se por duas razões: possibilidade de revogação da decisão – artigo 62º, n. 2 do RGCO; a possibilidade de o Ministério Público tomar posição sobre ela, retirando a “acusação” (na prática revogando a decisão administrativa) - artigos 62º, n. 1 e 65º-A do diploma.

Assim, a apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo? É indubitável que sim na medida em que se trata de um recurso “de impugnação judicial” que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P..

Aqui apresenta um acréscimo de utilidade ao permitir à entidade administrativa a revogação da sua decisão e a passagem para a fase “acusatória” do processo contra-ordenacional contida no artigo 62º, n. 2, do RGCO.

Mas não deixa de ser um recurso de “impugnação judicial” (e não de “impugnação administrativa”) e, portanto, deve ser considerado um acto “praticado em juízo” para todos os efeitos.

Como tal – um dos efeitos - é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil: «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo. Mas acresce que o artigo 296.º do mesmo diploma, que rege sobre a contagem dos prazos, determina que as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

Não há disposição especial em contrário! E trata-se de termo fixado por lei, independentemente de saber se as entidades administrativas estão ou não de férias. Ou seja, o acto podia ser praticado no primeiro dia útil seguinte como foi.2

E em jeito de conclusão afasta a jurisprudência fixada no Acórdão n. 2/94, de 10-03-1994: “Note-se que não afirmamos que o prazo se suspende em férias judiciais, só afirmamos que o acto a praticar, quando o respectivo prazo termine em período de férias judiciais pode ser praticado no primeiro dia útil fora destas. Trata-se, pois, do termo do prazo, que não da suspensão do mesmo.

De qualquer forma este entendimento não contraria o decidido no Acórdão n. 2/94, de 10-03-1994 (Proc. nº 45325) pois que aí apenas se discutia – e se decidiu - sobre a suspensão do prazo de recurso através da aplicação do artigo 144º, n. 3, do Código de Processo Civil, algo que aqui não está directamente em causa na medida em que este artigo afirmava que o prazo judicial se suspendia, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados.”

Em suma, o referido acórdão da Relação de Évora considera caduca a jurisprudência fixada pelo STJ.

Embora compreendamos a lógica do pensamento exposto no Acórdão da Relação de Évora, entendemos ser de respeitar a Fixação de Jurisprudência nº 2/94, pois como claramente se explicita no Ac do STJ de 3 de Novembro de 2010 (relator Cons Maia Costa) este Acórdão ( nº 2/94) não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º do RGCO não é um prazo judicial. 

Com efeito, sinaliza-se neste aresto: 

“O DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa. Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que é aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP. Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.

É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).”

Ora, só existe caducidade da jurisprudência fixada quando lei posterior vem consagrar solução contrária ou incompatível com a doutrina fixada.

Assim sendo, não se mostrando ultrapassada nem contrária à Constituição a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, cumpre observá-la nos termos do disposto no art 445º, nº 3, do CPP, mantendo-se em vigor que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º, do RGCO não é um prazo judicial.

Logo, conjugando-se com o disposto no artigo 60.º, n.º 2 do RGCO, o prazo em questão não se suspende durante o período de férias judiciais.

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a sociedade recorrente foi notificada da decisão da autoridade administrativa em 19-06-2023, pelo que o prazo de 20 dias de que dispunha para a sua impugnação e que apenas se suspendeu aos sábados, domingos e feriados - art 60º, n 1 RGCO -, terminou em 18-07-2023.

Ora, ao apresentar a impugnação judicial em 01-09-2023, a recorrente fê-lo extemporaneamente, pelo que decidiu bem o tribunal a quo quando a rejeitou com base em tal fundamento.

Impõe-se pois concluir pela improcedência da pretensão da recorrente.

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            III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

Coimbra, 24-01-2024

(elaborado e revisto pela relatora, que utiliza a ortografia antiga)

Isabel Valongo

Alcina da Costa Robeiro

Cristina Branco