Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/11.0TATNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: FALSIDADE DE DECLARAÇÃO
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 359º, N.º 2, DO C. PENAL
Sumário: Não é inconstitucional a norma que resulta dos artigos 359º, n.º 2, do Código Penal e 141º, n.º 3, 144º, n.ºs 1 e 2 e 61º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, segundo a qual, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, o arguido tem que responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações, pois que àquele interrogatório se aplicam as regras do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

A... veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de falsidade de declaração p. e p. pelo artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, no montante global de € 990,00.
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Da motivação extraiu as seguintes conclusões:
1. Está provado que o arguido não esteve presente na audiência de discussão e julgamento do processo comum singular donde resultou a sua (única) condenação por condução em estado de embriaguez, conforme facto provado 9).
2. Está igualmente demonstrado que o arguido declarou "que nunca respondeu, nem esteve preso".
3. Logo. o arguido respondeu com verdade.
4. Não foi produzida prova susceptível de demonstrar os factos provados em 6), 7) e 8), que foram incorrectamente decididos e apreciados, e que deverão considerar-se não provados.
5. Uma vez que o arguido não prestou declarações na audiência de discussão e julgamento, não serão atendíveis os documentos juntos a fls. 1 a 26 e 39 a 55, que contêm declarações do arguido.
6. Aliás, a única testemunha inquirida soube apenas dizer que não conhecia nem reconhecia o arguido e que a pergunta que fazia "sempre" era "se alguma vez já respondeu".
7. A ausência de consciência e vontade do arguido em prestar falsas declarações é evidenciada pelo seu depoimento, quando, respondendo à julgadora a quo respondeu que: "eu nunca respondi. É a primeira vez que estou a responder. É hoje." e "É a primeira vez que tou em frente a um Tribunal e em frente a uma juíza".
8. É inadmissível o recurso a "presunção natural" por ofender a presunção de inocência, sem qualquer base real, que permitisse as ilações infundadas espelhadas nos pontos 6), 7) e 8), que deverão ser considerados não provados.
9. São insuficientes os factos (erradamente) considerados provados para fundamentar a condenação do arguido.
10. Efectivamente, da sentença não resulta ter sido cumprido o formalismo legal aplicável, previsto no artigo 141.°, 3 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 144.° n.º 1 do mesmo diploma legal.
11. Além disso, o arguido não cometeu o crime de falsidade de declaração previsto no artigo 359.° n.ºs 1 e 2 do Código Penal, que está integrado no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, uma vez que a conduta do arguido só poderá ser sancionada nos casos em que se traduza na realização de um efectivo obstáculo àquele fim, o que não sucedeu.
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Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendendo a confirmação da sentença recorrida.
Nesta instância, também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu mantendo os fundamentos da motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da decisão impugnada (por transcrição):
1.° FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:
1) No dia 12 de Maio de 2010, pelas 11h 10 minutos, nos Serviços do Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, A... prestou declarações, na qualidade de arguido, no âmbito dos autos de inquérito com o n.º 112/10.2PATNV, que ai correu seus termos.
2) Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, A... foi expressamente advertido que a falta de resposta às perguntas que lhe iam ser feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma, o podia fazer incorrer em responsabilidade penal.
3) Na mesma ocasião, ao ser questionado sobre se já esteve preso ou com obrigação de permanência na habitação e em que processo, quando e porquê, e se já foi alguma vez foi condenado e por que crimes, A... respondeu "que nunca respondeu, nem esteve preso".
4) A... assinou o auto onde foram exaradas as suas declarações.
5) Por sentença proferida em 24 de Abril de 2005, transitada em julgado em 12 de Maio de 2005, no âmbito do processo comum singular com o n.º 102/04.4PATNV, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, A... foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.0, n.º 1, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veiculas motorizados pelo período de 5 (cinco) meses.
6) A... previu e quis, nas circunstâncias atrás descritas, ao ser questionado sobre os seus antecedentes criminais, omitir a referência à condenação pela prática do crime referido em 5).
7) A... sabia que havia sofrido tal condenação e que estava obrigado a mencioná-la quando foi questionado sobre os seus antecedentes criminais.
8) A... agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9) A... não esteve presente na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito do processo comum singular com o n.º l02/04.4PATNV, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas.

2.° FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhuns outros factos se provaram com interesse para a boa decisão da causa, designadamente e no essencial que:
I) No circunstancialismo referido em 1) a 3), foi perguntado a A... "O Senhor alguma vez foi presente ao Juiz", ao que o mesmo respondeu "Não".

3.° MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente a prova documental produzida e examinada em audiência uma vez que o arguido recusou prestar declarações.
O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A factualidade provada em 1) a 5) e 9) alicerçou-se na ponderação do conteúdo das certidões constantes de fls. 1 a 26 e 39 a 55, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foi por qualquer modo posta em causa.
Com efeito, dispõe o artigo 169.0 do Código Processo Penal que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. Daí resulta que a credibilidade dos autos de constituição de arguido e de tomada de declarações ao mesmo nessa qualidade que integram a certidão extraída do mencionado processo de inquérito com o n.º 112/10.2PATNV só poder ser afastada nos termos do artigo 170.° do Código Processo Penal.
Sucede que, na audiência de julgamento o arguido não quis prestar declarações, não tendo, por isso, esclarecido, a despeito do alegado na sua contestação, o modo como compreendeu a advertência e a pergunta que lhe foi dirigida.
Pelo contrário, este elemento probatório foi corroborado pelo depoimento da testemunha João Luís Correia Costa, o funcionário judicial que tomou declarações ao arguido, que referiu que, apesar de não se recordar em concreto da situação sub judice (o que naturalmente se compreende atenta a panóplia de diligência que tem de realizar no exercício das suas funções), tem por costume de explicar aos arguidos, relativamente aos antecedentes criminais, que devem esclarecer se já foram condenados pela prática de algum crime.
Refira-se ainda, a reforçar o entendimento sufragado, que o auto de declarações de arguido em causa, reproduzido a fls. 33, consagra de forma expressa, clara e inequívoca qual o âmbito do dever que incumbe ao arguido (especificando que "a falta de resposta às perguntas que lhe vão ser feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma, ora) pode fazer incorrer em responsabilidade penal", bem como qual o teor da questão a que deve responder (indicando que lhe foi perguntado "se já esteve preso(a) ou com obrigação de permanência na habitação e em que processo(s), quando e porquê, e se já foi alguma vez condenado(a) e por que crimes"), pelo que, tendo tal documento sido lido e assinado pelo arguido, dúvidas não restam de que o mesmo terá ficado sobejamente esclarecido quanto ao que lhe estava a ser perguntado.
Os factos subjectivos provados em 6) a 8), porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, alicerçados na mencionada prova documental, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir que o arguido faltou conscientemente à verdade naquela ocasião.
A factualidade não provada resulta da ausência de prova concludente sobre a mesma. Com efeito, não foi produzido qualquer elemento probatório susceptível de demonstrar a desconformidade entre o teor dos mencionados documentos autênticos e a realidade, não tendo sequer o próprio arguido prestado declarações em sentido divergente.

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APRECIANDO

Como é sabido, o âmbito dos recursos é limitado em função das conclusões extraídas da respectiva motivação, pelos recorrentes, sem prejuízo, no entanto, das questões de conhecimento oficioso, conforme o disposto nos artigos 412º, n.º 1 e 410º, n.ºs 2 e 3 do CPP.
Vem o recorrente questionar a apreciação da prova produzida em audiência e, pugnando pela sua absolvição, (embora não invocando expressamente o vício previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP) sustenta que “são insuficientes os factos (erradamente) considerados provados para fundamentar a condenação do arguido”.
Quanto à matéria de direito, considera ainda o recorrente que não cometeu o crime de falsidade de declaração previsto no artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do CP, que está integrado no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, uma vez que a sua conduta só poderá ser sancionada nos casos em que se traduza na realização de um efectivo obstáculo àquele fim.
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A-
Discordando da apreciação da prova produzida e examinada em audiência, o recorrente impugna parte da matéria de facto que foi dada como assente na decisão recorrida. Para tanto alega que:
«- o arguido não se conforma com a decisão recorrida, por entender que houve errada decisão da matéria de facto, mormente dos pontos 6), 7) e 8), uma vez que do processo não só não resulta a demonstração desses factos como, pelo contrário, está evidenciada a sua falsidade,
- desde logo, por resultar das declarações obrigatórias do arguido, que o mesmo nunca antes fora presente em Tribunal, como está provado em 9), e que, portanto, sempre teve a consciência de coincidir com a verdade ao responder “que nunca respondeu, nem esteve preso”;
- depois porque, como fora julgado na ausência, efectivamente ser verdadeira a resposta do arguido “que nunca respondeu, nem esteve preso”»

Para além da prova testemunhal, existem outros meios de prova que valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quando tenham sido produzidos ou examinados em audiência (arts. 125º e 355º do CPP).
Como resulta da Motivação da sentença recorrida, «o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente a prova documental produzida e examinada em audiência uma vez que o arguido recusou prestar declarações.
A factualidade provada em 1) a 5) e 9) alicerçou-se na ponderação do conteúdo das certidões constantes de fls. 1 a 26 e 39 a 55, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foi por qualquer modo posta em causa» e, no exame crítico que efectuou atribuiu ainda o tribunal relevância ao depoimento da testemunha … (o técnico de justiça adjunto que, por competência delegada, tomou declarações ao arguido, o qual esclareceu o seu procedimento habitual quando, em interrogatório nos termos do artigo 144º do CPP, questiona os arguidos sobre a existência de antecedentes criminais; o que se pode verificar nos autos de interrogatório de fls. 21 (no proc. n.º 112/10.2PATNV) e de fls. 33 (nos presente autos), ambos efectuados pela testemunha ao arguido). Ou seja, face ao depoimento da testemunha, concluiu o tribunal a quo, e bem, que o Funcionário dos Serviços do Ministério Público advertiu o arguido quanto às consequências penais caso faltasse à verdade sobre os seus antecedentes criminais, o que está conforme com os citados Autos de Interrogatório de Arguido de fls. 21 e 33.
Mais consta na Motivação que «Os factos subjectivos provados em 6) a 8), porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, alicerçados na mencionada prova documental, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir que o arguido faltou conscientemente à verdade naquela ocasião.»

Com efeito, foi dado como provado em 9) que o arguido não esteve presente na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito do processo comum singular com o n.º l02/04.4PATNV, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas.
Todavia, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, tal não significa que, por ter sido julgado na ausência (nos termos no art. 334º, n.º 2 do CPP), foi verdadeira a sua resposta de que nunca respondeu, nem esteve preso”.
Bem sabia o arguido que havia sido julgado e condenado no âmbito do proc. n.º l02/04.4PATNV. Não ter estado presente em audiência de julgamento e na data designada para leitura da sentença, não é sinónimo de não ter respondido em tribunal.
Assim, com relevância nos autos (cfr. certidão de fls. 39/55), assinalam-se os seguintes factos:
- no proc. n.º l02/04.4PATNV, foi o arguido que (invocando a necessidade de se deslocar ao Luxemburgo por motivos familiares) requereu e consentiu que o julgamento fosse efectuado na sua ausência (fls. 40 e 43);
- tendo sido condenado em pena de multa, procedeu ao seu pagamento (CRC de fls. 25);
- e, tendo sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 5 meses, entregou em Tribunal a sua carta de condução e decorrido tal lapso de tempo, procedeu ao seu levantamento (fls. 54 e 55), termos de entrega que assinou.

Daqui se conclui pois, que o arguido quando foi interrogado, em 12-5-2010 (fls. 21), no âmbito do proc. n.º 112/10.2PATNV, tendo sido advertido por órgão de polícia criminal de que a falta de resposta às perguntas que lhe iam ser feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma, o fariam incorrer em responsabilidade penal, ao ser-lhe perguntado “se já esteve alguma vez preso ou com obrigação de permanência na habitação e em que processo, quando e porquê, e se já foi alguma vez condenado e por que crimes” ao ter dito que nunca respondeu, nem esteve preso, sabia que tal declaração não correspondia à verdade.
E, tanto assim é que, no âmbito dos presentes autos, cerca de 9 meses depois, como se observa no auto de interrogatório de fls. 33, ao ser advertido nos mesmos termos e, tendo-lhe sido efectuada a mesma pergunta (pelo mesmo funcionário dos Serviços do MP, conforme supra mencionado), disse que “respondeu uma vez por condução em estado de embriaguez, tendo sido condenado; nunca esteve preso”.

Cumpre ainda sublinhar, a discordância do recorrente com o facto de o tribunal a quo ter formado a sua convicção com base no conteúdo das certidões constantes de fls. 1 a 26 e 39 a 55, por considerar que “contendo tais documentos declarações prestadas pelo arguido, não podiam ser examinados em audiência, já que o arguido ali se remeteu ao silêncio”.
Na verdade, o arguido, ora recorrente, usou do seu direito ao silêncio, ao não prestar declarações em audiência; mas se tal direito não o pode prejudicar (artigos 343º, n.º 1 e 345º, n.º 1 do CPP) e, não recai sobre si o ónus da prova dos factos que lhe são imputados na acusação, também não o beneficia, até pelo facto de não ter contribuído para o esclarecimento da verdade, pelo menos do que alegara na contestação.
Ou seja, o direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Acontece, porém, que «a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.» - cfr. Ac. do STJ de 12-3-2008, in www.dgsi.pt.

A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada em sede de motivação, tendo o tribunal a quo tomado em consideração as regras da experiência comum e juízos de normalidade; na verdade, o Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos elementos probatórios que indicou, apreciados segundo a livre convicção do julgador, nos termos do que dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Mais alega o recorrente que, os factos 6), 7) e 8) deverão ser considerados não provados, por ser inadmissível o recurso a “presunção natural” por ofender a presunção de inocência.
Todavia, não lhe assiste razão.
Como salienta Vaz Serra ( - in Direito Probatório Material, BMJ, n.º 112, pág. 190.) “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência”.
“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” ( - Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.). Ou seja, na dúvida, funcionará o princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, sendo permitido em processo penal o recurso a prova por presunções, porque não proibida por lei (art. 125º do CPP), “as normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo”( - Ac. STJ, de 23-11-2006, in www.dgsi.pt.).
Deste modo, nenhum reparo nos merece a sentença recorrida quando considerou que, tendo o arguido sido já condenado pela prática de crime, não podia desconhecer o alcance da advertência que lhe foi feita de que a falta ou a falsidade da resposta sobre os seus antecedentes criminais o faria incorrer em responsabilidade penal.
Não há, assim, qualquer insuficiência na matéria de facto provada e, inexistem os demais vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do CPP, os quais teriam de resultar do próprio texto da sentença recorrida, por si só, ou conjugados com as regras da experiência comum.
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B- Da verificação do crime de falsidade de declaração
Sustenta o recorrente que deverá ser absolvido da prática do aludido crime porquanto, na acusação não foram alegados todos os factos integradores do mesmo, além de que, estando o crime de falsidade de declaração previsto no artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do CP integrado no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, a sua conduta só poderá ser sancionada nos casos em que se traduza na realização de um efectivo obstáculo àquele fim.

Mais uma vez falece a razão ao recorrente.
Como facilmente se pode observar, foram alegados na acusação de fls. 57/59 todos os factos integradores do referido crime, os quais vieram a ser dados como provados.

Estabelece o artigo 359º do Código Penal:
«1- Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2- Na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais.» (sublinhado nosso, atendendo à situação que aqui nos ocupa)

Ora, um dos deveres processuais do arguido consiste em “Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais” – art. 61º, n.º 3, al. b) do CPP.
Desde logo, o dever de prestar declarações sobre a sua identidade e antecedentes criminais verifica-se durante o primeiro interrogatório judicial de arguido detido (art. 141º, n.º 3) e, no primeiro interrogatório não judicial de arguido detido (art. 143º, n.º 2).
Já quanto aos subsequentes interrogatórios, de arguido detido e de arguido em liberdade, dispõe o n.º 1 do artigo 144º do CPP que «são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo».
Acrescentando o n.º 2 que «No inquérito, os interrogatórios referidos no número anterior podem ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público tenha delegado a sua realização».

No que respeita aos subsequentes interrogatórios de arguido - sobre o dever de resposta, com verdade, quanto aos antecedentes criminais, depois de legalmente advertido das consequências penais no caso de recusa ou de falsidade sobre os mesmos -, em sede de audiência de julgamento, na sequência da apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 342º do CPP (norma que foi julgada inconstitucional pelo Ac. n.º 695/95) veio este preceito a ser alterado pelo DL n.º 317/95, de 28Nov. ( - A Lei de autorização legislativa n.º 90-B/95, de 1Set., no art. 3º, al. gg) apontou como solução “Revogar o n.º 2 do artigo 342º, já que a indagação em audiência pública dos antecedentes criminais do arguido atenta com a sua dignidade e com as suas garantias constitucionais”.), tendo sido eliminada a referência aos antecedentes criminais.
No entanto, tal imposição de resposta, com verdade, mantém-se nas demais situações, ou seja, nos interrogatórios anteriores à audiência de julgamento.
Assim o refere Maia Gonçalves ( - in Código Penal anotado, 10ª Edição, pág. 913.) “Em tais termos, estes dispositivos do art. 359º do CP, designadamente o seu n.º 2, não têm aplicação quanto a declarações do arguido na audiência de julgamento sobre os seus antecedentes criminais, uma vez que sobre eles não pode ser interrogado nessa fase processual, continuando no entanto a ser aplicáveis a declarações por ele prestadas anteriormente à audiência de julgamento”.
A este propósito, pronunciou-se o TC (no AC. n.º 127/2007, de 27.02) que não julgou inconstitucional – face aos princípios da proporcionalidade, do Estado de Direito, das garantias de defesa, da presunção de inocência e do acusatório – a norma que resulta do artigo 359º, n.º 2, do Código Penal e dos artigos 141º, n.º 3, 144º, n.ºs 1 e 2, e 61º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, segundo a qual, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, o arguido tem que responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações, pois que àquele interrogatório se aplicam as regras do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2007, de 14.03 (publicado no DR, 1ª Série, n.º 129, de 6-7-2007), «O arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do artigo 144º do Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais incorre na prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo 359º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.».
Esta jurisprudência veio a ser confirmada pelo Ac. do STJ de 13-12-2007, e seguida, designadamente, nos acórdãos do TRC, de 24-2-2010, e do TRP, de 19-5-2010, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Acresce que, o crime de falsidade de declaração p. e p. pelo artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do CP é um crime contra a realização da justiça, como função do Estado e, contrariamente ao alegado pelo arguido, o conhecimento dos antecedentes criminais do arguido – detido, preso ou em liberdade – durante o interrogatório, em fase anterior ao julgamento, apresenta vantagens para a realização da justiça, por conceder informação relevante para a decisão sobre a aplicação de medidas coactivas.
Como se sublinha no citado Ac. 127/2007 do TC «Não é, assim, inútil para a realização da justiça, nomeadamente para o efeito da tomada de decisão, pelo Ministério Público, de requerer a aplicação de medida de coacção diversa do termo de identidade e residência, a imposição, ao arguido, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, do dever de responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações. Com efeito, sendo possível que essa informação não seja imediatamente obtida por outras vias e, além disso, que a informação obtida por outras vias, atendendo à própria natureza do registo, não esteja actualizada à data da tomada de decisão, pelo Ministério Público, de requerer (ou não requerer) a aplicação de certa medida de coacção, há ainda um bem jurídico a tutelar – a realização da justiça –, quando se estabelece uma imposição desse teor. Não é, como tal, violado o princípio da proporcionalidade ou o da necessidade da pena.»

Por conseguinte, mostrando-se preenchidos os elementos típicos do referido crime, impunha-se a condenação do arguido.
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Improcede, na totalidade, a argumentação do recorrente.
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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça.
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Elisa Sales (Relatora)
Paulo Valério