Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2495/20.7T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
GRAU DE SATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS
Data do Acordão: 09/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 23.º, N.ºS 4, AL.ª A), E 7, DO ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL (EAJ)
Sumário:
I – Não obstante a redação dúbia e equívoca do n.º 7 do art.º 23.º do EAJ, a remuneração variável que aí se encontra prevista não poderá deixar de ponderar – como impõe a norma em questão – o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.

II – Tal remuneração corresponderá, portanto, a 5% do montante dos créditos satisfeitos, quando estes créditos (satisfeitos) correspondam à totalidade dos créditos admitidos, configurando-se, portanto, um grau de satisfação destes créditos de 100%; quando assim não seja, aqueles 5% terão que ser calculados com referência ao grau de satisfação dos créditos, ou seja, à percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

Apelação nº 2495/20.7T8ACB.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Leiria - Alcobaça - Juízo Comércio - Juiz 2

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

                               Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de insolvência referentes a AA, o Sr. Administrador Judicial – BB – veio juntar aos autos o cálculo da remuneração variável que entendia ser-lhe devida nos termos do art.º 23.º, n.º 4, alínea a), e n.º 7, do Estatuto do Administrador Judicial, concluindo pela remuneração de 20.965,61€, nos termos do seguinte quadro: 

Observado o contraditório – com a notificação dos demais intervenientes que nada disseram – foi proferida decisão que fixou aquela remuneração no valor de 13.745,19€, acrescida de IVA à taxa legal.

Inconformado com essa decisão, o Sr. Administrador da Insolvência veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

Primeiro. Procede o presente recurso da decisão datada de 22.06.2022, em que determinou o M.mo Juiz a quo, no que ao âmago do presente recurso interessa, o seguinte: “Pelo exposto e de acordo com as normas legais citadas, decido fixar a remuneração variável do Srº. Administrador da Insolvência em €13.745,19, acrescida de IVA à taxa legal.”

Segundo. No que tange à remuneração variável em função da liquidação da massa insolvente (artigo 23.º, n.º 4, al. b) da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro – Estatuto do Administrador Judicial), o tribunal a quo decidiu – acertadamente, crê-se - em conformidade com o cálculo apresentado pelo aqui apelante, fixando tal valor em €8.856,44 (sem IVA), correspondente a 5% do resultado da liquidação.

Terceiro. Já quanto à remuneração variável decorrente da satisfação dos créditos (artigo 23.º, n.º 7 do EAJ), enquanto o apelante calculou uma majoração de €8.188,77, o tribunal a quo entendeu ser-lhe devido a esse título apenas €4.888,75.

Quarto. Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo desconsiderou os pressupostos factuais e a redacção legal que subjaz ao confronto de interesses emergentes no presente recurso, designadamente arredando a aplicação da majoração que o legislador EXPRESSA e DECLARADAMENTE consignou no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ.

Quinto. Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”

Sexto. Partindo do citado preceito, o tribunal a quo discorreu e concluiu nos seguintes termos:

“Assim temos um total de créditos reclamados e admitidos de €3.20617,75. O grau de satisfação de tais créditos é de 55,24% (0,5524) ((€177.128,86 /€320.617,75). A taxa de majoração é assim de 2,76% (5%*55,24% (0,5524)) e não 5% como parece indicar o Sr.º AI, uma vez que importa ter em conta o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos como supra referimos. Aplicando o critério de majoração em função da satisfação dos credores, obtemos o valor de 4.888,75€ (€177.128,86 *2,76%).”

Sétimo. No entanto, com todo o respeito que é devido, andou mal o tribunal a quo ao calcular a majoração remuneratória nos termos vindos de citar.

Oitavo. A redacção do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração do administrador da insolvência corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos.

Nono. Decorre directa e inequivocamente da citada norma que a taxa de 5% deve ser aplicada sobre um montante - “importância, soma, verba” -, isto é, sobre um valor nominal.

Décimo. Em sentido oposto e conflituante com o da norma, o tribunal a quo decidiu, discricionariamente, aplicar a taxa de 5%, não a um montante, mas a uma percentagem, neste caso de 55,24%, que, segundo argumenta, corresponderia ao grau de satisfação dos créditos.

Décimo primeiro. Ao fundamentar a sua decisão, o tribunal a quo afirma o seguinte:

“Está igualmente prevista uma majoração da remuneração variável em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, correspondente a 5% do grau de satisfação dos créditos (n.º 7).”

Décimo segundo. Ora, conforme já se registou, o artigo 23.º, n.º 7 EAJ prevê que a remuneração do administrador da insolvência seja majorada em “5% do montante dos créditos satisfeitos” e não em “5% do grau de satisfação dos créditos”.

Décimo terceiro. Como bem se percebe, o tribunal a quo subverte a redacção da norma em crise, preterindo, assim, o regime expressamente consagrado pelo legislador.

Décimo quarto. De facto, perante a formulação “5% do grau de satisfação dos créditos”, caberia admitir a realização do cálculo da majoração nos termos propugnados pelo tribunal a quo.

Décimo quinto. No entanto, a redacção que o legislador conferiu à norma é substancialmente diversa, e reflecte uma inequívoca opção por um regime distinto daquele que o tribunal a quo aplicou.

Décimo sexto. Tanto mais que deve presumir-se que o legislador se soube expressar correctamente – cfr. art.º 9.º n.º 3 do CCivil -, e que não estamos perante qualquer lacuna ou erro na expressão do legislador.

Décimo sétimo. Assim, se o legislador pretendesse que a taxa de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 EAJ se aplicasse sobre uma percentagem não teria determinado expressamente que ela incidisse sobre um montante.

Décimo oitavo. O tribunal a quo entendeu que “o cálculo apresentado pelo Sr.º AI não considerou o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, argumentando que a aplicação da taxa de 5% directamente ao montante dos créditos satisfeitos implica a desconsideração daquela variável.

Décimo nono. De facto, não oferece a menor dúvida que o legislador elegeu como critério da majoração da remuneração do administrador da insolvência o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.

Vigésimo. Porém, não deixou margem ao julgador para densificar esse critério, isto é, para determinar quais os parâmetros para aquilatar do grau de satisfação dos créditos.

Vigésimo primeiro. Em verdade, detendo-nos na redacção da norma, resulta evidente que, depois de indicar o princípio subjacente à majoração, o legislador concretiza imediatamente aquele critério, determinando que o grau de satisfação dos créditos é dado pelo montante dos créditos satisfeitos.

Vigésimo segundo. Consabidamente, o julgador está vinculado às opções do legislador, na medida em que lhe está vedado adoptar decisões que não tenham o mínimo de correspondência na letra da lei.

Vigésimo terceiro. Na esteira do art.º 9.º n.º 3 do CCivil, que norteia a interpretação das normas, mormente quanto à limitação do juiz na sua discricionariedade aplicativa, presume-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e, querendo-o, consagrou as soluções mais acertadas, concorde-se com elas ou não;

Vigésimo quarto. Teria o Tribunal a quo de cingir-se à aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 7 EAJ, não existindo qualquer margem de “interpretação” de uma solução que o legislador entendeu exprimir de forma literal e cristalina.

Vigésimo quinto. Conforme determina a citada norma, deve, no caso sub judice, aplicar-se a taxa de 5% sobre o valor de €163.775,44 (montante dos créditos satisfeitos), de onde resulta uma majoração da remuneração variável do administrador da insolvência no valor de €8.188,77,

Vigésimo sexto. O que, somado ao valor de €8.856,44, a título de remuneração variável em função da liquidação da massa insolvente (artigo 23.º, n.º 4, al. b) EAJ), resulta num total de remuneração variável de €17.045,21.

POR TUDO O EXPOSTO;

Vigésimo sétimo. Com o devido respeito, a decisão recorrida viola, no entendimento do recorrente, o disposto no art.º 23.º, n.º 7 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro;

Vigésimo oitavo. Devendo a mesma ser objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, fixe a remuneração do recorrente/Administrador Judicial Provisório em:

a. 2.000,00 € a título de remuneração fixa, a que alude o art.º 23.º n.º 1 da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro;

b. 8.856,44 € a título de remuneração variável, a que alude o art.º 23.º n.ºs 4, alínea b) Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro;

c. 8.188,77 € a título de majoração, a que alude o art.º 23.º n.º 7 da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro;

d. montantes esses acrescidos de IVA à taxa legal em vigor.

O Ministério Público respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber qual a interpretação a dar ao n.º 7 do art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial com vista a saber se a remuneração aí prevista deve corresponder (em qualquer caso) a 5/prct do montante dos créditos satisfeitos ou se, por dever atender ao grau de satisfação dos créditos (conforme critério estabelecido na mesma norma), deve corresponder a 5/prct da percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos.


/////

III.

Está em causa no presente recurso a decisão que fixou a remuneração variável devida ao Sr. Administrador da Insolvência no valor global de 13.745,19€, acrescida de IVA à taxa legal, correspondente ao valor de 8.856,44€ por força do disposto no n.º 4 do art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro) acrescido do valor de 4.888,75€ por força do disposto no n.º 7 do mesmo artigo.

O Apelante aceita e não contesta a decisão, na parte em que fixou a remuneração devida por força do disposto no n.º 4 no valor de 8.856,44€.

O presente recurso visa apenas o segmento da decisão que fixou a remuneração prevista no n.º 7 do artigo acima citado, considerando o Apelante que a decisão recorrida interpretou erradamente a referida disposição legal e que a remuneração devida ao abrigo dessa disposição não corresponde ao fixado na decisão recorrida (4.888,75€), mas sim ao valor de 8.188,77€.

O preceito acima citado dispõe, no que toca à remuneração variável e na parte que agora releva, o seguinte:

(…)

4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:

a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;

b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.

(…)

6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.

7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.

(…)”.

O que está em causa, como se referiu, é apenas a remuneração devida nos termos do n.º 7, em relação à qual a decisão recorrida considerou que ela deve ser calculada tendo como referência o grau de satisfação dos créditos reclamados. Assim, porque o grau de satisfação de créditos era de 55,24% (haviam sido reclamados créditos no valor de 320.617,75€ e os créditos satisfeitos eram de 177.128,86€), considerou que a taxa de majoração não era de 5% sobre o valor dos créditos satisfeitos (como pretendia o Apelante), mas sim de 2,76€ (5% da percentagem de satisfação que era de 55,24%).

O Apelante, por seu turno, considera que tal remuneração deve corresponder a 5% do valor dos créditos satisfeitos, argumentando, no essencial:

- Que a taxa de 5% deve ser aplicada – como resulta da norma em questão – a um valor nominal e não a uma percentagem (que no caso seria de 55,24%) como considerou o Tribunal;

- Que o que se prevê na norma em questão é que a remuneração do administrador da insolvência seja majorada em “5% do montante dos créditos satisfeitos” e não em “5% do grau de satisfação dos créditos”;

- Que, se o legislador pretendesse que a taxa de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 EAJ se aplicasse sobre uma percentagem não teria determinado expressamente que ela incidisse sobre um montante.

Olhando à norma em questão – o n.º 7 do artigo acima mencionado –, não poderemos deixar de constatar que a sua redacção é equívoca no que diz respeito ao sentido que se lhe pretendeu atribuir. Na verdade, se é certo que a leitura literal da segunda parte do referido n.º 7 parece apontar para uma remuneração que corresponderia (em qualquer caso) a 5/prct do valor dos créditos satisfeitos (sendo este o sentido que o Apelante lhe pretende atribuir), a primeira parte remete, de forma inequívoca, para um critério de fixação da remuneração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, que não se compadece, de modo algum, com uma remuneração fixada numa percentagem (5%) a incidir sobre o montante dos créditos satisfeitos sem qualquer consideração pela percentagem que esses créditos representam no valor global dos créditos que haviam sido reclamados e admitidos.

Uma interpretação e aplicação estritamente literal do referido preceito, no seu conjunto, parece, portanto, não ser viável. Com efeito, a entender-se que a remuneração corresponde a 5% dos créditos satisfeitos (como resultaria da leitura literal da segunda parte da norma), será totalmente desconsiderado o critério – estabelecido na primeira parte – de fixação da remuneração em função do grau de satisfação dos créditos; a entender-se que a remuneração deve atender ao grau de satisfação de créditos (como manda a primeira parte da norma), ela não poderá corresponder, em qualquer caso, a 5% do valor dos créditos satisfeitos.

Nessas circunstâncias e perante uma redacção que, aparentemente, se contradiz e é inconciliável em si mesma, qual a leitura/interpretação que se deve ter como mais correcta? Aquela que lhe foi dada pela decisão recorrida ou aquela que o Apelante lhe pretende atribuir?

Embora a questão seja discutível, inclinamo-nos para a interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida.

Mandam as regras de interpretação da lei – estabelecidas no art.º 9.º do CC – que, apesar de não poder ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ali se determinando ainda na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Sendo certo – conforme referimos – que uma interpretação estritamente literal não é viável, importa tentar apurar e reconstituir o pensamento legislativo.

Ora, dizendo-se ali expressamente que a remuneração em questão é calculada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, parece que a intenção do legislador terá sido a de considerar que a remuneração em questão tomasse em conta essa variável. Tal pretensão/intenção está, aliás, em perfeita sintonia com aquilo que já constava da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 112/IX – que veio a dar origem ao anterior Estatuto do Administrador da Insolvência (aprovado pela Lei n.º 32/2004) – e que também se colhe na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 107/XII – que veio a dar origem ao actual Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013) – de onde resulta que a remuneração em questão visa também incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível e premiá-los pelo resultado efectivamente obtido e que se presume resultar, pelo menos em parte, do seu empenho e do seu esforço. Nessa perspectiva, surge como natural que o grau de satisfação de créditos surja como variável relevante na fixação da remuneração.

Veja-se que, na sua redacção inicial, o actual Estatuto já previa (no seu n.º 5) a remuneração em causa a calcular “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” (o mesmo acontecia, aliás, com o anterior Estatuto que previa e regulava essa remuneração nos mesmos termos – cfr. respectivo art.º 20.º, n.º 4) e, à data, essa remuneração era fixada por aplicação de factores constantes de uma portaria (a Portaria n.º 51/2005, de 20/01) e que estavam estabelecidos com referência e em função da “percentagem de créditos admitida que foi satisfeita” (quanto maior fosse essa percentagem – ou seja, o grau de satisfação dos créditos admitidos – maior seria o factor aplicável com vista à fixação da remuneração).

Ora, apesar de – por força da alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 – o Estatuto ter passado a conter as regras de cálculo da remuneração (deixando, portanto, de o fazer com referência a qualquer portaria), a redacção da primeira parte do n.º 7 do art.º 23.º (anteriormente n.º 5) manteve-se inalterada, continuando, portanto, a fazer referência ao facto de a remuneração ser majorada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Parece claro, portanto, que o legislador não teve o propósito de alterar o que anteriormente constava da lei – ou seja, que a remuneração em questão era calculada em função do grau de satisfação dos créditos ou percentagem de créditos admitidos que foi satisfeita – sucedendo apenas que a expressão escolhida para estabelecer o valor dessa remuneração não foi feliz, na medida em que parece apontar para uma remuneração que não leva em conta o grau de satisfação dos créditos.

Se o legislador tivesse pretendido alterar o regime até aí vigente (que, como se referiu, atendia expressamente à percentagem de créditos admitidos que havia sido satisfeita ou grau de satisfação), certamente que o teria deixado claro e, ao invés de reproduzir o que já constava da lei, não deixaria de eliminar a referência que ali era feita ao facto de a remuneração ser majorada, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, dizendo apenas – como seria mais lógico – que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 seria majorado em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos.

Não foi essa a opção do legislador. E não foi – pensamos nós – porque não foi sua intenção que aquela remuneração fosse calculada com referência exclusiva ao valor dos créditos satisfeitos sem considerar a percentagem que esses créditos representavam no valor global dos créditos que haviam sido admitidos, ou seja, o grau de satisfação destes créditos. A intenção do legislador – quando alterou a redacção da norma com a Lei n.º 9/2022 – terá sido apenas a de afastar a remissão que, anteriormente, era feita para uma portaria, passando a regular directamente essa matéria; e, tendo mantido o critério base que estava estabelecido (o grau de satisfação dos créditos), a sua intenção terá sido a de estabelecer a remuneração em 5% da percentagem de créditos satisfeitos em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos, ainda que isso não tenha ficado expresso com clareza no texto legal.

A norma em questão deve, portanto – na nossa perspectiva – ser lida e interpretada com o sentido que lhe foi atribuído pela decisão recorrida, ou seja: a remuneração corresponderá a 5% do montante dos créditos satisfeitos, quando estes créditos (satisfeitos) correspondam à totalidade dos créditos admitidos, configurando-se, portanto, um grau de satisfação destes créditos de 100%; quando os créditos satisfeitos não correspondam à totalidade dos créditos admitidos, aqueles 5% terão que ser calculados com referência ao grau de satisfação dos créditos, ou seja, à percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos.

Se o valor da remuneração correspondesse sempre a 5% dos créditos satisfeitos (como sustenta o Apelante), tal significaria que a remuneração seria idêntica quer esses créditos correspondessem à globalidade dos créditos admitidos, quer correspondessem a uma parte ínfima deles; o grau de satisfação dos créditos seria, portanto, totalmente desconsiderado ao contrário do que expressamente se dispõe na norma em causa e contrariando aquele que – pelas razões apontadas – pensamos ter sido o pensamento do legislador.

Improcede, portanto, o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                      (Paulo Correia)