Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6782/16.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIORIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 1905º Nº2 DO CÓDIGO CIVIL, NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 122/2015, DE 01-09 E ART.1880º DO CC
Sumário: 1. Na Reforma do Código Civil de 1977, estendeu-se a obrigação de alimentos dos pais para além da menoridade dos filhos, com a finalidade de permitir que estes completassem a sua formação profissional e preparassem o seu futuro após a maioridade ou emancipação (art.1880º do CC).

2. A redação do art. 1905º nº2 do Código Civil, introduzida pela Lei 122/2015, de 01-09, em vigor desde o dia 01-10-2015, determina que a pensão de alimentos já fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais durante a menoridade, se mantém automaticamente a quem tiver menos de 25 anos de idade, cabendo ao progenitor vinculado à prestação alimentícia requerer a sua cessação e tendo o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do filho foi concluído antes de este perfazer os 25 anos ou foi voluntariamente interrompido por este ou, ainda, a irrazoabilidade da exigência da prestação alimentícia.

3. Esta norma inovadora aplica-se às relações jurídicas já constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, independentemente de o filho ter atingido a maioridade, todavia, apenas desde a data da sua entrada em vigor.

4. Até à Lei 122/2015, entendia-se que a prestação fixada durante a menoridade não se mantinha com a maioridade, pelo que os filhos maiores ou emancipados tinham o ónus de propor uma acção para receber alimentos dos pais para além da menoridade. Porém, o dever de alimentos não cessava automaticamente com o fim da menoridade. A cessação da obrigação alimentar carecia de ser judicialmente ordenada, devendo o obrigado alegar e provar qualquer uma das causas de cessação da obrigação de alimentos constantes do art. 2013.º do C. Civil.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

A... , divorciada, com os sinais dos autos, deduziu (em 13/09/2016) incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra B... , divorciado, também identificado nos autos, por este não ter efectuado o pagamento de quaisquer prestações de alimentos ao filho C... , desde que este, em 15/02/2010, atingiu a maioridade, não obstante este continuar a estudar, tendo concluído a licenciatura em 29/6/2016 e frequentando actualmente um mestrado numa escola em Berlim.

Assim – tendo em processo de divórcio por mútuo consentimento, que correu termos no T. F. de Coimbra, sido homologado, em 11/01/1999, o respectivo acordo de regulação das responsabilidades parentais, segundo o qual o pai contribuíria, a título de prestação alimentar, com a quantia mensal de 60.000$00, até ao dia 8 do mês a que respeitar – pede a condenação do requerido a pagar € 16.200,00 de alimentos vencidos e não pagos, acrescidos das prestações vincendas, numa multa e numa indemnização a favor da requerente e do filho em montante não inferior a € 1.000.

Notificado o requerido veio este, inter alia, invocar que a Lei nº 122/2015, de 1/9, não tem aplicação retroactiva, pelo que, tendo o C... atingido a maioridade antes da sua entrada em vigor, não está fixada qualquer obrigação de alimentos, não se podendo falar em incumprimento.

Conclusos os autos, foi proferida decisão que julgou improcedente o presente incumprimento das responsabilidades parentais.

Tendo-se expendido, para o efeito, o seguinte:

“ Compulsando os autos principais – de divórcio por mútuo consentimento – verifico que em 15/2/92 nasceu C... , filho da requerente e do requerido, os quais acordaram (acordo este que foi judicialmente homologado) em que o requerido contribuísse mensalmente com a quantia de 60.000$00 para alimentos do filho, a entregar à mãe até ao dia 8 do mês a que disser respeito.

Assim, o C... atingiu a maioridade (cfr. o artigo 122º do C.C.) em 15/2/2010, aí tendo cessado a sua sujeição às responsabilidades parentais (cfr. o artigo 1877º do mesmo código).

Não obstante, o artigo 1880º dispõe : «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete» .

A obrigação referida no artigo anterior é a de sustento dos filhos, que recai sobre os pais.

No domínio da anterior redacção do artigo 1905º do C.C., a Jurisprudência dominante ia no sentido de que a pensão de alimentos caducava com a maioridade, pelo que o jovem poderia requerer, em processo próprio instaurado contra os progenitores na Conservatória do Registo Civil competente, e nos termos do DL. 272/2001 de 13/10, a fixação de alimentos ao abrigo do artigo 1880º acima transcrito.

Neste sentido, ver os Acórdãos da Relação de Lisboa de 6/3/2012, processo 109187-A/1995.L1-7 e de 17/6/2014, processo 6308/10.0tbcsc.L2-1, e do S.T.J. de 22/4/2008, processo 08B389, in www.dgsi.pt, entre outros.

Entretanto, em 1/10/2015, entrou em vigor a Lei nº 122/2015 de 1/9, que deu nova redacção ao artigo 1905º do C.C., dispondo agora o seu nº 2 : «Para efeitos do disposto no artigo1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada a seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido, ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência» .

É nesta norma, com a redacção acabada de transcrever, que a requerente funda a sua pretensão.

Porém, não podemos esquecer que o filho das partes atingiu a maioridade muito antes da entrada em vigor da mencionada lei, concretamente, mais de cinco anos antes.

Por outro lado, não podemos ignorar que, de acordo com a própria alegação da requerente, o requerido deixou de pagar alimentos ao filho após este atingir a maioridade e este – que era quem dispunha exclusivamente de legitimidade para o efeito na altura – ficou inerte. Deste modo, o pedido formulado pela requerente só poderia proceder se se considerasse que a Lei nº 122/2015, nomeadamente na parte em que alterou a redacção do artigo 1905º do C.C., era de aplicação retroactiva.

Ora, não tendo a Lei nº 122/2015 incluído qualquer norma transitória, temos que a interpretar à luz do artigo 12º do C.C. :

«1. A lei só dispõe para o futuro …

2. Quando a lei … dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor» .

Reafirmando o que já se declarou, temos que quando a Lei nº 122/2015 entrou em vigor, já não subsistia a obrigação alimentar a cargo do requerido, que havia caducado em 15/2/2010.

Deste modo, não é defensável a aplicabilidade da nova redacção do artigo 1905º do C.C. ao caso em apreço, não podendo «renascer» uma obrigação alimentar inexistente!

Neste sentido, referindo-se inclusivamente a uma situação hipotética em tudo semelhante à dos presentes autos, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 2/6/2016, processo 47-16.5t8csc.L1-6, in www.dgsi.pt.

Assim, não estamos perante qualquer incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais por parte do requerido.”

Inconformada com tal decisão, interpôs a requerente o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que “considere aplicável ao caso concreto a Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro e, em consequência, declare que a prestação de alimentos fixada a favor do então menor C... , ora maior, se mantém na maioridade deste, desde Fevereiro de 2010 e até, pelo menos, ao momento em que o C... faça 25 anos, determinando-se o prosseguimento dos autos para apuramento das quantias devidas pelo recorrido à recorrente, a título de pensões de alimentos vencidas e não pagas desde a maioridade do C... até à presente data, acrescidas das prestações vincendas”.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.ª Vem o presente recurso de apelação interposto pela recorrente da sentença proferida nos autos em epígrafe em 02.11.2016, a qual julgou improcedente o pedido de declaração da manutenção da pensão de alimentos fixada na menoridade até ao momento em que o filho perfizer vinte e cinco anos de idade e, em consequência, julgou também improcedente o incumprimento suscitado pela ora recorrente.

2.ª A recorrente veio, em 13.09.2016, nos termos do disposto nos artigos 1880.º e 1905.º, n.º 2 do Código Civil e 989.º, n.º 3 do CPC, na redacção da Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, requerer a declaração de manutenção para além da maioridade do filho C... (actualmente com vinte e quatro anos de idade) da pensão de alimentos fixada, durante a menoridade deste, no acordo homologado por sentença proferida nos autos principais de divórcio aos quais foram apensos os autos em epígrafe e deduzir incidente de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais estabelecido no que respeita à dita obrigação de alimentos.

3.ª Na sentença recorrida, considerando o facto de o C... ter atingido a maioridade antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 122/2015 , decidiu-se que esta Lei não tem aplicação retroactiva e julgaram-se improcedentes os pedidos formulados pela recorrente.

4.ª A questão essencial a resolver é, assim, a de saber, face à mudança substancial operada pela Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, qual o âmbito de aplicação temporal desta lei, ou seja, perceber se este novo regime se aplica a todas as pensões de alimentos fixadas na menoridade (independentemente de, à data da entrada em vigor da lei, o filho já ter ou não atingido a maioridade) ou somente àquelas que venham a ser fixadas a partir de 1 de Outubro de 2015 (data da entrada em vigor da referida lei).

5.ª No caso concreto, não obstante o recorrido, a partir do momento em que o filho C... atingiu a maioridade (15.02.2010), ter deixado de efectuar o pagamento regular da dita pensão de alimentos fixada na menoridade daquele, mensalmente e no valor fixado de € 300,00, aquele continuou a reconhecer o débito alimentar, por tal motivo procedendo a tal pagamento em vários meses após a maioridade do C... (no período compreendido entre os meses de Setembro de 2010 (inclusive) e Outubro de 2012 (inclusive) – e, assim, durante mais de dois anos (26 meses) - o recorrido procedeu ao pagamento da quantia mensal de € 250,00; no período compreendido entre os meses de Novembro de 2012 (inclusive) e Junho de 2013 (inclusive) – e, assim, durante oito meses - o recorrido apenas procedeu ao pagamento da quantia mensal de € 125,00).

6.ª O que é reconhecido expressamente pelo próprio recorrido quando alega que, para além dos montantes que a recorrente diz terem sido por ele pagos após a maioridade do filho C... , também procedeu ao pagamento de outras quantias referentes a despesas daquele, sobretudo de educação.

7.ª Para além disso, alegou também a recorrente no seu requerimento inicial – requerendo a produção de prova sobre tal factualidade impugnada pelo recorrido - que este continuou a declarar fiscalmente, após a data em que o C... atingiu a maioridade, o valor total correspondente ao pagamento anual de doze mensalidades no valor de € 300,00 cada uma, recebendo os respectivos benefícios fiscais e que, assim, também dessas declarações fiscais anuais - apresentadas nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 -, se pode inferir o reconhecimento do dito débito alimentar por parte do recorrido após a maioridade do filho C... .

8.ª Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que a referida obrigação alimentar cessou automaticamente no momento em que o C... atingiu a maioridade.

9.ª Na presente data não concluiu ainda o C... o seu processo de educação e de formação profissional, necessitando, portanto, que também o pai, ora recorrido, e não apenas a mãe, lhe continue a prestar alimentos, pelo menos no montante fixado durante a sua menoridade.

10.ª Contrariamente ao entendido na decisão recorrida, o recorrido, após a data em que o C... atingiu a maioridade, continuou obrigado a contribuir - de forma regular, mensalmente e pelo menos no valor fixado de € 300,00 - para o sustento e formação académica daquele (moldes fixados durante a menoridade), por imposição do art. 1880.º do Código Civil, na interpretação que lhe foi incorporada pelo nº 2 do art. 1905.º do mesmo diploma legal no seguimento da entrada em vigor da Lei 122/2015, de 1 de Setembro.

11.ª Ao não proceder ao pagamento regular das pensões de alimentos devidas ao C... nos períodos temporais alegados pela recorrente e ao deixar de pagar as referidas pensões de alimentos a partir de Julho de 2013, o recorrido incorreu em incumprimento, o qual, nos termos do disposto no art. 989.º, n.º 3 do CPC, é invocável directamente pela recorrente, pessoa que supriu directamente a omissão de tais pagamentos pelo recorrido, assumindo a título principal o pagamento das despesas do C... .

12.ª O legislador pôs termo à controvérsia jurisprudencial existente, esclarecendo definitivamente que a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que atinja os 25 anos de idade, salvo nos casos excecionais previstos na lei.

13.ª E, como é manifesto e contrariamente ao entendimento sufragado pela decisão recorrida, esta regra abrange todos os que se encontrem nas condições que a lei prevê, ou seja, os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois, não tenham ainda completado os 25 anos de idade, nem concluído o seu processo de educação ou de formação profissional, sob pena de, defendendo-se interpretação diferente, se colocar em causa o princípio da igualdade, princípio basilar do nosso Estado de Direito e com dignidade constitucional!

14.ª Porque o legislador ficcionou, e a vida corrente assim o confirma, que, por regra, a necessidade de alimentos do filho menor se manterá até aos 25 anos, decidiu-se interpretar-se o art. 1880.º do Código Civil no sentido de dever ser automaticamente estendida essa obrigação até o filho atingir tal idade.

15.ª Veja-se neste sentido, relativamente à questão de saber se a Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, é aplicável à situação em que o menor atingiu a maioridade antes da sua entrada em vigor, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2016 (disponível in www.dgsi.pt), no qual se considera que a aplicabilidade da alteração introduzida pela Lei 122/2015 de 1 de Setembro não significa uma aplicação retroactiva da lei, ali se defendendo o entendimento de que esta lei se aplica a todos os casos pendentes à data da sua entrada em vigor, encontrando-se os jovens ainda a completar a sua educação e/ou formação profissional, existindo alimentos fixados na menoridade.

16.ª Pelo que, e tal como consta do sumário do supra citado Acórdão do TRL de 30.06.2016, a declaração de continuidade da prestação de alimentos, para além da maioridade, nos termos do disposto no art.º 1905.º n.º 2 do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei 122/2015 de 01 de Setembro, decorre da normal tramitação do incidente de incumprimento, na qual se insere, até porque nele sempre se determina também o pagamento das prestações vincendas, nos termos do art.º 189.º da OTM e actual art.º 48.º do RGPTC.

17.ª O Tribunal a quo subscreveu, contudo, entendimento contrário, defendendo que - não tendo a citada Lei 122/2015 incluído qualquer norma transitória quanto à sua aplicação no tempo e tendo assim a mesma que ser interpretada à luz do art. 12.º do Código Civil - se tem necessariamente que concluir que a dita Lei não se aplica às situações, como a do caso concreto, em que o filho atingiu a maioridade antes de 01.10.2015, data da sua entrada em vigor.

18.ª Não se pode, contudo, aceitar tal entendimento, devendo, desde logo, considerar-se a exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 975/XII/4ª, de 29.5.2015 (relativo à dita Lei n.º 122/2015, de 01.09), sendo que, tendo sido acolhido no essencial o que se fizera constar no mencionado Projecto de Lei, as referidas alterações introduzidas pela dita Lei n.º 122/2015 tornaram claro que, por um lado, a obrigação de pagamento da pensão alimentícia (para efeitos do disposto no art. 1880.º do Código Civil) se mantém após a maioridade do filho e até que este perfaça 25 anos de idade, com as excepções previstas na lei e, por outro lado, que o progenitor que assumir a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores, e que em regra será a mãe – como sucede no caso concreto -, pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação destes.

19.ª Ao que acresce que, porque a nova lei (Lei n.º 122/2015) nada diz quanto ao seu âmbito de aplicação temporal, há que recorrer, tal como mencionado pela decisão recorrida, ao art. 12.º do Código Civil: sabe-se que o princípio geral da aplicação da lei no tempo, em Portugal, é o da não retroactividade, dispondo as leis, em princípio, apenas para o futuro; todavia, este princípio apresenta alguma flexibilidade que se manifesta exactamente em situações como a do caso sub judice, ou seja, situações em que a lei dispõe sobre o conteúdo das relações - entre pais e filhos, no caso -,abstraindo-se dos factos que lhes dão origem.

20.ª Ora, nestas situações, a lei aplica-se também às relações já existentes que subsistam à data da sua entrada em vigor, como sucede manifestamente no caso concreto, uma vez que, à data em que a referida Lei 122/2015 entrou em vigor, o C... ainda não tinha feito 25 anos.

21.ª Assim, não podem restar quaisquer dúvidas de que o novo regime introduzido pela Lei n.º 122/2015 se aplica também às obrigações de prestações de alimentos fixadas antes da sua entrada em vigor (01.10.2015) e mesmo na hipótese em que o filho tenha atingido a maioridade antes desta referida data, tendo que se concluir, contrariamente ao entendimento sufragado na decisão recorrida, que a referida Lei tem aplicação também nesta situação.

22.ª Este entendimento foi recentemente subscrito e defendido pela Senhora Juíza Conselheira do STJ Fernanda Isabel Pereira, no âmbito das “Jornadas de Direito de Família – As Novas Leis: Desafios e Respostas”

23.ª Assim, e reportando-nos agora ao caso concreto, no seguimento do defendido pela supra citada Ilustre Juíza Conselheira, tendo o C... , filho de recorrente e recorrido, atingido a maioridade antes da entrada em vigor da nova lei e não tendo sido declarada cessada a obrigação alimentar – pelo contrário, o recorrido, após o referido momento em que o C... atingiu a maioridade, continuou a reconhecer expressamente o débito alimentar, procedendo ao pagamento de pensões de alimentos -, deve entender-se a Lei 122/2015 como aplicável, mantendo-se a obrigação alimentar até, pelo menos, ao momento em que o C... perfaça os 25 anos.

24.ª Mas mesmo que assim se não entendesse – o que não se aceita e apenas se equaciona como mera hipótese de raciocínio – e se considerasse que tinha cessado a obrigação alimentar com o termo da menoridade antes da entrada em vigor da lei nova, ainda assim, como também defendido pela Ilustre Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, sempre se deveria considerar como meio processual adequado o recurso pela recorrente a providência tutelar cível prevista no art. 45.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por remissão do artigo 989.º do Código de Processo Civil.

25.ª O Tribunal recorrido violou, pois, expressamente as normas dos artigos 12.º, 1879.º, 1880.º e 1905.º, n.º 2 do Código Civil, bem como do artigo 989.º do C.P.C., por não considerar aplicável ao caso concreto as alterações introduzidas pela Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, ao art. 1905.º, n.º 2 do Código Civil e ao art. 989.º do CPC.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação

A – Em termos factuais, nada há a acrescentar ao que está referido no relatório que antecede.

B – Quanto ao direito:

Diz a recorrente, na sua conclusão 4.ª, que a “questão essencial é a de saber, face à mudança substancial operada pela Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, qual o âmbito de aplicação temporal desta lei, ou seja, perceber se este novo regime se aplica a todas as pensões de alimentos fixadas na menoridade (independentemente de, à data da entrada em vigor da lei, o filho já ter ou não atingido a maioridade) ou somente àquelas que venham a ser fixadas a partir de 1 de Outubro de 2015 (data da entrada em vigor da referida lei)”.

Não concordamos, totalmente.

É relativamente pacífico, a nosso ver, sustentar, em tese e teoricamente, que o novo regime se aplica a todas as pensões de alimentos fixadas, independentemente de, à data da entrada em vigor da lei, o filho já ter atingido a maioridade, sendo a seguir, na concretização prática do que efectivamente se quer dizer com isto, que surge a dificuldade.

Vejamos:

Na Reforma de 1977, consagrou-se, inovadoramente, no artigo 1880º do C. Civil que, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”; isto é, estendeu-se a obrigação de alimentos dos pais para além da menoridade dos filhos, com a finalidade de permitir que estes completem a sua formação profissional e preparem o seu futuro após a maioridade ou emancipação.

Obrigação esta, com a extensão prevista em tal artigo 1880º, que – segundo a tese que vingou na jurisprudência – tinha que ser exercida autónomamente pelo filho maior ou emancipado, o que significava que a prestação fixada durante a menoridade (no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais) não se mantinha com a maioridade, tendo o filho maior ou emancipado o ónus de propor a respectiva acção e, bem assim, de alegar e provar os respectivos pressupostos (ou seja, estar a realizar a sua formação profissional; o tempo normalmente requerido para esse efeito; e a razoabilidade da manutenção da prestação).

Foi pois neste contexto legal e entendimento jurisprudencial que surgiu a Lei 122/2015, de 1-09 (em vigor desde o dia 1 de Outubro de 2015) e a nova redacção que a mesma deu ao art. 1905.º/2 do C. Civil, segundo a qual, “para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Temos pois que, com a nova redacção do artigo 1905.º/2 do C. Civil, se mantém automaticamente, a quem tiver menos de 25 anos de idade, a pensão já fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais durante a menoridade; cabendo ao progenitor vinculado à prestação alimentícia requerer a sua cessação e tendo o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do filho foi concluído antes de este perfazer os 25 anos ou foi voluntariamente interrompido por este ou, ainda, a irrazoabilidade da exigência da prestação alimentícia.

Estamos pois (com a nova redacção do artigo 1905.º/2 do C. Civil) perante uma norma que procede, inovadoramente – tendo presente a corrente jurisprudencial (supra referida) que havia feito vencimento na interpretação do art. 1880.º do C. Civil – à ampliação da obrigação dos pais prestarem alimentos a filho maior ou emancipado (para assegurarem a sua educação/formação profissional) e nesta medida não estamos perante uma lei interpretativa (cfr. art. 13º Código Civil)[1].

Aliás, no Projecto de Lei que antecedeu a Lei 122/2015 teve-se a clara noção que se estava a inovar e não a interpretar, tendo-se observado, na exposição de motivos, “que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade” e que “são os filhos maiores que, para obviar a tal, têm de instaurar acção especial contra o outro progenitor (...) o que os faz inibir dessa iniciativa”; destacando-se a celeridade da nova solução legal, que, sem hiatos temporais ou delongas de índole meramente formal, permite ao filho maior ou emancipado continuar a receber a prestação de alimentos já fixada em seu benefício durante a menoridade.

O que significa – ao dizer-se que o “novo” art. 1905.º/2 do C. Civil não é uma lei interpretativa (que não se integra na lei interpretada) e que o mesmo cai na previsão da 2ª parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil, aplicando-se, por conseguinte, às relações jurídicas constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor – que não se pode estar a dizer que o novo art. 1905.º/2 do C. Civil se aplica a momentos temporias anteriores à data da sua entrada em vigor, mas apenas que se aplica às relações jurídicas que tenham sido constituídas antes da data da sua entrada em vigor e que subsistam à data da sua entrada em vigor, todavia, apenas desde a data da sua entrada em vigor (01/10/2015).

Doutro modo, se se entendesse que se aplicava a momentos temporias anteriores à data da sua entrada em vigor, estaríamos caídos na chamada “retroactividade” da lei interpretativa, a qual, quando ocorre, não é sequer ilimitada e que não pode violar expectativas fundadas (cfr. art. 13.º do C. Civil).

Este é, aliás, o ponto: aplicar o novo art. 1905.º/2 do C. Civil a momentos temporais anteriores à data da sua entrada em vigor seria – em face do que se começou por dizer sobre o contexto legal e entendimento jurisprudencial anteriores à Lei 122/2015 – claramente violador do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dedutíveis do art. 2.º da CRP.

A obrigação de alimentos dos pais para além da menoridade dos filhos, com a extensão prevista no artigo 1880º, tinha até à Lei 122/2015, como supra se referiu, que ser exercida autonomamente pelo filho maior ou emancipado, uma vez que se entendia que a prestação fixada durante a menoridade (no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais) não se mantinha com a maioridade, pelo que os filhos maiores ou emancipados que assim não procedessem – que até à entrada em vigor da Lei 122/2015 não propuseram qualquer acção a exigir o cumprimento de tal obrigação – deixavam consolidar a situação, deixavam que ficasse definitivamente arrumado o assunto, não podendo agora admitir-se que o reabram e, para mais, “de forma invertida”, isto é, fazendo recair sobre os pais um ónus (da alegação e prova das causas da cessação de tal obrigação) que estes compreensivelmente não cumpriram (por, no momento temporal em que haveriam de ter cumprido tal ónus imposto pela LN, o contexto legal e entendimento jurisprudencial os dispensar do cumprimento do mesmo).

Repare-se no caso dos autos/recurso: nunca o C... , tendo atingido a maioridade em 15/02/2010, intentou qualquer acção a exigir o cumprimento da obrigação alimentar consagrada no art. 1880.º, vindo agora a mãe, volvidos 6 anos e 7 meses (em 13/09/2016) sobre a data da maioridade, pedir que tudo o que está para trás (aqueles 6 anos e 7 meses consolidado à luz da LA) seja apreciado à luz da Lei Nova, que, como se referiu, procedeu, inovadoramente, à ampliação da obrigação dos pais prestarem alimentos a filho maior ou emancipado.

Como é evidente, com o devido respeito por opinião diversa, admitir isto era, repete-se, violar o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dedutíveis do art. 2.º da CRP.

Temos pois, fechando o raciocínio, que o “novo” art. 1905.º/2 do C. Civil se aplica às relações jurídicas constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, significando isto, concretizando, que só poderá estar em causa a sua aplicação a partir de 01/10/2015 (às relações jurídicas então ainda subsistentes).

Conclusão esta que em nada vai, a nosso ver, contra a decisão recorrida, que claramente aceita que o “novo” art. 1905.º/2 do C. Civil se aplique às relações jurídicas então ainda subsistentes.

Objectando, isso sim, para o não aplicar ao caso dos autos, que “quando a Lei nº 122/2015 entrou em vigor, já não subsistia a obrigação alimentar a cargo do requerido, que havia caducado em 15/2/2010 (...) [motivo pelo qual] não é defensável a aplicabilidade da nova redacção do artigo 1905º do C.C. (...), não podendo «renascer» uma obrigação alimentar inexistente”.

Efectivamente, era comum afirmar-se que a obrigação alimentar (fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais) devida pelos pais aos filhos menores cessava com o fim da menoridade (sem prejuízo do que se referiu sobre o art. 1880.º do C. Civil); na medida em que as responsabilidades parentais vão até à maioridade (art. 1877.º).

Mas também se afirmava “que o atingir da maioridade não determina a cessação automática do dever de alimentos decretada em data anterior – precisamente porque, embora os alimentos devidos a menores constituam uma específica obrigação alimentar, causas de cessação da obrigação de alimentos são as constantes do art. 2013.º do C. Civil, sendo que neste normativo não se prevê o fim da menoridade como causa da cessação da obrigação alimentar – antes essa cessação carece de ser judicialmente ordenada, devendo o obrigado alegar e provar qualquer um dos motivos aí mencionados, por cujo respeito o tribunal pode fazer cessar a referida obrigação.

É que, se, por um lado, nos termos do art. 1412.º/2 do CPC, a maioridade ou emancipação não impedem que o processo de alimentos devidos a menores se conclua, por outro, o incidente de cessação (e de alteração) há-de correr por apenso, o que inculca a ideia de que não ocorre uma cessação automática, ipso iure, do dever de alimentos[2].

Pelo que, tentando compatibilizar o aparentemente incompatível, somos levados a dizer que, antes da Lei 122/2015, sem prejuízo de ter que ser intentada acção a exigir a obrigação alimentar consagrada no art. 1880.º, sem ser judicialmente ordenada (excluído o caso previsto no art. 2013.º/1/a) do C. Civil) também a cessação da obrigação alimentar não se verificava.

Ou seja, na data em que a Lei nº 122/2015 entrou em vigor a situação estava consolidada/arrumada até tal data (não podendo ser reaberta até tal data), mas a obrigação alimentar (fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais) não estava ainda extinta, motivo pelo qual se pode dizer que a relação jurídica subsistia (não representando assim a aplicação da Lei n.º 122/2015, a partir da data da sua entrada em vigor, o «renascer» duma obrigação alimentar inexistente).

Em síntese, não tendo havido, até à entrada em vigor da Nova Lei, uma decisão judicial a declarar cessada a obrigação alimentar fixada durante a menoridade, é o art. 1905.º/2 do C. Civil aplicável, desde, repete-se, a data da sua entrada em vigor: 1/10/2015.

É quanto basta – ficando prejudicados os demais argumentos alinhados pela apelante – para afirmar que procede, nesta exacta medida, parcialmente o recurso.


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III – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, que se substitui pela declaração da prestação de alimentos fixada a favor do então menor C... , ora maior, se manter entre 1/10/2015 e 15/02/2017, determinando-se o prosseguimento dos autos para apuramento das quantias devidas pelo recorrido à recorrente.

Custas pela requerente e requerido, na proporção de 4/5 e 1/5.


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Coimbra, 07/03/2017

 (Barateiro Martins)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Como refere Batista Machado, in Int. ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, pág. 246/7: “(...) se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma [no caso, o art. 1880.º], então a LN que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora. Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a LN vem consagrar, então está é decididamante inovadora”.
[2] Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos, pág. 370.