Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5697/12.6TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
INQUISITÓRIO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 3º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 11, 17-A, 17-F, 17-G, 47, 215 CIRE
Sumário: 1.- Nos termos do art. 215°do CIRE, o tribunal deve recusar a homologação do plano que tenha sido aprovado pelos credores quando se verifique uma violação não negligenciável de normas atinentes ao conteúdo do plano (ou seja, à sua parte dispositiva), qualquer que seja a sua natureza.

2.- A despeito da vacuidade do conceito de vício não negligenciável, não parece suscitar dúvidas que um tal vício se verifica apodicticamente quando o plano não descreve com a devida concretização as medidas necessárias à sua execução (n°2 do art. 195°) ou não objectiva a forma como ulteriores declarações de vontade que o plano pressupõe devam ser prestadas (n°2 do art. 217°).

3.- São não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.

4.- Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.

5.- Em função do disposto no art. 215º CIRE (não homologação oficiosa), vector de análise será o que passa por apreciar as normas procedimentais como todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes — incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento — e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado.

6. As normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.

7. Tanto os vícios de carácter procedimental como os atinentes ao conteúdo, têm um mesmo tipo de tratamento e de regime.

8. Do que se trata no art. 11º CIRE (princípio do inquisitório), é de permitir ao juiz encarregado do processo que, na apreciação do pedido, nos embargos à decisão declaratória prolatada e nos incidentes de qualificação, se sirva de outros factos para além dos alegados pelas partes para fundamentar as decisões que profira.

9. O n.° 4 do art. 47º CIRE (conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência) limita-se à mera enunciação das categorias de créditos relevantes em sede de processo de insolvência, sem sequer os enumerar por ordem de prevalência.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:


Veio a credora “Banco A..., SA., Sociedade Aberta” requerer a não homologação do plano de recuperação aprovado, nos termos do artigo 215.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em virtude do seu conteúdo, pois que distingue dois tipos de créditos comuns, à revelia da previsão legal.

A credora “B... PLC.” veio igualmente requerer a não homologação do plano de recuperação aprovado, não só porque pese embora ter manifestado a sua intenção de participar nas negociações nunca lhe foi apresentado qualquer plano, mas também porque o plano aprovado contém uma distinção entre créditos comuns gerador de incertezas quanto ao seu pagamento.

A devedora veio reconhecer, a fis. 492, ter havido lapso seu na identificação do endereço electrónico da credora “Barciays Bank PLC.” — o que está na origem do desconhecimento, por parte desta, do plano aprovado.

Oportunamente, foi proferida a seguinte decisão:

“(…) há, por conseguinte, neste concreto plano de recuperação, violação censurável de regras procedimentais (falta de contraditório e dúvidas quanto ao votos emitidos para aprovação do plano), bem como de normas de conteúdo (distinção não esclarecida entre créditos comuns e falta de identificação concreta de créditos e credores visados nessa distinção), que impedem a sua homologação, lançando-se mão do disposto no artigo 215.º do CIRE.
*
Por conseguinte, o Tribunal recusa oficiosamente a homologação do plano de recuperação da devedora “C (…) Lda”.
*


C (…), LDA., Requerente nos autos à margem referenciados, não se conformando com a sentença proferida nestes autos de recusa oficiosa de homologação do plano de recuperação, dela veio interpor, nos termos do disposto no artigo 14,° do CIRE, recurso de apelação, alegando e concluindo que:


1. Deve ser homologado o plano de recuperação junto a estes Autos;
2. Não se verifica violação censurável de regras procedimentais;
3. Em caso de dúvida acerca de tal violação, cabia ao juiz no âmbito do princípio do inquisitório previsto no art. 11º do CIRE, notificar os credores, o AJP e a Requerente para prestarem os esclarecimentos que se afigurassem pertinentes;
4. Não se verificam igualmente violação de regras de conteúdo;
5. O plano de recuperação foi aprovado pela maioria dos credores, sendo que tal vontade é suficiente de per si para justificar as distinções no plano.
Termos em que deve ser revogada a sentença, devendo ser proferida sentença de homologação do plano.



BANCO A (...), S.A., SOCIEDADE ABERTA, Apelado, na qualidade de credor reclamante, nos presentes autos de Apelação, em que é Apelante C (…), LDA., veio apresentar as suas CONTRA - ALEGACÕES, por sua vez alegando e concluindo que:

1. A sociedade Apelante apresentou-se ao Processo Especial de Revitalização o qual foi admitido a 21.12.2012, tendo sido nomeada o respectivo Administrador Judicial Provisório ct. Publicação no Portal Citius.
II. O Plano de Revitalizaçâo apresentado pela devedora prevê dois tipos de créditos comuns (A) e (B).
III. Tal diferença viola o Principio da Igualdade, nos termos do art. 194° do CIRE..
IV. Viola ainda de forma censurável, regras procedimentais, faltando a título de exemplo, o contraditório.
V. A violação do Principio da Igualdade não esta na esfera de apreciação do Tribunal, sobre a sua importância no caso concreto.
VI. A própria lei, diz que salvo as diferenciações justificadas por razões objectivas, o plano tem que obedecer ao princípio da igualdade dos credores.
VII. O plano de revitalização da ora Apelante, não cabe nesta reduzida excepção criada pelo legislador.
VIII. Ademais, além de terem sido criados dois tipos de créditos comuns, não é concretizada qualquer explicação ou termos sobre que grupo, os credores se inserem.
IX. Não é expectável ao credor comum saber como vai ser ressarcido, pois que os planos de pagamento dos dois tipos de créditos são totalmente distintos.
X. O plano apresentado atenta contra à lei, aos seus princípios e aos seus credores.
Xl. O Principio da Igualdade é neste plano relegado para a esfera da vontade de (algumas) partes, relativizando a sua importância e rigidez.
XII. A violação deste principio e a viotação censurável de regras procedimentais não permitem que o plano seja homologado, pelo que, a sua recusa é inevitável e impreterível.
XIII. Face o exposto, o Juiz “a quo” decidiu e bem pela recusa da homologação do plano apresentado e aprovado, conforme disposto no art. 215° do CPC.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão ora recorrida de recusa de homologação do Plano de revitalização, com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações por parte da credora “ B (...) PLC.”.

O Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, na qualidade de credor reclamante, veio apresentar as suas contra-alegações ao recurso interposto pela sociedade C (…) Lda. da Sentença que recusou a homologação do plano de revitalização da aludida empresa, concluindo, por seu turno, que:

1. A sociedade C (…), Lda. interpôs recurso da Sentença da Mma. Juiza que recusou a homologação do plano de revitalização da aludida empresa.
2. Discorda-se, porém, do alegado pela recorrente pois que, como resulta da referida Sentença:
a. há no plano de revitalização da empresa C (…) Lda. violação de regras de procedimento, atinentes à falta de contraditório, mais se suscitando dúvidas quanto aos votos emitidos para a aprovação do aludido plano
b. ao que acresce a existência de violação de normas de conteúdo, designadamente as relativas à distinção não esclarecida entre créditos comuns e à falta de identificação concreta dos créditos e dos credores visados nessa distinção.
3. Posição esta, aliás, consentânea com a assumida pela Fazenda Nacional, em sede de votação do aludido plano, que expressou o seu voto contra a aprovação de tal plano.
4. Pelo que se entende que a Mma. Juiza do Tribunal “a quo” decidiu bem ao recusar a homologação do mencionado plano de revitalização da aludida empresa.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa, os elementos constantes do elemento narrativo que os Autos evidenciam, dando por comprovados, bem como o alcance dos documentos que o(s) corporiza(m), designadamente que:

- compulsada a acta elaborada pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, constante de fls. 430 e 431, não se verifica qualquer voto assumido por aquela primeira credora, “Banco A (...), S.A., Sociedade Aberta”;
- do expediente remetido ao processo a fls. 486 a 489 resulta que a credora “ B (...) PLC.” manifestou a intenção de participar nas negociações em curso nos termos e para os efeitos do artigo 17.°- D nº 7 do CIRE.
- sem que lhe tinha sido dado a conhecer o plano de recuperação sujeito a apreciação pelos demais credores.
- esta credora — cujo crédito, no valor de € 17.029,00 (dezassete mil e vinte e nove euros), devidamente reconhecido a fls. 338 — não foi, em tais termos, informada do andamento das negociações em curso e do teor do plano de recuperação proposto, a fim de poder exercer o seu direito de voto.
- da conjugação das posições das duas credoras acima identificadas resulta a dúvida quanto ao valor percentual dos votos favoráveis e desfavoráveis à aprovação do plano de recuperação;
- o plano de recuperação que foi junto aos autos revela-se insuficientemente detalhado a nível dos pagamentos a efectuar, datas de pagamento e modalidades, em relação a cada um dos credores da devedora;
- não resultando explícita a destrinça efectuada entre créditos comuns, nas categorias “A” e “B”, tal como se apresenta, nem sendo esclarecedora sobre quais os créditos concretamente reconhecidos que cabem em cada uma das categorias;
- o que motivou circunstancial apreciação judiciária decisória sobre a existência - neste concreto plano de recuperação -, no referencial consignado, de: “violação censurável de regras procedimentais (falta de contraditório e dúvidas quanto ao votos emitidos para aprovação do plano), bem como de normas de conteúdo (distinção não esclarecida entre créditos comuns e falta de identificação concreta de créditos e credores visados nessa distinção), que impedem a sua homologação, lançando-se mão do disposto no artigo 215.º do CIRE”.


Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

As questões suscitadas consistem em apreciar, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz, se:


I.
2. Não se verifica violação censurável de regras procedimentais;
3. Em caso de dúvida acerca de tal violação, cabia ao juiz no âmbito do princípio do inquisitório previsto no art. 11º do CIRE, notificar os credores, o AJP e a Requerente para prestarem os esclarecimentos que se afigurassem pertinentes;


Apreciando, diga-se - pressuponentemente -, muito embora apresentada sob uma formulação diversa e levando em conta algumas especificidades do novo regime da insolvência, este preceito (art. 215º CIRE) (não homologação oficiosa) continua a orientação do direito anterior no sentido de conferir ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano. Neste contexto, está em linha com os n.°s 1 e 2 do art.° 56.° do CPEREF que, por isso, se podem considerar o caso paralelo em quanto respeitava ao controlo da legalidade das providências recuperatórias da empresa.
Noutro nível, replica-se, com ligeiros ajustamentos formais, o que já constava do Anteprojecto do CIRE, no seu art.° 192.°.

O que também serve para referir que, por outro lado, bem vistas as coisas, tratando-se de actos que se praticam no quadro de um processo judicial, tanto faz, em princípio, que as violações respeitem à forma de proceder e ao devir processual, como à substância do plano, visto que umas e outras, devendo-se cumprir o que a propósito está estabelecido, susceptibilizam a afectação de interesses igualmente relevantes, dignos, por isso, de um mesmo tipo de tutela.
Complementarmente, a especificação introduzida na redacção final do preceito, que não tinha, nesse ponto peculiar, expressa correspondência no texto do Anteprojecto, de modo a considerar incluídas no mesmo acervo todas as normas aplicáveis ao conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, é um elemento mais a favor do entendimento da identidade de tratamento (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO- REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, pp. 712-713).

Vector de análise será o que passa por apreciar as normas procedimentais como todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes — incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento — e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado.
Diferenciadamente, normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.
Em todo o caso, sem olvidar - segundo a solução que (também) temos por melhor, tanto os vícios de carácter procedimental como os atinentes ao conteúdo têm um mesmo tipo de tratamento e de regime.

Naturalmente que não pode deixar de se referenciar que a lei não define, com efeito, o que deva considerar-se vício negligenciável nem fornece objectivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta. De qualquer maneira, não será, todavia, especialmente difícil identificar, tanto na área do procedimento como na do conteúdo, situações que, consubstanciando todas elas a transgressão do que está legalmente determinado, em todo o caso, revelam diferenças notórias no que tange à tutela dos interesses em causa, às vezes com o reconhecimento expresso da própria lei.

 No próprio Ac. da Rel.Guim., de 221N0V/2007, in CJ, 2007, V, pág. 284 (Relator Manso Rainho), se deixou consignado, de forma obsidiante, que

“Ainda, nos termos do art. 215°, o tribunal deve recusar a homologação do plano que tenha sido aprovado pelos credores quando se verifique uma violação não negligenciável de normas atinentes ao conteúdo do plano (ou seja, à sua parte dispositiva), qualquer que seja a sua natureza. A despeito da vacuidade do conceito de vicio não negligenciável, não parece suscitar dúvidas que um tal vício se verifica apodicticamente quando o plano não descreve com a devida concretização as medidas necessárias à sua execução (n°2 do art. 195°) ou não objectiva a forma como ulteriores declarações de vontade que o plano pressupõe devam ser prestadas (n°2 do art. 217°)”.

Dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO- REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, p.713).

Ou como - não obstante - os Tratadistas referenciados apreciam, ainda, em esquisso figurativo e conceitual -

“«…) pensamos que se pode ir mais além e apontar uma orientação mais vasta.
Na verdade, tudo o que respeita à preparação e apresentação das propostas, bem como às diligências tendentes à sua aprovação, consubstancia-se em actos ou formalidades do próprio processo e com expressão nele. De modo que, bem vistas as coisas, todas as violações legais se reconduzem à adopção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido processual, que aqui parece especialmente apto para ser acolhido, a violação da lei, activa ou passivamente, comporte sempre a prática de uma nulidade processual.
Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores — que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa —, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.
Aqui chegados parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.° 201.º do C.P.Civ.. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger — nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta —, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável.


O que haverá então de peculiar a observar — mas isto em consequência do que o próprio artigo 215º CIRE prescreve — é que o próprio tribunal deve, ele mesmo, agindo ex officio, relevar a nulidade, sem necessidade de arguição de quem quer que seja, o que implicará recusar a homologação do plano, à semelhança, aliás, do que sucede com outras nulidades tipificadas na lei, como se vê do que determina o art.° 202.° do C.P.Civ.»

 (Cf. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO- REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, p.714).

Critério geral que a própria lei processual utiliza no art.° 201.º do C.P.Civ.. Ou como, a propósito do prescrito neste artigo, escreve A. dos Reis (Com. 2.°-484):

«o que há de característico e frisante no art. 201.° é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta: b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso — continua o mesmo A. — «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».
 Nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faz corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais» (Manuel de Andrade, Noções Elem. de Proc. Civil, 1956, pág. 165).
Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na lei, seja ainda na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido (Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 166, e Antunes Varela, Manual Proc. Civil, 1984, pág. 376).

Ao que sempre acresce não poder deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO- REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, p.715).

-

Mais se diga, do que se trata no art. 11º CIRE (princípio do inquisitório), é de permitir ao juiz encarregado do processo que, na apreciação do pedido, nos embargos à decisão declaratória prolatada e nos incidentes de qualificação, se sirva de outros factos para além dos alegados pelas partes para fundamentar as decisões que profira.
Não sem olvidar que, depois da revisão operada em 1995/96, o Código de Processo Civil passou a acolher, para o processo em geral, a regra do inquisitório nos termos que se consagram no art.° 265.°. Dos seus três números, interessa, fundamentalmente, o terceiro, de acordo com o qual «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
A ressalva da parte final do preceito é determinante, porquanto limita drasticamente o poder de intervenção por iniciativa própria do juiz, o qual, em consonância com o estatuído no n.° 2 do art.° 264.° do C.P.Civ., «só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.° e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa».
Poderes inquisitórios amplos só existem, com carácter geral, no domínio dos processos de jurisdição voluntária, segundo o que consta do n.° 2 do art.° 1409.° do C.P.Civ..
Por ser assim, já se vê como o art.° 11.º excepciona o regime geral.

Tanto mais que um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (A. dos Reis, CPC Anot., 3 .°-259 e ss.; Castro Mendes, Do conceito de prova, págs. 711 e ss., com grandes desenvolvimentos; Vaz Serra, Provas, em BMJ, 110.°-61 e ss.). Isto porque facto notório não é o mesmo que facto evidente: «este último corresponde à aplicação de verdades axiomáticas próprias das várias ciências; são factos que se apresentam ao juiz como provindos das fontes comuns do saber humano» (Rodrigues Bastos, Notas as CPC, 2.°-5 14).
Parece, no entanto, conveniente distinguir entre a «notoriedade» definida no art. 514.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil e que se traduz no «conhecimento geral» dos factos que a revestem — tornado dispensável a sua prova e até a sua alegação — e o carácter «notório» dos factos que a lei, ao invés, exige que sejam aduzidos e demonstrados, cuja noção, correspondente à formulada pela doutrina civilística (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Anotado vol. 1°, p. 166) se inseriu no n.° 2 do art. 257.° do Cód. de 1966: «O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar».
Aflora aí a lição do Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral, vol. 2.°, p. 89) enquanto tinha por notório «tanto aquilo que é geralmente sabido, como aquilo que é de per si evidente».

Neste contexto, reconhece-se funcionarem como elementos obsidiantes de análise circunstancial, de forma particularmente precípua, mecanizados - haverá de conceder-se - como trilogia determinante (que não deixou de ser adequadamente equacionada em decisório), os seguintes:

Em primeiro lugar, confirmando que «compulsada a acta elaborada pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, constante de fls. 430 e 431, não se verifica qualquer voto assumido por aquela primeira credora, “Banco A (...), S.A., Sociedade Aberta”».
Assim acontecendo, não se compreende - conceda-se, igualmente - a afirmação da credora em causa, a fls. 479, de que “votou desfavoravelmente ao Plano apresentado”. Consequentemente, faz sentido apreciar, como feito, “existir aqui uma pecha relativa à posição daquela credora neste processo”.
Em segundo lugar, do expediente remetido ao processo a fls. 486 a 489 resulta que a credora “ B (...) PLC.” manifestou a intenção de participar nas negociações em curso nos termos e para os efeitos do artigo 17.°- D nº 7 do CIRE.
Ora, se assim foi, não pode admitir-se que todo este processo especial tenha sido desenrolado à revelia desta credora e, mais grave ainda, que nem sequer lhe tinha sido dado a conhecer o plano de recuperação sujeito a apreciação pelos demais credores.
Daqui resulta que esta credora — cujo crédito, no valor de € 17.029,00 (dezassete mil e vinte e nove euros), devidamente reconhecido a fls. 338 — não poderia deixar de ser informada do andamento das negociações em curso e do teor do plano de recuperação proposto, a fim de poder exercer o seu direito de voto.
Tal não tendo sucedido — como vem admitido pela devedora a fls. 492, ainda que (invocadamente) devido a um lapso na identificação do endereço de destino das suas comunicações — constitui uma grave violação do direito ao contraditório.
De resto, sempre se diga que da conjugação das posições das duas credoras acima identificadas resulta a dúvida quanto ao valor percentual dos votos favoráveis e desfavoráveis à aprovação do plano de recuperação — que não podem ser sanadas com base, em meras suposições.
Em terceiro lugar, assiste razão às duas credoras no que toca à destrinça efectuada ao nível dos créditos comuns
Aliás, o plano de recuperação que foi junto aos autos e muito pouco detalhado a nível dos pagamentos a efectuar, datas de pagamento, modalidades, em relação a cada um dos credores da devedora.
Não se compreende, efectivamente, por que motivo há uma destrinça entre créditos comuns, nas categorias “A” e “B”, quando o CIRE não estabelece essa distinção — cfr. artigo 47.° n.° 4 alínea c) do CIRE.
Mas ainda se que se admitisse essa possibilidade de distinção, para efeitos de escalonamento dos pagamentos, a mesma, tal como se apresenta, não é minimamente esclarecedora: quais os créditos concretamente reconhecidos que cabem em cada uma das categorias? Não se sabe. Ora, essa informação é vital para os credores e para a tutela das suas expectativas de recebimento.
Há, por conseguinte, neste concreto plano de recuperação, violação censurável de regras procedimentais (falta de contraditório e dúvidas quanto ao votos emitidos para aprovação do plano), bem como de normas de conteúdo (distinção não esclarecida entre créditos comuns e falta de identificação concreta de créditos e credores visados nessa distinção), que impedem a sua homologação, lançando-se mão do disposto no artigo 215.º do CIRE”.

Sem que se deixe de referir que o poder de fundar a decisão em factos não alegados contém implícita a faculdade de o juiz, por sua própria iniciativa, os investigar livremente, bem como recolher as provas e informações que entender convenientes, para utilizar aqui uma linguagem comum à do citado art.° 1409.°.
Determinante, ainda assim, continua a ser o alcance decorrente do disposto no art. 265.°, n.° 3 do CPC, que não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual competir às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligência probatórias (Ac. STJ, de 28.3.2000: Sumários, 39.°-23). Aqui também, por evidência e por mera constatação, sem necessidade de outro tipo de averiguação ou indagação processual, atenta a amostragem dos Autos.

Indispensável é, em todo o caso, que o juiz deve sempre referenciar a fonte de conhecimento dos factos que, não tendo sido alegados pelas partes, levou em consideração na decisão, servindo-lhe de fundamento. Por um lado, esta é uma decorrência do dever de justificar a decisão judicial que compete ao tribunal [v.g., art.ºs 659.°, 668.°, n.° 1, al. b), 669.°, n.° 1, e 653.°, n.° 2, do C.P.Civ.]. Por outro, isso é ainda essencial para permitir aos interessados apresentar recurso, materializando, por isso, um dos vectores conformadores do direito a recorrer que, naturalmente, pressupõe a possibilidade de aceder ao conhecimento pleno da decisão de que se recorre (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO- REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, p.103-105). O que, circunstancialmente, não deixou de acontecer, nem cerceou qualquer forma reactiva (de que de resto o presente processo é exemplo absoluto) de reapreciação do decidido por tribunal superior, fazendo funcionar tais elementos como de corroboração de tal apreciação decisória firmada.

O que atribui resposta negativa às questões em I. configuradas.


II.
5. O plano de recuperação foi aprovado pela maioria dos credores, sendo que tal vontade é suficiente de per si para justificar as distinções no plano.
4. Não se verificam igualmente violação de regras de conteúdo;


O que vem de dizer-se em resposta às questões anteriores vale, aqui, em idêntica dimensão e alcance. Em todo o caso, para que dúvidas não restem, volte a destacar-se que:

“(…) passa por apreciar as normas procedimentais como todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes — incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento — e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado.
Diferenciadamente, normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.
Em todo o caso, sem olvidar - segundo a solução que (também) temos por melhor, tanto os vícios de carácter procedimental como os atinentes ao conteúdo têm um mesmo tipo de tratamento e de regime”.


No mais, a questão - que agora se pretende remanescente, mas redunda claramente, tautológica e, por isso, recorrente - encontra-se, igualmente, tratada. Com efeito, também em referencial de tratadistas,

«o n.° 4 do art. 47º CIRE (conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência) limita-se à mera enunciação das categorias de créditos relevantes em sede de processo de insolvência, sem sequer os enumerar por ordem de prevalência.
No que respeita aos créditos garantidos, privilegiados e comuns, a classificação corresponde à trilogia geral do direito substantivo. Apenas há que realçar a opção expressa do legislador pela consideração dos privilégios especiais como uma modalidade de garantia real, aliás ao encontro do que é opinião dominante na doutrina.
Inovadora é a criação da categoria dos créditos subordinados, sujeitos a um regime particular, cuja vertente mais significativa — e única que aqui importa sublinhar — é a da sua colocação na cauda da hierarquia, pelo que eles só podem ser pagos após a integral satisfação de todos os demais que integram as outras categorias que os precedem. E isso o que logo resulta do proémio do n.° 1 do art.° 48.° e se confirma no art.° 177°.
Ainda assim, há que ter em atenção, em obediência a este mesmo art.° 177.°, que dentro dos créditos subordinados há uma ordem imperativa de satisfação.
Quanto à definição dos créditos garantidos e privilegiados nada, em boa verdade, se acrescenta ao que decorre dos princípios gerais.
Uma vez que aquilo que está em causa é a satisfação de créditos à custa do património do insolvente, compreende-se, sem qualquer dificuldade, a limitação da categoria dos créditos garantidos àqueles que estão assistidos de garantia real, visto que as demais garantias (pessoais) se caracterizam pela possibilidade de o credor exigir o pagamento a terceiros, o que não é, para este efeito, especialmente relevante — embora se deva atender ao que dispõe o art.° 179.°.
Mas há que destacar, em atenção ao estatuído no artigo anterior, que também devem ser considerados garantidos os créditos que, embora não tenham, em rigor, o insolvente por devedor, são, no entanto, beneficiários de garantia real incidente sobre bens da massa.
Quanto à parte final do preceito, o que fundamentalmente se quer dizer é que a garantia, uma vez esgotados os bens sobre que incide, não se transmite para outros bens, ainda que o crédito não tenha sido integralmente satisfeito à sua custa, ou mesmo tenha ficado totalmente desprovido de pagamento por causa da prevalência de outras garantias.
Porém, no remanescente não pago pelas forças da garantia, o crédito não se extingue, mantendo-se como comum (cfr. art.° 174.°, n.° 1) (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO- REIMPRESSÃO, QUID JURIS SOCIEDADE EDITORA, Lisboa 2009, p.225)» .

O que, acrescidamente, leva a concluir que a definição de créditos comuns contida na al. c) do n.° 4 é puramente tautológica: a lei basta-se com a ideia de que são comuns os créditos que não integram nenhuma das outras categorias, conferindo-lhe, ainda assim, um certo carácter subsidiário.

Consequentemente, com tal tessitura institucional de protecção, configura-se, assim, como inarredável, em revelação intra processual, com efeito, existir no plano de revitalização da empresa C (…), Lda. violação de regras de procedimento, atinentes à falta de contraditório, mais se suscitando dúvidas quanto aos votos emitidos para a aprovação do aludido plano; acrescendo a existência de violação de normas de conteúdo, designadamente as relativas à distinção não esclarecida entre créditos comuns e à falta de identificação concreta dos créditos e dos credores visados nessa distinção. Não sem olvidar, mesmo, configurar posição, aliás, consentânea com a assumida pela Fazenda Nacional, em sede de votação do aludido plano, que expressou o seu voto contra tal aprovação.

Razões, tudo visto e ponderado, que sedimentam manter a decisão proferida, por meio da qual o Tribunal recusou oficiosamente a homologação do plano de recuperação da devedora “C (…), Lda.

***


Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:


1.
Em função do disposto no art. 215º CIRE (não homologação oficiosa), vector de análise será o que passa por apreciar as normas procedimentais como todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes — incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento — e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado.
2.
Diferenciadamente, normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.
3.
Em todo o caso, sem olvidar - segundo a solução que se tem por melhor - que, tanto os vícios de carácter procedimental como os atinentes ao conteúdo, têm um mesmo tipo de tratamento e de regime.
4.
Nulidades do processo são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faz corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais. Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na lei, seja ainda na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
5.
Com este alcance, não pode deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses.
6.
Do que se trata no art. 11º CIRE (princípio do inquisitório), é de permitir ao juiz encarregado do processo que, na apreciação do pedido, nos embargos à decisão declaratória prolatada e nos incidentes de qualificação, se sirva de outros factos para além dos alegados pelas partes para fundamentar as decisões que profira.
7.
Poderes inquisitórios amplos só existem, com carácter geral, no domínio dos processos de jurisdição voluntária, segundo o que consta do n.° 2 do art.° 1409.° do C.P.Civ.. Por ser assim, já se vê como o art.° 11.º excepciona o regime geral.
8.
Parece, no entanto, conveniente distinguir entre a «notoriedade» definida no art. 514.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil e que se traduz no «conhecimento geral» dos factos que a revestem — tornado dispensável a sua prova e até a sua alegação — e o carácter «notório» dos factos que a lei, ao invés, exige que sejam aduzidos e demonstrados «O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar».
9.
Determinante, ainda assim, continua a ser o alcance decorrente do disposto no art. 265.°, n.° 3 do CPC, que não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual competir às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligência probatórias. Aqui também, em evidência, por mera constatação, sem necessidade de outro tipo de averiguação ou indagação processual, atenta a amostragem dos Autos.
10.
Indispensável é, em todo o caso, que o juiz deve sempre referenciar a fonte de conhecimento dos factos que, não tendo sido alegados pelas partes, levou em consideração na decisão, servindo-lhe de fundamento. Por um lado, esta é uma decorrência do dever de justificar a decisão judicial que compete ao tribunal [v.g., art.ºs 659.°, 668.°, n.° 1, al. b), 669.°, n.° 1, e 653.°, n.° 2, do C.P.Civ.]. Por outro, isso é ainda essencial para permitir aos interessados apresentar recurso, materializando, por isso, um dos vectores conformadores do direito a recorrer que, naturalmente, pressupõe a possibilidade de aceder ao conhecimento pleno da decisão de que se recorre.
11.
 O que, circunstancialmente, não deixou de acontecer, nem cerceou qualquer forma reactiva (de que de resto o presente processo é exemplo absoluto) de reapreciação do decidido por tribunal superior, fazendo funcionar tais elementos como de corroboração de tal apreciação decisória firmada.
12.
O n.° 4 do art. 47º CIRE (conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência) limita-se à mera enunciação das categorias de créditos relevantes em sede de processo de insolvência, sem sequer os enumerar por ordem de prevalência. A definição de créditos comuns contida na al. c) do n.° 4 é puramente tautológica: a lei basta-se com a ideia de que são comuns os créditos que não integram nenhuma das outras categorias, conferindo-lhe, ainda assim, um certo carácter subsidiário.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC..



António Carvalho Martins - Relator
Carlos Moreira - 1º Adjunto
Anabela Luna de Carvalho -  2º  Adjunto