Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6414/16.7T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: SEGREDO BANCÁRIO
ACÇÃO JUDICIAL
BANCO
CLIENTE
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.78, 79 RGICSF ( DL Nº 298/92 DE 31/12 )
Sumário:
O banco que instaura ação contra um cliente, para obter a condenação deste a pagar-lhe certa quantia com origem num contrato de abertura de crédito, não viola o dever de sigilo bancário, previsto no artigo 78.º (Dever de Segredo) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, quando junta aos autos, com a petição inicial, um extrato da respetiva conta.
Decisão Texto Integral: Recorrentes……………AP (…)
AJ (…)
Recorrida………………Caixa Geral de Depósitos, S. A.,
*
I. Relatório
a) O presente recurso vem interposto do despacho saneador na parte em que o tribunal emitiu a seguinte declaração: «Admito a prova documental já apresentada».
b) É quanto a esta declaração que os réus recorrem porque tinham requerido na contestação o desentranhamento do extrato bancário que o banco autor tinha junto com a petição inicial, tendo formulado as seguintes conclusões:
«a. O presente Recurso é interposto do despacho proferido pelo Tribunal a quo, concretamente, na parte em que admitiu a junção aos Autos do documento n.º 2 da Petição Inicial.
b. Não se conformam os Recorrentes com tal decisão.
c. Com a Petição Inicial, sob documento n.º 2, a Recorrida procede à junção do que alega ser um “extracto de movimentos de conta”, alegadamente referente a conta titulada pelos Recorrentes.
d. Os Recorrentes impugnaram o mencionado documento, com os fundamentos devidamente invocados em sede de Contestação, que aqui dão por integralmente reproduzidos e dos quais em momento algum prescindem; nomeadamente, não reconhecem o documento como verdadeiro.
e. Acresce ainda que os Recorrentes invocaram que, tratando-se, alegadamente, de um “extracto de movimentos de conta” referente a conta titulada pelos Recorrentes junto da Recorrida, a junção do mencionado documento, e sua admissão, configuraria uma clara situação de quebra do sigilo bancário por parte da Recorrida, a qual, em violação das proibições legais vigentes, procedeu à junção aos Autos de um extracto de alegadas movimentações de conta bancária titulada pelos Recorrentes.
f. Mais alegaram que, em tal situação, estaríamos perante a utilização de prova proibida, pugnando pelo desentranhamento do documento dos Autos, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26.º da CRP.
g. Não obstante, o Tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, admitindo, sem limitação, a prova documental apresentada pelas partes e, assim, admitindo o referido documento n.º 2 da PI.
h. Andou mal o Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por um outro que determine o desentranhamento dos Autos do documento n.º 2 da Petição Inicial.
i. A Recorrida – Caixa Geral de Depósitos, S.A. –, é uma sociedade anónima que tem por objecto o exercício da actividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei.
j. O exercício de tal actividade é fortemente regulada no ordenamento jurídico português, em especial no que diz respeito ao sigilo bancário a que as instituições em causa se encontram sujeitas, nomeadamente às disposições previstas no RGICSF.
k. Determina o n.º 1 do art. 78.º do RGICSF que “os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.
l. Determina o n.º 2 do art. 78.º do RGICSF que “estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.
m. Da mencionada disposição legal resulta que a junção aos Autos do que a Recorrida alega tratar-se o extracto de conta dos Recorrentes é inadmissível, constituindo, assim, a utilização, por parte da Recorrida, de prova proibida.
n. As regras estabelecidas na mencionada disposição legal comportam excepções.
o. Excepções estas que estão previstas no art. 79.º do RGICSF.
p. Determina o n.º 1 do art. 79.º do RGICSF que “os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição”.
q. Se os Réus nem sequer reconhecem como verdadeiro o extracto que a Recorrida juntou aos Autos, muito menos transmitiram qualquer autorização para o efeito, o que, aliás, nem a própria Recorrida alega que se tenha verificado.
r. Determina o n.º 2 do art. 79.º do RGICSF que “fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições; d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições; f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.
s. A situação jurídica controvertida nos presentes Autos não se subsume a qualquer das previsões do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF.
t. Conclui-se, também por esta via, que a junção aos Autos por parte da Recorrida do que alega ser um extracto de conta referente a conta alegadamente titulada pelos Recorrentes é inadmissível, constituindo a utilização de prova proibida.
u. Deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por um outro que, considerando que assiste razão aos Recorrentes, determine o desentranhamento dos Autos do documento n.º 2 da Petição Inicial.
v. A este respeito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 22 de Março de 2011, no âmbito do Processo n.º 2505/09.9TJLSB-A.L1-1, onde se decidiu que “os extractos da conta bancária juntos aos autos (ainda que para prova dos factos alegados pelo Banco, autor na acção intentada contra o réu seu cliente) foram juntos com quebra indevida do sigilo bancário pelo que não podia ter sido admitida a sua junção pelo tribunal recorrido nem podia o juiz da causa decretar, ex oficio, a quebra do sigilo bancário por ser matéria excluída da sua competência”.
w. Deve, pois, o Despacho recorrido ser revogado e substituído por um outro que determine o desentranhamento dos Autos do documento n.º 2 da Petição Inicial, em virtude do mesmo constituir prova proibida, por clara e manifesta violação do sigilo bancário nos termos supra expostos.
(…)
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente Recurso ser considerado procedente, por provado, e, consequentemente, o Despacho proferido pelo Tribunal a quo, na parte que admite a junção aos Autos do documento n.º 2 da Petição Inicial, ser revogado e substituído por um outro que, reconhecendo razão aos ora Recorrentes, determine o desentranhamento dos Autos do mencionado por o mesmo ser inadmissível, constituir prova proibida, por clara e manifesta violação do sigilo bancário, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa.
Assim fazendo…».
c) O banco recorrido não contra-alegou.
II. Objeto do recurso
Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o recurso coloca apenas a seguinte questão:
Saber se o documento n.º 2 junto com a petição inicial, que a autora Caixa Geral de Depósitos qualifica como sendo um extrato bancário atinente a uma conta aberta pelos réus nos seus serviços, deve ser retirado dos autos, por violar o dever de sigilo bancário e constituir, por isso, uma prova proibida, apesar dos réus afirmarem que tal documento não tem correspondência com a realidade.
III. Fundamentação
a) Questão prévia
O relator colocou a hipótese da decisão sob recurso não ser recorrível, por não se tratar de uma decisão efetiva, na medida em que não continha qualquer tipo de fundamentação e não se tinha pronunciado em concreto sobre o pedido formulado pelos réus na contestação relativamente ao desentranhamento do extrato da conta bancária.
Reponderando a questão, é de concluir que apesar da decisão enfermar de nulidade manifesta, por omissão de pronúncia, por não ter sido analisado um pedido expressamente formulado, certo é que, como não foi arguida em 1.ª instância a nulidade, tem de se considerar que tal decisão genérica tem virtualidade para transitar em julgado e, por isso, é suscetível de recurso.
Não pode deixar, porém, de se apontar o inconveniente desta solução que consiste em colocar um tribunal de recurso, como é o Tribunal da Relação, a decidir pela primeira vez uma questão colocada no processo ao tribunal da 1.ª instância.
É que, no limite, o tribunal da 1.ª instância poderá deixar de apreciar as questões processuais, bem como questões substantivas, que as partes lhe coloquem, limitando-se a decidir de modo genérico, sem fundamentação, passando, através deste procedimento, a decisão para o Tribunal da Relação, caso as partes optem por não arguir a nulidade da decisão na 1.ª instância, por omissão de pronúncia.
b) Matéria de facto
A matéria de facto é de natureza processual e resulta já do relatório que antecede.
c) Apreciação da questão objeto do recurso.
Vejamos então se o documento n.º 2 junto com a petição inicial, que a autora Caixa Geral de Depósitos alega ser um extrato bancário atinente a uma conta aberta pelos Réus nos seus serviços, deve ser retirado dos autos, por violar o dever de sigilo bancário e constituir, por isso, uma prova proibida, apesar dos réus afirmarem que tal documento não tem correspondência na realidade.
1 – Em primeiro lugar, sendo impugnado o documento pelos réus, dir-se-ia que a questão da quebra do sigilo só se colocaria se fosse estabelecido que o documento corresponde à realidade.
Com efeito, se o documento não espelha factos com correspondência na realidade (se o conteúdo do documento é falso), então não tem aptidão para violar um dever de sigilo.
Porém, além de não ser líquido que o dever de sigilo incida sempre sobre factos com correspondência na realidade, a questão pode ser desde já decidida com proveito para a celeridade processual.
Passando, por conseguinte, à análise da questão colocada pelo recurso.
2 - O dever se sigilo a que estão obrigadas as instituições financeiras e respetivos funcionários encontra-se presentemente previsto no artigo 78.º (Dever de Segredo) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, onde se dispõe o seguinte:
«1 - Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços».
O artigo 79.º deste diploma contempla as exceções ao sigilo bancário, mas não prevê expressamente situações típicas nas quais se possa incluir o caso dos autos, ou seja, os casos em que o autor da ação é um banco e demanda um seu cliente por causa de um litígio que tem como fundo factual e jurídico a relação bancária estabelecida entre ambos.
O referido diploma apenas determina, na al. b), do n.º 2, do artigo 79.º, que os elementos cobertos pelo segredo podem ser revelados «Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo».
A remissão desta norma para outras normas, não resolve a questão colocada, pelo que nada mais se dirá com base nela.
O dever de sigilo bancário resulta, desde logo, do contrato celebrado entre o banco e o cliente, pois, como refere Menezes Cordeiro «O segredo bancário deriva, ainda, da existência de uma relação jurídica bancária, de base contratual. Ao concluir a abertura de conta, o banqueiro e o seu cliente, explícita ou implicitamente, assentam em que o sigilo será respeitado. Quando o não façam, o sigilo sempre se imporia como dever acessório, imposto pela boa fé (762.º/2, do Código Civil)» ( Manual de Direito Bancário, 4.ª edição. Coimbra: Almedina, 2012, pág. 339. No regime anterior do DL 2/78 de 9 de janeiro, ver O Segredo Bancário em Portugal – Alberto Luís, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 41, Vol. II, págs. 451 e seguintes.).
Mas também é imposto por razões de interesse público, pois como diz o mesmo autor, «Ele [o sigilo] assume a dimensão de uma exigência pública, necessária para o funcionamento das instituições. Ninguém irá, tranquilo, a um hospital se pensar que pode ser violentado, em público, na sua sensibilidade ou no seu pudor. Ninguém confiará no seu advogado se tiver a ideia que este poderá revelar, fora do que exija a defesa dos interesses, quanto lhe confiar» ( Ob. cit., pág. 328.).
E, continuando com o mesmo autor, o segredo bancário também emerge da necessidade de proteger interesses ligados aos direitos de personalidade e sua tutela constitucional quando surge um conflito de interesses entre o titular ou «dono» do segredo e terceiros, surgindo aqui numa dimensão erga omnes ( «O segredo aproxima-se, desta forma, do direito à intimidade sobre a vida privada», Meneses Cordeiro, Ob. cit, pág. 328.).
Verifica-se, face ao que fica exposto, que o dever de segredo tem por finalidade manter oculto em relação a terceiros o conteúdo das relações bancárias estabelecidas entre o banco e o cliente.
Por conseguinte, sempre que não exista revelação do conteúdo de relações bancárias a terceiros não há violação do segredo.
Coloca-se, por isso, a questão de saber se no caso dos autos há revelação a terceiros do conteúdo de relações bancárias tituladas pelos réus.
Vejamos então.
Além dos réus e da autora, que for força do seu ofício conhece obrigatoriamente os dados protegidos pelo segredo, só acede a esse conhecimento o tribunal onde corre termos a presente ação.
Cabe, pois, perguntar se o tribunal é, nestas circunstâncias, um terceiro?
A resposta é negativa, pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, a lei determina no artigo 1.º do CPC (Proibição de autodefesa) que «A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei».
Por conseguinte, a resolução das questões entre os sujeitos processuais tem de ser levada obrigatoriamente a cabo por entidades terceiras, que, no nosso país, são os tribunais estaduais ou arbitrais.
Com efeito, a Constituição da República portuguesa prevê no seu artigo 202.º, n.º 1, que «Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo» e no n.º 2, do seu artigo 209.º, acrescenta que além dos tribunais estaduais «Podem existir (…) tribunais arbitrais e (…)».
Por conseguinte, havendo um litígio entre um banco e um seu cliente, relativo a relações bancárias estabelecidas entre ambos, que careça de ser resolvido em tribunal, então não pode ser imposto ao banco qualquer dever de sigilo relativamente a essas relações bancárias e respetivos factos probatórios, sob pena de não ser possível instaurar a ação e provar os seus fundamentos.
É que, se o banco estivesse obrigado a guardar sigilo, então não podia expor (descrever) na petição os factos relativos às relações bancárias no âmbito das quais emergiu o litígio.
Se o banco estivesse obrigado a guardar sigilo, então não podia revelar ao tribunal, desde logo, que o réu era seu cliente, pois, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º (Dever de Segredo) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, «Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias».
Do mesmo modo, o banco não podia articular os factos necessários à construção da causa de pedir – al. d), do n.º 1, do artigo 552.º do CPC –, identificando o contrato estabelecido e as diversas ações de natureza bancária praticadas durante a execução desse contrato ou contratos.
Nem podia invocar os factos probatórios e os meios de prova correspondentes.
Ou seja, o banco não podia instaurar uma ação para dirimir um conflito existente entre si e um seu cliente, pois começava logo por violar o segredo bancário ao dizer que o réu tinha relações bancárias consigo.
É certo que se pode objetar que o tribunal poderá articular os factos, mas já não pode juntar os documentos probatórios destinados a provar esses factos, carecendo quanto a estes de obter decisão do tribunal superior, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 417.º do CPC, a autorizar a quebra do sigilo bancário.
Porém, se se defender que existe proibição de revelar os documentos probatórios neste caso, então também tem de se admitir que a mesma razão deve impedir a revelação de factos na petição inicial abrangidos pelo sigilo bancário.
Ou seja, a parte não podia instaurar a ação.
Melhor, podia instaurá-la, mas previamente tinha de deduzir procedimento judicial onde expusesse os fundamentos da ação e pedisse a quebra do sigilo ao tribunal da Relação, podendo em caso de êxito, mas só então, instaurar a ação.
Este hipotético procedimento mostra-se inadequado por duas razões:
Em primeiro lugar, a existência de tal procedimento implicaria que o Tribunal da Relação ao analisar o caso pudesse recusar a revelação de factos cobertos pelo sigilo, impedindo com isso a instauração da ação.
Claro que isto não poderia ocorrer, pois equivaleria a denegação de justiça.
Logo, o Tribunal da Relação teria de deferir sempre a quebra do sigilo.
Mas, sendo assim, qual era a intervenção do Tribunal da Relação?
Nenhuma, porque como não podia «dizer não», tinha de deferir sempre a quebra do sigilo.
Isto mostra que nestes casos não existe uma situação abrangida pela razão de ser do sigilo bancário.
Em segundo lugar, tal solução poder-se-ia revelar injustamente lesiva dos interesses das entidades bancárias quando estivessem em causa ações executivas onde a necessidade de penhora fosse urgente ou procedimentos cautelares cuja decisão se mostrasse também urgente.
A prévia instauração no Tribunal da Relação do procedimento relativo à quebra do sigilo bancário, poderia inviabilizar na prática a realização de tais procedimentos cautelares.
Concluindo: a situação em apreço mostra que não ocorrem nestes casos as razões ou motivos que fundamentam o dever de sigilo bancário.
Não se adere, por isso, à orientação seguida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo n.º 2505/09.9TJLSB-A) invocado pela recorrente.
Quanto ao facto de terceiros poderem obter certidões do processo na parte relativa aos documentos bancários, tal não é legalmente viável porque o n.º 1 do artigo 164.º e o n.º 2 do artigo 170.º, ambos do CPC, impedem essa divulgação por se tratar de matéria relativa à intimidade ou reserva da vida privada.
Como é sabido, quando se aplica uma norma, como é o caso da norma que prevê o sigilo bancário, aplicam-se todas as outras, aplica-se toda a ordem jurídica, e por isso, a norma tem de ser articulada com as outras normas também aplicáveis ao caso, como as que constam dos artigos 1.º e al. d), do n.º 1, do artigo 552.º, do Código de Processo Civil e as relativas ao direito substantivo invocadas pela autora, nas quais baseia a causa de pedir e o pedido.
Do exposto concluiu-se que, nestes casos, o tribunal, como entidade legalmente incumbida de dirimir conflitos, não é um terceiro de quem o titular do direito ao segredo bancário deva ou possa ocultar os factos necessários à resolução do litígio, nem existe uma situação social que justifique ou fundamente a preservação do segredo profissional por parte do banco.
Não existindo, como se afigura pelo exposto até aqui, qualquer inconstitucionalidade nas norma acabadas de invocar.
Pelo exposto, cumpre decidir pela improcedência do recurso.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Alberto Ruço ( Relator)
Vítor Amaral ( com declaração de voto)
Luís Cravo
*
Declaração de voto.
Votei a decisão, sem prejuízo de considerar que, estando em causa direitos fundamentais – prendendo-se o segredo bancário com o âmbito da reserva da intimidade da vida privada, constitucionalmente garantida – de pendor oposto (também merece proteção, obviamente, o direito à prova no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais), a dever, por isso, ser harmonizados ou compatibilizados em concreto (ao que não são estranhos critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação), a questão da validade/valoração da prova por documentação bancária junta pelo banco (autor) contra o cliente (réu), referente à situação patrimonial/bancária deste, deverá ser enfrentada a jusante, aquando da decisão da matéria de facto. Acresce que, embora junta (com a consequente exposição/divulgação no processo, que tem natureza pública), a dita prova documental não deverá poder ser acedida por terceiros, mormente em termos de consulta ou de passagem de certidões (cfr. art.ºs 163.º, 164.º, n.º 1, 165.º e 170.º, todos do NCPCiv.).
Vítor Amaral
*
Coimbra, 8 de maio de 2018